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No nosso último artigo, mostrámos que a luta entre os governos alemães, de um lado, e o Parlamento de Frankfurt, do outro, tinha ultimamente adquirido um tal grau de violência que, nos primeiros dias de Maio, uma grande parte da Alemanha irrompeu numa insurreição aberta: primeiro Dresden, depois o Palatinado Bávaro, partes da Prússia Renana e, por fim, Baden.
Em todos os casos, o real corpo combativo dos insurrectos, o corpo que primeiro pegou em armas e travou batalha com as tropas, consistia nas classes trabalhadoras das cidades. Uma parte da população mais pobre do campo, operários agrícolas e pequenos agricultores, juntou-se-lhes, geralmente, após o efectivo estalar do conflito. A maioria dos jovens de todas as classes, abaixo da classe capitalista, podia encontrar-se, pelo menos, durante algum tempo, nas fileiras dos exércitos insurrectos, mas este agregado bastante indiscriminado de jovens muito cedo diminuiu, à medida que o aspecto das coisas tomava um ar algo sério. Os estudantes, particularmente, esses "representantes do intelecto", como a si mesmos gostavam de se intitular, foram os primeiros a abandonar os seus postos, a menos que fossem retidos pela promoção à categoria de oficial, para a qual, é claro, muito raramente possuíam alguma qualificação.
A classe operária entrou nesta insurreição tal como teria entrado em qualquer outra que prometesse ou remover alguns obstáculos no seu avanço em direcção ao domínio político e à revolução social ou, pelo menos, ligar as classes mais influentes mas menos corajosas da sociedade a uma via mais decidida e revolucionária do que até então tinham seguido. A classe operária pegou em armas com um pleno conhecimento de que se tratava de uma questão que, nas suas implicações directas, não era sua; mas seguiu a sua única verdadeira política: não permitir a nenhuma classe que se tivesse erguido sobre os seus ombros (como a burguesia tinha feito em 1848) que fortalecesse o seu governo de classe, sem ao menos abrir para a classe operária um campo conveniente para a luta pelos seus próprios interesses; e, em qualquer caso, levar as coisas a uma crise em que: ou a nação estivesse plena e irresistivelmente lançada na via revolucionária ou, então, o statu quo de antes da revolução fosse o mais possível restaurado e, assim, se tornasse inevitável uma nova revolução. Em ambos os casos, as classes trabalhadoras representavam os interesses reais e bem compreendidos da nação inteira, ao acelerar tanto quanto possível aquela via revolucionária que se tornou agora uma necessidade histórica para as velhas sociedades da Europa civilizada, antes que qualquer delas possa de novo aspirar a um desenvolvimento mais calmo e regular dos seus recursos.
Quanto ao povo do campo que se juntou à insurreição, foi principalmente lançado nos braços do partido revolucionário, em parte, pelo peso relativamente grande dos impostos e, em parte, pelas cargas feudais que pesavam sobre ele. Sem qualquer iniciativa própria, constituía a cauda das outras classes empenhadas na insurreição, oscilando entre os operários, de um lado, e a classe dos pequenos negociantes, do outro. A sua própria posição social privada decidia, em quase todos os casos, para que lado se voltavam; o trabalhador agrícola apoiava, em geral, o artesão da cidade, o pequeno agricultor estava inclinado a andar de braço dado com o pequeno lojista.
Esta classe de pequenos negociantes, para cuja grande importância e influência já chamámos várias vezes a atenção, pode ser considerada como a classe dirigente da insurreição de Maio de 1849. Não estando, desta vez, nenhuma das grandes cidades da Alemanha entre os centros de movimento, a classe dos pequenos negociantes, que nas cidades pequenas e médias, sempre predomina, encontrou os meios de ter a direcção do movimento nas mãos. Vimos, aliás, que nesta luta pela Constituição Imperial e pelos direitos do Parlamento alemão estavam em jogo os interesses desta classe peculiar. Os governos provisórios formados em todos os distritos insurrectos representavam na maioria de cada um deles esta camada do povo e o ponto até onde foram pode, por conseguinte, ser razoavelmente tomado como medida daquilo que a pequena burguesia alemã é capaz — capaz, como veremos, de mais nada do que de arruinar o movimento que se entregue nas suas mãos.
A pequena burguesia, grande em jactância, é muito impotente para a acção e muito tímida em arriscar o que quer que seja. O carácter mesquin(50*) das suas transacções comerciais e das suas operações de crédito tende eminentemente a impregnar o seu carácter de uma falta de energia e de espírito empreendedor; é, então, de esperar que qualidades- semelhantes marquem a sua carreira política. Em conformidade, a pequena burguesia encorajou a insurreição com grandes palavras e grandes alardes acerca do que iria fazer; apressou-se a apoderar-se do poder, assim que a insurreição, muito contra a sua vontade, rebentou; empregou esse poder sem outro propósito que não fosse destruir os efeitos da insurreição. Onde quer que um conflito armado tivesse levado as coisas a uma crise séria, os lojistas ficavam atemorizados'com a situação perigosa que lhes era criada; atemorizados com o povo que tinha tomado a sério os seus grandiloquentes apelos às armas; atemorizados com o poder caído, assim, nas suas próprias mãos; atemorizados, acima de tudo, com as consequências, para si próprios, para as suas posições sociais, para as suas fortunas, da política em que eram forçados a comprometer-se. Não era de esperar que arriscassem "a vida e a propriedade", como costumavam dizer, pela causa da insurreição? Não eram eles obrigados a tomar posições oficiais na insurreição, em virtude das quais, em caso de derrota, corriam o risco de perder o seu capital? E, em caso de vitória, não tinham eles a certeza de serem imediatamente demitidos e de verem toda a sua política subvertida pelos proletários vitoriosos que formavam o corpo principal do seu exército de combate? Colocada, assim, perante perigos opostos que a rodeavam de todos os lados, a pequena burguesia não soube voltar o seu poder noutra direcção que não fosse a de deixar as coisas correr ao acaso, pelo que, é claro, se perdeu aquela pequena oportunidade de êxito que poderia ter havido e, assim, se arruinou, completamente, a insurreição. A sua política, ou antes: falta de política, era, por toda a parte, a mesma e, por conseguinte, as insurreições de Maio de 1849, em todas as partes da Alemanha, foram cortadas todas segundo o mesmo figurino.
Em Dresden, a luta manteve-se nas ruas da cidade durante quatro dias. Os lojistas de Dresden, a "guarda comunal", não só não lutaram como, em muitos casos, favoreceram o procedimento das tropas contra os insurrectos. Estes consistiam de novo, quase exclusivamente, em operários dos distritos manufactureiros dos arredores. Encontraram um comandante capaz e com sangue-frio no refugiado russo Mikhaíl Bakúnine, que foi depois feito prisioneiro e está agora encarcerado nos calabouços de Munkacs(51*), na Hungria. A intervenção de numerosas tropas prussianas esmagou esta insurreição.
Na Prússia Renana, a luta efectiva foi de pequena importância. Sendo todas as grandes cidades fortalezas comandadas por cidadelas, apenas podia haver escaramuças por parte dos insurrectos. Assim que um número suficiente de tropas foi reunido, foi posto fim à oposição armada.
No Palatinado e em Baden, pelo contrário, uma rica e fértil província e um Estado inteiro caíram nas mãos da insurreição. Dinheiro, armas, soldados, provisões de guerra, tudo estava pronto para ser usado. Os soldados do exército regular juntaram-se eles próprios aos insurrectos; Mais: em Baden, estavam na primeira linha. As insurreições na Saxónia e na Prússia Renana sacrificaram-se a si próprias a fim de que se ganhasse tempo para a organização deste movimento do Sul da Alemanha. Nunca houve uma posição tão favorável para uma insurreição provincial e parcial como esta. Esperava-se uma revolução em Paris, os Húngaros estavam às portas de Viena, em todos os Estados do Centro da Alemanha, não apenas o povo, mas mesmo as tropas, estavam fortemente a. favor da insurreição e só queriam uma oportunidade para abertamente se juntarem a ela. E, contudo, o movimento, uma vez caído nas mãos da pequena burguesia, foi arruinado logo desde o seu começo. Os dirigentes pequeno-burgueses, particularmente, de Baden — com o senhor Brentano à cabeça — nunca se esqueceram de que, ao usurparem o lugar e as prerrogativas do soberano "legal", o Grão-Duque, estavam a cometer alta traição. Sentaram-se nos seus cadeirões ministeriais com a consciência da criminalidade nos seus corações. O que é que se pode esperar de cobardes destes? Não apenas abandonaram a insurreição à sua própria espontaneidade descentralizada e, portanto, ineficaz, como fizeram efectivamente tudo o que estava no seu poder para tirar o aguilhão ao movimento, para o desmobilizar, para o destruir. E conseguiram-no, graças ao apoio zeloso daquela classe profunda de políticos, os heróis "democráticos" da pequena burguesia, que pensaram que estavam efectivamente a "salvar o país", quando consentiam em deixar-se levar por uns quantos homens de uma casta mais esperta, como Brentano.
No que diz respeito aos combates, nunca houve operações militares levadas a cabo de uma maneira mais negligente, mais tola, do que com o general-em-chefe de Baden, Sigel, um ex-tenente do exército regular. Lançou-se a confusão em tudo, perdeu-se toda a boa oportunidade, todo o momento precioso foi desperdiçado, com o planeamento de projectos colossais, mas impraticáveis, até que, quando, por fim, o talentoso polaco Mieroslawski tomou o comando, o exército, estava desorganizado, derrotado, desmoralizado, mal abastecido, confrontado com um inimigo quatro vezes mais numeroso e, com tudo isto, não pôde fazer mais do que travar, em Waghäusel, uma batalha gloriosa, mas mal sucedida, empreender uma retirada inteligente, oferecer um último combate sem esperança sob as muralhas de Rastatt, e dar-se por vencido. Tal como em toda a guerra insurreccional, onde nos exércitos há uma mistura de soldados bem preparados e de recrutas inexperientes, houve, no exército revolucionário, muito heroísmo e muito pânico indigno de soldados, frequentemente inconcebível. Mas, apesar de imperfeito, como não podia deixar de ser, teve pelo menos a satisfação de um número quatro vezes superior não ter sido considerado suficiente para o pôr em debandada e de cem mil soldados regulares, numa campanha contra vinte mil insurrectos, o ter tratado militarmente com tanto respeito como se tivessem tido de lutar contra a Velha Guarda de Napoleão.
A insurreição tinha rebentado em Maio; em meados de Julho de 1849 estava inteiramente dominada e a primeira revolução alemã estava encerrada.
Enquanto o Sul e o Oeste da Alemanha estavam em insurreição aberta e enquanto, desde a abertura das hostilidades em Dresden até à capitulação em Rastatt, os governos levaram bastante mais de dez semanas a apagar esta última fogueira da primeira Revolução Alemã, a Assembleia Nacional desaparecia da cena política sem que se desse pela sua partida.
Deixámos este augusto órgão em Frankfurt, perplexo com os insolentes ataques dos governos à sua dignidade, com a impotência e o desleixo traiçoeiro do Poder Central que ele próprio tinha criado, com os levantamentos da classe do pequeno comércio em sua defesa e da classe operária com um fim último mais revolucionário. A desolação e o desespero reinavam de um modo supremo, entre os seus membros; os acontecimentos tinham imediatamente assumido uma forma tão definida e decisiva que, em poucos dias, as ilusões destes legisladores cultos, quanto ao seu poder e influência reais, estavam completamente desfeitas. Os conservadores, ao sinal dos seus governos, tinham-se já retirado de um órgão que, doravante, não poderia mais existir, a não ser como um desafio às autoridades constituídas. Os liberais, em total atrapalhação, desistiram da causa; também eles abandonaram os seus lugares de representantes. Senhores deputados debandaram às centenas. O número tinha decrescido tão rapidamente dos 800 ou 900 que eram que, agora, 150 e, poucos dias depois 100, eram declarados quorum. E mesmo a estes era difícil fazer a chamada, ainda que todo o partido democrático tivesse permanecido.
O caminho a seguir pelos remanescentes de um Parlamento era suficientemente claro. Só tinham de se colocar aberta e decididamente do lado da insurreição, de lhe dar, por esse facto, toda a força legal que lhe podiam conferir, enquanto recebiam imediatamente um exército para sua própria defesa. Tinham de intimar o Poder Central a cessar imediatamente todas as hostilidades; e se, como era previsível, este Poder não conseguisse ou não quisesse fazê-lo, tinham de o depor imediatamente e de pôr no seu lugar outro governo mais enérgico. Se não se podiam trazer tropas insurrectas para Frankfurt (o que, no começo, quando os governos dos Estados se encontravam pouco preparados e ainda hesitantes, poderia ter sido facilmente feito), então, a Assembleia podia ter-se transferido imediatamente para o próprio centro do distrito insurrecto. Tudo isto, feito imediata e resolutamente, não mais tarde do que meados ou fins de Maio, poderia ter criado oportunidade, tanto para a insurreição como para a Assembleia Nacional.
Mas não era de esperar um caminho tão determinado por parte dos representantes da lojocracia alemã. Estes aspirantes a estadistas não estavam de. modo algum inteiramente libertos das suas ilusões. Aqueles membros que tinham perdido a sua crença fatal na força e inviolabilidade do Parlamento já tinham dado aos calcanhares; os democratas, que permaneciam, não estavam facilmente convencidos a desistir dos sonhos de poder e de grandeza que tinham acalentado durante doze meses. Fiéis à linha que até então tinham seguido, recuaram perante qualquer acção decisiva até que qualquer hipótese de êxito, mais: qualquer hipótese de sucumbir, pelo menos, com as honras da guerra, tivesse desaparecido. Então, a fim de desenvolver uma espécie de actividade artificial, importuna, cuja completa impotência, acrescentada às suas altas pretensões, não podia senão estimular a comiseração e o ridículo, continuaram a dirigir resoluções, alocuções e requerimentos a um Lugar-Tenente Imperial, que nem sequer tomava conhecimento deles, e a ministros que estavam abertamente coligados com o inimigo. E quando, por fim, Wilhelm Wolff — eleito membro por Striegau(52*), um dos editores da Nova Gazeta Renana, o único homem realmente revolucionário em toda a Assembleia — lhes disse que, se eles falavam a sério, faziam melhor em desistir de conversas e de declarar imediatamente o Lugar-Tenente Imperial, principal traidor do país, fora da lei, toda a virtuosa indignação reprimida destes senhores parlamentares rebentou, então, com uma energia que eles nunca tinham tido, quando o governo acumulou sobre eles insulto atrás de insulto. É claro, porque a proposta de Wolff eram as primeiras palavras sensatas pronunciadas dentro dos muros da Igreja de São Paulo[N205]; é claro, porque era, precisamente a coisa que tinha que ser feita — e uma linguagem clara como esta, indo tão directamente ao assunto, não podia senão insultar um conjunto de sentimentais que só estavam resolvidos à irresolução e que, sendo demasiado cobardes para agir, tinham decidido, de uma vez por todas, que não fazendo nada, estavam a fazer exactamente o que devia ser feito. Qualquer palavra que esclarecesse, como uma iluminação, a nebulosidade enfatuada, mas intencional, dos seus espíritos, qualquer insinuação que fosse apta a conduzi-los para fora do labirinto em que se obstinavam a conservar-se o maior tempo possível, qualquer concepção clara das coisas tal como efectivamente estavam, era, obviamente, um crime contra a majestade desta Assembleia Soberana.
Pouco tempo depois da posição dos senhores deputados se ter tornado insustentável em Frankfurt, apesar das resoluções, apelos, interpelações e proclamações, retiraram, mas não para os distritos sublevados; isso teria sido um passo demasiado resoluto. Foram para Stuttgart, onde o governo de Württemberg mantinha uma espécie de neutralidade na expectativa. Aí, finalmente, declararam que o Lugar-Tenente do Império estava destituído do seu poder e elegeram uma Regência de cinco membros de entre o seu próprio corpo. Esta Regência fez imediatamente aprovar uma lei da milícia que, efectivamente, foi enviada, na forma devida, a todos os governos da Alemanha. A eles, aos precisos inimigos da Assembleia, era-lhes ordenado que recrutassem forças para a defender! Foi então criado — no papel, é claro — um exército para defesa da Assembleia Nacional. Divisões, brigadas, regimentos, baterias, tudo isso estava regulamentado e ordenado. Não faltava nada, a não ser a realidade, porque, é claro, este exército nunca chegou a existir.
Um último recurso se oferecia à Assembleia Nacional. A população democrática de todas as partes do país enviou deputações para se colocar à disposição do Parlamento e para o pressionar a uma acção decisiva. O povo, conhecendo quais eram as intenções do governo de Württemberg, implorou à Assembleia Nacional que forçasse aquele governo a uma participação aberta e activa com os seus vizinhos insurrectos. Mas não. A Assembleia Nacional, ao ir para Stuttgart, tinha-se posto a si própria à mercê do governo de Württemberg. Os seus membros sabiam-no e reprimiram a agitação entre o povo. Perderam, deste modo, o último resto de influência que ainda podiam ter conservado. Ganharam o desprezo que mereciam, e o governo de Württemberg, pressionado pela Prússia e pelo Lugar-Tenente Imperial, pôs fim à farsa democrática, fechando, em 18 de Junho de 1849, a sala em que o Parlamento se reunia e ordenando aos membros da Regência que abandonassem o país.
Foram, a seguir, para Baden, para o campo da insurreição, mas aí eram agora inúteis. Ninguém fez caso deles. A Regência, contudo, em nome do Soberano Povo Alemão, continuava a salvar o país por todos os meios. Fez uma tentativa para ser reconhecida pelas potências estrangeiras, passando passaportes a quem quer que os aceitasse. Publicou proclamações e enviou comissários para sublevarem aqueles mesmos distritos de Württemberg cuja assistência activa havia recusado quando ainda era tempo; é claro que isto não surtiu efeito. Temos agora diante dos olhos um relatório original enviado à Regência por um desses comissários, o senhor Roesler (deputado por Oels(53*)), cujo conteúdo é bastante característico. Está datado de Stuttgart, 30 de Junho de 1849. Depois de descrever as aventuras de meia dúzia desses comissários numa procura infrutífera de dinheiro, dá uma série de desculpas por ainda não ter ido para o seu posto e depois entrega-se a uma argumentação do maior peso acerca das possíveis diferenças entre a Prússia, a Áustria, a Baviera e o Württemberg, e suas possíveis consequências. Após ter considerado isto completamente, chega, contudo, à conclusão de que já não há qualquer hipótese. Seguidamente, propõe-se estabelecer uma cadeia de homens de confiança para a recolha de informações e um sistema de espionagem quanto às intenções do Ministério de Württemberg e a movimentos de tropas. Esta carta nunca chegou ao destino porque, quando foi escrita, a "Regência" já tinha passado inteiramente para o "departamento dos estrangeiros", isto é, para a Suíça; e, enquanto o pobre senhor Roesler dava voltas à cabeça com as intenções do formidável ministério de um reino de sexta ordem, cem mil soldados prussianos, bávaros e hessianos tinham já resolvido toda a questão na última batalha sob os muros de Rastatt.
Assim desapareceu o Parlamento alemão e, com ele, a primeira e a última criação da revolução. A sua convocação tinha sido a primeira prova de que tinha havido efectivamente uma revolução na Alemanha; e existiu enquanto a esta, à primeira Revolução Alemã moderna, não foi posto fim. Eleito sob a influência da classe capitalista por uma população rural desmembrada e dispersa, na maioria, mal acordando do mutismo feudal, este Parlamento serviu para trazer para a arena política, num só órgão, todos os grandes nomes populares de 1820-1848 e depois para os arruinar totalmente. Todas as celebridades do liberalismo da classe média estavam aí reunidas; a burguesia esperava maravilhas; colheu vergonha para si própria e para os seus representantes. A classe capitalista industrial e comercial estava mais severamente derrotada na Alemanha do que em qualquer outro país; foi primeiramente derrotada, quebrada, expulsa do governo, em cada um dos Estados da Alemanha e, depois, foi destroçada, desonrada e vaiada no Parlamento Central Alemão. O liberalismo político, o regime da burguesia, tanto sob uma forma de governo monárquica como republicana, é para sempre impossível na Alemanha.
No último período da sua existência, o Parlamento alemão serviu para desonrar para sempre aquele sector que, desde Março de 1848, tinha encabeçado a oposição oficial, os democratas que representavam os interesses da classe dos pequenos negociantes e, em parte, da classe dos agricultores. Em Maio e Junho de 1849, tinha sido dada a essa classe uma oportunidade de mostrar os meios que tinha de formar um governo estável na Alemanha. Vimos como ela falhou; não tanto por circunstâncias adversas, como pela efectiva e contínua cobardia em todos os movimentos cruciais que ocorreram desde a erupção da revolução; por mostrar na política o mesmo espírito míope, pusilânime, vacilante, que é característico das suas operações comerciais. Em Maio de 1849, com este procedimento, tinha perdido a confiança da massa realmente combativa de todas as insurreições europeias, a classe operária. Mas ainda tinha uma boa oportunidade. O Parlamento alemão pertencia-lhe exclusivamente após a retirada dos reaccionários e dos liberais. A população rural estava a seu favor. Dois terços dos exércitos dos Estados mais pequenos, um terço do exército prussiano, a maioria da Landwehr (reserva ou milícia) prussiana, estavam prontos a juntar-se-lhe se ela unicamente agisse com resolução e com aquela coragem que é resultado de uma visão clara do estado das coisas. Mas os políticos que dirigiam esta classe não eram mais clarividentes do que a multidão de pequenos negociantes que os seguia. Demonstraram mesmo ser mais enfatuados, estarem mais ardentemente ligados a ilusões voluntariamente mantidas, serem mais crédulos, mais incapazes de lidarem resolutamente com os factos, do que os liberais. A sua importância política está, também, reduzida a baixo de zero. Mas, não tendo efectivamente posto em execução os seus princípios banais, eram, em circunstâncias muito favoráveis, capazes de uma ressurreição momentânea, quando esta última esperança lhes foi retirada, tal como foi retirada aos seus colegas da "democracia pura" em França, pelo coup d'État(54*) de Louis Bonaparte.
A derrota da insurreição no Sudoeste da Alemanha e a dispersão do Parlamento alemão vêm encerrar a história da primeira Revolução Alemã. Temos agora de deitar um olhar de despedida aos membros vitoriosos da aliança contra-revolucionária; fá-lo-emos na nossa próxima carta[N206].
Londres, 24 de Setembro de 1852.
Notas de Rodapé:
(50*) Em francês no texto: mesquinho. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(51*) Nome ucraniano: Mukátchevo. (retornar ao texto)
(52*) Nome polaco: Strzegom. (retornar ao texto)
(53*) Nome polaco: Olesnica. (retornar ao texto)
(54*) Em francês no texto: golpe de Estado. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
Notas de Fim de Tomo:
[N205] Na Igreja de São Paulo em Frankfurt-am-Main realizaram-se reuniões da Assembleia Nacional Alemã entre 18 de Maio de 1848 e 30 de Maio de 1849. (retornar ao texto)
[N206] O último artigo desta série não foi publicado no New-York Daily Tribune. Na edição inglesa de 1896 preparada para publicação pela filha de Marx, Eleanor Marx-Aveling, e também numa série de edições posteriores, foi publicado como último artigo o de Engels, que não estava incluído nesta série e que tinha como título "O Recente Julgamento em Colónia". (retornar ao texto)
Inclusão | 23/08/2007 |