Em momentos históricos cruciais, as mulheres albanesas demonstraram sua força e capacidade de resistir a todas as adversidades, caminhando lado a lado com seus homens. Sempre foram impulsionadas pelos ideais nobres de liberdade e progresso. Esta narrativa aborda um aspecto da Guerra Civil Espanhola pela liberdade, na qual as mulheres albanesas também lutaram ombro a ombro com seus companheiros e irmãos nas Brigadas Internacionais. (Nota da editora)
— Compañera, eu vi as listas dos feridos. Há um albanês. Pode ser seu irmão? — perguntou Carmen.
— Onde ele está? — indagou Kristina, pegando-a pelo braço, e ambas saíram correndo para o corredor do hospital.
Todas as noites, novos grupos de feridos eram trazidos da frente de batalha. As moças desciam apressadamente e, ao passar por um homem ferido que descia as escadas, o som de suas garras batendo no chão de mármore ecoava pelo ambiente.
— Quem pode ser? — questionou-se Kristina, com o rosto de Dime sempre presente em sua mente.
O crepúsculo caía sobre o pátio do hospital, repleto de carros de ambulância que levavam os feridos para a estação. Os ânimos estavam exaltados em Múrcia. A cidade parecia ter sido gravemente ferida, embora ainda não apresentasse cicatrizes visíveis. Os republicanos mantiveram a irmã de Franco como refém, evitando assim os bombardeios aos hospitais da Brigada Internacional. No entanto, agora estavam se dirigindo para o norte, rumo a Barcelona, com as aeronaves da legião “Condor” de Hitler e os fascistas de Franco constantemente sobrevoando.
Os dedos de Kristina foram instintivamente até a carta de Dimo, que ela sempre carregava consigo. Era uma carta especial, escrita em nome de todos os seus companheiros albaneses. Kristina a leu várias vezes, quase decorando-a:
“E o dia amanheceu na altura de 196 nas bandas do Ebro, revelando os cadáveres dos inimigos, um brilho fraco em seus capacetes. Um avião continuava sobrevoando e cento e vinte peças de vários calibres nos mantinham sob fogo cerrado. Uma de nossas casamatas foi explodida. Comunicação com nossa equipe foi interrompida. Apenas dois abrigos foram deixados intactos, com nove homens e uma metralhadora cada. Então, todos nós nos aventuramos a tentar restabelecer a ligação com a equipe. Só agora conseguimos passar e sair ilesos sob a saraivada de balas que continuava a chover sobre toda a área, ninguém sabia dizer. Mas, de qualquer forma, o contato foi restabelecido e duas companhias do nosso batalhão montaram uma contraofensiva. Em trinta e cinco minutos, os dois batalhões do inimigo foram derrotados, espalhando seus cadáveres pelos vinhedos que foram arrasados. Não restou um único pinheiro de pé, e tudo foi derrubado e alterado. Se vocês pudessem ver como nossos camaradas atacaram sob balas fascistas, gritando: ‘Viva la vida!’”
Kristina acariciou a carta com seus dedos pequenos e finos e sentiu-se maravilhosamente forte. Agora ela percebia o encanto da carta. Ela terminava com “viva la vida!”. Era por isso que a compañera albanesa nunca se cansava. Ela nunca desistia, mesmo quando tinha de enfrentar as tarefas mais difíceis, mesmo nos momentos mais críticos. Kristina permanecia ao lado do leito dos feridos, nunca se cansando de limpar as feridas inchadas, feridas causadas pelas balas fascistas. Ela reconhecia todos os tipos de balas pelas feridas que limpava...
— Aqui, este é o albanês! — afirmou Carmen.
Kristina ficou subitamente pálida ao reconhecer o denso cabelo escuro de Dimo Orhani. Ela sempre se orgulhou de sua coragem, mas ninguém podia ler em seu rosto as batidas e o tremor de seu coração. A guerra é uma escola severa e, apesar disso, agora ela mal conseguia mover as mãos quando se inclinava para sentir o pulso dele; elas de repente lhe falharam.
— Ele está vivo! Ele está vivo! — exclamou com alívio, que era mais uma tentativa de convencer a si mesma — Ele está vivo, ele está vivo, Carmen!
— Seu irmão? — perguntou Carmen, sem entender o que a albanesa dizia em sua língua materna.
— Sim! — confirmou Kristina — Ele é meu irmão. Ajude-me a levantá-lo!
Carmen sabia que sua compañera albanesa nunca se perturbava tão facilmente. E ficou surpresa ao perceber pressa e impaciência em seus movimentos.
— Rápido, rápido! — insistiu Kristina, dessa vez muito alarmada.
Eles levaram Dimo diretamente para a sala de operações. Kristina não teve tempo de esperar pelo resultado da operação. Pediu a Carmen que cuidasse dele e entrou em um carro de ambulância que o levaria para a estação.
O crepúsculo caía lentamente naquela noite. O crepúsculo era cinzento e vagava relutantemente sobre a cidade conturbada. Ele estava penetrando no coração de Kristina junto com o pensamento da última noite na Casa Roja. Ela estava usando um vestido leve. Suas mãos tremiam e ela se arrepiava de vez em quando. Mas Kristina nunca se entregou. O caminho do hospital para a estação de trem estava sempre movimentado, com carros de ambulância entrando e saindo rapidamente. Dimo foi o último a ser operado na Casa Roja.
Quando voltou para buscar outro grupo de feridos, encontrou Carmen no patamar. A jovem sussurrou de forma quase inaudível:
— A albanesa ainda não foi expulsa da sala de operações.
— Eu sei, Carmen, eu sei... — respondeu Kristina.
Dimo foi trazido do Ebro, do antigo leito do rio, levando consigo a saudade e a tristeza de seus companheiros mortos.
Naquela noite, com o trânsito agitado do hospital até a estação ferroviária, com o movimento constante e o barulho dos carros de ambulância, a agitação febril dos médicos e dos trabalhadores do setor sanitário, o tempo parecia ter perdido algo, que estava em busca persistente de algo. Olhando para o belo rosto de Carmen, os pensamentos de Kristina se voltaram para os caminhos dos povos, aparentemente distantes, mas que de repente se cruzam como que por predestinação. E agora Kristina não conseguia se imaginar fora desse tumulto, longe desse hospital, dessa guerra. É verdade que ela teve que passar por muitos testes e provações até chegar aqui com um passaporte obtido por seus companheiros, mas isso não tinha nenhuma importância especial agora. Durante todos esses dias, ela andou pelas ruas de Paris, de um endereço a outro, sem fôlego, abrindo caminho entre multidões de manifestantes, em busca de Halim Xhelo e Gaston Bronn. Mas, em vez disso, ela conheceu Dimo Orhani. Dimo era um dos os primeiros voluntários da Albânia a irem para a Espanha. Kristina esperava encontrá-lo em Madri, mas lá estava ele em Paris, perto dela novamente, como se nunca tivessem se separado! Dimo a apresentou aos médicos e enfermeiros que partiriam para a Espanha em um pequeno barco e desapareceu sem deixar vestígios, como se a terra o tivesse engolido. Porém, assim que ela desembarcou em Port-Boue, foi informada de que um albanês estava procurando por ela. Dessa vez, ela tinha certeza de que se tratava de Dimo. Eles partiram imediatamente para Albacete, onde encontraram vários albaneses das Brigadas Internacionais.
E, em pouco tempo, eles se encontraram na Casa Roja. Durante esses anos, os fios da vida de Kristina estavam emaranhados com os acontecimentos em todas as frentes de luta dos albaneses.
Kristina sorriu. Em seu vagão, o vagão número 21 do trem de carga, a voluntária albanesa cuidaria de vinte e dois combatentes gravemente feridos. Nenhum deles podia se mover. E Dimo!... Dessa vez, no último turno, ela saberia se Dimo estaria com ela.
A grande praça em frente à estação ferroviária, que estava cheia de feridos, estava quase vazia agora. O trem-hospital, que partiria para Barcelona, estava tão lotado que mal se acreditava que pudesse transportar essa carga, que pudesse se mover em seus trilhos.
Kristina parecia menor e mais magra do que o normal. Mas ela tinha coragem suficiente para servir os feridos sem trair seus sentimentos por causa de Dimo. Ela falou com eles com uma voz calma. Disse-lhes que tinha vindo de muito longe, da Albânia, para atender aqueles rapazes robustos dos cinco continentes, de cinquenta e três países do mundo, para ajudá-los a voltar para a frente de batalha.
Foi uma noite longa. Kristina carregou todos eles até a carroça, a maioria em seus ombros. Dimo, tio Fernandez, também. Dimo estava inconsciente. Sua vida estava por um fio. Kristina se arrepiou só de pensar nisso. Ela andava para lá e para cá cuidando dos feridos como uma boa mãe e cuidando para que seus pacientes não sentissem frio, fome ou dor. Ela percebeu que os feridos e os doentes são como crianças de verdade que precisam de cuidados, amor e coração. Ela até tentou fazer algumas piadas para levantar o moral deles durante aquela viagem tediosa e arriscada. Ela mesma havia sido criada em circunstâncias ruins. Mas a grande hora de sua vida chegou um dia, quando ela conheceu os comunistas, seus amigos e companheiros de armas.
— O trem hospitalar com destino a Barcelona!
O alto-falante anunciou isso em diferentes idiomas, com uma voz melancólica, como se estivesse pronunciando a despedida de Múrcia:
— Até nos vermos novamente, camaradas! Kristina sentou-se ao lado de Dimo, cortando o curativo com uma tesoura pequena enquanto observava os movimentos dele com o coração na boca.
Ela mal podia esperar para ouvir uma palavra em sua língua materna. Apenas uma palavra: “Bem!”. Quem já esteve em terras estrangeiras sabe muito bem o que é significa ouvir uma palavra em sua língua materna, uma palavra preciosa e extremamente amada. — Eles estão vivos! Eles estão muito bem, Kristina... as palavras lhe vieram mecanicamente... Nós escrevemos com nosso sangue “No pasaran!” nesta terra... Ela perguntava a Dimo sobre todos os albaneses que estavam lutando na frente do Ebro. Todos tinham voltado seus olhos para o Ebro. O Ebro era a última fortaleza.
— O trem para Barcelona está pronto para partir!
Os vagões começaram a se mover. E Kristina ouviu seus companheiros se debatendo de dor.
O trem estava correndo à noite, com um apito prolongado, passando por Valência, entre o Mediterrâneo e o Ebro, até Barcelona.
Kristina segurou gentilmente a mão de Dimo e observou com profunda emoção suas maçãs do rosto salientes, seu rosto que não dava nenhum sinal de vida. Seu pulso era fraco. Ele ainda estava dormindo sob o efeito da narcose. Seu rosto estava pálido e todos os cabelos haviam ficado grisalhos. Ela sentiu uma pontada, uma dor aguda em seu coração ao vê-lo tão alterado. O tio Fernandez estava em frente a eles e viu bem o coração dela, pois ela mal podia deixar de expressar seus sentimentos.
— Compañera albanesa, não se desespere! — ele rebateu, como se tivesse lido todas as preocupações dela em sua testa. — Comunistas genuínos como esse jovem albanês sempre gritarão ‘Viva la vida!’, não é mesmo?
— Sim, tio Fernandez.
Exceto pelo fato de que Kristina queria gritar bem alto, com a voz bem alta, para que todos ouvissem: “Por que ir a Barcelona à noite, tio Fernandez? Muito sangue foi derramado nesta terra. A partida é amarga, mais amarga do que a própria morte...”... O trem ofegava durante a noite, seguindo seu caminho em direção a Barcelona, ao Ebro e ao Mediterrâneo. A noite estava nublada, mas mesmo as noites claras, cheias de folhas de outono esvoaçantes, eram semelhantes nessas colinas. Não se ouvia a voz gorgolejante de Carmen. A menina estava em seu vagão, e toda a noite chuvosa se passou sob o ruído distante dos aviões de combate da legião “Condor”.
Kristina se sentia cansada. Ela havia passado noites e dias sem dormir. Agora parecia estar acostumada com aquele estado de sonolência, mais acordada do que dormindo, característico de todas as mães que vigiam cada respiração de seus filhos pequenos. Ela ouvia imediatamente até mesmo o movimento mais imperceptível do tio Fernandez ou de Dimo.
No vagão número 22 do trem de carga, eles estavam cantando:
“Soldados: ¡la patria Nos llama a lid Juremos por ella Vencer o morir!”
Foi uma noite longa. Kristina não sabia dizer se toda a esperança dentro dela havia desaparecido. Não, nada havia morrido dentro dela. Exceto que ela sentia que, em algum lugar, os répteis estavam se aproximando da terra sangrenta da Espanha com seu corpo frio e preguiçoso na escuridão. Não era mais uma terra estranha.
“Soldados: la patria!”
A música foi cantada por todos em voz baixa. Os camaradas dormiam no seio desta terra. Em seu seio caloroso, perto de oliveiras centenárias, sempre-vivas, perto das ruínas de Bilbao e das feridas de Guernica, que construíram a confiança dos companheiros de todos os continentes.
— Kristina!
Ela se curvou sobre o tio Fernandez e ajustou os cobertores sobre os ombros dele.
— Kristina, você está ouvindo? — perguntou o velho, sem respirar. A uma grande distância, o ruído borbulhante do Ebro chegou até eles.
— Sim! — disse Kristina.
Só então ela percebeu que o tio Fernandez estava lhe estendendo um buquê de flores. Ela ficou encantada. Ela o ofereceria a Dimo assim que ele acordasse. Ela guardaria o buquê de flores que um homem idoso havia lhe oferecido naquela última noite, durante a corrida apressada pelos caminhos das batalhas, e o mostraria aos seus companheiros. Kristina sentiu no fundo do coração que o momento estava se aproximando. Parecia-lhe que, durante toda a sua vida, ela não havia feito nada além de enfaixar ferimentos, curar os feridos, segurando flores brancas na mão enquanto as batalhas aconteciam por toda parte.
— Compañera albanesa, estas flores... os rapazes as trouxeram para você... — disse o tio Fernandez.
Ela mal conseguia encontrar uma palavra para agradecê-lo. Mas também não encontrou tempo. Assim que saíram de Valência, os aviões fascistas começaram a bombardear o trem.
Kristina permaneceu de pé no meio do vagão de carga, como se quisesse carregar todos os feridos sobre si, como se quisesse carregar todo o peso do sofrimento deles em seu corpo delicado. Ela sabia muito bem que nenhum dos feridos poderia sair do vagão e, então, mais do que nunca, sentiu que a vida de uma pessoa poderia estar centrada em um único momento. Ela tinha plena consciência de que havia vivido até aquele momento, aquela ocasião, em que sua vida também poderia valer alguma coisa, por menor que fosse.
Ela permaneceu ali, sorrindo, enquanto observava cada um deles.
Lá fora, a situação era caótica. Contudo, Kristina não deixou transparecer sua preocupação. Ela não queria que os feridos, que a encaravam fixamente, percebessem a realidade em sua expressão.
Apesar de magra e delicada, ela era a única pessoa de pé no vagão número 22 do trem de carga. Parecia estar ali como um carvalho, com raízes profundas e galhos altos, como se desafiasse os trovões do céu negro. Então, de repente, ela foi a primeira a entoar a música: “Soldados, la patria”. Os demais se uniram a ela como se estivessem hipnotizados. Se não fosse por uma explosão, interrompendo a palavra do tio Fernandez, tudo pareceria um sonho.
Mas o tio Fernandez ainda estava sangrando. — Kristina, que sempre observava o Dr. Norman Bethune durante os momentos críticos na linha de frente da batalha, segurou o tio Fernandez e começou a fazer uma transfusão de seu próprio sangue. Tudo ocorreu em uma velocidade impressionante. Kristina viu os olhos do velho fixos nela, arregalados e com a respiração acelerada.
O buquê de flores delicadas, com suas pétalas frescas, flutuava no meio do sangue.
Os feridos permaneciam tensos e em silêncio.
Kristina segurou firme o tio Fernandez ao seu lado. O sangue da jovem albanesa escorria continuamente em um silêncio desconcertante. Os feridos acompanhavam aquele fluxo como se estivessem hipnotizados por ele. Dimo Orhani, que acabara de recobrar os sentidos, também observava aquela transfusão. Surpreso com tudo aquilo, ele olhava alternadamente para cada um deles, como se quisesse gravar aquela cena em sua mente para sempre.