A Dialética do Ideal

Evald Vasilievich Ilienkov

1976


Fonte: A Dialética do Ideal (Диалектика идеального) é um manuscrito de 1976, não publicado em vida por Ilienkov, mas que teve uma versão parcial, e fortemente editada, traduzida para o inglês, em 1977, por Robert Daglish, chamada O Conceito de Ideal (The Concept of the Ideal), na revista Philosophy in the URSS: Problems of Dialectical Materialism. Em 2009 foi publicada uma versão completa e com comentários do autor no periódico russo Logos (n. 1, p. 6-62), e, em 2012, este texto completo foi traduzido para o inglês, publicado no periódico Historical Materialism: Research in Critical Marxism Theory (v. 20, n. 2, p. 149-193). Esta tradução em português tem permissão do editor da revista Historical Materialism, e do tradutor, professor Alex Levant, da Wilfrid Laurier University, para a publicação no Marxists Internet Archive. Entre chaves estão os comentários que Ilienkov incluiu em versões subsequentes do texto, e mudanças de palavras e frases estão marcadas com um til (~). As notas do tradutor em inglês estão indicadas com A.L. e as do tradutor em português com M.S..
Tradução do inglês: Marcelo José de Souza e Silva.(1)
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Fernando A. S. Araújo.
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A ideia da transformação do ideal em real é profunda: muito importante para a história. Mas também se vê que aí há muito de verdadeiro no que tange à vida pessoal do homem. Contra o materialismo vulgar.(2)

O “ideal” – ou a “idealidade” dos fenômenos – é uma categoria muito importante para ser tratada levianamente e sem cuidado, como é associado não somente com um entendimento marxista da essência do idealismo, mas até mesmo com sua nomenclatura.

Dentre as doutrinas idealistas, nós incluímos todos aqueles conceitos da filosofia que tomam como seu ponto de partida de uma explicação da história e do conhecimento uma concepção do ideal que é, como era, parcial, não elaborada – como consciência ou vontade, como pensamento ou como a mente em geral, como “alma” ou “espírito”, como “sentimento” ou como “criatividade”, ou como “experiência socialmente organizada”.

Isso é precisamente porque o campo anti-materialista na filosofia é chamado idealismo, e não, digamos, “intelectualismo” ou “psicologismo”, “voluntarismo” ou “consciência-ismo [сoзнанизмом]” – estas já são especificações particulares, e absolutamente não os atributos universais(3) [всеобщие] do idealismo, independentemente da forma particular que assume. O “ideal” aqui é entendido em sua totalidade, como uma completa totalidade de interpretações possíveis – aquelas já conhecidas, e aquelas ainda para serem inventadas.

Portanto, devemos afirmar que a consciência, por exemplo, é “ideal”, ou pertence à categoria dos fenômenos “ideais”, e em nenhum caso, em nenhum sentido ou aspecto, ao material. Mas, se alguém diz, ao contrário, que o “ideal” é consciência (imagem mental, conceito etc.), então se introduz uma confusão inaceitável na expressão das diferenças (contrastes) fundamentais entre o ideal e o material em geral, no próprio conceito de “ideal”. Pois tal inversão transforma o conceito do ideal de uma designação teórica pensada de uma categoria bem-conhecida de fenômenos, em um nome para somente alguns poucos deles. Como resultado, sempre se corre o risco de entrar em uma correção: mais cedo ou mais tarde, uma nova, mas ainda desconhecida, variante do idealismo entrará inevitavelmente no campo de visão de alguém que não se encaixa em uma definição tão restrita do “ideal”, que não pode acomodar este caso especial. Onde se atribuiria esse novo tipo de idealismo? Ao materialismo. Nenhum outro lugar. Ou então teria que mudar o entendimento do “ideal” e “idealismo”, para remenda-la para evitar inconsistências óbvias.

Ivan é uma pessoa, mas uma pessoa não é Ivan. Isso é porque, sob nenhuma circunstância, é admissível definir uma categoria geral através da descrição de um caso, embora típico, de “idealidade”.

Pão é comida – isso é incontestável. Mas até mesmo a lógica da escola elementar não permite a inversão desta obviedade, como a frase “comida é pão” não é uma definição correta de “comida”, e pode parecer correta somente a alguém que nunca experimentou qualquer outro tipo de pão.

É por isso que se deve definir a categoria do “ideal” em sua forma universal, ao invés de através de referências a suas variedades particulares, assim como o conceito de “matéria” não é revelada através da enumeração das concepções atualmente conhecidas de “matéria” nas ciências naturais.

Incidentalmente, este método de raciocínio sobre o “ideal” pode ser encontrado a cada passo. Muito frequentemente o conceito de “ideal” é entendido como um sinônimo simples (quase desnecessário) para outros fenômenos, nomeadamente aqueles que são determinados teoricamente através de um entendimento do “ideal” na filosofia, mais comumente, o fenômeno da consciência – consciência em si mesma.

Aqui está uma ilustração típica de tal entendimento {~ inversão da verdade}:

“Fenômenos ideais não podem existir para além e fora da consciência, e todos os outros fenômenos da matéria são materiais”(4).

Existem “para além e fora da consciência”, entretanto, tais fenômenos como os motivos inconscientes (“subconscientes”) da atividade consciente. Permanecendo fiel à lógica elementar, nosso autor deveria coloca-los no nível dos fenômenos materiais, porque “todos os outros fenômenos da matéria são materiais”. E os pensadores que colocam esta categoria no alicerce de seus conceitos – Eduard Hartmann, Sigmund Freud, Arthur Koestler e outros como eles – seriam elevados, com a mesma inexorável lógica, ao posto de materialistas. {E Narsky não deveria dizer que entende a expressão “para além e fora da consciência” “em um sentido diferente” que não o convencional.}

A confusão, como se pode ver, chega a ser muito abrangente, e não é {absolutamente} acidente que I. S. Narsky, seguindo esta lógica, identificou “materialismo” nos trabalhos de R. Carnap, porque o último lida com uma coisa tão impessoal como a “linguagem” com suas “estruturas”, que não são de forma alguma reduzíveis aos fenômenos da consciência singular (veja seu artigo sobre R. Carnap na “Enciclopédia Filosófica”).

Abaixo devemos retornar a quais consequências desagradáveis e inesperadas estão carregadas com tal entendimento impensado do “ideal”. Nesse ínterim, é suficiente notar que se se define consciência como “ideal”, então para responder a questão legítima – o que se entende por “ideal”? – com a frase “o ideal é a consciência”, “é o fenômeno (ou característica) da consciência” – não é possível, de forma alguma, sem imitar um cão brincalhão mordendo sua própria cauda.

I. S. Narsky não está sozinho. Aqui está outro exemplo:

O ideal é informação que é atualizada pelo cérebro para o eu, é a habilidade do eu de ter informação em sua forma pura e cooperar com ela [...] O ideal é um fenômeno mental, porém nem todos os fenômenos mentais podem ser designados como ideais [! – E.I.]; mas o ideal é sempre apresentado nos estados conscientes do eu singular [...] O ideal é um fenômeno puramente singular, realizado por meios de certo tipo de processo neurodinâmico cerebral (que tem sido ainda pouco pesquisado).(5)

Muito bem. Está claramente afirmado: de todos os fenômenos mentais, somente aqueles que representam estados conscientes de um sujeito devem ser relacionados ao “ideal”. É auto-evidente que “todos os outros” fenômenos mentais inevitavelmente caem (como com I. S. Narsky) na categoria dos fenômenos materiais.

Entretanto, o próprio “ideal” é sutilmente interpretado como um processo puramente material, “neurodinâmico cerebral”, processo que difere de “todos os outros”, “somente naquilo que tem sido ainda pouco pesquisado”.

Não é difícil ver que para “concretizar” o “ideal” de tal forma que transforme seu significado em uma simples nomenclatura (“designação”) de um processo (neurodinâmico) cerebral muito específico, e o problema filosófico da relação do “ideal” com o “material” é substituído pela questão da relação de um processo neurodinâmico com outros processos neurodinâmico – como um problema especial da fisiologia da atividade nervosa superior.

A forma com que o problema da “grande oposição” do ideal e do material foi formulado e resolvido na filosofia e na psicologia teórica é assim removida com segurança da esfera da pesquisa científica.  Em essência, aparece como um método pré-científico, filosófico-especulativo (quero dizer abstrato) de postular a questão, que em um exame mais de perto acaba por ser meramente uma questão “concreta” da fisiologia – a ciência que estuda as estruturas e funções do cérebro, i.e., fatos, localizados no crânio de um sujeito. Naturalmente, com tal interpretação do problema da relação do ideal com o material, todas as definições elaboradas pela filosofia como uma ciência especial, acabam por ser não somente “muito abstratas”, mas também (e precisamente por causa de sua abstração) muito “amplas”, e, portanto, “incorretas”.

Consequentemente, D. I. Dubrovsky deve opor-se categoricamente a todos aqueles filósofos e psicólogos que entendem o “ideal” como outra coisa que não um fugaz “estado consciente de um sujeito” ou o “estado mental atual de um sujeito” ou “fatos da consciência”, pelo qual ele entende exclusivamente as condições materiais de seu próprio cérebro como experimentado subjetivamente (pelo menos por alguns poucos segundos) por um sujeito.

Para D. I. Dubrovsky (para o bem de sua posição teórica, naturalmente), não importa o que estes “estados mentais atuais de um sujeito” são em termos de filosofia – eles refletem algo objetivamente real, algo fora da cabeça humana, ou então eles são meramente seus próprios “estados” imanentes experimentados subjetivamente pelo cérebro, i.e., eventos condicionados fisiologicamente por sua constituição específica, tomados ingenuamente por eventos fora do cérebro. Para D. I. Dubrovsky, ambos são igualmente “ideais” porque ambos são “expressões subjetivas, reflexões singulares dos processos neurodinâmicos cranianos”(6), e não poderiam ser outra coisa. Portanto, “a definição do ideal não depende da categoria da verdade, porque uma ideia falsa é também não um fenômeno material, mas um ideal”(7).

{O que faz nosso autor se importar que a filosofia, como uma ciência especial, tenha elaborado e desenvolvido a categoria do “ideal” precisamente em relação ao problema da verdade, e que somente nesta relação a definição de ideal e de material da filosofia tenha absolutamente qualquer sentido? O que faz ele se importar que estas definições tenham sido elaboradas na filosofia como expressões teóricas de fatos completamente diferentes daqueles que interessam pessoalmente D. I. Dubrovsky como um especialista em “estruturas cerebrais” e “processos neurodinâmicos”?}

Enquanto isso, a filosofia, como uma ciência, nunca esteve particularmente interessada na “operação singular dos processos neurodinâmicos cranianos”, e se entendemos o “ideal” no sentido de D. I. Dubrovsky, então esta categoria deve ter sido mal-entendida na filosofia, como um resultado de vários, mas igualmente ilegítimos e inaceitavelmente ampliados ou inaceitavelmente estreitados, usos da palavra “ideal”. Então o monopólio científico da interpretação deste termo, sobre a questão de o que pode e não pode “denotar”, pertenceria, de acordo com esta posição, à fisiologia da atividade nervosa superior. “A operação singular dos processos neurodinâmicos cranianos” – ponto final. Tudo o mais – do maligno (i.e., Hegel).
{A posição de D. I. Dubrovsky é realmente muito típica de pessoas que, tendo decidido repensar as definições de conceitos de certa ciência, nem ao menos se preocuparam em entender que tipo de fenômenos (práticas) esta ciência considerou e estudou para produzir estas definições. Naturalmente, tal desvio (neste caso, fisiológico) em qualquer área da ciência não pode dar frutos, exceto uma renomeação arbitrária de fenômenos científicos conhecidos, exceto por disputas sobre nomenclatura.}

É bem conhecido que o desenvolvimento teórico da categoria do “ideal” na filosofia foi produzido pela necessidade de estabelecer e então entender exatamente aquela distinção, que, para D. I. Dubrovsky, é “de não importância para a caracterização do ideal” – um distinção, e até mesmo uma oposição, entre os estados mentais fugazes de um sujeito, completamente pessoais, não possuindo qualquer significado universal para outro sujeito; e universal e necessário, e por causa disso, formas objetivas de conhecimento e cognição independentes da realidade existente de alguém {(como se o último não fosse interpretado – como a natureza ou como Ideia Absoluta, como matéria ou como pensamento divino)}. Esta distinção crucial tem uma influência direta sobre toda a batalha milenar entre o materialismo e o idealismo, a controvérsia fundamentalmente irreconciliável eles ambos. Esta distinção pode ser declarada como sendo “de não importância para a caracterização do ideal” somente fora a partir de uma ignorância completa da história desta controvérsia. O problema do ideal sempre foi um aspecto do problema da objetividade (“valor de verdade [истинности]”) do conhecimento, i.e., o problema de precisamente aquelas formas de conhecimento que são condicionadas e explicadas não pelos caprichos da fisiologia mental singular, mas algo muito mais sério, algo acima da mente singular e totalmente independente dela. Por exemplo, verdades matemáticas, categorias lógicas, imperativos morais e ideias de justiça, que são “coisas”, que tem certo significado para qualquer mente, assim como o poder de limitar seus caprichos singulares.

Esta categoria peculiar de fenômenos, tendo um tipo especial de objetividade que é obviamente independente do sujeito com seu corpo e “alma”, difere fundamentalmente da objetividade das coisas sensorialmente percebidas pelo sujeito, e foram uma vez “designadas” pela filosofia como a idealidade destes fenômenos, como o ideal em geral. Neste sentido, o ideal (aquilo que pertence ao mundo das “ideias”) já figura em Platão, para quem a humanidade deve a alocação desta gama de fenômenos a esta categoria particular, assim como sua nomenclatura. “Ideias” em Platão não são simplesmente estados da “alma” (“mente”) humana, elas são padrões de imagem comumente mantidos, necessariamente universais, claramente opostas a uma “alma” singular que direciona um corpo humano, como uma lei obrigatória para cada “alma”, com requisitos que cada sujeito deve considerar desde a infância muito mais cuidadosamente do que as exigências de seu próprio corpo singular com seus estados fugazes e aleatórios.

Como o próprio Platão explicou a origem desses padrões protótipos universais de todos os estados singulares diversificados e abrangentes da “alma”, ele corretamente os identificou como uma categoria especial, em uma base indiscutivelmente factual: como as normas universais daquela cultura em que um sujeito desperta para a vida consciente, assim como requisitos que ele deve internalizar como uma lei necessária de sua própria atividade vital. Estas são as normas culturais, assim como as normas linguísticas sintática-gramaticais nas quais ele aprende a falar, assim como as “leis do estado” na qual ele nasceu, assim como as regras do pensamento sobre as coisas ao seu redor desde o mundo de sua infância, e assim por diante. Ele deve internalizar [усваивать] todos estes padrões normativos como uma “realidade” especial que é claramente distinta dele (e de seu cérebro, naturalmente), e é, ela mesma, além disso, estritamente organizada. Tendo alocado os fenômenos desta realidade especial – desconhecido a um animal ou uma pessoa em estado natural-primitivo – a uma categoria específica, Platão colocou diante da humanidade um problema real e muito difícil: o problema da “natureza” destes fenômenos peculiares, a natureza do mundo das “ideias”, o mundo ideal, um problema que não tem qualquer coisa a ver com o problema da constituição do corpo humano, muito menos a constituição de um dos órgãos deste corpo – a constituição do cérebro. Simplesmente não é aquele problema, não aquela gama de fenômenos que interessa os fisiologistas, seja entre os contemporâneos de Platão ou atualmente.

Pode-se, naturalmente, chamar outra coisa de “ideal”, tal como “um estereótipo neurodinâmico de certo tipo, que tem sido ainda pouco pesquisado”. Mas tal renomeação não avança, nem mesmo um milímetro, a solução do problema, que foi delineado e designado por Platão como o “ideal” – isto é, um entendimento daquela gama de fatos, para cuja designação clara ele introduziu o termo.

Entretanto, mas tarde (e exatamente alinhado com o empirismo unilateral – Locke, Berkeley, Hume e seus sucessores) a palavra “ideia” e seus derivados, o adjetivo “ideal”, mais uma vez se tornaram um simples termo coletivo para quaisquer fenômenos mentais, para até mesmo um estado mental fugaz de uma “alma” singular, e este uso também obteve poder suficiente para manter uma tradição bastante estável, que sobrevive, como podemos ver, até hoje. Mas isso foi devido ao fato de que a tradição empírica estreita na filosofia simplesmente exclui o problema real demonstrado por Platão, não percebendo sua significância verdadeira, e simplesmente o descarta como um conto infundado. Consequentemente, a palavra “ideal” significa aqui: existindo “não realmente”, mas somente na imaginação, somente na forma de um estado mental de um sujeito.

Essa posição terminológica e teórica está intimamente associada com a noção que “na realidade” existem somente “coisas” separadas, particulares, sensorialmente perceptíveis, e o universal é senão um fantasma da imaginação, senão um fenômeno mental (ou psicofisiológico), justificado somente na medida em que uma e outra vez se repete em muitos (ou até mesmo todos) atos de percepção por um sujeito particular de coisas particulares, e percebido por este sujeito como certa “similaridade [сходство]” de muitas coisas sensorialmente percebidas, como a identidade [тождество] de estados mentais experimentados por um sujeito.

Os becos sem saída que essa posição imprudente leva a filosofia são bem conhecidos para qualquer um mesmo ligeiramente familiarizado com o criticismo do empirismo unilateral por representantes da filosofia clássica alemã, e por isso não existe necessidade de reproduzir este criticismo. Note, entretanto, que os críticos desta visão estavam interessados em seus méritos, ao invés de caprichos terminológicos, que forçou Kant, Fichte, Schelling e Hegel a rejeitar a explicação empírica do “ideal”, e se virarem para uma análise teórica especial deste conceito mais importante. O ponto é que a mera identificação do “ideal” com o “mental em geral”, como era comum do século XVII ao XVIII, não oferecia uma oportunidade para até mesmo formular claramente o problema filosófico especial, que Platão já havia agarrado – o problema da objetividade do conhecimento universal, a objetividade das definições universais (teóricas) da realidade, i.e., a natureza do fato da absoluta independência dessas definições dos humanos e da humanidade, da constituição especial do organismo humano – seu cérebro e sua mente com seus estados fugazes singulares. Colocado diferentemente, é o problema do valor de verdade do conhecimento universal, entendido como as leis do conhecimento, permanecendo invariável em todas as diversas mudanças nos “estados mentais”, e não somente “singular”, mas também formações, época e pessoas intelectuais inteiras.
Na verdade, foi somente aqui que o problema do “ideal” foi postulado em sua totalidade e em toda sua acuidade dialética, como um problema do relacionamento do ideal em geral e do material em geral.

Lá, o “ideal” se refere àquilo, e somente àquilo, que tem um lugar na mente singular, na consciência singular, na cabeça de um sujeito, e tudo o mais está sob a rubrica do “material” (isso é um requisito da lógica básica). Ao reino dos “fenômenos materiais” pertence o sol e as estrelas, montanhas e rios, átomos e elementos químicos e todos os outros fenômenos puramente naturais. Para essa classificação devemos atribuir todas as formas materialmente fixadas (objetivadas [опредмеченные]) da consciência social, todas as representações humanas historicamente formadas e socialmente legitimadas do mundo verdadeiro, da realidade objetiva.

Um livro, uma estátua, um ícone, um desenho, uma moeda de ouro, a coroa real, uma bandeira, uma apresentação teatral e seu enredo dramático – tudo isso são objetos existindo, naturalmente, fora da cabeça singular, e percebidos por esta cabeça (por centenas de tais cabeças) como “objetos” externos, corporalmente tangíveis.

Entretanto, se nessa base fosse para atribuir, digamos, “Lago dos Cisnes” ou “Rei Lear” à categoria de fenômenos materiais, estaria se cometendo um erro teórico-filosófico fundamental. Uma representação teatral é precisamente uma representação [представление]. No sentido mais preciso e estrito do termo – no sentido de que nele está representado outra coisa, algum outro. O que é isso?

“Processos neurodinâmicos cranianos” uma vez ocorrendo nas cabeças de P. I. Tchaikovsky e William Shakespeare? “Os estados mentais fugazes de um sujeito” ou “sujeitos” (o diretor e os atores)? Ou é algo mais substancial?

Em resposta a essa questão, Hegel teria respondido: é o “conteúdo substancial de uma época”, significando formação intelectual em sua verdadeira essência [существенной определенность]. E esta resposta, apesar de toda sua base idealista, teria sido muito mais verdadeira, mais profunda e, o mais importante, mais próxima da perspectiva materialista das coisas, sobre a natureza daqueles fenômenos peculiares, que estão sendo discutidas aqui – sobre “coisas”, no corpo no qual está representado algo tangível diferente de si mesmos.

O que é isso? O que é este “algo”, representado no corpo sensorialmente contemplado de outra coisa (evento, processo etc.)?

A partir da perspectiva do materialismo coerente, este “algo” só pode ser outro objeto material. Pois a partir da perspectiva do materialismo coerente, não pode existir qualquer coisa que não matéria em movimento, do que um conjunto infinito de corpos, eventos, processos e estados materiais.

Sob “idealidade” ou o “ideal”, o materialismo deve ter em mente aquele relacionamento muito peculiar e muito estritamente estabelecido entre pelo menos dois objetos materiais (coisas, processos, eventos, estados), em que um objeto material, enquanto permanecendo si mesmo, desempenha o papel de um representante de outro objeto, ou, mais precisamente – a natureza universal deste outro objeto, as formas e leis universais deste outro objeto, enquanto permanecendo invariável em todas as suas variações, em todas as suas variações empiricamente evidentes.

Não existe dúvida que o “ideal” assim entendido – i.e., como a forma e lei universal da existência e mudança nos fenômenos dados diversos, empiricamente perceptíveis para uma pessoa – se torna aparente e estabelecido em sua “forma pura” somente em formas históricas da cultura intelectual, nas formas socialmente significantes de sua expressão (sua “existência”). E não na forma de “estados mentais fugazes de um sujeito”, entretanto, é expresso – como espiritualistamente imaterial, à maneira de Descartes ou Fichte, ou como toscamente física, como o “cérebro”, à maneira de Cabanis ou Buchner e Moleschott.

Isso está relacionado a uma esfera de fenômenos – um mundo coletivamente construído de cultura intelectual, um mundo internamente organizado e desarticulado de representações universais historicamente estabelecidas e socialmente estabelecidas (“institucionalizadas”) por pessoas sobre o mundo “real” – como oposto à mente singular, como certo mundo especial e distinto, como o “mundo ideal em geral”, como o mundo “idealizado”.

O “ideal”, assim entendido, naturalmente não pode ser apresentado simplesmente como uma mente singular repetidamente reiterada, pois “constitui” uma realidade especial “sensória-suprassensória”, na qual é descoberto muito que não pode ser encontrado em cada mente singular, tomadas separadamente.

Não obstante, é o mundo das representações, e não o mundo verdadeiro (material), como ele existe antes, para além e independente de uma pessoa ou da humanidade. É o mundo real (material), como é representado na consciência social (coletiva) historicamente estabelecida e historicamente em mudanças, na “razão” impessoal [безличном] “coletiva”, nas formas historicamente estabelecidas de expressão desta “razão”. Em parte, é na linguagem – em seu vocabulário, em seus padrões gramaticais e sintáticos fixando palavras. Mas não somente na linguagem, também existe em todas as outras formas de expressão das representações socialmente significantes, em todas as outras formas de representação, incluindo a forma de um espetáculo de balé – sendo realizado, como é bem conhecido, sem um texto verbal.

É por isso que a filosofia clássica alemã deu um passo tão grande em direção a uma compreensão científica da natureza do “ideal” (em sua oposição fundamental verdadeira ao material em geral – incluindo aquele órgão material no corpo humano que ajuda a “idealizar” o mundo real, i.e., o cérebro, aprisionado na cabeça humana), que, pela primeira vez desde Platão, cessou de entender “idealidade” como estritamente mental, como um empirismo inglês, e entendeu bem que em nenhum caso o ideal em geral pode ser reduzido a uma simples soma dos “estados mentais dos sujeitos”, e assim interpretado simplesmente como o nome coletivo para estes “estados”.

A ideia é bastante bem articulada em Hegel na forma do “espírito em geral”, no sentido pleno do conceito – como “espírito universal”, como “espírito objetivo”, tanto mais que “espírito absoluto”, e não sendo, de forma alguma, representado ou entendido como uma “alma” singular repetidamente reiterada, isso quer dizer, a “mente”. E se o problema da “idealidade” geralmente coincide com o problema do “mental em geral”, então o “mental” (o “ideal”) geralmente confronta o “natural” não como um eu separado contra o “resto”, mas como uma realidade muito mais estável e durável, que persiste apesar do fato de que os eus singulares surgem e desaparecem, algumas vezes deixando um traço nela, e algumas vezes sem um traço, nem ao menos tocando a “idealidade”, o “espírito”.

Hegel, portanto, vê o serviço de Platão para a filosofia como consistindo em sua realização de que “a realidade da mente – isto é, da mente como oposta à natureza – apareceu em sua verdade mais elevada como a organização de um estado”(8), e não como a organização de uma alma única, ou a mente de um sujeito; além disso, não como um cérebro separado.

(Deve ser notado em parênteses que por “estado”, Hegel – assim como Platão – entende, neste caso, não somente a bem-conhecida organização política, não o estado {somente} no sentido atual deste termo, mas todo o conjunto geral de instituições sociais que regulam a atividade vital do sujeito – assim como suas manifestações familiares, morais, intelectuais e estéticas – em uma palavra, tudo que constitui uma cultura distinta de uma “certa polis”, um estado, tudo que é atualmente chamado a cultura das pessoas ou sua “cultura intelectual” em particular, as leis dos vivos na polis atual em geral; as “leis” no sentido que Sócrates de Platão discute. Isso deve estar sempre em mente a fim de entender corretamente o significado do elogio de Hegel a Platão.)

Contanto que a questão do relacionamento do “ideal” com o “real” seja entendido em uma forma estritamente psicológica, como a questão do relacionamento de uma alma única com seus estados “para tudo o mais”, simplesmente não pode nem mesmo ser afirmado corretamente e claramente, muito menos resolvido. O problema é que outra “alma” separada automaticamente cai na categoria de “tudo o mais”, i.e., o material, o real. Além disso, todo o conjunto destas “almas”, organizado em certa formação intelectual unificada – a cultura intelectual de um dado povo, o estado ou toda uma época, mas não pode ser entendido, de forma alguma, até mesmo no caso limite, como uma “alma separada” repetidamente reiterada, porque neste caso é óbvio que o todo é irredutível à soma de suas “partes”, e não é simplesmente uma “parte” repetidamente reiterada. O molde intricado da catedral gótica não é igual ao molde dos tijolos, a partir do conjunto o qual é construída; é também o mesmo aqui.

Além disso, para cada alma singular, outra alma nunca e de forma alguma é dada diretamente como “ideal”; uma confronta a outra somente como um conjunto de suas próprias manifestações diretamente materiais, palpavelmente encarnadas – pelo menos na forma de gestos, expressões faciais, palavras ou ações, ou, em nossa época, até mesmo rascunhos de oscilogramas, mostrando graficamente a atividade eletromagnética do cérebro. Mas isso já não é o “ideal”, mas sua expressão, manifestação corpórea exterior, para assim dizer, uma “projeção” na matéria, algo “material”. Falando estritamente, o ideal, de acordo com esta visão, está presente somente na introspecção, somente na auto-observação de uma “alma singular”, somente como o estado mental íntimo do um e somente, nomeadamente “meu’, eu. Por isso, para o empirismo o problema notório, geralmente fatal e principalmente irresolvível do “o outro eu” – “realmente existe?” Por esta razão, o empirismo coerente é até hoje incapaz de sair do impasse do solipsismo, e deve aceitar este arranjo filosófico mais tolo por deliberadamente estabelecer o princípio do “solipsismo metodológico” de Rudolf Carnap e todos os seus – talvez não tão francamente – seguidores.

Consequentemente, o empirismo plenamente desenvolvido (neopositivismo) declarou a questão da relação do ideal em geral com o material em geral – isto é, a única questão corretamente postulada – um “pseudoproblema”. Sim, em tal solo instável como os “estados mentais de um sujeito”, esta questão não pode nem ao menos ser postulada, não pode nem ao mesmo ser formulada inteligivelmente. O próprio conceito de “ideal em geral” (como o “material em geral”) se torna uma impossibilidade – é construído como “um pseudoconceito”, como um conceito sem uma “denotação”, sem um objeto – como uma ficção teórica, como uma miragem cientificamente indeterminável; na melhor das hipóteses, como uma hipótese tolerável, como uma “figura de linguagem” ou “modo de falar” tradicional.

Por isso, o termo “ideal” (como o “material”) perde todo seu conteúdo teórico claramente definido. Cessa de ser uma designação de certa esfera (círculo) de fenômenos e se torna aplicável a qualquer fenômeno, desde que este fenômeno seja “percebido”, “experimentado mentalmente”, desde que o vejamos, o escutemos, o sentimos, o cheiramos ou o provemos... E podemos corretamente “designar como material” este – qualquer – fenômeno, se o que nós “temos em mente [имеем в виду]” é que nós o vemos – nomeadamente, outra coisa que não nós mesmos com nossos estados mentais, na medida em que experimentamos este fenômeno “como algo separado de nós mesmos”. Mas “em si mesmo”, isso quer dizer, independentemente do que nós “temos em mente”, nenhum fenômeno pode ser atribuído a uma ou outra categoria. Qualquer fenômeno é “em um aspecto ideal, mas em outro material”, “em um sentido material, mas em outro ideal”.

Em primeiro lugar está a consciência em todas as suas manifestações: agora é ideal, e então é material. De qualquer lado que se olhe – em um sentido e aspecto é ideal, em outro sentido e aspecto é material.

Vamos ouvir um dos mais ativos proponentes desta visão:

A consciência é ideal na forma e no conteúdo, primeiro, se tivermos em mente sua forma mental, correlacionada com o conteúdo (o conteúdo do mundo material como um objeto de reflexão) conhecido (refletido), e, segundo, o conteúdo realizado da consciência [...]

A consciência é material na forma e no conteúdo, se tivermos em mente outro par das justaposições acima mencionadas. Mas a parte disso, a consciência é material na forma e ideal no conteúdo, especialmente se tivermos em mente a correlação da forma material no sentido dos processos neurofisiológicos e o conteúdo mental no sentido do “mundo interno” do sujeito.

Assim, muito depende do que se quer dizer por “forma” e “conteúdo” em um caso dado. O significado do “ideal” e do “material” muda de acordo.(9)

Com esta explicação, os conceitos de “ideal” e de “material” cessam de serem categorias teóricas expressando duas categorias estritamente definidas de fenômenos objetivamente distintos, e se tornam somente chavões que “tem em mente” uma coisa ou outra, dependendo das circunstâncias e dependendo “do que se quer dizer” por estes chavões.

Naturalmente, se a palavra “consciência” é usada para significar não consciência, mas “processos neurofisiológicos”, então a consciência acaba por ser “material”. Mas se se usa “processos neurofisiológicos” para significar consciência, então seria preciso definir processos neurofisiológicos como fenômenos ideais.

Muito simples. Naturalmente, se pela palavra “ideal” tivéssemos em mente o material, então teríamos a mesma coisa como se pela palavra “material” “tivéssemos em mente” o ideal... O que é verdade é verdade. Somente estes jogos de palavras não podem ser chamados dialéticos, muito menos materialistas. Não devemos esquecer que o “ideal” e o “material” não são somente “termos” aos quais significados opostos podem ser anexados, mas categorias fundamentalmente opostas de fenômenos, definidas rigorosamente e objetivamente na filosofia científica, e que chamar consciência “material”, significa executar um borrão inaceitável das fronteiras entre um e outro, entre idealismo e materialismo. V. I. Lenin sublinhou especificamente este ponto.

O problema real da transformação mútua do “ideal” e do “material” ocorrendo ao longo do processo verdadeiro – aquela mesma transformação, a importância do estudo o qual foi anotado por Lenin – aqui {puramente sofisticamente} se torna um problema verbal, que, naturalmente, é resolvido por procedimentos {~ truques} puramente verbais, devido ao fato que em um caso o que é chamado “ideal” é no outro caso chamado “material”, e vice-versa.

A solução materialista real do problema em sua formulação correta (já notado por Hegel) foi encontrada, como sabemos, por Marx, que “tinha em mente” um processo totalmente real, especificamente inerente à atividade vital humana: o processo pelo qual a atividade vital material do homem social começa a produzir não somente um produto material, mas também um ideal, começa a produzir um ato de idealização da realidade (o processo de transformar o “material” em “ideal”), e então, tendo surgido, o “ideal” se torna um componente crítico da atividade vital material do homem social, e então começa o processo contrário – o processo da materialização (objetivação, reificação, “encarnação”) do ideal.

Esses dois processos realmente contrários eventualmente se prendem em ciclos mais ou menos acentuados, e o final de um processo se torna o começo do outro, contrário, que leva no final ao movimento de uma forma espiral com todas as suas subsequentes consequências dialéticas.

Um fato muito importante é que este processo – o processo da transformação do “material” no “ideal”, e então de volta, que constantemente fecha “sobre si mesmo” em cada vez mais ciclos, espirais – é altamente específico da atividade vital sócio-histórica dos seres humanos.

Para um animal, com sua atividade vital, é externo e desconhecido – e, portanto, não pode existir qualquer conversa séria sobre o problema do “ideal” com relação aos animais, não importa se altamente desenvolvidos.

Embora não seja necessário dizer, animais altamente desenvolvidos possuem mentes, uma forma mental de reflexão do ambiente ao redor, e, portanto, se se quer, pode-se achar o odor do “ideal” mesmo entre os animais, se por “ideal” se quer dizer toda mentalidade e não somente aquela forma singular que é característica somente da mente humana, do “espírito” humano social, da cabeça humana.

A propósito, em Marx, o problema é sobre isso e somente isso, e por “ideal” ele não quer dizer toda mentalidade, mas uma formação muito mais específica – a forma da mentalidade humana social.

O ideal para Marx “não é mais do que o material, transposto e traduzido na cabeça do homem”(10).

Deve-se especificar que para um entendimento da posição de Marx, esta expressão pode ser corretamente entendida somente se se “tem em mente” que é expressa no contexto de uma polêmica com a interpretação hegeliana do “ideal”, e fora de seu contexto bastante específico, seu significado específico está perdido.

E se se perde a vista deste texto, i.e., as diferenças principais entre a explicação de Marx e Hegel do “ideal”, e torna a posição de Marx em um “conceito do ideal” definitivo, então esta posição, tendo perdido seu significado específico verdadeiro, adquirirá uma interpretação totalmente diferente, alheia, isso quer dizer, será interpretada de forma totalmente falsa.

Muito frequentemente, é entendido (interpretado) em um espírito materialista vulgar, e, naturalmente, precisa-se somente entender a “cabeça humana”, referido por Marx, como um órgão anatômico e fisiológico do corpo da espécie Homo sapiens, isso quer dizer, como um conjunto de fenômenos materiais, localizados sob a calota craniana do sujeito – então tudo o mais segue automaticamente. A possibilidade formal de tal interpretação foi revelada bastante precisamente, e uma vez revelada, rejeitada, por Todor Pavlov:

Algumas ele [o ideal – E. I.] é lido behavioristicamente, e a transposição e processamento são tomadas como puramente fisiológicas ou outros processos materiais. Com esta interpretação do pensamento de Marx, também poderia ser relacionada a um dispositivo automático e a operação de vários sistemas feitos pela humanidade ou controlados naturalmente. Neste caso, mentalidade, consciência, pensamento, para não mencionar pensamento criativo, realmente acabam sendo conceitos desnecessários(11).

E, como uma consequência direta desta leitura, o “ideal” vem a ser entendido em termos de cibernética, teoria da informação e outras disciplinas físico-matemáticas e técnicas, começa a aparecer como certo tipo de “código”, como um resultado da “codificação” e “decodificação”, convertendo alguns “sinais” em outros “sinais”, e assim por diante. Naturalmente, um número infinito de processos e eventos puramente materiais que são observáveis em blocos de dispositivos, máquinas e aparatos eletro-técnicos cai dentro da estrutura de tal entendimento do “ideal”, e no final – todos aqueles fenômenos puramente físicos, que estão, de uma forma ou de outra, relacionados pela interconexão de um sistema material com outro sistema material, produzindo no outro sistema mudanças puramente materiais.

Como resultado, nenhum traço resta do conceito de “ideal”, e Todor Pavlov corretamente critica esta forma de raciocínio na medida em que irrevogavelmente distancia daquele assunto de discussão em Marx, da discussão do “ideal”, isso quer dizer, em direção a uma abstração extrema e terminologia ambígua.

Termos como “isomorfismo”, “homorfismo”, “modelo neurodinâmico” etc., não ajudarão neste caso. Tudo isso é simplesmente não sobre aquilo, não sobre aquele assunto, não sobre aquela categoria concretamente entendida de fenômenos que Marx indicou pelo termo “ideal”. É simplesmente sobre outra coisa. No melhor dos casos, é sobre aqueles pré-requisitos materiais, em cuja ausência a “idealidade”, como uma forma específica de reflexão do mundo externo pela cabeça humana, não poderia ter surgido e ganhado vida.

Mas isso não é sobre o verdadeiro ideal. Não é sobre aquele tipo de produto que resulta de uma “transposição” e “processamento [переработки]” do material pela cabeça humana – e somente a humana. Não é sobre aquelas formas específicas concretas na qual o “material em geral” aparece neste produto específico da atividade vital humana.

Pois um entendimento correto do “ideal” inclui precisamente aquelas – e somente aquelas – formas de reflexão que especificamente distinguem humanos, e são completamente estranhas para qualquer animal, até mesmo um com uma atividade, psicologia e sistema nervoso superior altamente desenvolvidos. Precisamente estas – e somente estas – formas específicas de reflexão do mundo externo pela cabeça humana têm sido sempre investigadas pela ciência da filosofia sob a designação: formas “ideais” de atividade mental; ela reteve este termo precisamente para o bem da delimitação de suas formas de todas as outras. Caso contrário, esta palavra perde completamente seu significado científico concreto, seu significado como uma categoria científica.

Isso é exatamente a mesma situação como com o significado de “trabalho”. Durante o tempo em que a economia política, através de seus representantes clássicos, seriamente tentou resolver o problema do valor, ela claramente entendeu “trabalho” como sempre sendo trabalho humano. Tão logo a ciência burguesa descobriu sua própria falência e se tornou completamente perdida em contradições por este problema delicado, foi forçada ao caminho de extrair o significado dos conceitos fundamentais da teoria do valor-trabalho. E então, tendo preservado o termo “trabalho”, chegou a entender por este termo o trabalho de um asno, atrelado a uma carroça, e o trabalho do vento, dos raios de rotação de um moinho de vento, e o trabalho do vapor, do pistão em movimento, e o trabalho de todas as forças naturais que os humanos têm aproveitado para servi-los no processo de seu trabalho, no processo da “produção de valor”...

E o sol e o vento começam (presumivelmente dentro do escopo desta concepção) a produzir “valor”. E o trabalho humano – também é igual a eles. Mas “não somente ele” [i.e., trabalho humano – A.L.], e não principalmente ele.

A mesma coisa com “idealidade”.

Não é por acaso que Marx retorna ao problema do “ideal” em relação ao problema do valor, a forma-valor. Estes problemas provaram estar atados em um único nó. Era impossível desatar um sem desatar o outro.

Pois a forma-valor, como demonstrado com incontestável clareza pelas análises teóricas mais críticas de seus atributos, acabou por ser ideal, no sentido mais estrito e preciso deste conceito expressando esta concepção do termo.

O fato é que qualquer objeto sensorialmente perceptível que satisfaça uma necessidade humana, qualquer “valor de uso”, pode assumir a “forma-valor”. Esta é uma forma puramente universal, completamente indiferente a qualquer material sensorialmente perceptível de sua “encarnação [воплощения]”, de sua “materialização”. A forma-valor é absolutamente independente das características do “corpo natural” da mercadoria na qual “habita [вселяется]”, a forma na qual está representada. Similarmente, com dinheiro, que também somente expressa, representa com seu próprio corpo específico esta realidade misteriosa, mas não é de forma alguma aquela própria realidade. É sempre algo distinto de todo corpo material, sensorialmente perceptível de sua própria “encarnação”, de qualquer realidade corpórea.

Esta realidade mística, misteriosa não possui seu próprio corpo material, que é por isso que ela facilmente muda de uma forma material de sua encarnação para outra, persistindo em todas essas “encarnações” e “metamorfoses”, e até mesmo aumentando com isto seu próprio “corpo incorpóreo”, controlando o destino e movimento de todos aqueles corpos singulares que habita, nos quais temporariamente “materializa”. Incluindo o corpo humano.

Virtualmente todas aquelas características, que a filosofia e teologia tradicional atribuem à “alma”: universalidade, incorporeidade, esquiva dos métodos físicos e químicos mais precisos de detecção, e, ao mesmo tempo, um poder onipotente comandando o destino das coisas e pessoas – tudo isso confrontando o pensamento teórico na forma de definições da forma-valor, como realidade inegável, persistente, sem espaço para qualquer dúvida (até mesmo cartesiana, até mesmo de Hume). Objetivamente no sentido de Kant, no sentido de Platão e no sentido de Hegel.

Mas aqui, o materialismo metafísico (não-dialético), além disso vulgar, se encontrou em uma situação desagradável. Além disso, sofreu uma falência teórica completa, caindo nas garras de um dilema insolúvel. Ou nega, sem dúvida, a existência da realidade objetiva, ou curva-se a Platão, e então a Berkeley.

Faça sua escolha, mas “valor” não é a “alma” de sacerdotes e teólogos. Se os sacerdotes mal conseguiram interpretar a “alma” como um órgão totalmente material do corpo humano (o cérebro) em uma definição sacerdotal mística, então esta explicação não passa no caso do “valor”.

E não irá passar, independentemente das conquistas contadas entre os espólios do estudo científico do cérebro humano.

A forma-valor é completamente ideal. E isso não significa, de forma alguma, que ela existe somente na consciência, dentro da “cabeça humana” fisiologicamente interpretada, como um fenômeno mental fisiológico, como um fenômeno neurodinâmico, cerebral, de um tipo definido, “embora ainda pobremente investigado”. Precisamente, tal explicação seria cem por cento uma explicação idealista da história a partir de uma perspectiva da variedade mais tola de idealismo – idealismo fisiológico, uma interpretação do processo sócio-histórico, e aquele na fase capitalista-mercantil mais importante.

Nós gostaríamos muito de perguntar a D. I. Dubrovsky e I. S. Narsky uma questão delicada: de que maneira eles filosoficamente orientariam a economia política, diante do mistério da idealidade da forma-valor, se eles continuassem a insistir em seu próprio entendimento de “idealidade”, em sua própria resposta para a questão – o que é ideal e onde é para ser encontrada?

Naturalmente, é inadmissível e absurdo falar de qualquer “ideal” sem o homem, sem sua “cabeça” humana, não somente da perspectiva do materialismo de Marx, mas a partir de qualquer materialismo que se importa com as palavras que está usando.

Mas, isso não significa, de forma alguma, que é para ser “encontrado na cabeça”, fundo no tronco do córtex cerebral, embora ele não exista sem o cérebro e a cabeça, e teóricos que não entendem esta diferença devem ser relembrados deste fato inquestionável, que não somente o “ideal”, mas a totalidade [совокупность] das relações materiais de produção não pode existir sem o homem com sua cabeça humana, e até mesmo as próprias forças de produção.

Na sequência do exposto acima, podemos ver com quanta precisão e acuidade V. I. Lenin formulou o entendimento materialista-dialético do relacionamento entre pensamento e o cérebro.

O homem pensa com a ajuda do cérebro – esta é a fórmula leninista.

Não o próprio “cérebro”, como os fisiologistas e ciberneticistas que pensam unilateralmente sobre esta questão reivindicam e acreditam. E esta é uma diferença fundamental.

Sim, a coisa é que não é o cérebro que pensa, mas um sujeito com a ajuda do cérebro – um sujeito que está entrelaçado em uma rede de relações sociais, sempre mediada por objetos materiais, criados de homem para homem. O cérebro é, assim, o órgão anato-fisiológico, material deste trabalho, trabalho mental, isso quer dizer, trabalho intelectual. O produto deste trabalho especial é precisamente o ideal. E não as mudanças materiais dentro do próprio cérebro.

O relacionamento aqui é exatamente o mesmo do relacionamento entre uma pessoa e sua própria mão: a mão não trabalha, mas uma pessoa trabalha com a ajuda da mão. E o produto de seu trabalho não é “encontrado na mão”, não dentro dela, mas naquela substância da natureza que foi trabalhada, isso quer dizer, a forma da substância fora da mão e não como a forma da própria mão com seus cinco dedos.

É exatamente o mesmo aqui. A pessoa pensa com a ajuda do cérebro, mas o produto deste trabalho não é, de forma alguma, as mudanças materiais no sistema de “estruturas cerebrais”, e sim mudanças no sistema da cultura intelectual, em suas formas e estruturas, no sistema de padrões e imagens do mundo externo.

Portanto, tendo elaborado (seja em papel ou somente na imaginação) uma circunferência, ou digamos, uma pirâmide, o homem é capaz de investigar esta representação geométrica ideal como um objeto específico, descobrindo suas propriedades novas, apesar de ele não investigar conscientemente estas propriedades no objeto. Desta forma, ele investiga não as propriedades de seu próprio cérebro, não mudanças ocorrendo nos estados do cérebro, mas algo totalmente diferente.

O ideal – é o padrão [схема] da atividade real, orientada a um objeto, do homem, consistente com a forma da coisa fora da cabeça, fora do cérebro.

Sim, é precisamente um padrão, e somente um padrão, ao invés da própria atividade em sua carne e sangue. Entretanto, precisamente porque, e somente porque, é um padrão (imagem) da atividade humana intencional, real, com coisas no mundo externo, pode ser apresentada e examinada como um objeto específico, totalmente independente das instalações do “cérebro” e seus “estados” específicos, como um objeto da atividade específica (do trabalho intelectual, pensamento), destinado a mudanças na imagem da coisa, e não da própria coisa apresentada nesta imagem. E isso é a única coisa que distingue a atividade puramente ideal da atividade imediatamente material.

Pensar que um matemático investigando as propriedades de uma esfera ou um cubo desta forma examina uma representação de um fluxo de eventos, fluindo através do tronco de seu próprio cérebro, uma representação dos processos neurodinâmicos e assim por diante, implicaria adotar indiscriminadamente a perspectiva de uma variedade específica do idealismo subjetivo – idealismo fisiológico – em seu entendimento do ideal, assim como do material.

E D. I. Dubrovsky não deveria esquecer que “se alguém fosse colocar todos para dormir por dez minutos, então não existiria durante aquele período de tempo em nosso planeta” não somente o ideal, mas o processo de produção da vida material, com suas relações de produção.

Realmente segue a partir deste engenhoso experimento mental que as relações materiais de produção existem somente na consciência e somente por causa da consciência? Baseado na lógica de D. I. Dubrovsky, elas seguem. E seguem pela simples razão de que ele traça a linha principal entre fenômenos “ideais” e “materiais” não onde foi traçada de uma vez por todas na teoria de Marx, Engels e Lenin.

Quando um teórico escreve um livro com uma pena e papel ou com a ajuda de uma máquina de escrever, ele produz um produto ideal, independentemente do fato de que seu trabalho está estabelecido na forma de arabescos visíveis sensorialmente perceptíveis no papel. Ele realiza trabalho intelectual, e, de forma alguma, trabalho material. Quando um artista pinta um quadro, ele cria uma imagem, não um original. Quando um engenheiro elabora o seu projeto, ele também não cria ainda qualquer produto material, ele também realiza somente trabalho intelectual e produz somente uma máquina ideal – e não uma máquina real. E a diferença aqui não é que a criação de um produto material necessita de esforço físico, e a criação de um produto ideal somente esforço “intelectual”. Nada do tipo. Qualquer escultor dirá que para esculpir uma estátua do granito, para criar uma imagem escultural, é fisicamente muito mais difícil do que tecer um côvado de linho ou costurar um casaco. O condutor de uma orquestra sinfônica derrama não menos suor que um escavador.

A criação de um produto material não necessita de força máxima da consciência e vontade do trabalhador? Necessita, e mais quanto menos o processo de trabalho e seus produtos fazem sentido pessoal para ele.

Não obstante, uma categoria de pessoas realiza somente trabalho intelectual, criando somente um produto ideal e alterando somente a consciência social das pessoas, enquanto a outra categoria de pessoas cria um produto material, desde que produzem alterações na esfera de seu ser material.

E isso faz toda a diferença, aquela mesma diferença entre o ser social e a consciência social, entre o “material” e o “ideal”, que Marx, Engels e Lenin foram os primeiros a traçar estritamente cientificamente, que A. A. Bogdanov, por exemplo, foi incapaz de compreender, para quem eles [o material e o ideal – M.S.] fundiam em um e o mesmo, com base de que ambos são independentes da consciência singular, fora da mentalidade singular e confrontam identicamente a mente singular como “formas da experiência socialmente organizadas”, como “estereótipos” sociais, completamente impessoais e totalmente independentes dos caprichos dos sujeitos.

O fato que estereótipos historicamente estabelecidos da consciência social são impostos espontaneamente sobre a consciência singular, como um poder externo, e forma ativa desta consciência singular em sua própria imagem e semelhança, não os torna, de forma alguma, formas materiais, formas do ser social. Eles eram, e permanecem, formas de consciência social, i.e., formas completamente ideais.

Mas D. I. Dubrovsky {assim como A. A. Bogdanov} recusa aceita-los em geral, atribuindo-os à categoria de fenômenos materiais. Para ele, naturalmente, isso também inclui as formas sintáticas e gramaticais da linguagem, e normas legais regulando as vontades dos sujeitos por meios de instituições estatais designadas para este propósito, e muito, muito mais. Tudo que não são “processos neurodinâmicos cranianos de certo tipo”. Tudo, exceto isso [os processos neurodinâmicos cranianos – M.S.]. Incluindo, é lógico, a forma-valor.

Pedimos ao leitor para julgar, se este entendimento pode ser associado com as posições axiomáticas da concepção materialista da história, e quais conclusões produziriam na tentativa de compreender criticamente as antinomias do valor desta “coisa sensória-suprassensória”, com suas propriedades misteriosas da mercadoria.

De acordo com o “significado” que K. Marx anexou à palavra “ideal”, a forma-valor em geral (não somente a forma-dinheiro) é uma forma “puramente ideal”.(12)

E isso não é com base de que existe somente “na consciência”, somente na cabeça do proprietário de mercadorias, mas em bases bastante contrárias. Preço, ou a forma-dinheiro do valor, como qualquer forma-valor em geral, é ideal porque é totalmente distinta da forma tangível corpórea da mercadoria em que aparece – como lemos no capítulo “Dinheiro, ou a Circulação das Mercadorias”(13).

Em outras palavras, a forma-valor é ideal, embora exista fora da consciência humana, independente dela, no espaço fora da cabeça humana, nas coisas, i.e., nas próprias mercadorias, ou “numa relação que só assombra no interior de suas cabeças”(14), como Marx colocou.

Este uso do termo pode confundir o leitor que está acostumado à terminologia dos ensaios populares sobre o materialismo e do relacionamento do material e do “ideal”. O “ideal”, existindo fora das cabeças e consciências dos sujeitos, como completamente objetivo, totalmente independente da consciência e vontade dos sujeitos, invisível, intangível, sensorialmente imperceptível e, consequentemente, aparecendo como algo meramente “conceitual”, algo “suprassensório”.

Um leitor que, de alguma forma está mais bem versado no campo da filosofia, pode suspeitar de um flerte desnecessário de Marx com a terminologia hegeliana, com a “tradição semântica” associada com os nomes de Platão, Schelling e Hegel, representantes típicos do idealismo objetivo, isso quer dizer, concepções de acordo com as quais o “ideal” existe como um mundo especial de entidades incorpóreas (“ideias”) fora e independente do homem. Tal leitor muito provavelmente censuraria Marx por um uso injustificado ou “incorreto” do termo “ideal”, de “hipostatização” hegeliana dos fenômenos da consciência, e outros pecados mortais indesculpáveis para um materialista.

Entretanto, a questão não é tão simples. Não é, de forma alguma, uma questão de terminologia. Mas desde que a terminologia não desempenha um papel insignificante na ciência, Marx usa o termo “ideal” em um sentido que está próximo da interpretação hegeliana, precisamente porque faz muito mais sentido do que o entendimento pseudomaterialista popular do ideal – como um fenômeno da consciência, como puramente uma função do cérebro. O fato é que o idealismo inteligente (dialético), que é o idealismo de Platão e Hegel, está muito mais próximo da essência da questão do que o materialismo que é o materialismo popular, superficial e vulgar (“tolo”, como Lenin o chamou). O fato é que o sistema de Hegel expressou teoricamente, embora de forma invertida, a transformação dialética do ideal no material, e vice-versa, que nunca foi sequer suspeitada pelo materialismo metafísico {~ “tolo”}, que permaneceu preso em oposições toscas, não-dialéticas.

O sentido popular do ideal é incapaz de registrar quais armadilhas sutis foram preparadas pela dialética destas categorias.

Marx, entretanto, tendo tido treinamento substancial na dialética hegeliana, não era tão ingênuo como os “materialistas” populares. Seu materialismo foi enriquecido por todas as conquistas do pensamento filosófico, desde Kant até Hegel. Isso explica o fato de que na noção hegeliana da estrutura ideal do universo, existindo fora da cabeça humana (e fora da consciência), ele foi capaz de ver não simplesmente “absurdo idealista”, não simplesmente a versão filosófica dos contos religiosos sobre Deus (como é visto pelo velho materialismo, não-dialético), mas uma descrição idealisticamente invertida de uma relação verdadeira do “espírito com a natureza”, “o ideal com o material”, “pensamento com o ser”. Isso também encontrou sua expressão na terminologia.

Devemos, portanto, considerar brevemente a história do termo “ideal” na história do desenvolvimento da filosofia clássica alemã, desde Kant até Hegel, assim como a moral que Marx, o materialista “inteligente” (i.e., dialético), foi capaz de extrair desta história.

Tudo começou com o fato de que o fundador da filosofia clássica alemã, Immanuel Kant, tomou como seu ponto de partida a interpretação “popular” do “ideal” e do “real” (verdadeiro), similarmente não suspeitando quais armadilhas ele assim preparou para si mesmo.

O autor de A Crítica da Razão Pura explica seu entendimento desta distinção com um exemplo bem-conhecido dos “táleres”(15): é uma coisa ter uma centena de táleres no bolso, e uma bastante diferente ter somente na consciência, somente na imaginação, somente nos sonhos – em outras palavras, somente táleres ideais.

Este exemplo desempenha um papel bastante importante na filosofia de Kant, como um dos argumentos contra a tão falada “prova ontológica da existência de Deus”: não se pode inferir a partir da presença de um objeto na consciência que ele existe fora da consciência. Deus existe na consciência das pessoas, mas isso não segue que a partir disso aquele Deus realmente existe, fora da consciência. Afinal, todos os tipos de coisas existem na consciência das pessoas! Existem centauros, bruxas, fantasmas e dragões com sete cabeças.

Dentre os fenômenos da consciência (“fenômenos ideais”) existem demônios verdes(16); entretanto, qualquer pessoa moderadamente sóbria sabe muito bem que – fora da consciência de um alcoólatra inebriado – eles não existem, e que por “demônios verdes” ele quer dizer objetos totalmente diferentes.

Se Kant soubesse que armadilha sutil ele preparou para si mesmo com este exemplo imprudente dos táleres “reais”, “verdadeiros”! Em um país vizinho, onde a moeda corrente não é o táler, mas rubros ou francos, seria popularmente explicado para ele que o que ele tinha no seu bolso não eram “táleres reais”, mas somente símbolos [знаки представления] impressos em papel, que carregam uma obrigação somente para os sujeitos prussianos. Naturalmente, se se reconhece como “verdadeiro” e “real” somente o que é autorizado pelos decretos do rei prussiano, confirmado por sua assinatura e selo, e desconta tudo mais como ficções sobrenaturais, então o exemplo de Kant prova o que Kant queria que ele provasse. Entretanto, se se toma uma visão de certa forma mais ampla do “real” e do “ideal”, então ele prova precisamente o contrário. Nomeadamente, ele não refuta, mas afirma aquela mesma “prova ontológica da existência de Deus”, que Kant declarou ser um exemplo típico de uma inferência errônea sobre a existência de um protótipo fora da consciência a partir de sua imagem na consciência.

“O contrário é verdade. O exemplo de Kant poderia ter forçado a prova ontológica”, escreveu um autor a partir de uma posição ateísta muito mais radical com respeito a Deus do que Kant. Na verdade, Táleres reais têm a mesma existência que os deuses imaginados têm. Um táler real tem qualquer existência que não na imaginação, mesmo que apenas na imaginação geral ou bastante comum do homem? Traga papel-moeda para um país onde o uso de papel é desconhecido e todos irão rir de sua imaginação subjetiva.(17)

A censura formulada aqui contra Kant não procede, naturalmente, de um desejo de mudar o significado de “ideal” e “verdadeiro” de acordo com uma forma hegeliana. É baseada no entendimento do fato de que um sistema filosófico que denota como “real” e “verdadeiro” tudo que um homem percebe como existindo fora de sua própria consciência, e “ideal” como o que não é percebido na forma desta coisa – é incapaz de distinguir criticamente as ilusões e erros mais fundamentais da raça humana.

Naturalmente, táleres reais não diferem, de forma alguma, dos deuses das religiões primitivas, dos fetiches toscos de um selvagem que idolatra (precisamente como seu deus!) um pedaço de madeira verdadeiro, real, um pedaço de pedra, um ídolo de bronze ou outro objeto externo similar. O selvagem não reconhece, de forma alguma, o objeto de sua adoração como um símbolo de Deus; para ele, este objeto, em toda sua corporeidade sensorialmente perceptível tosca, é Deus – o próprio Deus, e não Sua mera “representação”. E isso é como a consciência religiosamente toscamente fetichista verdadeiramente encontra o argumento do exemplo de Kant a seu favor.

Para uma velha devota, o profeta Elias verdadeiramente existe, precisamente porque ela o vê no relâmpago e o ouve no estrondo do trovão. Ela percebe sensorialmente precisamente o profeta Elias, e de forma alguma seu símbolo. Mais precisamente, ela percebe o trovão e o relâmpago como o profeta Elias, e não como símbolos desta pessoa. No relâmpago e no trovão ela percebe suas verdadeiras atividades, as formas verdadeiras de sua perceptibilidade sensória.

Esta é a essência do fetichismo – aquelas propriedades são atribuídas a um objeto, precisamente em toda sua corporeidade tosca, em sua forma diretamente percebida, que no fato verdadeiro não pertence a ele e não tem qualquer coisa em comum com sua aparência sensorialmente perceptível.

Quando tal objeto (seja ele um pedaço de madeira, ou uma pedra ou um ídolo de bronze, e assim por diante) cessa de ser considerado como “o próprio Deus” e adquire o significado de um “símbolo externo” deste deus, quando se torna percebido não como o sujeito imediato das ações atribuídas a ele, mas meramente como um signo de algum “outro”, somente como um símbolo deste “outro”, que não se assemelha, de forma alguma, exteriormente a ele, então a consciência do homem dá um passo em direção ao caminho do entendimento da essência da matéria.

Por esta razão, o próprio Kant, assim como Hegel, que está completamente de acordo com ele neste ponto, considera a versão protestante do cristianismo como um estágio mais elevado no desenvolvimento da consciência religiosa, do que o catolicismo arcaico, que não tem, de fato, progredido muito longe do fetichismo primitivo dos adoradores de ídolo. A própria coisa que distingue o católico do protestante é que o católico tende a tomar literalmente tudo retratado nos quadros religiosos e história da bíblia, como uma representação exata dos eventos que ocorreram no “mundo externo” (Deus como um velho benevolente com uma barba e uma auréola brilhante em volta de sua cabeça careca, o nascimento de Eva como a transformação verdadeira da costela de Adão em um ser humano, e assim por diante). O protestante, por outro lado, vendo “idolatria” nesta interpretação, considera tais eventos como alegorias que possuem um significado moral interno, puramente ideal.

Os hegelianos, na verdade, censuram Kant por jogar nas mãos da idolatria católica com seu exemplo dos táleres, por argumentar contra suas próprias simpatias e atitudes protestantes, porque os táleres externos (os táleres em seu bolso) eram somente signos ou símbolos na “imaginação comum ou mesmo social do homem”, somente representantes (formas de expressão externa, encarnação) do espírito, assim como os quadros religiosos pendurados na parede, apesar de sua realidade sensorialmente perceptível, eram somente imagens produzidas pela autoconsciência social humana, pelo espírito [intelecto – A.L.] humano. Em sua essência, eles eram totalmente ideais, embora em sua existência eles fossem substanciais, materiais e estavam localizados, naturalmente, fora da cabeça humana, fora da consciência do sujeito, fora da atividade mental singular com seus mecanismos transcendentais.

Deus e táleres são fenômenos de mesma ordem, declararam Hegel e os hegelianos, e por esta comparação o problema do “ideal” e seu relacionamento com o “real”, com o mundo materialmente substancial, verdadeiro, foi postulado bastante diferentemente do relato de Kant. Ele foi associado com o problema bem-conhecido da “alienação”, com a questão da “reificação” e “des-reificação”, da “reassimilação” do homem dos objetos criados pelo homem, que através de processos misteriosos foram transformados em um mundo de formações objetivas que não eram somente “externas”, mas hostis ao homem.

Daí vem a seguinte interpretação do problema de Kant:

As provas da existência de Deus são meras tautologias vazias. Tome, por exemplo, a prova ontológica. Só significa isso: “aquilo que é concebido por mim mesmo em uma forma real (realiter) é um conceito real para mim”, algo que funciona para mim. Neste sentido todos os deuses, os pagãos assim como o cristão, tem possuído uma existência real. O antigo Moloque não reinou? O Templo de Apolo não era um poder real na vida dos gregos? A crítica de Kant não significa qualquer coisa a este respeito. Se alguém imagina que possui uma centena de táleres, se este conceito não é para ele arbitrário, subjetivo, se ele acredita nisso, então esta centena de táleres imaginados tem para ele o mesmo valor que uma centena real. Por exemplo, ele vai incorrer em dívidas com a força de sua imaginação, sua imaginação vai funcionar, da mesma maneira que toda humanidade tem incorrido em dívidas com seus deuses.(18)

Postulando a questão desta forma, a categoria do “ideal” adquire um significado bastante diferente daquele dado por Kant, e isso não foi devido, de forma alguma, a um capricho terminológico de Hegel e dos hegelianos. Ela expressou o fato óbvio de que a consciência social não é simplesmente a consciência singular repetida muitas vezes, assim como o organismo social em geral não é o organismo humano singular repetido muitas vezes, mas é, na verdade, um sistema historicamente formado e historicamente se desenvolvendo de “representações objetivas”, formas e padrões do “espírito objetivo”, da “razão coletiva” da humanidade (ou mais diretamente, as “pessoas” com sua cultura intelectual única), tudo isso sendo bastante independente dos caprichos da consciência ou vontade dos sujeitos. Este sistema compreende todas as normas morais comuns regulando a atividade vital diária das pessoas, assim como os preceitos legais, as formas de organização político estatal da vida, os padrões ritualmente legitimados de atividade em todas as esferas, as “regras” da vida que devem ser obedecidas por todos, a regulação estrita do local de trabalho, e assim por diante, incluindo até as estruturas gramaticais e sintáticas do discurso e da linguagem e as normas lógicas do raciocínio.

Todas estas formas e padrões estruturais da consciência social inequivocamente contrariam a consciência e vontade singular como uma “realidade” internamente organizada, especial, como formas completamente “externas” de sua determinação. É um fato que todo sujeito deve, desde a infância, contar muito mais cuidadosamente com demandas e restrições expressas e institucionalizadas por meios de tradição do que com a aparência imediatamente perceptível de “coisas” e situações externas ou as atrações, desejos e necessidades orgânicas de um corpo singular.

É igualmente óbvio que todos esses padrões e formas externamente impostos não podem ser identificados na consciência singular como “inatas”, padrões psicológicos transcendentais ou até mesmo como tendências instintivas. Eles são todos internalizados ao longo da criação, educação e reabilitação – isto é, ao longo da assimilação pelo sujeito da cultura intelectual que está disponível e que tomou forma diante dele, sem ele e independentemente dele – como os padrões e formas daquela cultura. Estas não são formas “imanentes” da atividade mental singular, mas a forma assimilada de “outro” “assunto” externo.

É por isso que Hegel vê a principal vantagem do ensinamento de Platão no fato de que a questão do relacionamento do “espírito” com a “natureza” é, pela primeira vez, postulada não em uma base restrita de relações do “eu singular” com “tudo o mais”, com base em uma investigação do “mundo de ideias” universal (leia: coletivo-social) em relação ao “mundo das coisas”.

Com Platão, portanto, começa a tradição de examinar o mundo das ideias (aqui origina o conceito de “mundo ideal”) como um mundo de leis, direitos e padrões, de alguma forma estável e internamente organizado, de acordo com o qual existe a atividade mental de um sujeito, a “alma singular”, como uma “realidade objetiva” supernatural, especial, confrontando cada sujeito, ditando sua conduta em situações particulares. Esta força “externa” determinando o sujeito aparece diretamente como o “estado”, que defende todo o sistema de cultura intelectual disponível, todo o sistema de direitos e deveres de todo cidadão.

Aqui um fato completamente real foi claramente afirmado em uma forma semi-mística, meio-mitológica: o fato da dependência da atividade mental (e não somente mental) de um sujeito em um sistema de cultura totalmente independente dele, em que ocorre e procede a “vida mental” de todo sujeito, isso quer dizer, o trabalho da cabeça humana.

A questão do relacionamento do “ideal” com o “substancialmente material” foi aqui apresentado como uma questão do relacionamento dessas formas (padrões, estereótipos) estáveis de cultura com o mundo das “coisas singulares”, que inclui não somente “coisas externas”, mas também o corpo físico do próprio homem.

Na realidade, foi somente aqui que a necessidade surgiu para uma definição clara da categoria de “idealidade” como contrária à noção indiferenciada, vagamente indefinida da “mente” em geral, que pode igualmente ser interpretada como uma função totalmente corpórea da “alma” fisicamente interpretada, não importa a qual órgão esta função foi realmente atribuída – coração, fígado ou cérebro. Caso contrário, “idealidade” permanece uma etiqueta verbal supérflua e completamente desnecessária para o “mental”. É assim que era antes de Platão (o termo “ideia” denotava, até mesmo para Demócrito, uma forma completamente substancial, o delineamento geométrico de uma “coisa”, um corpo, que foi impresso bastante fisicamente no homem, no corpo físico de seus olhos – este uso, característico, da forma anterior, ingênua de materialismo, não pode, naturalmente, ser usado pelo materialismo contemporâneo, que leva em consideração a complexidade do relacionamento entre a atividade mental singular e o “mundo das coisas”).

Por esta razão, no vocabulário da psicologia (não somente filosofia) materialista contemporânea, a categoria de “idealidade” ou o “ideal” caracteriza não a atividade mental em geral, mas somente certo fenômeno conectado, naturalmente, com a atividade mental, mas não fundindo, de forma alguma, com ela.

Idealidade caracteriza principalmente a ideia ou imagem na medida em que eles – tornando-se objetivados em palavras, entrando no sistema do conhecimento socialmente produzido, existindo para o sujeito como uma “realidade objetiva” dada – assim adquire uma independência relativa, separando eles próprios, por assim dizer, da atividade mental do sujeito”(19), escreve o bem-conhecido psicólogo soviético S. L. Rubinstein.

Somente nesta interpretação a categoria “idealidade” se torna uma definição especificamente significativa de uma categoria bem-conhecida de fenômenos, estabelecendo as formas do processo de reflexão da realidade objetiva na atividade mental, que é humana social em sua origem e essência, na consciência humana social, e cessa completamente de ser um sinônimo desnecessário para a atividade mental.

Com referência à citação do livro de S. L. Rubinstein, é preciso observar somente que a imagem é objetivada não somente em sua expressão verbal. A categoria da imagem é entendida bastante amplamente na teoria materialista-dialética. A imagem é objetivada (“reificada”) assim como (ou até mesmo melhor, mais diretamente) em representações esculturais, gráficas, ilustradas e plásticas, e na forma de formas rituais de rotina (“imagens”) lidando com coisas e pessoas, assim sendo, expressa não somente em palavras, no discurso e linguagem, mas também em desenhos, modelos e tais objetos simbólicos como brasões, bandeiras, formas de vestir, utensílios, e assim por diante, tudo de uma mobília na sala do trono de brinquedos de crianças, e assim por diante; como dinheiro, incluindo barras de metal “reais”, e moedas de ouro, e papel-moeda, e notas promissórias, títulos ou notas de crédito.

“Idealidade” em geral é, na linguagem historicamente formada da filosofia, uma característica das imagens materialmente estabelecidas (materializadas, reificadas, objetivadas) da cultura humana social, isto é, os modos historicamente formados da vida humana social, que confrontam o sujeito que possui consciência e vontade como uma realidade objetiva “supernatural” especial, como um objeto especial comparável com a realidade material e situado em um e mesmo plano espacial (e, por isso, frequentemente confundida com ele).

Consequentemente, puramente para o bem da precisão terminológica, não tem sentido aplicar esta definição aos estados mentais puramente singulares a qualquer momento dado. O último, com todos os seus caprichos e variações singularmente únicos, é determinado com efeito pelas interconexões praticamente infinitas dos mais diversos fatores até e incluindo estados transientes do organismo e as características peculiares de suas reações bioquímicas (tais como alergias ou daltonismo, por exemplo), e, portanto, pode ser considerado no plano da cultura humana social como puramente acidental.
É por isso que encontramos Kant discutindo a “idealidade do espaço e tempo”, mas não a “idealidade” das sensações conscientes de peso no estômago ou nos músculos do braço quando alguém está carregando algo; discutindo a “idealidade” da cadeia de causa e efeito, mas não a idealidade do fato de que a pedra esquenta quando o sol brilha sobre ela (embora este fato seja também conscientemente percebido). Em Kant, “idealidade” se torna um sinônimo para o “caráter transcendental” das formas universais de sensorialidade e razão, isto é, padrões de atividade cognitiva que são inerentes em todo “eu” e assim possuem um caráter completamente impessoal, e que mostra, além disso, uma força compulsiva em relação a cada “eu” separado (“empírico”). É por isso que espaço e tempo, dependência causal e “beleza” são para Kant “ideais”, enquanto estados mentais, que estão conectados com os estados físicos únicos e transitórios de um corpo singular, não são honrados com tal termo. Reconhecidamente, como temos visto no exemplo dos “táleres”, Kant nem sempre adere rigorosamente a este uso, embora a razão para isso certamente não seja falta de cuidado (seria difícil censurar Kant por isso), mas sim a astúcia dialética dos problemas que ele levanta. Mas, apesar da instabilidade da definição terminológica dessas bem-conhecidas categorias, seu conteúdo dialético objetivo começa a se mostrar – o próprio conteúdo que a escola hegeliana provê com uma definição muito mais adequada.

O fato é que Kant não supera plenamente a noção de “consciência social” (“espírito universal”) como a consciência singular repetida muitas vezes. Em essência, os parâmetros “universais” do espírito aparecem em Kant, de uma forma ou de outra, como aqueles padrões que, sendo peculiares a cada consciência singular, acabam por serem suas determinações impessoalmente invariantes [безлично инвариантными] (aqui “universal” significa idêntico para todo sujeito e abstratamente universal “para todos”).

Na filosofia hegeliana, entretanto, o problema foi apresentado de forma fundamentalmente diferente. O organismo social (a “cultura” de dado povo) não é, de forma alguma, uma abstração expressando a “semelhança” que pode ser descoberta na mentalidade de todo sujeito, um “abstrato” inerente a cada sujeito, o padrão transcendentalmente psicológico da atividade vital singular.

As formas historicamente desenvolvidas e se desenvolvendo do “espírito universal” (“o espírito das pessoas”, o “espírito objetivo”), embora ainda entendido por Hegel como certos padrões estáveis em cuja estrutura a atividade mental de todo sujeito procede, são, não obstante, considerados por ele não como abstrações formais, não como “atributos” abstratamente universais inerentes a todo sujeito, tomados separadamente. Hegel (seguindo Rousseau com sua distinção entre a “vontade de todos” e a “vontade geral” [“всеобщей воли – vontade universal” – A.L.]) leva plenamente em conta o fato óbvio de que nas diversas colisões das “vontades singulares” diferentemente orientadas, certos resultados que nunca estiveram contidos em qualquer um deles separadamente nascem e se cristalizam, e aquilo por causa disso, consciência social, como certo “todo”, certamente não é construída, como de tijolos, a partir da “semelhança” que é encontrada em cada uma de suas “partes” (eus singulares, consciências singulares). E aqui é onde nos é mostrado o caminho para um entendimento do fato de que todos os padrões, que Kant definiu como formas “transcendentalmente inatas” de operação da mente singular, como “mecanismos internos” inerentes a priori em toda mente, são formas verdadeiras da autoconsciência do homem social assimilada de fora pelo sujeito (originalmente elas opunham ele como padrões “externos” do movimento da cultura independente de sua vontade e consciência), o homem social sendo entendido como o “conjunto de todas as relações sociais” historicamente se desenvolvendo.

São estas formas surgindo espontaneamente da organização da atividade vital humana social (realizada coletivamente) que existe antes, fora e completamente independente da mente singular, que, de uma forma ou de outra, são materialmente estabelecidas na linguagem, em costumes e leis ritualmente legitimados e, além disso, como “a organização de um estado”, com todos os seus atributos e órgãos materiais para a proteção das formas tradicionais de vida que estão em oposição ao sujeito (o corpo físico do sujeito com seu cérebro, fígado, coração, mãos e outros órgãos), como um todo organizado que é “em-si e para-si”, como algo “ideal” dentro do qual todas as coisas singulares adquirem um significado diferente e desempenham papeis diferentes daqueles que desempenharam “em si mesmos”, isto é, fora deste todo. Por esta razão, a definição “ideal” de qualquer coisa, ou a definição de qualquer coisa como um momento “desaparecendo” no movimento do “mundo ideal”, coincide em Hegel com o papel e significado desta coisa na cultura humana social, no contexto da atividade vital humana socialmente organizada, e não na consciência singular, que é aqui considerada como algo derivado do “espírito universal”.

Será rapidamente apreciado quão mais amplo e mais profundo tal postulado da questão é, apesar de todas as outras falhas fundamentais da concepção hegeliana, em comparação com qualquer concepção que designa como “ideal” tudo que está “na consciência do sujeito”, e como “material” ou “real”, tudo que está fora da consciência do sujeito, tudo que o dado sujeito não é consciente de, embora este “tudo” não existe na realidade, e assim desenha entre o “ideal” e o “real” uma linha fundamentalmente divisória, que os torna “mundos diferentes” que não possuem qualquer coisa em comum um com o outro. Está claro que, dada tal diferenciação metafísica, o “ideal” e o “material” não podem e não devem ser considerados como opostos. Aqui eles são “diferentes”, e isso é tudo.

Hegel procede de um fato bastante óbvio de que para a consciência do sujeito, o “real” e até mesmo o “material tosco” – certamente não o “ideal” – é, em primeiro lugar, o todo grandioso da cultura intelectual materialmente estabelecida da raça humana, em e através do qual este sujeito desperta para a “autoconsciência”. É isso que confronta o sujeito como o pensamento das gerações anteriores realizadas [осуществленное] (“reificadas”, “objetivadas”, “alienadas”) em “matéria” sensorialmente perceptível – na linguagem e em imagens visualmente perceptíveis, em livros e estátuas, em madeira e bronze, na forma de lugares de adoração e instrumentos de trabalho, nos projetos de máquinas e prédios públicos, nos padrões dos sistemas científico e moral, e assim por diante. Todos estes objetos são, em sua existência, em seu “ser determinado”, substanciais, “materiais”, mas em sua essência, em sua origem, eles são “ideais”, porque eles “encarnam” o pensamento coletivo das pessoas, o “espírito universal” da humanidade.

 Em outras palavras, Hegel inclui no conceito de “ideal” tudo que outro representante do idealismo na filosofia (confessadamente ele nunca reconheceu a si mesmo como sendo um “idealista”) – A. A. Bogdanov – um século depois designou como “experiência socialmente organizada”, com seus padrões, normas, estereótipos e “algoritmos” estáveis, historicamente cristalizados. A característica que ambos, Hegel e Bogdanov, têm em comum (como “idealistas”), é a noção de que este mundo da “experiência socialmente organizada” é, para o sujeito, o único “objeto” o qual ele “assimila” e “conhece”, o único objeto em que ele tem quaisquer relações, e por trás do qual não existe qualquer coisa profundamente escondida.

Mas o mundo existindo antes, fora e independentemente da consciência e vontade em geral (i.e., não somente da consciência e vontade do sujeito, mas também da consciência social e “vontade” socialmente organizada), é levado em conta por esta concepção somente na medida em que já encontrou expressão em formas sociais de consciência e vontade, na medida em que já está “idealizado”, já está assimilado na “experiência”, já está apresentado em padrões e formas desta “experiência”, já está incluído aí.

Por essa reviravolta de pensamento, que caracteriza o idealismo em geral (seja ele platônico, berkeleiano, hegeliano ou aquele de Carnap-Popper), o mundo material real, existindo antes, fora e bastante independentemente da “experiência”, e antes de ser expresso nas formas desta “experiência” (incluindo a linguagem), é totalmente removido do campo de visão, e o que começa a figurar sob a designação de “mundo real” é um mundo já “idealizado”, um mundo já assimilado pelas pessoas, um mundo já moldado por sua atividade, o mundo como as pessoas o conhecem, como é apresentado nas formas existentes de sua cultura. Um mundo já expressado (representado) nas formas da experiência humana existente. E este mundo é declarado ser o único mundo sobre o qual qualquer coisa pode ser “dita”.

Este segredo do idealismo se mostra transparentemente na discussão de Hegel da “idealidade” dos fenômenos naturais, em sua apresentação da natureza como um ser “ideal” em si mesmo: a discussão é sobre certos fenômenos naturais, mas, na verdade, temos em mente a imagem desses fenômenos em conceitos e termos da física disponível a Hegel (i.e., mecânica newtoniana):

Mas não existe espaço vazio entre corpos [Massen] que estão impulsionando e pressionando um contra o outro, eles estão em contato; e é neste contato agora que a idealidade da matéria começa; e o interesse reside em ver como esta intimidade da matéria surge em existência, assim como a realização da existência pela Noção é sempre a coisa interessante.(20)

Esta “realização da existência pela Noção”, de acordo com Hegel, consiste no fato de que no momento do “contato” (com o impulso) “existem dois pontos ou átomos materiais, coincidindo em um único ponto ou em uma identidade”(21), o que significa que o “ser-para-si” deles é algum “outro”. Mas por “ser outro”, enquanto permanecendo, não obstante, “si mesmo”, isso significa ter não somente um ser “real”, mas também um “ideal”. Aí reside o segredo da “idealização da matéria”, “idealização da natureza” hegeliana: aqui Hegel está realmente falando não sobre a natureza “como ela é”, mas exclusivamente sobre a natureza como ela é representada (retratada) no sistema de uma teoria física definida, no sistema de suas definições estabelecidas por sua “linguagem” historicamente formada.

É este fato, incidentalmente, que explica a persistência de tais “substituições semânticas”; realmente, quando estamos falando sobre a natureza, somos obrigados a fazer uso da linguagem disponível da ciência natural, a “linguagem da ciência” com seus “significados” estabelecidos e comumente entendidos. Isso forma a base para todo o sofisma do “positivismo lógico”, que, bastante conscientemente, identifica a “natureza” com a “linguagem” na qual as pessoas falam e escrevem sobre a natureza, e toda a complicada construção heideggeriana, de acordo com a qual o “ser” é revelado e existe somente “na linguagem”, e vive somente na “linguagem”, como em na “casa” de alguém, em sua “essência” escondida, em seu poder imanente, em sua organização invisível, e “fora da linguagem” não existe.

Será entendido que a principal dificuldade {e, portanto, o principal problema da filosofia} não é distinguir e contrapor tudo que está “na consciência do sujeito” a tudo que está fora da consciência singular (que raramente é difícil de fazer), mas delimitar o mundo das noções coletivamente reconhecidas, isto é, todo o mundo socialmente organizado da cultura intelectual, com todos os seus padrões sociais estáveis e materialmente estabelecidos, e o mundo real como ele existe fora e a parte de sua expressão nestas formas socialmente legitimadas de “experiência”, nas formas objetivas do “espírito”.

É aqui, e somente aqui, que a distinção entre o “ideal” e o “real” (“material”) adquire um significa científico sério, porque, na prática, muitas pessoas confundem um pelo outro, aceitam um pelo outro, com a mesma facilidade que eles aceitam “o desejo pelo real”, e a forma das coisas pelas próprias coisas... Apontando o fato de que a coisa e a forma da coisa existem fora da consciência singular e não dependem da vontade singular, ainda não resolve a questão de sua objetividade no sentido materialista sério. E, reciprocamente, não é o caso, de forma alguma, de que tudo que as pessoas não conhecem, desconhecem, não percebem como as formas das coisas externas, seja invenção, uma ficção da imaginação, uma noção que existe meramente em suas cabeças. Precisamente por causa disso, a “pessoa sensível”, cuja forma de pensar Kant apela com seu exemplo dos táleres, é frequentemente iludida em tomar noções coletivamente reconhecidas como a realidade objetiva, e a realidade objetiva revelada por pesquisa científica por ficção subjetiva existindo somente nas cabeças dos “teóricos”. É a “pessoa sensível”, diariamente observando o sol nascer no leste e se pôr no oeste, que protestou que o sistema de Copérnico era uma invenção blasfema que foi contrariada por “fatos óbvios”. E, exatamente da mesma forma, a pessoa comum, levada à órbita das relações dinheiro-mercadoria, reconhece o dinheiro como uma coisa perfeitamente material; e valor, que de fato encontra sua expressão externa no dinheiro, como uma mera abstração existindo somente nas cabeças dos teóricos, somente “idealmente”.

Por esta razão o materialismo sério, diante desses tipos de situações, não poderia definir o “ideal” como aquilo que existe na consciência do sujeito, e o “material” como aquilo que existe fora desta consciência, como a forma sensorialmente percebida da coisa externa, como uma forma corpórea real. A fronteira entre os dois, entre o “material” e o “ideal”, entre a “coisa-em-si” e sua representação na consciência social, não poderia cruzar esta linha porque, se o fizesse, o materialismo estaria completamente desamparado quando confrontado com a dialética que Hegel descobriu nas relações entre o “material” e o “ideal” (particularmente, nos fenômenos do fetichismo de todos os tipos, desde o religioso ao fetichismo-mercantil, e além disso, o fetichismo das palavras, da linguagem, símbolos e signos).

É um fato que, assim como o ícone ou a moeda de ouro, qualquer palavra (termo ou combinação de termos) é primariamente uma “coisa” que existe fora da consciência de um sujeito, qualquer sujeito, e possui propriedades corpóreas perfeitamente reais e é sensorialmente percebida. De acordo com a velha classificação aceita por todos, incluindo Kant, palavras claramente pertencem à categoria do “material” ou o “real”, com tanta justificativa quanto pedras ou flores, pão ou uma garrafa de vinho, a guilhotina ou o prelo. Em contraste com essas coisas, o que chamamos o “ideal” é sua imagem subjetiva na cabeça do sujeito, na consciência singular. Não?

Mas aqui somos imediatamente confrontados com a artimanha desta distinção, que é plenamente aparente em discussões sobre o dinheiro na economia política (Kant, sendo pobremente familiar com a economia política, não suspeitou de tais artimanhas), e que está levada plenamente em conta pela escola hegeliana e sua concepção de “reificação”, “alienação”, “objetivação” de representações universais. Como resultado desse processo, que ocorre completamente espontaneamente, fora da vista da consciência do sujeito, isso quer dizer, bastante involuntariamente, o sujeito é confrontado pela representação comum (i.e., coletivamente reconhecida) das pessoas, na forma de uma “coisa externa”, que não tem absolutamente qualquer coisa em comum com a forma corpórea sensorialmente percebida na qual está representada.

Por exemplo, o nome “Pedro” é, em sua forma corpórea sensorialmente perceptível, absolutamente diferente do Pedro real, a pessoa que é designada, ou a imagem sensorialmente representada do Pedro que outras pessoas têm dele.(22) O relacionamento é o mesmo entre a moeda de ouro e os produtos que podem ser comprados com ela, produtos (mercadorias) cuja representação universal é a moeda ou (depois) a cédula. A moeda representa não si mesma, mas um “outro”, no próprio sentido no qual um diplomata representa não sua própria pessoa, mas seu país, que o autorizou a fazê-lo. O mesmo pode ser dito da palavra, o símbolo ou signo verbal, ou qualquer combinação de tais signos e o padrão sintático desta combinação.
Este relacionamento da representação (reflexão, no sentido materialista-dialético do termo) é um relacionamento no qual uma coisa sensorialmente percebida, enquanto permanecendo si mesma, desempenha o papel ou função de representar outra coisa bastante diferente (para ser mais preciso, representa a natureza universal daquela outra coisa, isto é, algum “outro” que em termos corpóreos, sensoriais, é bastante diferente), e desta forma adquire um novo plano de existência. Foi este relacionamento que na tradição terminológica hegeliana adquiriu o título de “idealidade”.

Claramente, isto não é um capricho arbitrariamente semântico de Hegel e dos hegelianos, mas uma designação terminológica muito importante da situação verdadeira, mesmo que não totalmente compreendida por Hegel. “Idealidade”, de acordo com Hegel, somente começa onde a coisa sensorialmente percebida, enquanto permanecendo si mesma, se transforma em uma representação de algum “outro”, onde seu “ser-para-si não é ser-para-si”. Onde este “outro” transforma isso em uma forma de seu próprio ser (que é porque ele ilustra “idealidade” na imagem de um impulso, “contato”, “mediação”, embora o impulso seja “ideal” somente em um ponto, no ponto onde flui em outro corpo). Por trás do escolasticismo da terminologia hegeliana, reside uma relação fundamentalmente importante, que foi plenamente entendida somente por Marx ao longo de sua análise do fetichismo da mercadoria e da forma-dinheiro do valor, a forma-dinheiro da expressão (i.e., representação) do valor.

Em O Capital, Marx bastante conscientemente usa o termo “ideal” neste significado formal como foi dado por Hegel, e não no sentido em que era usado por toda a tradição pré-hegeliana, incluindo Kant – embora a interpretação teórica-filosófica da gama de fenômenos, que em ambos os casos é similarmente designada “ideal”, é diametralmente contrária a sua interpretação hegeliana. O significado do termo “ideal” em Marx e Hegel é o mesmo, mas os conceitos (i.e., as formas de entendimento deste “mesmo” significado) são profundamente diferentes. Afinal, a palavra “conceito” na lógica dialeticamente interpretada é um sinônimo para “entendendo a essência da matéria”, a essência dos fenômenos que são somente denotados por um termo dado; não é, de forma alguma, um sinônimo para o “significado do termo”, que pode ser interpretado formalmente como a soma total de “atributos” dos fenômenos os quais o termo é aplicado.

Foi por esta razão que Marx, como qualquer teórico genuíno, preferiu não mudar os “significados dos termos” historicamente formados, a nomenclatura estabelecida dos fenômenos, mas, enquanto fazendo um uso estrito e rigoroso deles, propôs um entendimento bastante diferente destes fenômenos que era, na verdade, opostos ao entendimento tradicional. Isso está em contraste com os “teóricos” que aceitam e passam por descobertas científicas as reformulações puramente terminológicas de velhas verdades, e inventam novos termos, e não avançam ao menos um iota no entendimento atual, “conceito”, ou “definição do conceito”.(23)

Em O Capital, quando analisando o dinheiro – aquela categoria familiar e ainda misteriosa dos fenômenos sociais – Marx formula a seguinte definição: “O preço ou a forma-dinheiro das mercadorias é, como sua forma de valor em geral, distinto de sua forma corpórea real e palpável, portanto, é uma forma apenas ideal ou representada”(24).

O “ideal” descrito aqui é nada mais nada menos que a forma-valor dos produtos do trabalho em geral (“die Wertform überhaup”).

Consequentemente, o leitor, para quem o termo “ideal” é um sinônimo para o que é “imanente na consciência”, “existindo somente na consciência”, “somente nas representações das pessoas”, somente em sua “imaginação”, simplesmente descaracterizará o pensamento sendo expresso, e adquirirá um falso entendimento de Marx, um que não tem qualquer coisa em comum com seu verdadeiro entendimento. De fato, neste caso o texto será lido de uma forma onde o capital – que nada mais é que a forma-valor da organização e desenvolvimento das forças produtivas, uma forma de funcionamento dos meios de produção – também existe (seguindo Marx!) somente na consciência, somente na imaginação subjetiva das pessoas, e “não na realidade”.

Obviamente, somente alguém como Chase, mas de forma alguma Karl Marx, poderia entender a questão desta forma, isso quer dizer, somente um seguidor de Berkeley, e certamente não um materialista.

De acordo com Marx, naturalmente, a idealidade da forma-valor consiste não no fato de que esta forma representa um fenômeno mental existindo somente no cérebro do proprietário de mercadoria ou teórico, mas no fato de que neste caso, como em muitos outros casos, a forma corporalmente palpável da coisa (por exemplo, um casaco) é somente uma forma de expressão de uma “coisa” bastante diferente (linho, como um valor) em que ele não tem qualquer coisa em comum. O valor do linho é representado, expresso, “encarnado” na forma de um casaco, e a forma do casaco é a “forma ideal ou representada” do valor do linho.

Como valor de uso, o linho é uma coisa fisicamente distinta do casaco; como valor, ele é “casaco-idêntico” [Rockgleiches] e aparenta, pois, ser um casaco. Assim, o linho recebe uma forma de valor diferente de sua forma natural. Seu ser de valor aparece em sua igualdade com o casaco, assim como a natureza de carneiro do cristão em sua igualdade com o Cordeiro de Deus.(25)

Este é um relacionamento completamente objetivo (assim como é totalmente independente da consciência e vontade do proprietário de mercadoria, estabelecido fora de sua consciência), em que a forma natural da Mercadoria B se torna a forma-valor da Mercadoria A, ou o corpo da Mercadoria B age como um espelho do valor da Mercadoria A, o representante autorizado de sua natureza “valor”, da “substância” que está “encarnada” tanto aqui como lá.

Por esta razão, e não outra, a forma-valor é ideal, isso quer dizer, é algo bastante diferente da forma corpórea-palpável da coisa na qual está apresentada, “representada”, expressada, “encarnada”, “alienada”.

O que é este “outro” que está expresso ou representado aqui? A consciência das pessoas? A vontade delas? De forma alguma. Pelo contrário, a vontade e a consciência das pessoas são ambas determinadas por essa forma ideal objetiva, e a coisa que é expressa nela, “representada” por ela, é um relacionamento social definido entre pessoas que, em seus olhos, assume a fantástica forma de um relacionamento entre coisas.

Em outras palavras, o que está “representado” aqui como uma coisa é uma forma de atividade humana, uma forma de atividade vital que elas desempenham juntas, desenvolvendo bastante espontaneamente, “fora da vista da consciência”, e estabelecido materialmente na forma do relacionamento entre coisas, como descrito acima. Por meios disto, e nenhum outro, é criada a idealidade de tal “coisa”, seu “caráter sensório-suprassensório”.

Aqui a forma ideal realmente confronta a consciência singular e vontade singular como a forma da coisa externa (lembre-se dos táleres de Kant) e é necessariamente percebida precisamente como a forma da coisa externa, não sua forma corpórea-palpável, mas como a forma de outra coisa igualmente corpórea-palpável que ela representa, expressa, encarna, diferindo, entretanto, da corporeidade palpável de ambas as coisas, e tendo nada em comum com a natureza física sensorialmente perceptível delas. O que está encarnado e “representado” aqui é uma forma definida de trabalho, uma forma definida de atividade objetiva humana, isso quer dizer, a transformação [преобразования] da natureza pelo homem social.

É aqui que encontramos a resposta para o enigma da “idealidade”. Idealidade, de acordo com Marx, é nada mais que a forma da atividade humana social representada na coisa, refletindo a realidade objetiva; ou, reciprocamente, a forma da atividade humana, que reflete a realidade objetiva, representada como uma coisa, como um objeto.

“Idealidade” é um tipo de carimbo impresso na substância da natureza pela atividade vital humana social, uma forma de funcionamento da coisa física no processo da atividade vital humana social. Assim, todas as coisas envolvidas no processo social adquirem uma nova “forma de existência”, que não está incluída em suas naturezas físicas e difere delas completamente – sua forma ideal.

Assim, não pode se falar de “idealidade” onde não existem pessoas produzindo e reproduzindo socialmente suas vidas materiais, isso quer dizer, sujeitos desempenhando trabalho coletivo e, portanto, necessariamente possuindo consciência e vontade. Mas isso não significa que a “idealidade das coisas” é um produto da vontade consciente dos sujeitos, que é “imanente na consciência” e existe somente na consciência. Muito pelo contrário, a consciência e vontade do sujeito agem como funções da idealidade das coisas, como a realização da idealidade das coisas.

Idealidade, assim, tem uma natureza e origem puramente social, e ainda, o ideal, na forma de conhecimento, reflete a realidade objetiva, que existe independentemente da humanidade. É a forma de uma coisa, mas está fora desta coisa, nomeadamente na atividade do homem, como uma forma dessa atividade. Ou, reciprocamente, é a forma da atividade da pessoa, mas fora desta pessoa, como uma forma da coisa. Aqui, então, está a chave para todo o mistério, toda a mística, que forma a base real para todos os tipos de construções e concepções idealistas, do homem e do mundo para além do homem, desde Platão até Carnap e Popper. “Idealidade” escapa constantemente da constituição teórica metafisicamente unilateral. Tão logo está constituída como a “forma da coisa”, começa a importunar o teórico com sua “imaterialidade”, seu caráter “funcional”, e aparece somente como uma forma de “atividade pura”, somente como actus purus. Por outro lado, tão logo se tenta estabelece-la “enquanto tal”, como purificada de todos os traços da corporeidade palpável, verifica-se que esta tentativa está fundamentalmente fadada ao fracasso, que depois de tal purificação, não haverá qualquer coisa que não um vazio transparente, um vácuo indefinível.

E, de fato, como Hegel entendeu tão bem, é absurdo falar de “atividade” que não é realizada em qualquer coisa definida, não “encarnada”, não realizada em algo corpóreo, ao menos em palavras, discurso ou linguagem. Se tal “atividade” existe, não pode ser na realidade, e sim somente em possibilidade, somente potencialmente, e, portanto, não como atividade, mas como seu oposto, como inatividade, como a falta de atividade.

Assim, de acordo com Hegel, o “espírito”, como algo ideal, como algo contrário ao mundo de formas corporalmente estabelecidas, não pode “refletir” (i.e., se tornar consciente das formas de sua própria estrutura), a não ser que ele preliminarmente oponha “si mesmo a si mesmo”, como um “objeto” que difere de si mesmo, como uma “coisa”. Isso é impossível para o espírito absoluto, bem como o desejo de uma linda mulher de admirar si mesma na ausência de um espelho no qual ela vê si mesma como algum “outro”, como uma imagem existindo fora de si mesma. O olho não pode ver si mesmo; ele vê somente o que é outro, mesmo se este outro é outro olho, sua própria reflexão no espelho.

Quando falando da forma-valor como a forma ideal de uma coisa, Marx não invoca acidentalmente, de forma alguma, a imagem do espelho:

De certo modo, ocorre com o homem o mesmo que com a mercadoria. Como ele não vem ao mundo nem com um espelho, nem como filósofo fichtiano – Eu sou Eu –, o homem espelha-se primeiramente num outro homem. É somente mediante a relação com Paulo como seu igual que Pedro se relaciona consigo mesmo como ser humano. Com isso, porém, também Paulo vale para ele, em carne e osso, em sua corporeidade Paulínia, como forma de manifestação do gênero humano.(26)

Aqui o próprio Marx inequivocamente traça um paralelo entre sua teoria da “idealidade” da forma-valor e o entendimento de Hegel de “idealidade”, que leva em conta a dialética do surgimento da autoconsciência coletiva da raça humana. Sim, Hegel entendeu a situação com maior amplitude e maior profundida do que o “filósofo fichtiano”; ele estabeleceu o fato de que antes de ser capaz de examinar si mesmo, o “espírito” deve transformar-se em um objeto e na forma deste objeto opor si mesmo a si mesmo. A princípio na forma da Palavra, na forma da “encarnação” verbal, e então na forma de instrumentos de trabalho, estátuas, máquinas, armas, igrejas, fábricas, constituições e estados, na forma do grandioso “corpo inorgânico do homem”, na forma do corpo sensorialmente perceptível da civilização que para ele serve somente como um espelho no qual ele pode examinar si mesmo, seu “outro ser”, e conhece através deste exame sua própria “idealidade pura”, entendendo si mesmo como “atividade pura”. Hegel entendeu plenamente bem que a idealidade, como “atividade pura”, não é dada diretamente e não pode ser dada “enquanto tal”, imediatamente em toda sua pureza e perfeição imperturbável; só pode ser conhecida através de uma análise de suas “encarnações”, através de sua reflexão no espelho da realidade palpável, no espelho do sistema de coisas (suas formas e relações) criadas pela atividade do “espírito puro”. Pelos seus frutos os conhecereis – e não o contrário.

As formas ideais do mundo são, de acordo com Hegel, formas da atividade “pura” realizada em algum material. Se não são realizadas em algum material corpóreo palpável, elas permanecem invisíveis e desconhecidas para a própria atividade do espírito, o espírito não pode se tornar conscientes delas. A fim de examiná-las, elas devem ser “reificadas”, isto é, transformadas em formas e relações de coisas. Somente neste caso a idealidade existe, possui determinado ser; somente como uma forma reificada e reificável de atividade, uma forma de atividade que se tornou e está se tornando a forma de um objeto, uma coisa corpórea palpável fora da consciência, e, em nenhum caso, como um padrão mental-transcendental de consciência, não como o padrão interno do “eu”, distinguindo si mesmo de si mesmo dentro de si mesmo, como se viu com o “filósofo fichtiano”.

Como o padrão interno da atividade da consciência, como o padrão “imanente na consciência”, a idealidade só pode ter uma existência ilusória, fantasmagórica. Torna-se real somente ao longo de sua reificação, objetivação (e des-objetivação), alienação e desalienação. Claramente, esta é uma interpretação muito mais razoável e realística, comparada com aquela de Kant e Fichte. Ela engloba a verdadeira dialética da “autoconsciência” se desenvolvendo das pessoas, engloba as fases e metamorfoses verdadeiras em cuja sucessão sozinha existe a “idealidade” do mundo.

É por essa razão que Marx se une a Hegel em consideração à terminologia, e não a Kant ou Fichte, que tentaram resolver o problema da “idealidade” (i.e., atividade) enquanto permanecendo “dentro da consciência”, sem se aventurar no mundo externo corpóreo sensorialmente perceptível, o mundo das formas e relações corpóreas palpáveis das coisas.

Esta definição hegeliana do termo “idealidade” toma toda a gama de fenômenos em que o “ideal”, entendido como a forma corporalmente encarnada de atividade do homem social, realmente existe – como atividade na forma da coisa, ou, reciprocamente, como a coisa na forma de atividade, como um “momento” desta atividade, como suas metamorfoses fugazes.

Sem um entendimento deste estado de coisas, seria totalmente impossível entender os milagres realizados pela mercadoria diante dos olhos das pessoas, a forma-mercadoria do produto, particularmente sua deslumbrante forma-dinheiro, na forma dos notórios “táleres reais”, “rubros reais” ou “dólares reais”, coisas que, tão logo temos o menor entendimento teórico delas, imediatamente vem a ser definitivamente não “real”, mas completamente “ideal”, coisas cuja categoria bastante inequivocamente inclui palavras, as unidades de linguagem, e muitas outras “coisas”. Coisas que, enquanto sendo totalmente “materiais”, formações corpóreas palpáveis, adquirem todos os seus “significados” (função e papel) do “espírito”, a partir do “pensamento” e até mesmo devem a ele suas existências corpóreas específicas. Fora do espírito e sem ele, não podem existir até mesmo palavras; existe meramente uma vibração do ar.

O mistério dessa categoria de “coisas”, o segredo da “idealidade” delas, o “caráter sensório-suprassensório” delas, foi primeiro revelado por Marx ao longo de sua análise do fetichismo da mercadoria, ao longo de sua análise da forma mercadoria (valor) do produto, como a forma típica e fundamental deste tipo, como a “forma puramente ideal”.

O caráter misterioso da forma-mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela reflete aos homens os caracteres sociais de seu próprio trabalho como caracteres objetivos dos próprios produtos do trabalho, como propriedades sociais que são naturais a essas coisas e, por isso, reflete também a relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação social entre os objetos, existente à margem dos produtores. É por meio desse quiproquó que os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas sensíveis-suprassensíveis [sensório-suprassensórios – M.S.] ou sociais. A impressão luminosa de uma coisa sobre o nervo óptico não se apresenta, pois, como um estímulo subjetivo do próprio nervo óptico, mas como forma objetiva de uma coisa que está fora do olho. No ato de ver, porém, a luz de uma coisa, de um objeto externo, é efetivamente lançada sobre outra coisa, o olho. Trata-se de uma relação física entre coisas físicas. Já a forma-mercadoria e a relação de valor dos produtos do trabalho em que ela se representa não tem, ao contrário, absolutamente nada a ver com sua natureza física e com as relações materiais [dinglichen] que dela resultam.(27)

Portanto, Marx caracteriza a forma-mercadoria como uma forma ideal, isso quer dizer, como uma forma que não tem absolutamente qualquer coisa em comum com a forma real, corporalmente palpável daquele corpo, no qual está representado (i.e., refletido, expresso, reificado, objetivado, alienado, realizado) e por meio do qual “existe”, possui o “ser”.

É “ideal” porque não inclui um único átomo de substância do corpo no qual está representado, porque é a forma de um corpo bastante diferente. E este outro corpo está presente aqui não corporalmente-substancialmente (encontra-se “corpóreo” em um ponto no espaço bastante diferente), mas de novo somente “idealmente”, e não existe um único átomo de sua substância. A análise química de uma moeda de ouro não revelará uma única molécula de polidor de botas, e vice-versa. Não obstante, uma moeda de ouro representa (expressa) o valor de uma centena de latas de polidor de botas, precisamente por seu peso e brilho.

E, naturalmente, este ato de representação não é desempenhado, de forma alguma, na consciência do vendedor de polidor de botas, mas fora de sua consciência em qualquer “sentido” desta palavra, fora de sua cabeça, no espaço do mercado, e sem ele ter a menor suspeita da natureza misteriosa da forma-dinheiro e a essência do preço do polidor de botas. Qualquer um pode gastar dinheiro sem saber o que é dinheiro.

Por essa mesma razão a pessoa que confidentemente usa sua língua nativa para expressar as circunstâncias mais sutis e complexas da vida, se encontraria em uma posição bastante difícil se ele fosse colocar isso em sua cabeça para adquirir consciência do relacionamento entre o “signo” e o “significado”. A consciência que ele pode ganhar a partir dos estudos linguísticos no atual estado da ciência da linguística é como coloca-lo na posição de uma centopeia que foi imprudente o suficiente para se perguntar qual perna usar. Graças a Deus que tais coisas permanecem “fora da consciência”. E toda a dificuldade que causou tanto aborrecimento para a filosofia também reside no fato que as “formas ideais”, como a forma-valor, a forma do pensamento ou a forma sintática, sempre surgiram, tomaram forma e se desenvolveram, transformadas em algo totalmente objetivo, completamente independente da consciência de qualquer um, ao longo do processo que absolutamente não ocorre na cabeça, mas sempre fora dela – embora não sem sua participação.

Se assim não fosse, o idealismo de Platão e de Hegel seria, de fato, uma grande ilusão, um absurdo, bastante indigno de mentes de tal calibre e tal influência. A objetividade da “forma ideal” não é fantasia de Platão ou de Hegel, mas um fato totalmente incontestável, óbvio, teimoso e bem-conhecido, um fato que fez com que pensadores de tal calibre como Aristóteles, Descartes, Espinoza, Kant, Hegel e Einstein, para não mencionar pensadores de mais baixo escalão, quebrassem suas cabeças por milênios.

“Idealismo” não é uma consequência de algum erro elementar cometido por um estudante ingênuo que imaginou um fantasma terrível que não estava lá. Idealismo é uma interpretação especulativa da objetividade da forma ideal, isso quer dizer, do fato de sua existência no espaço da cultura humana, independentemente da vontade e consciência dos sujeitos.

No caso dado, o materialismo pode consistir apenas da explicação científica do fato e não ignorando ele. Formalmente, este fato aparece {assim como pensadores da “linha platônica” o retrataram:} como uma forma objetiva do movimento dos corpos corpóreos físicos, apesar de sua óbvia incorporeidade; uma forma incorpórea, controlando o destino das formas totalmente corpóreas, determinando se elas serão ou não serão, uma forma, como qualquer alma imaterial [бесплотная], ainda todo-poderosa, de coisas. Uma forma que se preserva nas mais diversas encarnações corpóreas, e não coincide com qualquer uma delas. Uma forma a qual não se pode dizer onde exatamente ela “existe”. Todo lugar e nenhum lugar em particular. E em qualquer caso, não na cabeça de Ivan Ivanovich ou Petr Petrovich, embora ela exista lá também.

Um entendimento completamente racional da forma “ideal” em geral – purificada de todo misticismo, como a “forma ideal” do mundo real, substancialmente material – foi obtida por K. Marx precisamente ao longo de sua superação crítica-construtiva da concepção hegeliana de idealidade, aparecendo em forma específica como a solução para a questão da forma-valor através de uma crítica da economia política, i.e., a clássica teoria do valor-trabalho. A idealidade da forma-valor é um caso típico e característico de idealidade em geral; por isso, o conceito de Marx da forma-valor demonstra concretamente todas as vantagens da visão materialista-dialética da idealidade e do “ideal”.

A forma-valor é entendida em O Capital precisamente como a forma reificada (representada como uma coisa, um relacionamento entre coisas) da atividade vital humana social. Diretamente ela não aparece diante de nós como uma “encarnação” fisicamente palpável, corpórea, de algum “outro”, e este “outro” não pode ser algum outro “corpo” fisicamente palpável, outra “coisa”, ou “matéria”, ou substância entendida como matéria, como certa matéria fisicamente palpável.

A única alternativa, parece, é assumir algum tipo de substância incorpórea, algum tipo de “coisa imaterial”, e a filosofia clássica propôs uma solução lógica o suficiente: esta “substância” estranha poderia ser apenas atividade – “atividade pura”, “atividade puramente criando forma”, “actus purus”. Mas na esfera da atividade econômica essa substância foi obviamente decifrada como trabalho, como trabalho humano físico, transformando o corpo físico da natureza, e “valor” como trabalho realizado, como o ato “encarnado” de trabalho.

Assim, foi precisamente na economia política que o pensamento científico deu seu primeiro passo decisivo em direção a resolver o enigma da essência da “idealidade”. Já Smith e Ricardo, homens bastante distantes da filosofia, perceberam claramente a “substância” das misteriosas definições de valor no trabalho.

Embora entendido a partir da perspectiva da “substância”, o valor permaneceu um mistério quanto sua “forma”; assim, a clássica teoria do valor-trabalho foi incapaz de explicar porque essa substância expressou si mesma como fez, e não de alguma outra forma. Incidentalmente, a tradição burguesa clássica não estava particularmente interessada nessa questão, e Marx demonstrou claramente a razão dessa indiferença em relação a esse assunto. Em qualquer evento, a “dedução”, isto é, a inferência teórica da forma-valor a partir de sua “substância”, permaneceu uma tarefa impossível para a ciência burguesa. Consequentemente, a idealidade desta forma permaneceu tão misteriosa e mística quanto antes.

Na medida em que os teóricos se encontraram em confronto direto com as propriedades misteriosas – fisicamente impalpáveis – dessa forma, eles retornaram repetidamente às formas bem-conhecidas de interpretar a “idealidade”. Por isso, a ideia da existência de “átomos ideais de valor”, que eram altamente reminiscentes das mônadas de Leibniz, a quanta imaterial e sem extensão de “substância intelectual”.

Marx, como um economista, foi auxiliado pelo fato de que ele não era tão ingênuo sobre filosofia como Smith e Ricardo.

Tendo notado na concepção fichtiana-hegeliana de idealidade, como “idealidade pura” – uma descrição abstratamente mistificada do trabalho fisicamente palpável, real, do homem social, o processo da transformação física da natureza física, realizada pelo corpo físico do homem – ele ganhou a chave teórica da solução para o enigma da idealidade da forma-valor.
O valor de uma coisa apresentou si mesmo como o trabalho reificado do homem e, portanto, a forma-valor acabou por ser nada além do que a forma reificada daquele trabalho, uma forma da atividade vital humana, aparecendo para o homem na forma de uma coisa.

E o fato de que isso não é, de forma alguma, a forma de uma coisa por ela mesma (i.e., a coisa em sua determinação natural), mas uma forma de trabalho humano social ou a atividade criando forma do homem social, encarnada no material da natureza – este fato continha a solução para o enigma da “idealidade”. Uma solução totalmente racional, factual – uma interpretação materialista de todas as determinações misterioso-místicas da forma-valor como a forma ideal.

Precisamente o entendimento da “forma-valor em geral” como uma “forma puramente ideal”, deu a K. Marx a possibilidade, pela primeira vez na história da economia política, de distinguir com confidencia formas materiais de relações entre pessoas – como relações que as ligam ao processo de produzir sua vida material, que é totalmente independente de suas intenções conscientes (de sua vontade e consciência) – a partir da expressão ideal dessas relações em formas de sua vontade consciência, intencional, isso quer dizer, na forma de suas formações ideais estáveis, que Marx chamou “formas objetivas de pensamento”.(28)

Foi essa mesma distinção, como a distinção entre relações materiais e ideológicas, em que V. I. Lenin mais tarde (1894) insistiu. Na última categoria ele incluiu, como é bem-conhecido, relações legais, políticas e político-estatais entre pessoas, materializada na forma das instituições correspondentes – na forma de órgãos do poder do estado, as estruturas dos partidos políticos e outras organizações sociais, e, mais cedo, na forma da igreja com sua hierarquia estrita, na forma de sistemas de costumes e rituais, e assim por diante.

Todas essas relações e suas instituições correspondentes, como as formas ideais da expressão das relações materiais (econômicas), existem, naturalmente, não dentro da cabeça, não dentro do cérebro, mas no mesmo espaço real da atividade vital humana como relações econômicas, materiais, de produção.

É precisamente por isso que eles são tão frequentemente confundidos um com o outro, vendo relações econômicas onde existem somente formas legais de sua regulação (e vice-versa); e confundidos tão sem cerimônia como os economistas antes de Marx confundiram “valor” com “preço”, i.e., um fato econômico material com sua expressão ideal no material do dinheiro.

Sem hesitação, eles tomaram uma “forma puramente ideal” da expressão de um fato material como o verdadeiro fato econômico, material, por “valor enquanto tal”, por “valor em geral”. Embora eles não tivessem dúvida de que “valor enquanto tal”, independente de sua expressão ideal no preço, é uma “ficção”, inventada pelos clássicos da teoria do valor-trabalho, e existindo somente nas cabeças de Smith, Ricardo e Marx.

Nisso repousa, e continua a repousar até hoje, toda a economia política vulgar, começando com Bailey e J. S. Mill e terminando com J. M. Keynes: em lugar de uma análise das relações econômicas, materiais reais, e suas formas imanentes, existem apalpadas na esfera das formas puramente ideais dessas relações, apresentadas objetivamente em tais “coisas” auto-evidentes como dinheiro, títulos, ações, investimentos, i.e., em leis estabelecidas e as relações sociais conscientes entre agentes da produção e circulação capitalista que eles permitem. A partir daqui, automaticamente se desenvolve uma perspectiva sobre relações econômicas como relações puramente mentais, isto é, em seus termos, “ideais”.

Assim, para J. M. Keynes, “valor” é um mito, uma palavra vazia. Na realidade, alegadamente, “existe” somente o preço de mercado. Consequentemente, a “taxa de juros” e todas as categorias similares são “categorias predominantemente mentais”, e as crises de superprodução são a mera consequência de perturbação da delicada balança do otimismo espontâneo. Estimando as perspectivas de investimento, devemos ter em consideração, portanto, os nervos e histeria e até mesmo as digestões e reações ao clima daqueles sobre os quais a atividade espontânea isso depende largamente.(29)

Aqui está uma consequência de um entendimento metafísico do relacionamento entre o “material” e o “ideal”.

Isso leva a uma conclusão: o materialismo metafísico, com seu entendimento ingênuo do “ideal” e do “material”, quando confrontado com um problema concretamente científico (neste caso, político-econômico), demandando uma distinção devidamente filosófica (dialética) entre em e o outro, se transforma involuntariamente no mais puro idealismo subjetivo, no sentido berkeleiano-machiano – a punição inevitável e justa para um materialista metafísico desconsiderando a dialética. Lutando contra a dialética como “hegelianismo”, ele inevitavelmente cai no idealismo, infinitamente menor e mais banal do que o hegeliano.

Exatamente a mesma coisa acontece quando ele confronta o tão falado problema do “objeto ideal, ou abstrato” no conhecimento matemático.

Na matemática em geral, mas, especialmente em ensaios sobre sua racionalidade epistemológica, a expressão “objeto ideal” tem tido, já algum tempo, uma utilização generalizada. Naturalmente, a seguinte questão surge: quão legítima, neste caso, é esta expressão a partir da perspectiva da filosofia materialista, a partir da perspectiva da teoria da reflexão? O que está sendo chamado aqui de “ideal”, o que em geral se entende por essa palavra?

Obviamente, esse conceito engloba todos os objetos {significantes} do pensamento matemático {: estruturas topológicas, números imaginários tais como a raiz quadrada de menus um, regularidades descobertas em números naturais, e assim por diante. Resumindo, tudo que a matemática atual estuda}.

Esse fato serve como a base para uma afirmação amplamente conhecida – de acordo não somente com a matemática, mas toda ciência contemporânea, ao contrário das ciências naturais de épocas anteriores – de que ela examina especificamente (e somente) o ideal (o mundo dos “objetos ideais”), que o ideal é seu único objeto específico.

Representantes do neopositivismo, não é preciso dizer, não perderam a oportunidade de discernir neste fato um argumento extra contra o materialismo, contra a tese de que a matemática, como qualquer ciência, não obstante investiga o mundo material real, apesar de examiná-lo a partir de sua perspectiva especial própria, a partir de seu próprio ponto de vista especificamente matemático.

Deve ser reconhecido que o materialismo não-dialético, espontâneo [стихийный], claramente prova ser infundado, e se encontra em uma posição difícil, em uma situação sem saída. E a culpa está em sua interpretação ingênua de “idealidade”, a categoria do ideal.

Na verdade, se você entender o “ideal” como aquilo (e somente aquilo) que existe na consciência, na cabeça humana, i.e., um fenômeno puramente mental ou psicofisiologicamente mental, então você já se encontra impotente diante de um entendimento idealista-subjetivo do objeto do conhecimento matemático contemporâneo, forçado a capitular diante das forças combinadas do neopositivismo, husserlianismo, e doutrinas similares. Pois o silogismo aqui se revela fatal: se é verdade que a matemática contemporânea estuda “objetos ideais”, e “objetos ideais”, por sua própria conta, existem na consciência, e em nenhum outro lugar, então automaticamente segue que a matemática contemporânea examina somente eventos, os quais ocorrem na consciência e somente na consciência, somente na cabeça humana, e não existem, de forma alguma, no mundo real, existindo fora da consciência e fora da cabeça.

Naturalmente, sempre se pode fingir que os matemáticos, ao considerarem “objetos ideais”, na verdade, sem o conhecimento de si mesmos, “tem em mente” algo completamente outro que a filosofia, nomeadamente o mundo objetivo, “material”, dos fenômenos naturais e sócio-históricos, somente expressos, consequentemente, imprecisamente.

Mas isso, naturalmente, é somente um fingimento, e na verdade você só iria se complicar em dificuldades. Esta questão não é resolvida tão facilmente, e você terá que explicar aos matemáticos o que “na verdade” está escondido atrás dessa designação.

Se você responder que, digamos, uma “estrutura topológica” é, na verdade, um objeto completamente material, e não um ideal, como eles estão acostumados a pensar, então você arrisca causar confusão para qualquer um especializado em matemática. Será explicado que uma estrutura topológica (como se fosse a única!) é ainda uma imagem matemática, em não a realidade material verdadeira, e, além disso, que se qualquer um, então certamente um filósofo, deveria ter um entendimento mais preciso das diferenças entre um objeto material e uma construção matemática.

E o matemático estará totalmente correto neste ponto, pois ele conhece bem que é inútil procurar por uma “estrutura topológica” no mundo dos fenômenos sensorialmente perceptíveis. Pois ele entende muito bem que declarar a estrutura topológica como sendo exclusivamente um fenômeno mental (como o idealismo subjetivo tende a fazer, em parte o “solipsismo metodológico” de Rudolf Carnap e seus seguidores) significa cometer, na melhor das hipóteses, um pecado imperdoável, que é negar à ciência matemática, e, no final, toda a ciência da terra [естествознанию], os objetivos e significados necessários de suas construções.

Karl Popper diria então que o mundo dos “objetos ideais” na ciência contemporânea não é o “mundo físico” ou o “mundo mental”, mas claramente um “terceiro mundo”, existindo de maneira misteriosa ao lado de e distintivamente de ambos. Difere do mundo dos fenômenos físicos – observado por meios de síncotrons, osciloscópios e outros dispositivos engenhosos – por sua óbvia “incorporeidade” e “inteligibilidade” (isso quer dizer, por seu caráter puramente inteligível), e do mundo dos fenômenos mentais por sua igualmente óbvia organização e independência da mente singular e de um coletivo de tais mentes, i.e., por sua objetividade e necessidade muito peculiares.

Essa explicação certamente pareceria para um representante da ciência matemática contemporânea muito mais convincente e satisfatória do que a explicação surgindo a partir da posição do materialismo caseiro, espontâneo, não-dialético. Não é coincidência que Popper é bastante popular no mundo acadêmico.

Para o materialismo não-dialético e pré-dialético, a situação está genuinamente desesperada e traiçoeira.

A única posição filosófica que pode defender a honra do materialismo nesta situação consiste em decisivamente rejeitar o velho entendimento metafísico de “idealidade”, e em decisivamente aceitar a interpretação materialista-dialética, que foi desenvolvida por Karl Marx. O primeiro passo nesse caminho para uma transformação materialista crítica da dialética hegeliana procede da aceitação da “idealidade” dos próprios fenômenos do mundo externo, o mundo que está fora, e a priori, do homem com sua cabeça, e então, mais concretamente, ao longo da solução positiva do problema da “forma-valor” e sua diferença fundamental do valor-em-si – este caso mais típico de oposição entre uma “forma puramente ideal” e sua própria imagem material.

Isso é que é interessante, isso que é verdadeiro até hoje sobre O Capital, onde este problema é resolvido brilhantemente – dialeticamente, e também totalmente concretamente – em termos filosóficos gerais e em termos especificamente econômicos, em termos da distinção filosófica correta entre a “forma ideal” da expressão de um fato econômico real, assim como seu fato material, real.

Quando a ciência, incluindo a ciência da terra, entender completamente a profundidade e precisão total da solução do problema da identidade e diferença dialéticas entre o “ideal” e o “material” alcançado em O Capital, então e somente então ela irá parar de acreditar em Popper com sua interpretação do mundo de “objetos ideais” e “modelos ideais” como “terceiro mundo”, que confronta, como algo especial, o mundo físico e o mundo mental. Então Popper será entendido como um fenômeno, onde achamos entrelaçado neste complicado problema: neopositivismo, o idealismo subjetivo de Russell e Carnap, degenerando em um tipo tardio de idealismo objetivo arcaico, muito semelhante ao platonismo tradicional.

Mas isso requer a solução materialista-dialética do problema de “idealidade”, isso é, uma solução essencialmente materialista, mas uma enriquecida pelas lições da dialética hegeliana, que Popper, como todos os neopositivistas, preferem descartar, não compreendendo a simples circunstância histórica que a dialética está muito mais perto da visão científica contemporânea das coisas do que Platão...(30)

A forma ideal de uma coisa é uma forma de atividade vital humana social, que existe não naquela atividade vital, mas, nomeadamente, como uma forma da coisa externa, que representa, reflete outra coisa. Reciprocamente, é uma forma de uma coisa, mas fora desta coisa, nomeadamente, como uma forma de atividade vital humana, no homem, “dentro do homem”.

E desde que em seus estágios desenvolvidos, a atividade vital humana sempre teve uma intenção, isso quer dizer, um caráter conscientemente desejado, “idealidade” aparece como uma forma de consciência e vontade – como uma lei direcionando a consciência e vontade humanas, como um padrão objetivamente compulsório de atividade conscientemente desejada. É por isso que é tão fácil imaginar o “ideal” exclusivamente como uma forma de consciência e autoconsciência, exclusivamente como um padrão “transcendental” da mente e da vontade que realiza este padrão.

E se isso é assim, então a concepção platônica-hegeliana de “idealidade” começa a aparecer como meramente uma projeção inadmissível de formas de consciência e vontade (formas de pensamento) no “mundo externo”, e a “crítica” de Hegel é reduzida a censuras por ele ter “ontologizado”, “hipostatizado” (i.e., interpretado como fatos do mundo existindo fora da consciência singular) formas puramente subjetivas da atividade mental humana. Isso leva a uma conclusão totalmente lógica que todas as categorias do pensamento (“quantidade”, “medida”, “necessidade”, “essência”, e assim por diante) são somente “ideais”, isso quer dizer, somente padrões psicológico-transcendentais da atividade do sujeito, e nada mais.

Marx, naturalmente, tinha uma concepção bastante diferente, onde todas as categorias lógicas sem exceção eram somente as formas idealizadas (i.e., refletidas, transformadas em formas de atividade vital humana, que são primariamente externas, sensorialmente objetivas, e também “mentais”) universais de existência da realidade objetiva, do mundo externo, que existe independentemente do homem e da humanidade.

E não são, de forma alguma, projeções de formas do mundo mental no mundo “físico”. Uma concepção, como pode ser facilmente visto, que é justamente a sequência inversa de sua “dedução teórica”.

Este entendimento de “idealidade” é em Marx fundamentada, acima de tudo, no entendimento materialista da natureza específica do relacionamento social – humano – com o mundo (e sua diferença fundamental do relacionamento do animal com o mundo, de um relacionamento puramente biológico):

O animal é imediatamente um com a sua atividade vital. Não se distingue dela. É ela. O homem faz da sua atividade vital mesma um objeto da sua vontade e da sua consciência.(31)

Isso significa que a atividade do animal é direcionada somente a objetos externos. A atividade do homem, por outro lado, é direcionada não somente sobre eles, mas também sobre suas próprias formas de atividade vital. É atividade direcionada sobre si mesma – o que a filosofia clássica alemã apresentou como a característica específica do “espírito”, como “reflexão”, como “autoconsciência”.

Na passagem acima citada de Marx (precisamente porque é tomada de seus primeiros trabalhos), ele não enfatiza suficientemente o detalhe fundamentalmente importante que distingue sua posição da interpretação fichtiana-hegeliana de “reflexão” (o relacionamento consigo mesmo como com “outro”). À luz disso, a passagem citada pode ser entendida como significando que o homem adquire um segundo plano, novo, de atividade vital, porque ele possui consciência e vontade, que o animal não possui.

Entretanto, o caso é justamente o oposto: consciência e vontade aparecem no homem somente porque ele já possui um plano especial de atividade vital que está ausente no mundo animal – atividade direcionada para o domínio de formas de atividade vital especificamente sociais, puramente sociais em origem e essência, que não estão, portanto, codificadas biologicamente nele.

O animal que acabou de nascer é confrontado com o mundo externo. As formas de sua atividade vital são inatas à morfologia de seu corpo e ele não tem que desempenhar qualquer atividade especial a fim de “internalizá-las”. Ele precisa somente exercitar as formas de comportamento codificadas nele. Desenvolvimento consiste somente no desenvolvimento dos instintos, reações inatas a coisas e situações. O ambiente meramente corrige esse desenvolvimento.

O homem é uma questão bastante diferente. A criança que acabou de nascer é confrontada – fora de si mesma – não somente pelo mundo externo, mas também um sistema bastante complexo de cultura, que exige dela “modos de comportamento” que não estão “codificados” geneticamente (morfologicamente) em seu corpo, e não aparecem de qualquer maneira. Aqui não é uma questão de ajustar padrões de comportamentos prontos, mas de assimilar modos de atividade vital que não carregam qualquer relação com as formas biologicamente necessárias de reações de seu organismo com coisas e situações.

Isso se aplica até mesmo para “atos comportamentais” diretamente conectados com a satisfação de necessidades biologicamente inatas: a necessidade de comida está codificada biologicamente no homem, mas a necessidade de comer com a ajuda de um prato e colher, faca e garfo, sentado em uma cadeira, em uma mesa etc., não é mais inata do que as formas sintáticas da linguagem que ele aprende a falar. Em relação à morfologia do corpo humano, essas são condições puramente externas, assim como as regras do xadrez.(32),(33)

Essas são puramente formas do mundo externo (existindo fora do corpo singular), formas de organização deste mundo, que ele ainda precisa converter em formas de sua atividade vital singular, nos padrões e modos de sua atividade, a fim de se tornar humano.

Esse é o mundo das formas da atividade vital humana social que confronta o recém-nascido (especificamente, o organismo biológico da espécie Homo sapiens), como a objetividade a qual ele é compelido a adaptar todo seu “comportamento”, todas as funções de seu corpo orgânico, como aquele objeto para assimilação a qual os adultos guiam toda a atividade do recém-nascido.

A presença desse objeto especificamente humano – o mundo de coisas criado pelo homem para o homem, e, portanto, coisas cujas formas são formas reificadas de atividade humana (trabalho), e certamente não as formas naturalmente inerentes nelas – é a condição para a existência da consciência e vontade. E certamente não o inverso: não é a consciência e vontade que são condição e pré-requisito para a existência deste objeto único, muito menos sua “causa”.

{A consciência e vontade que surgem na mente do sujeito humano são a consequência direta do fato de que ele é confrontado não pela natureza enquanto tal, mas a natureza que foi transformada pelo trabalho das gerações anteriores, moldada pelo trabalho humano, natureza nas formas da atividade vital humana (como um objeto de sua atividade vital).}

Consciência e vontade se tornam formas necessárias da atividade mental somente onde o sujeito é compelido a controlar seu próprio corpo orgânico em resposta não a demandas orgânicas (naturais) desse corpo, mas demandas apresentadas de fora, pelas “regras” aceitas pela sociedade na qual ele nasceu. É somente nessas condições que o sujeito é compelido a se distinguir de seu próprio corpo orgânico. Essas regras não são passadas para ele pelo nascimento, através de seus “genes”, mas são impostas a ele de fora, ditadas pela cultura, e não pela natureza.

É somente aqui que aparece o relacionamento para si mesmo como para um representante único de um “outro”, um relacionamento desconhecido para os animais. O sujeito humano é compelido a subordinar suas próprias ações a certas “regras” e “padrões” que ele tem que assimilar como um objeto especial, a fim de fazer deles regras e padrões da atividade vital de seu próprio corpo.

A princípio eles o confrontam precisamente como um objeto externo, como as formas e relacionamentos entre coisas produzidas e reproduzidas pelo trabalho humano.

É pelo domínio dos objetos da natureza nas formas produzidas e reproduzidas pelo trabalho humano que o sujeito se torna pela primeira vez humano, se torna um representante da “raça humana”, ao passo que antes disso, ele era meramente um representante de uma espécie biológica.

A existência dessa herança puramente social de formas de atividade vital, isso quer dizer, um legado de formas que não são, de forma alguma, transmitidas através dos genes, através da morfologia do corpo orgânico, mas somente através da educação, somente através da assimilação da cultura disponível, somente através de um processo ao longo do qual o corpo orgânico do sujeito se transforma em um representante da raça humana (i.e., o agregado específico todo de pessoas conectadas pelos laços dos relacionamentos sociais) – é somente a existência desse relacionamento específico que acarreta em consciência e vontade como formas especificamente humanas de atividade mental.

Consciência apenas surge onde o sujeito é compelido a procurar si mesmo como se a partir do lado, como se com os outros de outra pessoa, os olhos de todas as outras pessoas – somente onde ele é compelido a correlacionar suas ações singulares com as ações de outra pessoa, isso quer dizer, somente dentro da estrutura de atividade vital coletivamente desempenhada. É somente aqui que existe necessidade para vontade, no sentido de habilidade de subordinar forçosamente as próprias inclinações e impulsos a certa lei, certa demanda ditada não pelo orgânico singular do próprio corpo, mas pela organização do “corpo coletivo”, o coletivo que foi formado ao redor de certa tarefa comum.(34)

É aqui, e somente aqui, que surge o plano ideal da atividade vital desconhecida pelo animal. Consciência e vontade não são a “causa” da manifestação desse novo plano de relacionamentos entre o sujeito e o mundo externo, mas somente as formas mentais de sua expressão, em outras palavras, seu efeito. E, além disso, não é uma forma acidental e sim uma forma necessária de sua manifestação, sua expressão, sua realização.

Não devemos ir além ao exame da consciência e vontade (e seu relacionamento com a “idealidade”), porque aqui começamos a entrar no campo específico da psicologia. O problema da “idealidade” em sua forma geral é igualmente significante para a psicologia, linguística, e qualquer disciplina sócio-histórica, e naturalmente vai para além das fronteiras da psicologia enquanto tal e deve ser considerada independentemente dos detalhes puramente psicológicos (ou puramente econômico-políticos).

A psicologia deve necessariamente proceder do fato de que entre a consciência singular e a realidade objetiva existe o “elo de mediação” da cultura historicamente formada, que age como o pré-requisito e condição da atividade mental singular. Isso compreende as formas econômica e legal dos relacionamentos humanos, as formas da vida diária e as formas de linguagem, e assim por diante. Para a atividade mental do sujeito (consciência e vontade do sujeito), essa cultura aparece imediatamente como um “sistema de significados”, que foi “reificado”, e o confronta bastante objetivamente como uma realidade “não-psicológica”, extra-psicológica.

O significado fundamental desse fato é especificamente sublinhado por A. N. Leontiev:

Assim, significado refrata o mundo na consciência do homem. Embora a linguagem seja o portador de significados, não é seu demiurgo. Por trás dos significados linguísticos se esconde métodos (operações) socialmente produzidos de atividade, ao longo do qual as pessoas alteram e conhecem a realidade objetiva. Em outras palavras, significados representam a forma ideal da existência do mundo objetivo, suas propriedades, conexões e relações, transformadas e dobradas na questão da linguagem, que são revelados no agregado da prática social. É por isso que os próprios significados, isso quer dizer, abstraídos de suas funções na consciência singular, não são, de forma alguma, “mentais”, como é aquela realidade socialmente conhecida, que reside por trás deles.(35)

Por isso, a transformação do problema da “idealidade” em um problema psicológico (ou pior, em um psicofisiológico) leva a ciência materialista diretamente em direção a um beco sem saída, desde que o segredo da idealidade é procurado não onde verdadeiramente surge, não no espaço onde a história dos relacionamentos reais entre o homem social e a natureza se desenrola, mas no crânio humano, nos relacionamentos materiais entre neurônios. E essa abordagem é tão tola quanto a tentativa de descobrir a forma do valor por análise química do ouro ou cédulas, nas quais essa forma se apresenta ao olho e tato. É o mesmo fetichismo, a mesma atribuição de propriedades a uma substância natural, que, na verdade, não pertencem a ela enquanto tal, mas são somente formas de trabalho humano social expressos nela, formas de relações sociais entre pessoas.

Realmente, o fetichismo é a forma mais tosca, a mais primitiva e selvagem de idealismo, conferindo (na fantasia, naturalmente) todos os atributos do “espírito” a uma tora decorada com conchas e penas. Essa forma mais tosca de idealismo não difere ,de forma alguma, do comportamento de animais que tentam lamber e comer uma lâmpada, que serve para eles (a partir da mão fácil do experimentador) como um sinal de que é hora de comer. Para o animal, assim como para o fetichista, a lâmpada e a tora não são, de forma alguma, “sinais”, não são designações de “algum outro”, mas a parte física verdadeira de uma situação física, determinando diretamente seu comportamento. E assim, os chineses bateriam sem piedade em um ídolo de argila se ele não desejasse enviar chuva para seus campos.

O enigma e a solução do problema do “idealismo” devem ser encontrados na peculiaridade de uma mentalidade que não pode distinguir entre duas categorias fundamentalmente diferentes, e até mesmo opostas, de fenômenos ao qual está sensorialmente ciente como existindo fora de seu cérebro: as propriedades naturais das coisas, por um lado, e aquelas propriedades que elas devem não a natureza, mas ao trabalho humano social encarnado e realizado nessas coisas.

Este é o ponto onde tais opostos, como o materialismo toscamente ingênuo e o não menos toscamente ingênuo idealismo, se fundem diretamente. Isso quer dizer, onde o material é identificado diretamente com o ideal, e vice-versa, surgindo não de grandes mentes da escala de Platão ou Hegel, mas exatamente de uma falta de tais mentes, que impensadamente consideram tudo que existe fora da cabeça, fora da atividade mental, como “material”, e tudo que está “na cabeça”, “na consciência”, como “ideal”.

Isso é precisamente como Marx entende a essência dessa confusão, que a economia política burguesa não foi capaz de resolver. Nas notas-rascunhos para O Capital, ele escreve:

O materialismo tosco dos economistas, de considerar como qualidades naturais das coisas as relações sociais de produção dos seres humanos e as determinações que as coisas recebem, enquanto subsumidas a tais relações, é um idealismo igualmente tosco, um fetichismo que atribui às coisas relações sociais como determinações que lhes são imanentes e, assim, as mistifica.(36)

O materialismo científico, real, diferente do materialismo tosco, não reside em declarar tudo que está fora do cérebro do sujeito como sendo “primário”, em descrever este “primário” como “material”, e declarar tudo que está “na cabeça” como sendo “secundário” e “ideal”. O materialismo científico reside na habilidade de distinguir a fronteira fundamental na composição das próprias “coisas” e “fenômenos” sensorialmente palpáveis, sensorialmente perceptíveis, para ver a diferença e oposição entre o “material” e o “ideal”, lá e em nenhum outro lugar.

É esse materialismo que compele ao entendimento dessa distinção, não como a distinção comumente aceita entre “táleres reais e imaginários” (dólares, rubros ou ienes), mas como uma distinção que reside muito mais profundamente, nomeadamente na própria natureza da atividade vital humana social, em suas diferenças fundamentais da atividade vital de um animal, como a partir da atividade vital biológica de seu próprio organismo.

O plano “ideal” de realidade compreende exclusivamente apenas aquilo que é criado pelo trabalho, tanto no próprio homem como na parte da natureza em que ele vive e age, que foi produzido e reproduzido pela sua própria atividade humana social e, portanto, atividade transformadora intencional, diariamente e de hora em hora, desde que o homem existe.

Por isso, não se pode falar da existência de um “plano ideal” entre os animais (ou em um “humano” não civilizado, desenvolvido puramente biologicamente), sem partir de um significado filosófico rigorosamente estabelecido do termo. É por isso que não se pode falar de qualquer “ideal” entre os animais, apesar da inegável existência de atividade mental, e até mesmo vislumbres de “consciência” (que são muito difíceis de negar entre cachorros domesticados). O homem adquire o plano “ideal” de atividade vital somente através da internalização das formas historicamente desenvolvidas de atividade vital social, somente junto com o plano social de existência, somente junto com a cultura. “Idealidade” não é nada senão um aspecto da cultura, uma de suas dimensões, fatores determinantes, propriedades. Em relação à atividade mental, é tanto um componente objetivo como montanhas e árvores, a lua e as estrelas, como os processos do metabolismo no corpo orgânico de um sujeito.

{É por isso – e não por causa da “tolice dos idealistas” – que pessoas (e não somente filósofos) frequentemente confundem o “ideal” com o “material”, tomando um como o outro. A filosofia, até mesmo a filosofia platônica-hegeliana, é o único caminho para o desentrelaçamento dessa confusão ingênua primitiva do senso comum, apesar de que a pessoa comum ostenta muito mais que qualquer um a superioridade de sua “mente sóbria” sobre as “construções místicas de Platão e Hegel”.}

Idealismo não é o fruto de um descuido, mas o fruto legítimo e natural de um mundo onde “coisas adquirem propriedades humanas enquanto pessoas são reduzidas ao nível da força material”(37), onde coisas são dotadas de “espírito”, enquanto seres humanos são completamente privados disso. “Fetichismo da mercadoria, e todos os tons deste fenômeno que surge em um estágio particular da análise econômica, é um produto verdadeiramente existente de uma metamorfose histórica real”(38), como Mikhail Lifshits precisamente formula a questão em seu livro sobre Marx. A realidade objetiva de “formas ideais” não é mera invenção de idealistas traiçoeiros, como parece ser para os pseudomaterialistas que reconhecem, por um lado, o “mundo externo”, e por outro, somente o “cérebro consciente” (ou “consciência como uma propriedade e função do cérebro”). Esse pseudomaterialismo, apesar de todas suas boas intenções, tem ambos os pés firmemente plantados no mesmo pântano místico do fetichismo como o seu oponente – o idealismo íntegro. Isso é também fetichismo, somente não aquele de uma tora, um ídolo de bronze ou “Logos”, mas um fetichismo do tecido nervoso, um fetichismo de neurônios, axônios e DNA, que na verdade possuem tão pouco do “ideal” como qualquer pedra jogada em uma rua, e tanto menos como o “valor” de um diamante que ainda não foi descoberto, não importa quão grande e pesado ele possa ser.

Entretanto, o cérebro, trabalhado e reproduzido pelo trabalho, torna-se um órgão – além disso, o representante autorizado da “idealidade”, o plano ideal da atividade vital – característico somente do homem, uma entidade que produz socialmente sua própria vida material. Essa é a essência do materialismo científico real que é capaz de resolver o problema do “ideal”.

E quando Marx define o “ideal” como “não é mais do que o material, transposto e traduzido na cabeça do homem”, ele quer dizer precisamente a cabeça humana, não o órgão corporal do “Homo sapiens” crescendo fora do pescoço de um sujeito graças à Mãe Natureza. Muitos “materialistas” frequentemente esquecem essa diferença.

Dentro da cabeça humana – quando entendida naturalisticamente (i.e., como é examinada por um médico, um anatomista, um biólogo, um fisiologista da atividade nervosa superior, um bioquímico, e assim por diante...) – não existe “ideal”, nunca existiu e nunca existirá. O que existe lá são “mecanismos” materiais, que fornecem, com suas dinâmicas complexas, para a atividade do homem em geral, incluindo a atividade sobre o plano ideal, de acordo com o “plano ideal”, que confronta o cérebro como um objeto especial, que é, de um jeito ou de outro, a forma reificada da atividade vital humana social, como propósito (o componente inseparável dessa atividade vital), como o significado humano de uma coisa.(39)

É por isso que “materialistas” – que impulsionam fisiologistas em aventuras tolas atrás do “ideal” no próprio cérebro, no tronco do tecido nervoso do córtex cerebral, no fundo das “microestruturas cerebrais” e coisas similares – no fim alcança só uma coisa: o completo descrédito do materialismo como um princípio do pensamento científico. Desde que fisiologistas não podem encontrar o “ideal” no crânio, portanto, eles não procuram por ele. Desde que não está lá {, portanto, pseudomaterialistas causam um dano muito maior para o pensamento científico sobre a humanidade e sobre o “ideal” do que Platão e Hegel juntos. O último, com uma leitura inteligente, até provê algum benefício, que o “materialismo” tolo não é capaz, de forma alguma, de prover, isso quer dizer, aqueles materialistas que não são bem versados em filosofia, sem instrução na escola da dialética, que, não obstante, vangloriam-se de seu materialismo imaginário}.

“Idealidade” é, de fato, necessariamente conectada com consciência e vontade, mas absolutamente não da forma que o velho materialismo, pré-marxista, descreve essa conexão. Não é a idealidade que é um “aspecto”, ou “forma de manifestação” da esfera da consciência-vontade, mas, pelo contrário, o caráter conscientemente intencional da mentalidade humana é uma forma de manifestação, um “aspecto” ou manifestação mental do plano ideal (i.e., gerado sócio-historicamente) de relacionamentos entre homem e natureza.

{Idealidade é uma característica das coisas, não como elas são determinadas pela natureza, mas como elas são determinadas pelo trabalho, a atividade transformadora e criadora de formas do homem social, a atividade intencional, sensorialmente objetiva dele.}

A forma ideal é a forma da coisa criada pelo trabalho humano social, reproduzindo formas do mundo material objetivo, que existe independentemente do homem. Ou, reciprocamente, a forma de trabalho realizada na substância da natureza, “encarnada” nela, “alienada” nela, “realizada” nela e, portanto, se apresentando ao homem, o criador, como a forma de uma coisa ou como um relacionamento especial entre coisas, um relacionamento no qual uma coisa realiza, reflete outra, na qual o homem colocou essas coisas, seu trabalho, e que nunca iria surgir por conta própria.

É por isso que o homem contempla o “ideal” como estando fora de si mesmo, fora de seus próprios olhos, fora de sua própria cabeça – como realidade objetiva existente. É apenas por causa disso que ele frequentemente e facilmente confunde o “ideal” com o “material”, assumindo aquelas formas e relações entre coisas que ele próprio criou {, formas que foram “colocadas” nelas sócio-historicamente, como propriedades naturais inatas, formas e relações historicamente transientes, como formas e relações eternas e inalteráveis entre coisas, como relações ditadas pelas “leis da natureza”}.

É aqui {e não na “tolice” ou ignorância das pessoas} que reside a causa de todas as ilusões platônicas-hegelianas. É por isso que a refutação teórica-filosófica do idealismo objetivo (concepções onde a idealidade das coisas precede o ser material e age como causa das coisas) foi capaz de ser alcançada somente na forma de um entendimento positivo do papel verdadeiro (objetivo) do “ideal” no processo do trabalho humano social transformando o material da natureza (incluindo seu próprio “corpo orgânico”, sua morfologia biologicamente inata com suas mãos e cérebros).

No processo do trabalho, o homem, enquanto permanecendo um ser natural, transforma coisas externas e (ao fazê-lo) seu próprio corpo “natural”; ele molda matéria natural (incluindo a matéria de seu próprio sistema nervoso e cérebro, que é seu centro), convertendo ela em um “meio” e um “órgão” de sua atividade vital intencional. É por isso que desde o início ele olha sobre a “natureza” (matéria) como o material no qual seus objetivos estão “encarnados”, como o “meio” da realização deles. É por isso que ele vê na natureza primariamente o que é “adequado” para este papel, o que desempenha ou pode desempenhar a parte de um meio em direção a seu fim, isso quer dizer, o que ele já elaborou, de um jeito ou de outro, no processo de sua atividade intencional.

Assim, em primeiro lugar, ele direciona sua atenção sobre as estrelas exclusivamente como um relógio, calendário e bússola natural, como meios e instrumentos de sua atividade vital, e observa a propriedade e regularidade “natural” delas apenas na medida em que elas são propriedades e regularidades naturais do material no qual sua atividade está sendo desempenhada, e em que ele deve, portanto, considerar como componentes completamente objetivos (de forma alguma dependente de sua vontade e consciência) de sua atividade.

Mas, é por essa mesma razão que ele toma os resultados de sua atividade transformadora (as formas e relações das coisas dadas por si mesmo) como as formas e relações das coisas como elas são. Isso dá origem ao fetichismo de todo tipo e tom, uma das variedades que foi e ainda é idealismo filosófico: a doutrina que considera as formas ideais das coisas (i.e., as formas da atividade humana encarnadas nas coisas) como as formas eternas, sem premissas, primordiais e “absolutas” do universo, e leva em conta tudo mais apenas na medida em que esse “tudo mais”, isso quer dizer, toda a verdadeira diversidade do mundo, já foi desenhada no processo do trabalho, já foi feita em meio, instrumento e material para a realização da atividade intencional, já foi refratada através do grandioso prisma das “formas ideais” (formas da atividade humana), já tem como premissa (representada em) essas formas, já moldadas por elas.

Por essa razão, o “ideal” existe somente no homem. Fora do homem e para além dele não pode existir qualquer coisa “ideal”. O homem, entretanto, é para ser entendido não como um sujeito com um cérebro, mas como um conjunto real de pessoas reais realizando coletivamente sua atividade vital especificamente humana, como o “conjunto de todas as relações sociais” surgindo entre pessoas ao redor de uma tarefa comum, ao redor do processo de produção social de suas vidas. O ideal existe “dentro” do homem assim entendido, porque “dentro” do homem assim entendido estão todas as coisas que “mediam” os sujeitos que estão produzindo socialmente suas vidas: palavras, livros, estátuas, igrejas, clubes sociais, torres de televisão, e (acima de tudo!) os instrumentos de trabalho, desde o machado de pedra e a agulha de osso até a fábrica automatizada moderna e a tecnologia computacional. É nessas “coisas” que o ideal existe como a atividade vital intencional “subjetiva” criando formas do homem social, encarnada no material da natureza. {E não dentro do “cérebro”, como os materialistas bem-intencionados, mas filosoficamente ignorantes, acreditam.}

A forma ideal é uma forma de uma coisa, mas fora desta coisa, nomeadamente no homem, como uma forma de sua atividade vital dinâmica, como objetivos e necessidades. Ou, reciprocamente, é uma forma da atividade vital dinâmica do homem, mas fora do homem, nomeadamente na forma da coisa que ele cria, que representa, reflete outra coisa, incluindo aquilo que existe independentemente do homem e da humanidade. “Idealidade” enquanto tal existe somente na transformação constante dessas duas formas de sua “encarnação externa”, e não coincide com ambas tomadas separadamente. Existe somente através do processo contínuo de transformação da forma de atividade na forma de uma coisa e de volta – a forma de uma coisa na forma de atividade (do homem social, naturalmente).

Tente identificar o “ideal” com qualquer uma dessas duas formas de sua existência imediata – e ela não existe mais. Tudo que ficou é o corpo “substancial”, totalmente material e seu funcionamento corporal. A “forma de atividade” enquanto tal acaba por ser codificada corporalmente no sistema nervoso, em intricados estereótipos neurodinâmicos e “mecanismos cerebrais” pelo padrão da ação externa do organismo humano material do corpo do sujeito. E você não descobrirá qualquer coisa “ideal” naquele corpo, não importa como você tente. A forma da coisa criada pelo homem, tomada fora do processo de atividade vital social, fora do processo de metabolismo entre homem e natureza, também acaba por ser simplesmente a forma material da coisa, a forma física de um corpo externo e nada mais. Uma palavra, tomada fora do organismo da relação humana, acaba por ser nada mais que um fato acústico ou ótico. “Em-si” não é mais “ideal” do que o cérebro humano.

E somente no movimento alternativo de duas “metamorfoses” contrárias – formas de atividade e formas de coisas em suas transformações mútuas dialeticamente contraditórias – o ideal existe.

Portanto, apenas o materialismo dialético foi capaz de resolver o problema da idealidade das coisas.


Notas de rodapé:

(1) Possui graduação em farmácia pela UFPR e é mestre em educação pela UFPR. Participa dos Grupos de Pesquisa: Núcleo de Pesquisa Educação e Marxismo (NUPE-Marx/UFPR), na linha Trabalho, Tecnologia e Educação; e Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC/UFPR), na linha Estudos Marxistas em Saúde. Contato: marcelojss @ gmail.com (retornar ao texto)

(2) LENIN, Vladimir Ilitch. Cadernos Sobre a Dialética de Hegel. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2011, p. 115. (retornar ao texto)

(3) [O termo russo “всеобщие”, que é traduzido como “universal” em seu artigo, “O Universal” (1974), tem um significado literal – como “comum a todos”. Este significado secundário é significante para Ilienkov, que ressalta este ponto: “No sentido literal da palavra, ‘vseobshchee [universal]’ significa ‘obshchee vsem [comum a todos]’” – A.L.] (retornar ao texto)

(4) NARSKY, Igor Sergeevich. Диалектическое противоречие и логика познания [A Contradição Dialética e a Lógica do Conhecimento]. Moscow: Science, 1969, p. 78. (retornar ao texto)

(5) DUBROVSKY, David Izrailevich. Психические явления и мозг [Fenômenos Mentais e o Cérebro]. Moscow: Science, 1971, pp. 187-189. (retornar ao texto)

(6) DUBROVSKY, David Izrailevich. Психические явления и мозг [Fenômenos Mentais e o Cérebro]. Moscow: Science, 1971, p. 189. (retornar ao texto)

(7) DUBROVSKY, David Izrailevich. Психические явления и мозг [Fenômenos Mentais e o Cérebro]. Moscow: Science, 1971, p. 188. (retornar ao texto)

(8) DUBROVSKY, David Izrailevich. Психические явления и мозг [Fenômenos Mentais e o Cérebro]. Moscow: Science, 1971, p. 188. (retornar ao texto)

(9) NARSKY, Igor Sergeevich. Диалектическое противоречие и логика познания [A Contradição Dialética e a Lógica do Conhecimento]. Moscow: Science, 1969, p. 74. [Itálicos de Ilienkov – A.L.] (retornar ao texto)

(10) MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I: O Processo de Produção do Capital. Posfácio da Segunda Edição. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 90. (retornar ao texto)

(11) PAVLOV, Todor Dimitrov. Информация, отражение, творчество [Informação, Reflexão, Criatividade]. Moscow: Progress Publishers, 1966, pp. 167-168. (retornar ao texto)

(12) [A tradução de Robert Daglish começa aproximadamente aqui – A.L.] (retornar ao texto)

(13) MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I: O Processo de Produção do Capital. São Paulo: Boitempo, 2013, pp. 170-171. (retornar ao texto)

(14) MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I: O Processo de Produção do Capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 170. (retornar ao texto)

(15) [KANT, Immanuel. Immanuel Kant’s Critique of Pure Reason. London: Macmillan and Co, 1933, p. 499, A599/B627 – A.L.] (retornar ao texto)

(16) [Em referência a um ditado russo: “beber até [você ver] demônios verdes [напиться до зеленых чертей]” – A.L.] (retornar ao texto)

(17) MARX, Karl. The Difference Between the Democritean and Epicurean Philosophy of Nature. Appendix: Critique of Plutarch's Polemic against the Theology of Epicurus. In: Marx/Engels Collected Works, Volume 1. Moscow: Progress Publishers, 1975, p. 105. (retornar ao texto)

(18) MARX, Karl. The Difference Between the Democritean and Epicurean Philosophy of Nature. Appendix: Critique of Plutarch's Polemic against the Theology of Epicurus. In: Marx/Engels Collected Works, Volume 1. Moscow: Progress Publishers, 1975, p. 105. (retornar ao texto)

(19) RUBINSTEIN, Sergey Leonidovich. Бытие и сознание [Ser e Consciência]. Moscow: USSR Academy of Sciences, 1957, p. 41. (retornar ao texto)

(20) HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Hegel’s Philosophy of Nature: Being Part Two of the ‘Encyclopaedia of the Philosophical Sciences’(1830). Oxford: Oxford University Press, 2004, p. 50. (retornar ao texto)

(21) HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Hegel’s Philosophy of Nature: Being Part Two of the ‘Encyclopaedia of the Philosophical Sciences’(1830). Oxford: Oxford University Press, 2004, p. 50. (retornar ao texto)

(22) Não existe “isomorfismo”, “homorfismo”, ou quaisquer outros morfismos aqui. Não adianta procurar, pois eles não estão aqui. (retornar ao texto)

(23) Note que os neopositivistas, por igualarem fundamentalmente a definição do conceito com a definição do termo, assim em sua própria maneira resolvem o problema do “ideal”, essencialmente negando esta importante categoria de seu significado científico, e atribuindo a oposição do “ideal” e “material” à categoria de “metafísica”, isto é, em sua terminologia, a distinções pré-científicas e anticientíficas. (retornar ao texto)

(24) MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I: O Processo de Produção do Capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 170. (retornar ao texto)

(25) MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I: O Processo de Produção do Capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 129. (retornar ao texto)

(26) MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I: O Processo de Produção do Capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 129, nota 18. (retornar ao texto)

(27) MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I: O Processo de Produção do Capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 147. (retornar ao texto)

(28) [Aqui a tradução de Robert Daglish se desvia substancialmente do texto original – A.L.] (retornar ao texto)

(29) KEYNES, John Maynard. The General Theory of Employment, Interest and Money. New Delhi: Atlantic Publishers, 2006, p. 182 (retornar ao texto)

(30) [A tradução de Robert Daglish começa novamente aproximadamente aqui – A.L.] (retornar ao texto)

(31) MARK, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 84. (retornar ao texto)

(32) LEONTYEV, Alexei Nikolaevich. Проблемы развития психики [Problemas do Desenvolvimento da Mente]. Moscow: Moscow University Press, 1972. (retornar ao texto)

(33) MESHCHERYAKOV, Alexander. Слепоглухие дети. Развитие психики в процессе формирования поведения [Crianças Surdo-Cegas: O Desenvolvimento da Mente no Processo de Formação do Comportamento]. Moscow: Pedagogy, 1974. (retornar ao texto)

(34) LEONTYEV, Alexei Nikolaevich. Деятельность, сознание, личность [Atividade, Consciência e Personalidade]. Moscow: Politizdat, 1975. (retornar ao texto)

(35) LEONTYEV, Alexei Nikolaevich. Деятельность, сознание, личность [Atividade, Consciência e Personalidade]. Moscow: Politizdat, 1975, p. 134. (retornar ao texto)

(36) MARX, Karl. Grundrisse - Manuscritos Econômicos de 1857-1858: Esboços da Crítica da Economia Política. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2011, p. 575. (retornar ao texto)

(37) LIFSHITS, Mikhail Alexandrovich. Карл Маркс. Искусство и общественный идеал [Karl Marx: Arte e o Ideal Social]. Moscow: Literature, 1972, p. 130. (retornar ao texto)

(38) LIFSHITS, Mikhail Alexandrovich. Карл Маркс. Искусство и общественный идеал [Karl Marx: Arte e o Ideal Social]. Moscow: Literature, 1972, p. 130. (retornar ao texto)

(39) [Esse parágrafo não aparece na tradução de Robert Daglish – A.L.] (retornar ao texto)

Inclusão 08/06/2013
Última atualização 14/04/2014