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O conflito inevitável entre a Assembleia Nacional de Frankfurt e o governo dos Estados da Alemanha eclodiu, por fim, em hostilidades abertas nos primeiros dias de Maio de 1849. Os deputados austríacos, chamados pelo seu governo, tinham já deixado a Assembleia e voltado para casa, à excepção de poucos membros do partido da Esquerda ou democrático. A grande massa dos membros conservadores, consciente da volta que as coisas estavam para dar, demitiu-se antes mesmo que os respectivos governos lhes tivessem pedido para o fazer. Por conseguinte, mesmo independentemente das causas expostas nos artigos anteriores para fortalecer a influência da Esquerda, a mera deserção dos seus lugares por parte dos membros da Direita bastava para transformar a velha minoria em maioria da Assembleia. A nova maioria — que, anteriormente, em tempo algum tinha alguma vez sonhado em ter essa sorte — tinha aproveitado o seu lugar nas bancadas da oposição para arengar contra a fraqueza, a indecisão, a indolência da velha maioria e do seu Lugar-Tenente Imperial. Agora, subitamente, eles eram chamados a substituir aquela velha maioria. Tinham agora de mostrar o que eram capazes de fazer. Claro que o caminho deles teria de ser um caminho de energia, de determinação, de actividade. Eles, a elite da Alemanha, seriam, em breve, capazes de fazer andar para diante o senil Lugar-Tenente do Império e os seus vacilantes ministros e, no caso de isso ser impossível, derrubariam — disso não poderia haver dúvida — pela força do direito soberano do povo, esse governo impotente e substituí-lo-iam por um Executivo enérgico, infatigável, que asseguraria a salvação da Alemanha. Coitados! o regime deles — se regime se pode chamar a uma situação em que ninguém obedece — era uma coisa ainda mais ridícula do que o regime dos seus predecessores.
A nova maioria declarou que, apesar de todos os obstáculos, a Constituição Imperial tinha de ser aplicada e imediatamente; que em 15 de Julho próximo o povo devia eleger os deputados à nova Câmara dos Representantes e que essa Câmara devia reunir-se em Frankfurt a 22 de Agosto seguinte. Ora, isto era uma aberta declaração de guerra àqueles governos que não tinham reconhecido a Constituição Imperial, à frente dos quais estavam a Prússia, a Áustria, a Baviera, que compreendiam mais de três quartos da população alemã; uma declaração de guerra que foi por eles rapidamente aceite. Também a Prússia e a Baviera chamaram os deputados que dos seus territórios tinham enviado a Frankfurt e apressaram os preparativos militares contra a Assembleia Nacional; enquanto, por outro lado, as manifestações do partido democrático (fora do Parlamento) a favor da Constituição Imperial e da Assembleia Nacional adquiriam um carácter mais turbulento e violento e a massa dos trabalhadores, conduzida pelos homens do partido mais extremo, estava pronta para pegar em armas por uma causa que, se não era a sua, pelo menos lhe dava a oportunidade de, de algum modo, se aproximar dos seus objectivos, ao livrar a Alemanha dos seus velhos entraves monárquicos. Por conseguinte, por toda a parte, o povo e os governos estavam em conflito acerca deste assunto'; a explosão era inevitável; a mina estava carregada e bastava uma faísca para a fazer rebentar. A dissolução das Câmaras na Saxónia, a chamada da Landwehr (reserva militar) na Prússia, a resistência aberta dos governos à Constituição Imperial, foram essas faíscas; caíram e logo imediatamente o país se transformou numa fogueira. Em Dresden, a 4 de Maio, o povo tomou vitoriosamente posse da cidade e expulsou o Rei(45*), enquanto todos os distritos das redondezas enviavam reforços aos insurrectos. Na Prússia Renana e na Vestefália, a Landwehr recusou-se a marchar, apoderou-se dos arsenais e armou-se para defesa da Constituição Imperial. No Palatinado, o povo apoderou-se dos funcionários do governo bávaro e dos dinheiros públicos e instituiu um Comité de Defesa que colocou a província sob a protecção da Assembleia Nacional. No Wiirttemberg, o povo obrigou o Rei(46*) a reconhecer a Constituição Imperial e, em Baden, o exército, unido ao povo, forçou o Grão-Duque(47*) a fugir e estabeleceu um governo provisório. Noutras partes da Alemanha, o povo não esperava mais do que um sinal decisivo da Assembleia Nacional para se levantar em armas e se pôr à sua disposição.
A posição da Assembleia Nacional era muito mais favorável do que se poderia ter esperado depois da sua ignóbil carreira. A metade ocidental da Alemanha tinha pegado em armas a seu favor; os militares estavam, por toda a parte, vacilantes; nos Estados mais pequenos, eram indubitavelmente favoráveis ao movimento. A Áustria estava prostrada pelo avanço vitorioso dos Húngaros e a Rússia — essa força de reserva dos governos alemães — estava a empregar todos os seus meios para apoiar a Áustria contra os exércitos magiares. Faltava apenas submeter a Prússia; e, com as simpatias revolucionárias que existiam nesse país, havia certamente uma oportunidade de atingir esse fim. Tudo dependia, então, da conduta da Assembleia.
Ora a insurreição é uma arte, tanto como a guerra ou qualquer outra, sujeita a certas regras de procedimento que, se forem descuradas, produzirão a ruína do partido que as descurar. Essas regras, deduções lógicas da natureza dos partidos e das circunstâncias com que tem de se lidar num tal caso, são tão lhanas e simples que a curta experiência de 1848 tornaram os alemães bastante bem familiarizados com elas. Em primeiro lugar, nunca brincar à insurreição a não ser que se esteja completamente preparado para encarar as consequências da brincadeira. A insurreição é um cálculo com grandezas muito indefinidas, cujo valor pode mudar todos os dias; as forças adversárias têm toda a vantagem da organização, da disciplina e do hábito da autoridade; a menos que contra elas se tragam fortes probabilidades, é-se derrotado e arruinado. Em segundo lugar, uma vez entrado no movimento insurreccional, agir com a maior determinação e na ofensiva. A defensiva é a morte de todo o levantamento armado; está perdido antes de ele próprio se medir com os inimigos. Surpreender os antagonistas enquanto as suas forças estão dispersas, preparar novos êxitos, ainda que pequenos, mas diários; manter o moral ascendente que o primeiro levantamento vitorioso forneceu; reunir, deste modo, do nosso lado, aqueles elementos vacilantes que sempre seguem o impulso mais forte e que sempre procuram o lado mais seguro; obrigar os inimigos a retirar antes de poderem reunir as suas forças contra nós; das palavras de Danton, o maior mestre da política revolucionária até hoje conhecido: de l'audace, de l'audace, encore de l'audace!(48*)
Que deveria, então, fazer a Assembleia Nacional de Frankfurt se quisesse escapar à ruína certa de que estava ameaçada? Primeiro que tudo, ver claramente a situação e convencer-se de que não havia agora outra alternativa do que: ou submeter-se incondicionalmente aos governos ou abraçar a causa da insurreição armada sem reserva ou hesitação. Em segundo lugar, reconhecer publicamente todas as insurreições que já haviam rebentado e apelar para que, por toda a parte, o povo pegasse em armas em defesa da representação nacional, pondo fora da lei todos os príncipes, ministros e outros, que ousassem opor-se ao povo soberano representado pelos seus mandatários. Em terceiro lugar, depor imediatamente o Lugar-Tenente Imperial Alemão, criar um Executivo forte, activo, sem escrúpulos, chamar a Frankfurt tropas insurreccionais para sua imediata protecção, fornecendo, assim, ao mesmo tempo, um pretexto legal para o alastramento da insurreição, organizar num corpo compacto todas as forças à sua disposição e, em suma, tirar proveito, rapidamente e sem hesitar, de todos os meios disponíveis para fortalecer a sua posição e enfraquecer a dos seus opositores.
De tudo isto, os virtuosos democratas da Assembleia de Frankfurt fizeram precisamente o contrário. Não contentes com deixarem as coisas tomar o curso que queriam, estes dignos senhores foram ao ponto de suprimirem, pela sua oposição, todos os movimentos insurreccionais que se estavam a preparar. Assim agiu, por exemplo, o senhor Karl Vogt em Níirnberg. Permitiram que as insurreições da Saxónia, da Prússia Renana, da Vestefália, fossem suprimidas sem qualquer outra ajuda que não tenha sido um protesto póstumo, sentimental, contra a violência sem sentimentos do governo prussiano. Mantiveram relações diplomáticas secretas com as insurreições da Alemanha do Sul, mas nunca lhes deram o apoio do seu reconhecimento aberto. Sabiam que o Lugar-Tenente do Império estava do lado dos governos e, contudo, apelaram para ele, que nunca se mexeu, contra as intrigas desses governos. Os ministros do Império, velhos conservadores, ridicularizavam esta Assembleia impotente em cada sessão e eles consentiam. E, quando Wilhelm Wolff, um deputado da Silésia e um dos editores da Nova Gazeta Renana, apelou para que pusessem fora da lei o Lugar-Tenente do Império(49*) — que não era, como ele justamente disse, senão o primeiro e maior traidor do Império — foi vaiado pela indignação unânime e virtuosa daqueles democratas revolucionários! Em suma, continuaram a conversar, a protestar, a proclamar, a pronunciar, mas nunca tiveram a coragem nem o senso de agir; enquanto as tropas hostis dos governos se aproximavam cada vez mais e o seu próprio Executivo, o Lugar-Tenente do Império, conspirava atarefadamente com os príncipes alemães para a sua rápida destruição. Foi assim que mesmo o último vestígio de consideração foi perdido por esta Assembleia desprezível; os insurrectos, que se tinham levantado para a defender, deixaram de se preocupar mais com ela e quando, por fim, acabou de um modo vergonhoso, como veremos, morreu sem que ninguém desse pela sua partida desonrosa.
Londres, Agosto de 1852.
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Notas de Rodapé:
(45*) Frederico Augusto II. (retornar ao texto)
(46 *) Guilherme I. (retornar ao texto)
(47 *) Leopoldo. (retornar ao texto)
(48*) Em francês no texto: "Audácia, audácia e mais audácia!" (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(49*) João. (retornar ao texto)
Inclusão | 23/08/2007 |