Camponeses de Barcouço:
Não vamos morrer agarrados à enxada

José A. Salvador


«Nós, os camponeses, em Ourentã»

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«Ourentã, sede de freguesia, povoação com ruas largas e luxuosas vivendas enfiadas entre casas a cair, não tem as condições sociais mínimas, apesar de em muitos casos abundar dinheiro. Diz-se aqui que é um buraco onde a gente se mete.

Circunvizinham esta povoação outras pequenas aldeias onde as condições e vida se assemelham.

Povo na quase totalidade camponês, povo que não tem segurança no trabalho, não tem medicina ao seu serviço, não tem segurança na velhice. Estas pessoas continuam a vida sem se aperceberem de qualquer mudança política na sociedade em que vivem. Dia a dia trabalhando nos seus pequenos prédios rústicos, semeando, sachando, arrendando, regando, ceifando e recolhendo o fruto do seu trabalho, muitas vezes feito com a força dos seus braços ou dos seus bois. Alguns têm tractores agrícolas para alugar a bom preço, explorando os mais pobres; outros têm a sua máquina, muitas vezes mais por luxo do que por necessidade. Mas todos sofremos da mésma maneira: por vezes mais sofremos depois de recolhermos os frutos que mesmo durante a faina. E isto porque no fim de um ano de suor, por vezes de fome, os nosso produtos ficam ao dispor dos intermediários parasitas. Caímos-lhes nas mãos! Eles é que mandam nos preços, eles é que compram quando lhes dá na real gana, eles dizem que os produtos não prestam, eles dizem que há muita fartura... enfim, todo o jogo sujo do capital.

Foi ao ver toda a exploração duma sociedade que nos mata aos poucos, sentindo-a na carne, que um pequeno grupo de pequenos camponeses pobres começámos a fazer reuniões para debater a nossa Situação.

Depois de algumas reuniões onde se procurou uma saída deste modo de viver, optámos pela única via ao nosso alcance: a cooperativa de produção agro-pecuária. É que, na cooperativa, podíamos unir «tanto as terras como as forças», transformando o trabalho manual em trabalho feito por máquinas, o trabalho individual em trabalho do grupo, a posse individual de dois, três ou quatro porcos em pocilgas colectivas, obtendo maior rendimento e fugindo às garras dos intermediários.

A nossa caminhada já se arrasta há alguns meses. Desde o princípio contactámos e temos tido apoio dos cooperativistas de Barcouço, que, com a sua experiência, tudo têm feito para que a gente avance. O IRA e o SADA têm feito as reuniões e têm-nos prometido o maior apoio. Por vezes surgem-nos barreiras, como é o caso dos senhores da Fazenda Pública de Cantanhede que não nos quiseram deixar identificar o número dos artigos e a área de cada prédio. São, afinal, estes senhores, os que nada ou pouco fazem em prol dos que para eles trabalham ao sol e à chuva, que nos querem impedir de termos uma vida mais justa e digna. Mais uma vez nos valeu a colaboração de alguns trabalhadores do IRA, que recolheram aqueles elementos, contra a vontade dos senhores branquinhos da sombra.

O processo tem evoluído com algumas aderências mas também com hesitações. Há pessoas que vêm às reuniões para saberem o que pretendemos, se já temos condições para eles entrarem, e muitas vezes têm receio daquilo que para nós já começa a ser uma realidade.

Já temos toda a papelada praticamente pronta para enviar para Lisboa para serem aprovados os nossos planos. Temos agora grande necessidade de sermos legalizados, é que dentro de um mês queremos começar a cultivar colectivamente algumas propriedades, para o que precisamos de uma máquina e alfaias que não podemos comprar por falta de crédito e de legalização.

Para o escoamento dos produtos temos, em conjunto com Barcouço, estabelecido contaatos com C. M. e C.T. e com outras cooperativas de produção do sul. Com esta venda directa pretendemos colocar os produtos nas mãos dos nossos companheiros operários, mais baratos e livres da canalhada intermediária.

Seguimos uma linha apartidária. No entanto, já houve tentativas internas de infiltração, que não admitimos. Pedimos — e agradecemos — ajudas, mas sem interesses partidários; estes só provocam discusões e, portanto, desorganização. Temos tido ajudas sinceras de pessoas que nos querem ver avançar. É o caso da magnífica ajuda que nos têm dado o pessoal da Faculdade de Economia de Coimbra, professores e alunos, que têm sido incansáveis, desde trabalho já efectuado a um notável amparo quando surgem dificuldades. Enfim, gente que nos tem ajudado e nos continuará a ajudar, de certeza.

A nossa luta tem sido difícil, mas havemos de chegar ao fim, havemos de vencer todos os obstáculos que nos têm posto na frente. O que é importante é estarmos bem unidos, conscientes e organizados. A vitória há-de ser nossa, custe o que custar.

Grupo de trabalhadores camponeses da UNICAMPO - União de Camponeses Pobres de Ourentã» In «Camponeses em Luta» n.º 4 de Junho de 1976.


Inclusão 14/06/2019