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A crise que atravessa o capitalismo português não cessa de se alargar e aprofundar. As suas manifestações mais agudas sentem-se no mercado de trabalho, onde se assiste ao crescimento da massa de trabalhadores desempregados e no mercado de bens de consumo onde os bens escasseiam cada vez mais e os preços não param de subir. Muito embora o aumento de desemprego provoque graves tensões sociais e políticas que podem vir a causar situações irreversíveis e de crise, é a nível do mercado de bens de consumo que convergem de modo cada vez mais rápido as forças desagregadoras, geradas no seio da contradição fundamental com que se debate o sistema económico português. De facto, a economia debate-se, desde o início da década de 60, com um profundo «desequilíbrio estrutural». Este desequilíbrio, engendrado pela diferença entre o que se consome e o que é produzido internamente, agravou-se violentamente nos meses seguintes ao 25 de Abril de 1974 e atinge, neste momento, a sua maior expressão. Para fazer frente a este desequilíbrio foram importados, em 1975, 22 milhões de contos de bens alimentares — carne, peixe, bacalhau, batatas, açúcar, cereais, etc. — o que representa o pagamento aos países estrangeiros de cerca de 620 milhões de dólares. Em 1976, estão igualmente previstas importações de bens essenciais no montante de 28 milhões de contos, o que corresponde a 1.750 milhões de dólares.
Este desequilíbrio é originado por uma procura crescente de bens de consumo essenciais, só explicável pelo aumento de rendimentos que passaram a remunerar a força de trabalho como consequência das lutas reivindicativas conduzidas após o 25 de Abril.
Durante gerações os trabalhadores portugueses foram explorados e condenados a uma vida de privações. O fascismo reprimia todas as tentativas de obtenção de uma melhoria de nível de vida, perseguindo os operários mais conscientes e destruindo as suas organizações. O desaparecimento do enquadramento repressivo fascista e o desmantelamento da polícia política criaram novas condições de luta que rapidamente foram aproveitadas pelas classes exploradas. Os processos de luta apareceram em todos os sectores produtivos de Norte a Sul do país, apesar da acção desmobilizadora do Ministério do Trabalho controlado pelo Partido Comunista. Os aumentos salariais que se seguiram permitiram a vastas camadas de trabalhadores aumentar o consumo e elevar o seu nível de vida.
No mercado de bens de consumo a pressão sobre a procura de bens essenciais continua a aumentar. O seu abastecimento, que continua controlado pelos organismos de coordenação económica vindos do fascismo e agora dependentes de um ministro do PPD, é mantido através de importações maciças. Estas importações estão a ser pagas com as reservas de ouro e divisas que o regime fascista acumulou no Banco de Portugal. Foi as. sim que em 1974 e 1975 desapareceram mais de 60 milhões de contos em divisas o que representa mais de 60 milhões de contos em divisas o que representa mais de um bilião e seiscentos milhões de dólares.
Este processo veio abrir caminho para a agudização da contradição que tem a sua origem no desequilíbrio entre o consumo que se verifica deste tipo de bens (alimentares, vestuário e habitação) e a sua produção interna. A economia portuguesa aparenta, pois, uma clara e aguda contradição — crescimento do desemprego por um lado e elevação do nível geral dos salários por outro — que só transitoriamente pode subsistir no seio de uma economia subordinada às leis de funcionamento de um sistema económico capitalista. Esta situação só é possível dada a profunda alteração que se verificou no processo de acumulação de capital que determinou o crescimento das forças produtivas durante todo o período fascista.
A burguesia financeira-monopolista foi quem, durante o fascismo; enformou o desenvolvimento e consolidação do modo de produção do capitalismo português. A sua prática económico-política foi sempre concebida e executada com o objectivo de preservar o seu domínio quer a nível político quer a nível económico-financeiro. Os «centro de decisão» dos grupos monopolistas que controlavam a actividade económica foram estrategicamente colocados junto à «banca». O banco ou bancos que cada «grupo» dominava transformaram-se assim quer no motor da economia, quer nos instrumentos privilegiados que a “burguesia utilizava para controlar sectores cada vez mais amplos do aparelho produtivo.
As nacionalizações que se seguiram ao 11 de Março, à desagregação do modo de produção do capitalismo fascista, acelerada com a fuga de muitos capitalistas, não se sucedeu por parte dos sucessivos governos provisórios, qualquer tentativa de criação de novos mecanismos de acumulação de capital e de controlado nível da actividade económica. A economia portuguesa ficou assim entregue a si própria, sofrendo todo o impacto da luta de classes que se agudizava. Estes mecanismos, que deveriam passar a actuar de acordo com os reais interesses das classes trabalhadoras e não ao sabor de critérios de rentabilidade capitalista, teriam o seu suporte na planificação socialista da actividade económica. Os diversos governos provisórios, onde pontificou e pontifica ainda a coligação PC, PS, PPD, abandonaram deste modo a economia que passou a comportar-se como um barco à deriva que a pouco e pouco se vai afundando. A crise da construção Civil atinge duramente vários sectores industriais (materiais de Construção civil, como o ferro, o Aço, o vidro, as cerâmicas, as tintas, etc.) que se dedicam à produção para o mercado interno, enquanto a crise do capitalismo internacional e o boicote a que foram submetidos os produtos portugueses afectam as empresas que produzem para a exportação.
Quer em empresas nacionalizadas, quer em muitas outras abandonadas pelos patrões, os trabalhadores lutam pelo direito ao trabalho e ao salário. Têm os trabalhadores contra eles não só o boicote do capital internacional, mas também o VI Governo que tenta desesperadamente, através do Ministério do Trabalho (!) devolver as empresas aos patrões.
Neste contexto, o VI Governo, como fiel defensor dos interesses da social-democracia, tentou manobrar de modo a «estabilizar» a economia e a criar condições propícias à implantação, «sob» roupagem «liberal» de novas e mais violentas formas de exploração capitalista. A estratégia adoptada é agora clara e procura desbloquear os dois pontos de ruptura anteriormente assinalados.
A nível do investimento procurou activar a «iniciativa privada», criando à burguesia condições que lhe sejam favoráveis, de modo a incentivá-la a canalizar para a actividade produtiva os recursos financeiros que esta continua a manter. Para o conseguir, a social-democracia sabe que terá de fazer recuar os trabalhadores e esmagar muitas das conquistas por eles alcançadas nos domínios do controlo operário e impedir novos aumentos salariais que diminuam a parte da mais-valia que vai remunerar o capital. Para implantar uma infraestrutura económica, capaz de suportar o parlamentarismo burguês, a social-democracia sabe que tem de confinar a intervenção do Estado a sectores economicamente deficitários, como os transportes e a energia (a exemplo do que sucede nas sociais-democracias europeias) e entregar de novo à burguesia os sectores altamente rentáveis, actualmente nacionalizados como é o caso das construções navais e das empresas cimenteiras. A burguesia «liberal» está a tentar obter um equilíbrio político-económico condenado à partida. Para reprimir os trabalhadores e fazê-lo recuar terá de se apoiar nas forças de direita e fascistas ultra-reaccionárias, que rapidamente a ultrapassarão e lhe farão escapar a «batuta do poder». Qualquer tentativa de revitalizar o capitalismo corresponderá a trazer à tona uma burguesia «nada e crítica» em condições assentes num enquadramento político fascista opressivo e que procurará a todo o custo refazer. O desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo português foi enformado pelo fascismo, a própria industrialização foi condicionada pelo fascismo e a reimplantação do capitalismo só se fará com um enquadramento político que asfixie e reprima os trabalhadores.
A nível do consumo, a social-democracia procura, através dos aumentos dos preços, retirar aos trabalhadores os ganhos de nível de vida que obtiveram com os aumentos salariais. O seu objectivo imediato é o de estancar a hemorragia de divisas para o exterior, fazendo diminuir as importações de bens essenciais. É sobre estes bens que foram cerca de 90% de consumo dos trabalhadores e representam cerca de 30%, do total do valor importado que incidem mais violentamente as medidas do VI Governo. Estas medidas terão o efeito de diminuir as quantidades destes bens no mercado, fazendo, deste modo, subir os preços porque são vendidos.
Este aumento do custo de vida dos trabalhadores foi acompanhado por um congelamento dos salários decretado em cima do 25 de Novembro.
As intenções da social-democracia são as de impor aos trabalhadores o custo do reequilíbrio económico, fazendo assentar sobre as suas costas as condições para a vitalização do capitalismo.
Enquanto espera que as eleições criem melhores condições para exercício da repressão, o Governo vende e hipoteca ouro e endivida o país face ao capitalismo internacional não se importando de comprometer cada vez mais a independência nacional para obter as divisas necessárias para «aguentar» o mercado até às eleições.
Ao procurar impedir os avanços dos trabalhadores a social-democracia abre caminho às forças mais reaccionárias da sociedade portuguesa. Continuando a não lançar um plano global que oriente a actividade das empresas nacionalizadas, o Governo deixa-se deliberadamente caminhar para a falência. No momento em que as reservas deixarem de permitir as importações maciças de bens de consumo a grande massa de rendimentos que neste momento pressiona o mercado de bens de consumo fará subir os preços aceleradamente, provocando uma inflação brutal, que, a exemplo do Chile, arrastará para a miséria os trabalhadores.
A seguir ao 25 de Novembro, o poder fez como pôde para reprimir a esquerda. E se não fez mais foi porque ainda não possuía uma polícia política que lhe permitisse controlar e coordenar a repressão. Mas não se coibiu de chegar a formas extremas quando necessitou.
As prisões dos militares progressistas e revolucionários, feitas através de listas previamente elaboradas antes do 25 de Novembro e que nada têm a ver com os acontecimentos deste dia. As buscas a residências, em muitos casos feitas durante a noite; as buscas a cooperativas agrícolas, feitas em geral com aparato bélico e grande intimidação dos camponeses. As cargas da PSP em Lisboa sobre manifestantes no Rossio e da GNR no Porto sobre os manifestantes de Custóias. As mortes provocadas por estas forças, o que demonstra a orientação que levavam para a manifestação. Tudo isto, demonstra quais as disposições do actual poder, quanto ao emprego da forca para fazer aplicar as decisões da direita.
O poder vai mesmo tão longe, que prende Otelo, conhecido por ser o cérebro e o símbolo do 25 de Abril. Prendendo o Comandante do COPCON, que para os trabalhadores significou a face mais revolucionária do poder militar, os actuais órgãos do poder perderam a compostura, não pretendendo já mostrar-se sequer «democráticos» para o interior nem para o exterior.
Fazendo discursos sobre a neutralidade e o apartidarismo das Armadas, os actuais chefes militares procuram esconder a verdadeira natureza da viragem que querem imprimir — transformá-las num forte aparelho de suporte para a burguesia. As Forças Armadas que chegaram até ao 25 de Novembro eram as mesmas de antes de 25 de Abril, no sentido de que mantiveram a mesma estrutura, a mesma hierarquia. No entanto, dado o intenso processo de luta de classes e a penetração deste dentro dos quartéis e vice-versa, as F.A. transformaram-se e possuíam tantas contradições que se podia dizer que, em parte, já não eram o velho aparelho herdado do regime fascista, mas sim algo que, não sendo um exército revolucionário, podia ser uma componente importante da insurreição armada. Uma parte das F.A. tinha portanto escolhido lutar pelo proletariado. É a isso que os actuais chefes chamam ser «manipulado por partidos»... porque para eles só consideram que há manipulação partidária quando os militares tomam posições de esquerda. Devem achar que, sem um partido por trás, um militar pensa sempre pela direita.
Com a viragem actual, as F.A. voltam a ser o que eram anteriormente — um aparelho ao serviço do capitalismo. É essa a «neutralidade» e o «apartidarismo» que os chefes desejam.
É por isso que a repressão da GNR, da PSP ou dos Comandos se exerce sempre sobre os trabalhadores — Custóias, Rossio, Cooperativas, Moradores — e não sobre a burguesia.
Mas as F.A. também já se aperceberam (e a PSP e os Comandos observaram com os seus próprios olhos) como as massas foram capazes de reagir na rua às prisões dos militares revolucionários, incorporando-se em 20 de Fevereiro numa das maiores manifestações que foram feitas desde o 25 de Abril. E isto apesar do boicote dos reformistas, que marcaram propositadamente uma concentração para a FIL nesse mesmo dia, à mesma hora (e que depois foram obrigados a desconvocar), que caluniaram a manifestação nos locais de trabalho (na Lisnave afirmaram que «nem as próprias famílias dos presos apoiavam a manifestação»), que procuraram impedir o apoio da «Associação dos Familiares dos Militares Revolucionários Presos». Mais uma vez a esquerda revolucionária mostrou que tem autonomia e capacidade para dirigir o processo se tiver uma direcção política.
O PS protestava contra o controlo da informação pelo PC. E realmente todos sabemos como o PC controlou os jornais diários, a Rádio e a TV e os processos stalinistas que usou para o fazer.
Mas o mais espantoso é que o PS, a seguir ao 25 de Novembro, assaltou os mesmos órgãos de informação com toda a desfaçatez e empregando métodos bem mais autoritários do que o PC.
Foi assim que tomou de assalto as direcções e as administrações do «Diário de Notícias» e da «Capital», que partilhou em aliança com o PPD o assalto ao «Século» e a vergonhosa limpeza na «Vida Mundial» e que condescendeu até quase ao fim no afastamento de Portela do «Jornal Novo». Igualmente se empenhou na caça às bruxas na Televisão, de maneira a instalar-se juntamente com os seus amigos mais à direita e de forma idêntica se instalou na nova Radiodifusão. De modo que ficamos de repente a braços com uma Imprensa, um Rádio e uma Televisão «pluralistas»... Substituíram a forma expressão do reformismo por esta forma de expressão social-democrata, que ainda por cima em Portugal (dadas as condições de desenvolvimento) assume um carácter «rasca» que nos lembra muito o popularucho fascista. Podemos dizer, portanto, que em matéria de informação a merda é a mesma, as moscas é que mudaram...
E entretanto, e para conservar e facilitar esta mudança súbita dá-se o maior saneamento de jornalistas e homens de rádio que conhecemos — 170 suspensos, afastados, saneados. São estes os processos do «socialismo» quando não pode usar a luva branca das Suécias e das Holandas. As suspensões no Rádio Clube e no Alfa-Beta, saneamentos na E.N., a entrega da R.R. ao Patriarcado, são a marca de uma repressão assinada por esta social-democracia que se diz marxista.
Actualmente a Rádio, que antes do 25 de Novembro era muitas vezes um veículo da voz dos trabalhadores, que exercia críticas em relação ao poder, que lia os comunicados daqueles que nem estão nos órgãos de comando, nem possuem jornais diários, deixou de poder fazê-lo. Actualmente funciona como a voz do dono, repetindo a versão oficial de todos os factos.
O actual poder está dividido em várias fracções dentro da direita. Embora a fachada política do golpe do 25 de Novembro fossem os «Nove» e as suas propostas, estes ficaram logo ultrapassados pela sua própria direita. Os «Nove» foram a face política que a direita usou desde Julho para manobrar à vontade. A linguagem socialista, as supostas ligações ao Terceiro Mundo, a sua inspiração em teorias como a do GIS, serviram às mil maravilhas para mascarar um processo que é comandado pelo Imperialismo e que chegará ao extremo fascista, se os trabalhadores deixarem. Os homens que se incorporaram na tendência dos «Nove» foram marionetas (os que foram) duma direita bem mais sólida, que liderava as operações e que lhes meteu na cabeça que tinham que escolher entre ela e o PC. Diga-se, de passagem, que este, com o seu sectarismo, ajudou muitos desses homens a serem empurrados para essa situação.
Mas uma vez acontecido o 25 de "Novembro, as forcas à direita dos «nove» tomaram logo a liderança do poder. É sabido como na Região Militar do Centro foram feitos saneamentos sem que o Comandante soubesse e é conhecido o combate que a extrema direita lhe faz; sabe-se, também, que escaparam ao controlo de Vasco Lourenço saneamentos feitos na Região Militar de Lisboa, como é o caso do Regimento das Caldas; e sabe-se também que os comandos e a PE não dependem da RML, mas sim directamente do Chefe do Estado-Maior. E que Pezarat caminha numa corda bamba entre a esquerda e a direita. O facto de três das quatro regiões militares estarem nas mãos dos «nove» não lhes dá, pois, grandes poderes, porque estão constantemente peados. É público também que não mandaram na situação dos presos militares e que os interrogatórios, o «Relatório Preliminar do 25 de Novembro» e a prisão de Otelo lhes fugiram ao controlo. Não mandam sobre a economia, não mandam sobre as relações externas. No final, mandam muito pouco, aqueles que foram a cabeça de cartaz do 25 de Novembro.
À sua direita estão os «coronéis», executores do 25 de Novembro, onde se misturam os homens de Estado-Maior e os homens de Comando. E embora entre eles possa haver as desinteligências possíveis entre o cérebro e a mão, constituem um corpo, que diz defender a «democracia» e a «constituição», mas que já pôs completamente de lado a palavra socialismo. São a voz autoritária que prega a neutralidade das F.A., para as pôr ao serviço de uma classe, que vai regressando aos lugares do passado — a burguesia. São eles que efectivamente comandaram as operações do 25 de Novembro e são eles que detêm hoje uma boa parte do poder. É deles que dependem os presos revolucionários e a repressão em geral. É à sua responsabilidade directa que se pode atribuir a libertação dos Pides e de altos responsáveis do fascismo.
Mas já à sua direita aponta uma 5.ª coluna, que vai tomando lugares no Conselho da Revolução — o MDLP. Esta organização fascista vai procurando legitimar-se através dos seus órgãos de informação oficiosos (O Comércio do Porto e o Sol), sendo o CR. obrigado a proibir o «Diabo» não pelos elogios e propaganda que faz a Spínola, ao MDLP e ao 11 de Março, mas porque insultou o P.R.
Esta expressão política pública e jornalística fez-se acompanhar das actividades bombistas do seu irmão ELP, que actua como forma de pressão e de intimidação.
E entretanto alguns altos responsáveis são indicados como pertencendo ao MDLP e são vistos a acompanhar e a reunir com elementos também conhecidos por ser do ELP. Tudo isto se passa mais ou menos abertamente, com o despudor de quem está no poder.
As contradições existentes entre estas várias facções no poder poderão talvez acarretar crises políticas. No entanto, a pouca força que os «nove» têm apaga o efeito das contradições que poderiam resultar irredutíveis entre eles e os homens da extrema-direita. Por isso, têm sido engolidos pelos que ficam à sua direita e alguns deles arriscam-se seriamente a ser afastados dos lugares que ocupam, se continuarem a manter posições antifascistas. Por esse mesmo motivo, também Vasco Lourenço assume posições cada vez mais à direita, chegando às afirmações que fez na inauguração da Polícia do Exército no dia 24 de Fevereiro. Aí louvou as tradições do Regimento de Lanceiros que, como se sabe, mas já vai sendo esquecido, foi uma das poucas unidades que não aderiram ao 25 de Abril e que manteve um comando fascista durante algum tempo depois desta data; e repudiou aquilo que denominou o seu «passado recente» (como P.M.) o qual não «respeitava as tradições do regimento». Entretanto, Vasco Lourenço, comandante da Região Militar de Lisboa, disse a respeito do Relatório sobre o 25 de Novembro que «não estava muito dentro do assunto». Esta posição assumida por um dos «nove» mostra bem a viagem acelerada para a extrema-direita que têm que fazer aqueles dos «nove» que se queiram segurar ao poder; e mostra bem também, como são marionetes da direita, não estando «dentro do assunto» que directamente lhes diz respeito. Portanto, e porque aos «nove» falta base social, falta apoio do PS que inicialmente tinham, e faltam «G 3», a contradição existente entre eles e a extrema-direita no poder talvez não atinja a profundidade e a agudez que se previa depois do 25 de Novembro. O futuro próximo dirá quais deles (e dos que os apoiam) farão corpo com a direita e quais farão corpo com a esquerda. Para esses homens será talvez a última oportunidade de optarem.
A seguir ao 25 de Novembro os homens e as ideias depostos no 25 de Abril sentiram que podiam voltar ao passado. O golpe foi feito para eles e para a sua classe e encomendado aos seus lacaios na F.A. Por isso, a pouco e pouco começaram a deitar unhas de fora embora a situação seja instável sabem que o poder está com eles. Este regresso ao passado fez-se sentir a todos os níveis — económico, social, militar, político. E fez-se sentir na porta aberta, no caminho livre, deixado aos bombistas da direita.
Após o 25 de Novembro, milhares de acções começaram a entrar tribunais, postas pelos senhorios contra moradores e ocupantes. Em Setúbal e no Barreiro passam a existir acções e ordens de despejo, por não pagamento da renda ou pagamento de renda baixa. Os senhorios consideram portanto que pode ter chegado a sua hora de vingança. Já não existe o COPCON, que foi um aparelho militar ao serviço dos trabalhadores. Por outro lado, o actual poder político-militar promete a «ordem e a paz» de que os exploradores necessitam, para manterem a sua mão de ferro sem sobressaltos. O dono das casas pode sonhar de novo com uma situação em que possa ir sugando à vontade o sangue, o suor e as lágrimas das suas vítimas — os trabalhadores, que aspiram a ter uma gaiola assoalhada que lhes leva quase todo o ordenado. E aqueles que tinham milhares de casas por habitar, ao sabor das disposições, do interesse e da especulação, esperam pelo dia em possam expulsar das casas agora ocupadas aqueles que as invadiram, vindos do mundo da lama, doença e do frio dos bairros da lata. Agora de novo se aprofundam diferenças entre as castas — há os homens, as mulheres e as crianças que têm estômago para a fome, corpo para a chuva e para o frio, outros que acham que o seu corpo e o seu estômago se devem alimentar da exploração dos primeiros. Os executores do 25 de Novembro, os novos homens do poder, apadrinham e protegem de arma em punho os segundos. «Ordem e paz nas famílias», «ordem e tranquilidade» é sempre o lema dessa gente, que só fala da família burguesa, da paz burguesa. É dessa paz e dessa ordem que falam Ramalho Eanes e Vasco Lourenço, para já não falar doutros que à sua direita também delas falam.
É também em nome dessa ordem e dessa paz que o irmão de Galvão de Melo regressa à sua ex-empresa, de capacete para mascarar e de «Beretta» armada de silenciador, para matar. E é também em nome da ordem que nem sequer é preso. E como ele, outros (entre eles J. Pimenta, o fabricante de gaiolas em cimento armado que diariamente rondam as empresas, esperando que lhes aconteça o que aconteceu já a outros patrões. Zelosos por «alterar o ritmo das nacionalizações» (como eles dizem), que lhes parece rápido e provocando «instabilidade», os novos senhores do poder político-militar protegem essa ameaça patronal que já se instalou, ou que paira, rondando o exército de explorados.
Nos campos, onde os camponeses e trabalhadores rurais se libertam a pouco e pouco das correntes de escravos que os ligavam à terra dos outros, são os militares que aparecem, com a imagem poderosa do helicóptero, com as armas, com os camuflados, para prender, para interrogar, para fazer buscas. E se das entranhas dessa terra mesma que eles conquistaram, desenterram a «mãe-carabina», podem os senhores militares estar certos que estão a arrancar um órgão vital desses trabalhadores, iguais a um antepassado mais ou menos próximo, mais ou menos longínquo desses mesmos militares. A arma que podem ter ou ambicionar ter, é para a defesa da terra. Não têm os ricos um exército inteiro para os proteger, esse mesmo exército que vem fazer as buscas?
Mas já a burguesia se pavoneia, medrosa ainda, mas esperançosa que tudo regresse ao passado. Já se tratam mal os «criados», as «criadas», os subordinados em geral. Na sombra reorganiza-se uma máquina que a protege.
Nas F.A. volta-se ao espírito militarista de antes do 25 de Abril. E evocam-se as glórias e as tradições. Passa-se já uma esponja sobre a vergonha da guerra colonial e procura-se transformar essa guerra numa tradição gloriosa. É esse o sentido do discurso de Ramalho Eanes no Juramento de Bandeira dos Comandos. É esse o sentido da intervenção de Vasco Lourenço na ex-P.M,, hoje Polícia do Exército. Em vez de se transformar esses anos de exército colonial numa autocrítica, que desembocasse em revolução, transformam-se em humilhações e complexos que dêem desejos de vingança.
O palavreado militar, os discursos, os valores, são louvados e já no velho estilo salazarista. Para ilustrar, lembramos mais uma vez a evocação das tradições do Regimento de Lanceiros e do seu patrono, Mouzinho de Albuquerque, na cerimónia de inauguração da Polícia do Exército, destinada a proteger de «excessos», entre outras coisas idênticas, a «propriedade pública e particular».
É esta mesma lógica do poder que faz libertar Pides, em número que neste momento já atinge mais de mil. E vem o cortejo das figuras sinistras do fascismo: Tenreiro, tradicional explorador e vigarista das pescas; Moreira Baptista, o último Ministro do Interior, responsável directo pela Pide; Silva Cunha, o último Ministro da Defesa, responsável directo pela guerra colonial; Schultz; Maltês, etc. E é mesmo uma corrida acelerada para o passado aquela que faz colocar Maltês junto da PSP que guardava S. Bento no dia de Manifestação do CLARP apelando pela libertação imediata dos militares presos.
A pouco e pouco os vencidos do 25 de Abril tiram desforra e ambicionam o seu 25 de Abril ao contrário, durante o qual uma tropa de Pinochet proteja hordas de burgueses organizando vingança, matando, linchando, perseguindo.
Por enquanto, os mais afoitos à acção limitam-se a pôr bombas, com uma regularidade diária em certas regiões. Bombas, incêndios, assassinatos, provocações, são a linguagem que a direita tem todos os dias. Estranhamente, nunca são apanhados os autores, nunca são identificados. E isto, embora sejam conhecidos os recrutadores do ELP em cada localidade; e isto, embora se tenha o mapa geográfico do ELP. Mas o que é que lhes há-de suceder, se eles têm os seus representantes no poder, se eles agem em cumplicidade com as autoridades militares locais. Esses grupos de extrema-direita preparam-se para ser «esquadrões da morte» que, tal como no Brasil, não só agem a coberto do poder militar, como muitas vezes enquadram na sua própria organização conhecidos elementos desse poder.
A entrevista que Spínola deu ao seu parceiro de partido, Barradas, no «Comércio do Porto», mostra do ponto de vista do fascismo quais as perspectivas deles para os próximos meses. Nessa entrevista foca quais as condições necessárias para a existência de «democracia» (leia-se fascismo), que diz serem fundamentalmente duas — a reorganização das F.A. e outras «condições técnicas». Jogando na defesa do capitalismo e do imperialismo, observa dados que nós temos de observar jogando no ataque.
Efectivamente, a burguesia, se quiser (e não tem outra solução) exercer aqui um poder fascista tem de ter um aparelho de Estado capaz de funcionar no esmagamento da classe oposta — o proletariado. Ora, esse aparelho de Estado ficou seriamente abalado com o 25 de Abril e o processo que se lhe seguiu. As F. A. foram minadas pelo bicho da revolução social e deixaram de ser o sólido suporte de que a burguesia necessita para exercer a força sobre o proletariado. Actualmente o exército tem apenas três ou quatro unidades realmente organizadas e operacionais para entrarem em acção de uma forma eficaz a favor da direita. A tentativa de formar um exército de mercenários tem falhado, pois poucos querem assumir essas funções, apesar do desemprego; e por outro lado o poder olha sempre com desconfiança para esses voluntários vendo neles possíveis infiltrações de esquerda, como sucedeu no recrutamento para a GNR que teve de ser suspenso. A incorporação a 3 de Março de soldados do recrutamento habitual foi uma realidade que as autoridades militares acabaram por ter de aceitar depois de 2 adiamentos. Para além da reorganização das unidades militares, o novo poder necessita daquilo a que Spínola chama «condições técnicas» e que nós traduziremos por Polícia Política. A verdade é que a burguesia não pode dispor neste momento duma máquina policial bem oleada, que sirva para defender um Estado autoritário. Tem a GNR, tem a PSP, mas essas não são polícias políticas secretas e de investigação. O Estado burguês tem necessidade duma máquina policial que faça vigilâncias, que colha informações, que as canalize, que as selecione, que as interprete. Que, de acordo com a análise da burguesia, seja capaz de avançar tácticas, iniciativas, provocações. Embora a GNR funcione como rede de informação, embora a PSP possa servir como polícia à paisana, embora os ex-comandos possam fazer serviço de vigilância e provocação, embora haja um serviço de informação do exército que vai funcionando, nada disso se assemelha ao Serviço de Informação centralizado de que necessita o moderno estado burguês.
É evidente que a CIA faz a sua prestação de serviços e tem neste momento o seu ficheiro dos revolucionários portugueses; mas nada disso é equivalente a uma polícia nacional, com o seu conhecimento e a sua capacidade de análise também nacionais.
Com a libertação da Pide, a burguesia espera conseguir essa polícia que tão bem a serviu no tempo do fascismo. Mas a Pide necessitaria de um período largo para se adaptar à nova realidade. Antes do 25 de Abril os militares eram umas escassas centenas e as organizações revolucionárias poucas e pequenas. Hoje são milhares e milhares de pessoas que estão organizadas. Tudo se rearranjou, mudaram de partidos, criaram-se outros. A Pide necessitaria de um estágio para poder funcionar e poder constituir novos ficheiros e sobretudo compreender a nova realidade portuguesa.
Por outro lado a direita tem todo o interesse em ter chegado às eleições, uma vez que se sabe que o PPD e o CDS têm larga percentagem de votos. Esta vitória da direita vai tornar legítimo o golpe de direita a que esta tem necessariamente de recorrer para dar mais força a um regime autoritário. O poder falará então de «representantes democraticamente eleitos» e apelará constantemente para a legitimidade da orientação seguida.
Prevê-se pois que a direita queira efectuar um golpe a seguir às eleições, ganhando o período que vai até ao golpe para reorganizar as Forças Armadas e organizar uma polícia política.
No entanto, o período que se segue às eleições legislativas criará fortes problemas dentro da direita. Os resultados eleitorais trarão decerto uma crise governamental, pois o CDS, o PPD e o PS lutarão imediatamente pela conquista de lugares, cujo regateamento não vai ser uma brincadeira. E a presença ou ausência do PC no Governo será outra fonte de discórdia, difícil de resolver. Pelo que, temos como certo que só as questões existentes entre eles e sem interferência da esquerda revolucionária dão os motivos bastantes para a crise.
Por outro lado, a questão do candidato à Presidência da República trará discordâncias em todos os campos, excepto na esquerda revolucionária. É assim que, se existir um candidato com posições realmente de esquerda, apoiado pelos revolucionários e reunindo unitariamente várias organizações, será muito difícil à direcção do PC sustentar a candidatura de Costa Gomes, candidatura essa que há muito aquele partido anda a insinuar. E ainda mais difícil será que as suas bases votem em tal candidato. Haverá portanto neste ponto uma definição necessária e saudável.
Mas a direita também se verá embaraçada com a presença de um candidato unitário de esquerda. Isso impedi-la-à de poder dividir os seus votos. E então quem será o seu candidato: Ramalho Eanes, Pinheiro de Azevedo, Galvão de Melo, Pires Veloso? E, das duas uma: ou é obrigada a ter mais de um candidato, ou terá um candidato único relativamente «moderado» para obter um leque mais largo de apoios. Dessa discussão e dos interesses que a movem teremos nós um espectáculo interessante a seguir às legislativas; e que abrirá fraturas no seio da direita, no seio do poder. É também dessas fraturas que os revolucionários terão de beneficiar.
Há também que entrar em linha de conta com um factor importante no período post-eleitoral — a subida em flecha que os preços irão ter. A sua relativa contenção até à data deve-se à necessidade que o poder teve de manter o mínimo de aparência que permita aos partidos nele representados não perder votos. Mas passados os resultados eleitorais e perdida a vergonha, os preços subirão tanto quanto o capitalismo necessitar para fazer recair sobre os trabalhadores os custos da terrível crise criada aqui pelo sistema.
Preparamo-nos pois para esse aumento do custo de vida que tornará o dia a dia cada vez mais insuportável para os trabalhadores. Mais uma vez serão os sectores mais explorados aqueles que servirão de termómetro para prever a explosão. A construção civil, os têxteis, os vidreiros, contidos agora a custo pela divisão criada pelo reformismo, voltarão à luta, não largarão a presa. E com eles outros virão e criar-se-ão movimentos de massas impossíveis de conter dentro do quadro actual da repressão.
Tudo leva pois a crer que há factores importantes de radicalização da luta neste período que se segue às eleições legislativas, os quais se juntarão à inevitável crise governamental. E tudo isto será canalizado para o campo das eleições presidenciais, no qual se polarização dum lado a burguesia e doutro o proletariado, criando condições para um confronto, que, queiramos ou não, virá. Resta saber quem ganha ou quem perde. E o melhor é prepararmo-nos para organizar a resistência se perdermos. Mas sobretudo para encontrar formas de organizar a vitória, nesta guerra, que marcou data em Portugal. É a guerra de classes, e não depende deste ou daquele partido, depende das condições objectivas. A vitória ou a derrota é que dependem da organização revolucionária.
A farsa eleitoral montada para 25 de Abril de 76 destinou-se a servir de cobertura legal ao domínio da burguesia sobre a classe operária e as massas trabalhadoras e a justificar o conhecido lema da «lei e ordem» para explorar e reprimir à vontade. A burguesia e o imperialismo jogam a fundo nas eleições legislativas. E nelas também embarcaram quase todas as organizações políticas de esquerda, quando é sabido que estas eleições em nada contribuíram para que milhões de trabalhadores se libertem das suas cadeias, para que o proletariado se emancipe. Pelo contrário, perigosas ilusões são lançadas e alimentadas no seio das classes trabalhadoras por muitas organizações que se dizem defensoras dos interesses destes.
Nunca é demais relembrar que só os partidos que dispõem de milhares e milhares de contos podem fazer uma propaganda que atinge milhões de eleitores. Os cartazes, os prospectos, os comícios, toda a máquina eleitoral que penetra com os seus múltiplos dedos por entre a população do país custa fortunas de que só podem dispor partidos ricos. Ora, essa riqueza só pode vir de um sítio — do estrangeiro. E — seja ele donde for — traz a marca de interesses alheios aos dos trabalhadores portugueses. E estes, quando estão a ser bombardeados pela propaganda, não sentem muitas vezes que à sua frente está apenas a engrenagem do imperialismo ou das estratégias nacionais de outros países.
Forças de esquerda que concorrem às eleições legislativas, porque têm como objectivo conseguir muitos votos, eleger alguns candidatos e autopromover-se, fizeram uma campanha eleitoral recuada, com o «bom comportamento» que o poder lhes exige. Ou, então, terão de desistir logo às primeiras.
Se nos encontrássemos num país de democracia burguesa estabilizada poderia ser justo que as forças de esquerda aproveitassem a campanha eleitoral, indo mesmo até ao próprio parlamento burguês, como uma das formas possíveis para agudizar a crise do sistema capitalista. Mas em Portugal estamos longe dessa estabilização. Mesmo assim, nas condições concretas que vivemos, poderia ser justo um amplo movimento unitário, antifascista, anticapitalista, e anti-imperialista, que aproveitasse de determinado modo o período eleitoral. Um movimento que não dividisse os trabalhadores por clubes partidários mas que contribuísse para uma clara demarcação entre o terreno da burguesia e o do proletariado. Um movimento que levasse a cabo uma campanha pedagógica, extremamente vigorosa, conduzida por aqueles que, nas fábricas, nos campos e nos quartéis, compreenderam os mecanismos de exploração e opressão do sistema capitalista e assumiram a firme determinação de destruí-lo. Uma campanha sem tréguas contra o inimigo de classe. Uma campanha que esse inimigo jamais seria capaz de suportar. Foi essa a proposta que o PRP fez aos camaradas do MES, da FSP e da UDP. Foi essa a proposta que eles não foram capazes de aceitar.
É de referir aqui alguns dos partidos políticos participantes no acto eleitoral, pela importância que têm no processo político. O CDS e o PPD, pelo passado cúmplice com o fascismo e o colonialismo, por parte dos seus dirigentes e de muitos que integraram as suas fileiras, pelos interesses a que estão ligados e que desesperadamente defendem, são dos partidos da burguesia mais reaccionária, fiéis lacaios do imperialismo. Mesmo assim, decerto mais de um milhão de explorados, enganados por séculos de penetração e domínio da ideologia burguesa e por décadas de terrorismo fascista, votaram nestes partidos, sem compreenderem que estão a apoiar um inimigo mortal.
Quanto ao PS, os seus dirigentes vomitam ódio e desprezo por aqueles sectores do proletariado que têm estado à frente das lutas de classe nos últimos anos. Para eles, valem mais «as pessoas de categoria», as «figuras insignes» — os Brandt, os Olof Palme, os Wilson — do que todos os trabalhadores explorados e oprimidos juntos. Estes «socialistas» e sociais-democratas, parceiros de Mário Soares, têm mostrado bem por essa Europa fora o que valem — inimigos declarados do proletariado, fiéis gestores do capital, dóceis lacaios do imperialismo. Contudo, muita gente vota PS julgando que vota socialismo e sociedade sem exploração.
No que respeita ao PC, tendo sido no passado a única força organizada minimamente revolucionária, hoje não é mais um partido comunista. É um partido com uma direcção reformista, subordinado a interesses alheios, um partido que acumula numerosas traições à classe operária e às massas trabalhadoras. É um partido que opta pelo legalismo eleitoralista, embora a táctica do golpe também não lhe desagrade. São duas tácticas de uma mesma estratégia reformista e de domínio sobre a classe. E a direcção do PC jogou nas eleições legislativas dizendo que é preciso uma «maioria da esquerda» e muita gente votou nele julgando que vai resolver alguns dos grandes problemas dos trabalhadores. Como se a direita alguma vez respeitasse as eleições, quando os seus resultados não lhe convêm. O caso chileno é um exemplo do crime que representa lançar ilusões eleitoralistas no seio das massas trabalhadoras.
Em relação a organizações como o MRPP, a AOC e o PCP(m-l) tem-se tornado evidente o seu papel contra-revolucionário e provocatório. Estas duas últimas organizações fantoches, não passam de siglas que representam uma agência de interesses estrangeiros e das quais se pode esperar uma degeneração completa que vá até ao extremo a que podem chegar pequenos bandos fascistas. É curioso notar com que carinho são tratadas pela direita portuguesa, que é tão raivosamente anticomunista, mas que, neste caso não se incomoda de se aliar com grupos ditos «comunistas».
Por outro lado, é indispensável referir a posição das organizações políticas com as quais temos tido mais prática comum ao longo dos últimos tempos.
Para nós é evidente (foi-o desde o princípio) que a campanha eleitoral que os camaradas do MES, da FSP e da UDP levariam a cabo seria, em menor ou maior grau, uma campanha eleitoralista, independentemente das suas declarações públicas ou das suas boas intenções. Eles, também sem disporem de grandes meios e de um forte aparelho partidário procuraram tirar votos da direita, obter muitos votos e eleger alguns deputados! E, talvez, com alguns «deputados do povo», mais o PC e o PS, se obtenha a tal «maioria de esquerda» na Assembleia Legislativa!
Sobre a unidade que se poderia ter construído à esquerda, a propósito da campanha eleitoral, é preciso clarificar algumas questões para que o PRP não apareça como o sectário, o radical, o desfazedor de unidades, e os camaradas do MES não se reivindiquem do monopólio dos esforços unitários. É preciso recordar que até a iniciativa de reunir as várias organizações (PRP, MES e FSP) foi tomada por nós. Que essa iniciativa foi alargada à UDP e que os objectivos de cada uma das organizações se vieram a precisar ao longo de algumas reuniões, nas primeiras das quais esteve presente o PRP. Foi o que foi ficando cada vez mais claro ao longo das reuniões foi o seguinte: o MES, FSP e UDP queriam ir às urnas eleger candidatos; para tal, estariam dispostos a fazer uma campanha recuada. Isto não se coadunava com o único tipo de campanha que nós considerávamos justo neste momento: criação de uma Frente, com um programa, que além destas quatro organizações, tivesse uma grande representatividade de elementos dos órgãos do Poder Popular e de progressistas saneados das Forças Armadas e da Informação. Frente que contribuísse para a unificação da classe e não para a sua divisão, que fosse capaz de conduzir uma campanha que o actual poder burguês não comportasse.
Ora, estamos perante dois tipos de «campanha eleitoral» totalmente demarcadas e com objectivos diferentes. Essa demarcação radica em tácticas diferentes e que, com certeza, tem como pressuposto uma análise da situação também diferente. Pensamos que o que está aqui em causa é a possibilidade ou não da estabilização da democracia burguesa em Portugal e se o problema do poder está ou não na ordem do dia, e qual o papel que a violência desempenha no processo revolucionário. Com certeza nesta questão de fundo residem as divergências.
Não temos dúvidas que para um CDS, um PPD e um PS, apesar das diferentes fracções de classe cujos interesses representam, as «eleições legislativas» foram uma campanha antecipadamente ganha por este conjunto. Quer dizer, esta batalha travada num dos terrenos privilegiados de luta da burguesia é ganha pela burguesia.
Também para o reformismo de um PC o terreno eleitoral aparece cada vez mais como um dos seus principais e possíveis terrenos de actuação. Os Bernstein, os Berlinguer e os Marchais fazem e farão cada vez mais carreira entre os teóricos e dirigentes do PCP. E quanto mais forem perdendo o pé à situação, maior será o grau de traição a que os dirigentes do PCP estarão dispostos.
Quase todas as organizações políticas embarcaram no jogo eleitoral e a sementeira de ilusões poderá vir a ser extremamente perigosa. Há que construir uma poderosa barreira revolucionária à penetração das ilusões lançadas no seio das classes trabalhadoras. Mas já das fábricas, dos campos e dos quartéis surge a voz daqueles que viram no que se traduzem as promessas dos partidos eleitoralistas, daqueles que lutaram e compreenderam que não foi através de eleições burguesas que obtiveram as suas pequenas e grandes conquistas, dos desempregados, dos reformados, dos pequenos camponeses cujos problemas continuam por resolver. E a abstenção ou voto nulo nas «eleições legislativas» foram palavra de ordem destes explorados e oprimidos. E para eles a abstenção ou voto nulo significou o repúdio por um poder que não resolva os problemas fundamentais da esmagadora maioria das classes trabalhadoras, significa que as eleições burguesas não resolvem nenhuns destes problemas e significam que a sua resolução passa pela organização e armamento dos trabalhadores para a insurreição e para a Revolução Socialista. Abstenção ou voto nulo foram portanto o voto útil daqueles para quem o caminho não é o das eleições burguesas e que estão dispostos a tomar as necessárias medidas para uma saída revolucionária para a situação actual.
Por outro lado, não há nenhuma contradição entre o que pensam estes camaradas e a posição que iremos assumir perante as eleições presidenciais. Dissemos estar dispostos a apoiar uma ampla Frente que tivesse um programa de acordo com as linhas gerais do Documento do COPCON. Isto significa que eleições não são para nós questão de estratégia mas sim de táctica. Não há portanto aqui ideias feitas ou transposições mecanicistas. O que há é que saber em cada momento analisar a situação concreta e determinar a táctica que melhor serve a estratégia revolucionária. Esta Frente para as eleições presidenciais pode, pelo seu programa e pela mobilização popular que gerar à sua volta dar um contributo fundamental para a criação das condições necessárias à saída revolucionária que o PRP sempre tem proposto.