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Primeira Edição: Lenin i voprosy prava, Revoliutsiia prava: Sbornik 1 (1925), Kommunisticheskaia akedemiia Moscow.
Fonte: LavraPalavra
Tradução: Gabriel Landi Fazzio e Thais Hoshika - do inglês disponível em https://www.marxists.org/archive/pashukanis/1925/xx/lenin.htm
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
No seguinte ensaio, publicado em 1925 (no ano seguinte à publicação de “Teoria Geral do Direito e Marxismo”), Pachukanis relaciona sua crítica da forma jurídica à volumosa, ainda que fragmentária, produção teórica de Lenin sobre o direito. Opondo Lenin a uma parcela do pensamento jurídico soviético, destaca a relação dialética entre as formas de propriedade, formas jurídicas e formas estatais.
Pachukanis argumenta que um Partido revolucionário deve seguir um curso que evite os perigos tanto da completa rejeição da luta legal quanto do fetichismo ligado à legalidade formal. Mobilizando desde as polêmicas de Lenin com os mencheviques sobre o estatuto do Partido até a questão do direito dos povos à sua autodeterminação, Pachukanis aproxima suas concepções sobre o Estado e o direito daquela de Vladimir Ilitch.
Os destaques e colchetes são do próprio autor.
Lenin, embora fosse um jurista de formação, jamais dedicou atenção especial aos problemas do direito. Com base nisso, seria possível chegar à conclusão precipitada de que tal categoria não deveria receber qualquer atenção no estudo sistemático de seu imenso legado ideológico. No entanto, isso seria incorreto. Para começar, uma série de observações e pensamentos isolados relativos ao direito estão espalhados por todo o seu trabalho. Eles meramente precisam ser extraídos, classificados e sistematizados. A contribuição de Lenin para esse assunto, insuficientemente desenvolvida pelos marxistas, só pode ser avaliada após essa tarefa ser realizada. Além disso, sequer foi publicado tudo o que Vladimir Ilitch escreveu no período soviético, não destinado diretamente à publicação, ou seja, seus escritos relativos aos problemas práticos de construção do estado soviético que foram preservados na forma de numerosas notas diretivas e cartas a camaradas individuais, bem como todo tipo possível de ordem, instrução, etc. Somente quando todo este material for sistematizado e publicado poderemos conceber uma ideia verdadeiramente abrangente do que o leninismo significa para os problemas do direito.
No presente artigo, naturalmente, não esperamos alcançar os resultados excepcionais de um trabalho que exige esforços substanciais e, provavelmente, coletivos. Mas uma observação deve ser feita neste momento. Pode-se obter uma abordagem marxista e dialética muito mais correta dos problemas do direito de Lenin, que não escreveu especialmente sobre a lei, do que de outros marxistas que se dedicaram especialmente a essas questões. Para provar minha colocação, darei um exemplo. O problema diz respeito a uma das instituições jurídicas básicas: a instituição da propriedade privada. Certos marxistas, seguindo o exemplo de Renner, apresentam a dialética dessa instituição de maneira inteiramente simplista:
Na era da economia natural, isolada e fechada, o direito de propriedade das coisas poderia realmente ser considerado como o fator que distingue diferentes grupos de pessoas umas das outras. Pessoas de fora não tinham relações com esses proprietários.
Relações mercantis entre grupos ou seus representantes, troca de excedentes da economia natural, relações contratuais ligadas a essa troca; na verdade, esses podem ser os únicos elementos que ligam os indivíduos uns aos outros.(1)
Parece que nada poderia ser mais simples: quanto menos essa troca é desenvolvida e menor o papel do mercado, mais a propriedade privada atomiza as pessoas, mais é uma relação “entre um homem e uma coisa”, e mais é o direito real. Por outro lado, conclui o mesmo autor, “a propriedade privada capitalista… não ‘atomiza’ as pessoas, mas as ‘une’ fortemente, e acorrenta os trabalhadores se não a um capitalista individual, pelo menos aos capitalistas como grupo”. Daí conclui que “a diferença entre o direito real e o direito das obrigações, em particular na forma que a jurisprudência burguesa lhe dá, corresponde não ao sistema capitalista, mas à estrutura da economia natural simples”. Este é um exemplo de uma análise extremamente simplista – supostamente atribuída a Marx, mas na verdade feita por Renner.
Goikhbarg falha completamente em perceber a possibilidade dialética de que, ao atomizar as pessoas, a propriedade privada faz sua aparição unindo-as através da troca, através do mercado, de acordo com a extensão do desaparecimento da economia natural e sua substituição por uma economia monetária. No entanto, em um dos primeiros trabalhos de Lenin, encontramos não apenas uma clara compreensão da dialética da propriedade privada, mas também uma formulação correspondentemente nítida dela. Objetando a Mikhailovsky na questão da natureza do direito de herança, Lenin escreve:
“De fato, a instituição da herança já pressupõe a propriedade privada, e a segunda surge apenas com o aparecimento da troca. A fonte disso era a natureza específica do trabalho social e a alienação de mercadorias no mercado que já estavam aparecendo. Por muito tempo, entretanto, como todos os membros da primitiva tribo indígena americana produziam em conjunto todos os seus produtos necessários, a propriedade privada era impossível. Quando a divisão do trabalho penetrou na tribo, e seus membros individualmente começaram a se engajar na produção de um artigo e vendê-lo no mercado, então a instituição da propriedade privada apareceu como a expressão dessa individualização material dos produtores de mercadorias.”(2)
A questão, portanto, não é de modo algum tão simples. A natureza material da propriedade privada “isolando as pessoas” aparece em cena apenas quando em vez da simples relação “entre um homem e uma coisa” (economia natural), surge uma relação contratual entre as pessoas, uma relação de troca (economia mercantil). A contradição entre o direito real e o direito das obrigações acaba por ser, segundo a dialética, contida na única casca em que se desenvolveram em conjunto, o que, até certo ponto, nada mais é do que a contradição entre “a natureza social dos meios de produção e a natureza privada da apropriação” traduzida em linguagem jurídica.
Se o caráter estritamente material da propriedade “isolando” as pessoas fosse um atributo da economia natural fechada, daí resultaria que, por exemplo, a propriedade feudal da terra deve ter sido mais exclusiva (excluindo outros, estranhos) do que a propriedade burguesa. Mas, infelizmente, isso contradiz categoricamente os fatos históricos. Ouça o que um eminente historiador da legislação civil da Revolução Francesa diz a esse respeito. É assim que Sagnac caracteriza as relações de terra da França pré-revolucionária:
“Um direito de propriedade não pertence a apenas uma pessoa, como no Império Romano; os diferentes direitos de que consiste, em vez de serem coletados em um pacote, são separados. Por um lado, o direito de posse direta permanece no concedente; por outro lado, depois que o direito de uso passou para a pessoa a quem esta terra é concedida, então, por causa de séculos de evolução, ela é considerada não como um simples direito de uso, mas como um direito de propriedade.”(3)
Assim, as relações que eram semi-naturais correspondiam, por assim dizer, à ausência de um direito claramente distinto a um objeto “reunido em um único pacote”. Mas isso ainda não é tudo. No mesmo Sagnac lemos mais adiante:
“Se a terra pertencia tanto ao arrendatário quanto ao arrendador, de fato ou em teoria, então também pertencia no sentido geral a todas as pessoas… Assim que a colheita era coletada, a terra se tornava comum a todos. As pessoas pobres podiam ir até lá, recolher as espigas caídas que usavam para a cama de vacas, para o telhado de casas ou para aquecer a lareira… Depois disso, cada um deles poderia pastorear suas vacas e ovelhas nas terras não protegidas; este era um pasto livre. Certos costumes permitem que os proprietários incluam apenas uma pequena parte de sua propriedade, de modo a dar aos pobres a possibilidade de pastar suas vacas ou cabras.”(4)
Esses fatos não foram, é claro, descobertos por Sagnac. Eles foram muito conhecidos e caracterizados, entre outros, até mesmo pelos marxistas, como reminiscências da propriedade tribal que foram preservadas de fato pela forma natural da economia. Pelo contrário, os cercamentos – o símbolo de um direito material exclusivo – foi intensificado pelo desenvolvimento de uma economia monetária e pela transição da exploração feudal para a exploração capitalista. Basta considerar o capítulo em “O Capital” sobre a acumulação primitiva. A Revolução Francesa promulgou um decreto punindo a simples proposta de uma lei (de reforma) agrária (ou seja, a divisão da terra) com a morte. Ao mesmo tempo, foram adotados decretos rigorosos sobre a proteção das terras fronteiriças. Assim, o desenvolvimento do mercado – o desenvolvimento de relações mercantis – leva precisamente à situação em que a propriedade privada reflete cada vez mais sua natureza exclusiva como uma relação “entre o homem e um objeto”. Isso ocorre apesar, ou mais precisamente por causa do fato de que a diversidade natural dos objetos dá lugar à sua expressão impessoal na forma de um equivalente monetário universal. A propriedade obtém um caráter material mais perfeito, então, com a liberdade de apropriação e alienação. A propriedade da terra adquire um caráter totalmente material quando a terra se torna “imóvel”, ou seja, um objeto de troca que é distinto de outros objetos – um objeto apenas pelo fato de que não pode ser transferido de um lugar para outro. Em outras palavras, o caráter material da propriedade não corresponde às relações econômicas naturais, mas, de fato, às relações da sociedade mercantil-capitalista. E, portanto, contrastando o direito das coisas com o direito das obrigações, ela de modo algum perde seu significado na transição da economia natural para a economia do mercantil. Pelo contrário, pela primeira vez, obtém seu pleno significado.
O mesmo deve ser dito sobre a relação entre o explorado e o explorador. Aqui também, o processo de desenvolvimento não é tão simples e unilateral como Goikhbarg o descreve. Precisamente porque a economia feudal era basicamente natural, a propriedade feudal da terra não podia adotar a forma aperfeiçoada de um direito exclusivo a um objeto. A existência de loteamentos camponeses – que destruíram essa exclusividade – também era de fato um instrumento de exploração:
“A fim de obter uma renda (ou seja, um produto excedente), o senhorio, proprietário de servos, deve ter em sua terra um camponês que possua uma porção, implementos e gado. Um camponês sem terra, sem cavalos e não agricultor é inútil como objeto de exploração feudal.”(5)
Mas foi de fato disso que a servidão do camponês derivou:
“O camponês a quem foi atribuída a terra deve ser pessoalmente dependente do senhorio, porque, possuindo a terra, ele não executará trabalho para seu senhor a não ser por coerção. O sistema econômico aqui engendra a coerção não econômica, a servidão, a dependência legal, a ausência de plenos direitos, etc”.(6)
Assim, vemos que a propriedade em uma economia semi-natural não apenas “isola”, como pensa Goikhbarg, mas também fortemente liga – “prende” – as pessoas, no caso específico dos camponeses, não apenas à classe dos proprietários, mas também a cada proprietário de terras individual. “Pelo contrário, o capitalismo ‘ideal’ é a liberdade total de contratar no mercado livre – para o proprietário e proletário.”(7) O poder do dinheiro aparece mais claramente na contradição entre a liberdade legal das partes no mercado e o poder efetivo do capital, e isso forma a estrutura do estado burguês em contraste com o estado feudal.
Certamente, pode-se objetar que tudo isso não é novidade, apenas o ABC do marxismo. Em particular, a diferença entre as formas de exploração capitalista e feudal, e a diferença entre as formas derivadas de estado, são suficientemente elucidadas pelo próprio Marx na segunda parte do Volume III do “O Capital”. A formulação de Lenin sobre esse ponto em particular simplesmente repete Marx. Mas é ainda mais imperdoável desconsiderar essas verdades quando elas são elementares e são bem conhecidas há muito tempo. Especialmente se, à luz dessas verdades, surgir uma imagem do desenvolvimento do direito que é muito mais complexa do que a apresentada a nós como as últimas conclusões do marxismo.
A partir desse pequeno exemplo, podemos ver que, na verdade, é muito mais fácil “criticar essa mitologia [i.e. legal] do que explicá-la a partir das relações econômicas que a engendram”.(8)
A incomparável dialética de Lenin em nenhum lugar aparece com tanta força, talvez, como nos problemas do direito. É particularmente impressionante, pois somos compelidos a compará-lo com o formalismo miserável e o escolasticismo infrutífero que geralmente floresce aqui. Temos em mente não apenas a análise teórica da superestrutura jurídica, na qual Lenin aparece como um verdadeiro seguidor de Marx, mas também a posição prática de Vladimir Ilitch nessa área. Aqui também encontramos exemplos marcantes da dialética puramente leninista. É suficiente observar em vários casos específicos o papel que Lenin atribuiu à forma jurídica. Ele sempre fez isso levando em conta a situação histórica concreta, a relação entre as forças das classes em luta, etc. Tanto o fetichismo da forma legal quanto seu completo oposto não compreendiam o real significado que uma ou outra forma jurídica pode ter em uma determinada fase, e eram perspectivas igualmente estranhas a Vladimir Ilitch.
A luta para derrubar e desmascarar o fetiche legalista do sistema, contra o qual a luta revolucionária é conduzida, é uma qualidade de todo revolucionário. Isso é obvio. Sem essa qualidade, o revolucionário não é revolucionário. Mas, para o revolucionário pequeno-burguês, a própria negação da legalidade é transformada numa espécie de fetiche, cuja obediência suplanta tanto o cálculo sóbrio das forças e condições de luta quanto a capacidade de usar e fortalecer até mesmo as vitórias mais inconsequentes na preparação para o próximo assalto. A natureza revolucionária das táticas leninistas nunca degenerou na negação fetichista da legalidade; isso nunca foi uma frase revolucionária. Pelo contrário, em determinados estágios históricos, ele firmemente apelou para usar aquelas “oportunidades legais” que o inimigo, que estava apenas debilitado, mas não totalmente derrotado, foi forçado a fornecer. Lenin sabia não apenas como impiedosamente expor a legalidade czarista, burguesa etc., mas também como usá-la, onde era necessário e quando era necessário. Ele ensinou como preparar a derrubada da autocracia usando a própria lei eleitoral promulgada pela própria autocracia, e como defender as primeiras posições conquistadas pela revolução mundial do proletariado, isto é, nossa vitória em outubro de 1917, ao concluir um tratado com um dos estados imperialistas (a Paz de Brest). Seu incomparável instinto político o guiou sem falhas para uma compreensão dos limites dentro dos quais era plenamente possível usar a forma jurídica imposta pelo curso da luta. Lenin brilhantemente levou em consideração o fato de que a legalidade que nosso inimigo nos impõe é imposta a ele pela lógica dos acontecimentos. O regime de Stolypin, por mais que quisesse, não podia confinar a luta de classes na Rússia dentro daqueles limites dentro dos quais foi conduzida antes da revolução de 1905; os imperialistas alemães, qualquer que fosse sua aversão subjetiva à revolução soviética, foram compelidos pela força da situação internacional geral a concluir um tratado com o governo soviético.
Lenin frequentemente caracterizou este uso da legalidade como um trabalho sujo e ingrato (sua comparação da Duma czarista com o “pão sujo” é famosa), mas era necessário saber como fazer este trabalho em um certo tipo de situação, e deixar de lado o tipo de monotonia revolucionária que reconhecia apenas os métodos “dramáticos” de luta.
Durante os anos de reação (1907-1910), os bolcheviques, comparados com outros partidos revolucionários e oposicionistas derrotados, “conduziram a retirada mais ordenada com o menor dano ao seu exército”, “com o núcleo de seu partido mais bem preservado, com poucas e menos divisões prejudiciais, e com a menor desmoralização” etc. Lenin explicou isso principalmente pelo fato de que os bolcheviques “expuseram impiedosamente e expulsaram os locutores revolucionários que se recusavam a entender que era necessário recuar, que era necessário aprender como trabalhar legalmente nos parlamentos mais reacionários, nas organizações mais reacionárias profissionais, cooperativas e similares.”(9)
Exemplos tão importantes da estratégia leninista quanto o uso de “oportunidades legais”, ou a paz de Brest, são suficientemente bem conhecidos e foram mais ou menos estudados do ponto de vista das lições políticas que eles contêm. Mas até agora pouca atenção foi dada ao fato de que ambos os casos demonstram o reconhecimento do real significado de um tipo de forma legal que é usada em uma situação específica, e como um método de luta bem conhecido e muito necessário.
E Lenin atacou aqueles revolucionários que, consolando-se com uma frase revolucionária, mostraram falta de disposição ou falta de habilidade para aprender como aplicar este método de luta na prática.
É notável que essa tendência seja observada em Lenin, não apenas em grande escala e nas grandes lutas políticas que ele conduziu, mas também em conflitos menores de caráter cotidiano com os quais se envolveu. Sempre permanecendo profundamente comprometido com o princípio, Lenin, no entanto, não se recusou a aplicar esses métodos concretos de luta que, em determinado momento, era o único caminho possível para alcançar um resultado desejado – embora o método fosse, por exemplo, um apelo a uma corte czarista.
Aqui é preciso recordar um episódio da vida de Lenin contada por Elizarov logo após a morte de Vladimir Ilitch. A situação era que Vladimir Ilitch, que na época ainda vivia em Samara, queria dar uma lição a um especulador, um provedor de transporte, que arbitrariamente detinha passageiros que usavam os serviços de barqueiros para atravessar o rio em vez de sua balsa. Apresentou uma queixa, apesar de todos os esforços do chefe do antigo conselho distrital (em nome do especulador, naturalmente) para esgotar o querelante incansável arrastando a audiência do caso; finalmente, um veredicto de culpado foi obtido.
Neste episódio, não é apenas importante para nós que Lenin tenha mostrado, em menor importância, a mesma teimosia, vontade de ferro e firmeza pelas quais era conhecido em assuntos importantes. Era importante que ele soubesse, quando quisesse e quando achasse necessário, como colocar em movimento mesmo esse método de luta – ele apelou para o tribunal czarista para ensinar ao pequeno tirano uma lição sobre esse assunto específico e para proteger o interesses dos pobres barqueiros. Isso não seria surpreendente se Lenin tivesse pertencido a esse tipo de “ativista social”, um destacado representante do qual, por exemplo, era V.G. Korolenko. Para eles, tal luta com a arbitrariedade asiática semi-servil do estado proprietário de terras “em nome da legalidade” e estritamente por meios legais era uma espécie de estandarte. Ninguém zombou mais dessas pessoas do que Lenin. Mas isso de fato prova que Lenin era um mestre desse tipo de luta se não conseguisse o resultado que buscava, por assim dizer, assumindo uma posição partidária à frente da luta que estava conduzindo contra a arbitrariedade autocrática e a exploração capitalista. Por que, provavelmente, 99% dos nossos bons revolucionários simplesmente teriam torcido as mãos neste caso em particular e disseram: “Não vale a pena ser envolvido”. E, é claro, ao fazê-lo, isso teria refletido não o seu compromisso com os princípios como revolucionários, mas simplesmente a falta de conhecimento do que deveria ser feito e de que era necessário atuar como advogado; e também falta de vontade porque era fastidioso. O que poderia ser mais favorável para um revolucionário do que ir a tribunal e, além disso, comparecer perante o chefe do governo local. Mas Lenin não era um sonhador ocioso; ele sabia como fazer trabalhos sujos onde fosse necessário. É verdade, neste caso, que também foi possível construir um argumento para a conveniência da rota empreendida por Vladimir Ilitch. Vale a pena, de fato, ter gasto tempo e energia indo a tribunal com algum especulador individual? Mas este é outro exemplo em que o que é discutível não é a questão da conveniência, mas a questão de princípio: um revolucionário deve buscar o apoio da corte da Coroa? Um certo indivíduo que gerenciou a Casa Editorial de Conhecimento cometeu uma violação e, portanto, estava sujeito à ameaça de uma ação judicial. Na correspondência de Lenin com Gorki, a questão é considerada: que medidas práticas devem ser tomadas? Deve-se apelar ao tribunal czarista; isso era permissível? Obviamente, a perspectiva intelectual ortodoxa, o medo de sujar a roupa limpa do revolucionário, voltando-se para a corte czarista, a relação anarquista exigente com os tribunais em geral e, acima de tudo, a impotência legal usual, a falta de conhecimento de “como isso é feito” – todos estes estão dispostos contra tais meios de ação. Lenin criticou energicamente essa combinação de motivos visíveis e ocultos:
“Com relação a P., sou pela corte. Não há razão para se levantar após a cerimônia. O sentimentalismo seria imperdoável. Os socialistas não são de forma alguma contra a corte da Coroa. Somos pelo uso da legalidade. Marx e Bebel recorreram à corte da Coroa, mesmo contra seus oponentes socialistas. É necessário saber como fazer isso e é necessário fazê-lo”.
E não satisfeito com esta avalanche, Vladimir Ilitch novamente “pressiona” energicamente:
“P. deve ser processado e sem restrições. Se você é criticado por isso – cuspa nos rostos dos críticos. Criticar seria hipócrita”.(10)
Não se sabe o que aconteceu com este P., e parece que este caso não foi ao tribunal. Mas parece que até onde a questão dizia respeito a Vladimir Ilitch, P. teria sido processado “sem reservas”.
Na verdade, é esse aspecto de Vladimir Ilitch que deve ser comparado a esse firme apelo – já outra questão, na situação do estado soviético – de lutar contra a violação da disciplina, omissões, corrupção e ultrajes; lutar com firmeza, trazendo-a inevitavelmente ao fim, ao tribunal, ao castigo.
“Como são penalizados os oficiais que favoreceram as condições locais em detrimento do centro e em violação das ordens do centro? Quais são os nomes dos penalizados? A frequência dessas violações está diminuindo? As penas foram aumentadas e, em caso afirmativo, para quê?(11)
E mais:
“Devemos reorganizar a Inspetoria dos Trabalhadores e Camponeses chamando os membros não-partidários para prestar contas tanto através desta Inspeção como também fora dela através de processo judicial.”(12)
E também da mesma ordem:
“Sobre medidas de luta com ladrões: eles estão sendo considerados criminalmente responsáveis? A administração? Os comitês de fábrica e planta (por luta insuficiente com o roubo)?”(13)
Ao mesmo tempo, Lenin ensina qualquer um que aponte uma deficiência do mecanismo soviético de que deve contribuir para a luta com todos os métodos fornecidos pela legalidade soviética. Uma vez iniciado o caso, encerre-o, usando todos os canais soviéticos e partidários. Não se deixe dissuadir pelo fato de ter sofrido um fracasso a princípio, não se deixe dissuadir pelo fato de não saber para onde se virar. Todos são obrigados a saber onde e como reclamar de uma decisão imprópria, e todos são obrigados a se tornar cidadãos soviéticos legalmente alfabetizados.
O conhecimento de como conduzir uma luta em “bases legais”, que na situação pré-revolucionária não teve e não poderia ter significado amplo, em princípio tem um significado muito diferente após o período de outubro. Sob a autocracia e sob o capitalismo, era impossível lutar contra a impotência jurídica e analfabetismo jurídico das massas, sem conduzir uma luta revolucionária contra a autocracia e contra o capital: essa impotência é apenas um fenômeno parcial da subjugação geral para cuja manutenção a legalidade tsarista e burguesa existia. Mas depois da conquista do poder pelo proletariado, essa luta tem a mais alta prioridade como uma das tarefas da reeducação cultural, como pré-condição para a construção do socialismo. Portanto, as obras de Lenin do período soviético são simultaneamente “propaganda anti-legal”, isto é, uma campanha contra a ideologia jurídica burguesa e um apelo à luta e à eliminação do analfabetismo e impotência legais:
“Na medida em que a tarefa básica do poder se torna não subjugação militar, mas governar, a característica típica de subjugação e coerção se tornará não a execução instantânea, mas o tribunal. E a esse respeito, depois de 25 de outubro de 1917, as massas revolucionárias partiram no caminho correto, e mostraram a viabilidade da revolução ao começar a estabelecer os tribunais operários e camponeses antes mesmo de quaisquer decretos serem proferidos sobre a dissolução do aparato judicial democrático-burguês. Mas nossos tribunais revolucionários e do povo são excepcionalmente e incrivelmente fracos. Percebe-se que a sensação popular é desses tribunais como governamentais e alienígenas – uma atitude herdada do jugo dos proprietários e da burguesia que ainda não foi finalmente destruída. Não há uma consciência suficiente do fato de que o tribunal é um órgão do poder do proletariado e do camponês mais pobre, e que o tribunal é uma arma educacional para a disciplina”.(14)
O revolucionário pequeno-burguês, rejeitando o uso do método legal de luta, pode considerar-se um arquiesquerdista, como por exemplo a extrema esquerda que os social-revolucionários se consideravam quando desconsideravam o exemplo dos bolcheviques e pediam um boicote à Terceira Duma de Estado. Na verdade, eles estavam simplesmente prestando seus respeitos a uma frase revolucionária. Mas esses senhores não rejeitaram simplesmente a legalidade antiquada do antigo regime: eles adotaram a luta revolucionária exclusivamente como uma luta por uma nova legalidade. Assim, a legalidade formal continua a ser um fetiche para eles. Eles não partem do interesse da classe vitoriosa, mas de princípios abstratos; eles não podem imaginar que a política do proletariado (que tomou o poder e o manteve através de uma guerra civil cruel) é apenas a forma do estabelecimento de um novo tipo de legalidade que repousa sobre uma lei correspondentemente codificada. Sabe-se que os juristas socialistas revolucionários da esquerda, no dia seguinte à entrada na estrutura do governo soviético, estavam ocupados elaborando “um código penal da Revolução”.
Ninguém sabia castigar a abordagem juridicamente formal mofada e reacionária das questões da luta de classes revolucionárias tão bem quanto Lenin. As palavras de Bebel não foram em vão: “os juristas são o povo mais reacionário da terra” – essa era a expressão favorita usada por Vladimir Ilitch. É suficiente lembrar como ele atacou Kautsky quando este (com respeito à Constituição Soviética privando os exploradores do direito de voto) apresentou a questão profunda: “Quem é um capitalista no sentido legal?” É suficiente lembrar sua reprimenda a Kautsky sobre a questão relativa à expulsão “ilegal” de socialistas-revolucionários e mencheviques do Comitê Executivo Central de Toda a União, uma reprimenda que revela toda a idiotice do formalismo legal em face dos fatos duros da luta de classes:
“Nós, os bolcheviques russos, deveríamos primeiro prometer a inviolabilidade de Savinkovs e cia., os Lieberdans e Potresovs (“os ativistas”); em seguida, redigir um código penal que declare “punível” qualquer participação na guerra contra-revolucionária tchecoslovaca, ou qualquer aliança com os imperialistas alemães contra os trabalhadores do seu próprio país na Ucrânia ou na Geórgia; e só então, com base no código penal, teríamos o direito de acordo com a “democracia pura” para excluir “certas pessoas” dos sovietes.”(15)
O que afinal, em última análise, é a teoria leninista da ditadura, se não uma doutrina do poder revolucionário que rejeita a legalidade formal?
“O conceito científico de ditadura significa nada menos que poder ilimitado por qualquer coisa, por quaisquer leis, sem restrições por regras absolutas, e dependendo diretamente da força.”(16)
E em outro lugar:
“A ditadura revolucionária do proletariado é poder ganho e mantido pela coerção da burguesia pelo proletariado.”(17)
Mas esse poder, sem estar confinado por regras ou leis, não significa a ausência de todo poder organizacional? Para o jurista burguês arraigado, não há dúvida de que esse é o caso, porque ele não vê, e não quer ver, que a legalidade burguesa é a prática consistente da dominação de classe formada ao longo de décadas e séculos. Essa forma padrão de dominação “legal” pode ser destruída ou abalada por eventos extraordinários, mas isso ainda não significa de forma alguma a necessária eliminação da dominação organizacional da própria burguesia. De acordo com uma situação extraordinária, ela pode adotar a forma de uma ditadura extraordinária e extra-legal. E se, como sabemos, a legalidade burguesa se desenvolveu gradualmente – por causa do trabalho de toda uma legião de parlamentares, estudiosos, juristas, juízes e funcionários públicos – então seria absurdo exigir a mesma perfeição legal e legalidade do poder proletário nascido ontem e tendo que defender sua própria existência com armas. Legalidade não é um saco vazio que pode ser preenchido com um novo conteúdo de classe. Mas é assim que Kautsky imagina o assunto.
“Este ‘estudioso sério’ permite que a burguesia inglesa construa e desenvolva uma nova constituição burguesa (para a Idade Média), mas este representante da ciência lacaia não nos dá, aos trabalhadores e camponeses da Rússia, tempo suficiente. De nós, ele exige uma constituição elaborada ao pé da letra dentro de alguns meses.”(18)
A abordagem revolucionária e marxista dos problemas do direito requer, acima de tudo, uma avaliação das tendências básicas de classe da sublevação em curso. Mas Kautsky não está de todo interessado nisso. Ele está perturbado pelo fato de que, ao privar os capitalistas do direito de voto, nossa constituição permite, portanto, “arbitrariedade”. Aqui está a resposta realmente esmagadora de Lenin a essas pérolas de claudicação formal-legais:
“Quando, ao longo de séculos ou décadas, todos os burgueses e a maioria dos juristas reacionários dos países capitalistas desenvolveram regras detalhadas – escreveram dezenas e centenas de volumes de leis e explicações de leis; oprimiram os trabalhadores; acorrentaram os pobres; e colocaram milhares de cavilhas e obstruções no caminho de qualquer trabalhador simples – o Sr. Kautsky e os liberais burgueses não detectaram a “arbitrariedade” aqui! Aqui há “ordem” e “legalidade”… Mas quando, pela primeira vez na história, as classes trabalhadoras e exploradas… criaram seus próprios sovietes, convocaram para a tarefa da construção política aquelas classes que a burguesia havia subjugado, espancado e amortecido; e começaram a construir um novo estado proletário, em meio ao pó da batalha selvagem e no fogo da guerra civil, para delinear os princípios básicos de um estado sem exploradores – todos os canalhas da burguesia, todo o bando de vampiros, com seu eco, Kautsky, começou a gritar sobre “arbitrariedade””.(19)
Os revolucionários burgueses – os jacobinos –, abrindo caminho para o capitalismo, também sabiam usar a arma da ditadura impiedosamente, mas só podiam interpretar suas ações históricas na falsa forma ideológica de lutar pelas bases eternas da liberdade e da igualdade. Eles agiram como políticos revolucionários ousados, mas estavam pensando como juristas e moralistas. Eles decidiram, para salvar a revolução jacobina democrático-burguesa, espezinhar a legalidade formal, mas fizeram isso em nome da liberdade, em nome dos direitos absolutos do homem e do cidadão.
Para Lenin, como seguidor de Marx, não existiam ideais sociais que não pudessem ser explicadas em termos das condições materiais de existência e que, na sociedade de classes, não possuíam um caráter de classe. A ideia de liberdade e igualdade, a ideia dos direitos eternos e inalienáveis do homem é o ideal da lei natural. Esta é a única fonte de apoio para o jurista burguês que é obrigado, em um período revolucionário e em nome de seu interesse de classe, a abandonar a base da legalidade formal. Este ideal surge em conexão com um conteúdo social material específico que está enraizado nas condições de produção.
Em um de seus primeiros trabalhos, Lenin lembra aos nossos populistas:
“Marx aponta repetidamente”, escreve ele, “como na fundação da igualdade civil, liberdade de contrato e princípios similares do Rechtsstaat [Estado de Direito], aí reside a relação entre produtores de mercadorias”.(20)
Lenin começa suas teses sobre a questão nacional e colonial com a mesma crítica materialista da ideologia da igualdade:
“A democracia burguesa é, por sua própria natureza, caracterizada por uma declaração abstrata ou formal da questão da igualdade em geral, incluindo a da igualdade nacional. Sob a aparência da igualdade universal da personalidade humana, a democracia burguesa proclama a igualdade formal ou legal do proprietário e do proletário, do explorador e do explorado, levando assim as classes subjugadas ao maior engano. A ideia de igualdade em si mesma, sendo um reflexo das relações de produção de mercadorias é transformada pela burguesia numa arma de luta para se opor à liquidação de classes, sob o pretexto da supostamente absoluta igualdade das personalidades humanas. O significado real da demanda por igualdade consiste apenas na demanda pela eliminação das classes.”(21)
Não há mal nenhum em lembrar que essas proposições elementares da crítica marxista não foram, de modo algum, aceitas de modo geral entre os indivíduos que pensavam ser sucessores de Marx, como pode parecer à primeira vista. Para certos representantes do campo menchevique, “o valor absoluto dos princípios jurídicos da democracia” não estava sujeito a qualquer dúvida, mesmo na época em que se consideravam seriamente representantes do marxismo revolucionário. Por que, mesmo no Segundo Congresso, o delegado Egorov “chiou” contra Plekhanov, quando este afirmou que a situação é hipoteticamente imaginável quando nós, sociais-democratas, podemos nos expressar contra o direito universal de votar. E é interessante que Martov, apesar de não estar alinhado com os defensores dos “princípios absolutos”, no entanto, mais tarde (no Congresso da Liga dos Sociais Democratas no Exterior) considerou necessário fazer uma reserva apenas a este ponto; que Plekhanov “poderia evitar a insatisfação de alguns dos delegados, se ele acrescentasse que é claro que não se deve imaginar um estado de coisas tão trágico como aquele em que o proletariado, para assegurar sua vitória, seria forçado a atropelar sobre direitos políticos como a liberdade de imprensa”. Toda a essência do menchevismo está nessa reserva. Por um lado, sendo marxista, é inconveniente apresentar-se como um defensor dos princípios eternos e sem classe da democracia formal; por outro lado, a verdadeira natureza pequeno-burguesa do fato menchevismo se move ao longo dessas linhas “sem classes”: o resultado é uma dissensão verdadeiramente trágica na qual eles tentam se salvar dessa contradição na esperança de que “é claro, não se pode imaginar um estado de coisas tão trágico”. Mas o que pode ser feito se essa “situação trágica”, apesar das esperanças mencheviques, se tornar uma realidade histórica? Nós já temos a resposta para essa pergunta; é fornecida pela prática política consistente do menchevismo, que não era outra coisa senão subserviência ao fetiche da democracia burguesa e uma luta intensificada contra a ditadura do proletariado.
A teoria marxista relega as formas legais a um lugar secundário e até mesmo terciário no desenvolvimento social. As relações econômicas se desenvolvem com base na condição específica das forças sociais produtivas e são decisivas em última análise; a alavanca direta que impulsiona a marcha da história é a classe, isto é, a luta política, que em si nada mais é do que “a expressão concentrada da economia”; no que diz respeito à formulação jurídica das relações econômicas e dos fatos políticos, isso desempenha um papel secundário e subserviente. A teoria marxista, de forma geral, tem atribuído aos problemas do direito relativamente pouca atenção. De modo contrário, os intelectuais burgueses têm desenvolvido esse lado externo formal das relações sociais com particular entusiasmo, pois, além de outras razões, isso concede aos seus teóricos a possibilidade de evitar completamente a consideração dos problemas da desigualdade econômica (estes são preocupantes devido ao seu “materialismo”). A jurisprudência é, portanto, um refúgio seguro. Este aspecto da questão é apontado, incidentalmente, por Vladimir Ilitch em seu artigo referente à última obra acadêmica (pré-guerra) de Peter Struve.
“A burguesia moderna”, escreveu ele, “está tão amedrontada com esse passo [que a economia política fez na pessoa de Marx], está tão perturbada pelas “leis” da evolução econômica contemporânea, que são tão óbvias e imponentes, que ela e seus ideólogos estão prontos para descartar todos os clássicos e todo tipo de lei apenas para colocar… todos eles… no arquivo da jurisprudência… juntamente com… a desigualdade social”(22).
Em outro lugar, caracterizando essa tendência dos intelectuais burgueses, Vladimir Ilitch formula os desejos secretos dos teóricos burgueses:
“Que a economia política seja ocupada com truísmos, com o escolasticismo e com a luta sem sentido pelos fatos, e deixe a questão das ‘desigualdades sociais’ recuar para a área mais segura das discussões sócio-legais; onde é mais fácil ‘escapar’ dessas questões desconcertantes”(23).
No entanto, a análise marxista correta da forma jurídica como uma superestrutura dependente da base pode, em certas circunstâncias, ser transformada em uma caricatura do marxismo, em uma visão sem vida e determinista. Aqui, a superestrutura emerge “por si mesma” sobre uma dada base, e a forma aparece “por si mesmo” em um certo estágio de desenvolvimento do conteúdo material dado. Com a ênfase crescente na regularidade do desenvolvimento social, é imperceptivelmente transformada na afirmação de um certo automatismo social, ou, como expresso em nosso jargão político militante, em “reboquismo”. Lenin, um feroz oponente a todo tipo de reboquismo não poderia, é claro, deixar de combater esses tipos de visões e teorias, e de expô-las como desvios do marxismo. O primeiro tipo de distorção fatalista do marxismo foi feito, como é bem conhecido, pelos “economicistas”. Toda luta de classes, eles afirmam, é uma luta política, e assim concluíram que o potencial político da luta da classe trabalhadora é um processo automático. A doutrina marxista de que as formas políticas, e até mesmo as formas da luta política, são inevitavelmente engendradas por seu conteúdo econômico, é transformada pelos “economicistas” em justificativas e glorificações para todo tipo de atraso no movimento dos trabalhadores. Formalmente, os mencheviques repetiram o mesmo erro, a começar com a propagação do reboquismo ou problemas organizacionais. “Conteúdo”, eles anunciaram, “(isto é, o conteúdo da luta política) é mais importante que a forma; programa e tática são mais importantes que organização”. Aqui a disputa é transferida, por assim dizer, a um nível que nos interessa. A forma sobre a qual eles estão falando é a formulação legal ou constitucional do Partido, na qual o último aparece não apenas como a totalidade de pensadores políticos com pensamentos semelhantes, mas também como um todo formalmente unificado, isto é, um agregado de organizações. A expressão externa da unidade é a hierarquia das instituições do Partido e o estatuto do Partido. A luta que Lenin liderou no Segundo Congresso, e à qual seus passos foram dedicados, foi também a luta pela necessidade de uma organização partidária legalmente formulada.
Aqui é apropriado notar que Vladimir Ilitch possuía todos os dados necessários para não apenas teorizar sobre o direito, mas também para sentir total segurança sobre onde o direito aparece em sua função prática como um intermediário formal de um tipo particular de relação social.(24) Esses dados, em primeiro lugar, foram interpretados pela de férrea lógica de pensamento característica de Vladimir Ilitch. Se tratando de um pensador dialético incomparável e entendendo a posição subordinada da lógica formal, Vladimir Ilitch, não obstante, deu-lhe o seu merecido lugar. A dialética nunca foi desviada nebulosamente e confundida por ele. Pelo contrário, ele não propôs nada difuso, indefinido ou confuso. Cada uma de suas formulações foram sempre pensadas até o fim; não há nada de excessivo, nada que revele uma falta de clareza teórica que em tais situações tenta se abrigar por detrás da verbosidade. Uma mente bem desenvolvida como a dele é uma condição necessária e suficiente para ser um jurista extraordinário. Recomendamos que qualquer um que duvide disso leia atentamente, por exemplo, as críticas de Lenin ao rascunho de Martov sobre o estatuto do Partido em “Passos”(25). O domínio com o qual Lenin expõe a típica negligência intelectual, com respeito a definições “legais” precisas, combinada com a falta de conteúdo, verbosidade, formalismo sem sentido e infinitas repetições, fala suficientemente por si. Em particular, isso é um exemplo claro do fato de que a crítica de Lenin é dirigida contra a forma; pois, pelo seu próprio ato de publicar o esboço de Martov, seu objetivo era mostrar que uma nuance particular de substância (no sentido da relação negativa com o centralismo) – contrariamente às afirmações de Martov – não foi revelada em seu esboço do estatuto escrito antes do Congresso.
A luta no Segundo Congresso e depois dele, os debates sobre o primeiro parágrafo da Carta sobre o centralismo, etc… tudo isso tinha, é claro, uma certa significância política e significado político revelado na íntegra apenas posteriormente. Mas, do ponto de vista lógico, o argumento desenrolou-se no nível de uma abordagem diferente da natureza da Carta ou, em um sentido mais amplo, à formulação jurídica do nosso Partido. Os oponentes de Lenin simplesmente negavam a possibilidade de uma formulação sob a qual o Partido se apresentasse como algo melhor definido que a totalidade das pessoas que consideravam-se, a qualquer momento, membros do Partido. Nenhuma regra, por exemplo, Axerold disse, pode proibir que círculos de jovens revolucionários e pessoas individuais se autoproclamem social-democratas e até mesmo se considerem parte do Partido. Lenin revelou facilmente o absurdo desse argumento:
“Proibir alguém de chamar a si mesmo de social-democrata é impossível e sem sentido, pois essa palavra expressa diretamente apenas um sistema de pensamentos e não relações organizacionais definidas. Proibir certos círculos e pessoas de “se considerarem parte do Partido” é possível e necessário quando esses círculos e pessoas são perigosos para os assuntos do Partido, corrompem-no e desorganizam-no. Seria cômico falar do Partido como um todo, como um montante político, se não pudesse ‘proibir por decreto’ um círculo ‘que se considera parte’ do todo! E por que então definir os procedimentos e condições para expulsão do Partido?”(26)
Para o próprio Lenin revelou-se muito cedo – e ele enfatiza isso em muitos lugares em seus “Passos” – que o oportunismo organizacional de Axerold, Martov e outros é apenas a herança da era anterior (ainda não exaurida) do circulismo, da época em que o Partido cresceu de um “círculo familiar”, sem caráter formal, sem a subordinação da minoria à maioria, sem a subordinação da parte ao todo.
Lenin, mais do que todos, compreendeu a enorme significância do circulismo revolucionário, isto é, a estreita soldagem ideológica e camarada dos revolucionários baseada na fé incondicional um no outro. Muitas das melhores páginas em seu livro “Que fazer?” são dedicadas ao esclarecimento dessa significância. Mas Lenin também compreendeu que, quando o Partido desloca-se para a ampla arena da luta política, deve suplementar a unidade ideológica com o caráter da unidade externa, deve colocar as instituições do Partido no lugar do círculo. Lenin entendeu que um Partido que tinha sido detido em seu desenvolvimento no estágio do círculo não estaria em condições de cumprir as tarefas designadas em seu programa. A conexão do círculo, informal, sem um estatuto, ainda que tivesse grandes vantagens, também apresentava falhas que no futuro tornariam-se necessariamente insustentáveis. Costumes que cresceram nesse período tornaram-se um impedimento para um maior crescimento. Lenin escreveu:
“Para aqueles que estão acostumados com o roupão e as pantufas folgadas do círculo familiar do Oblomov (na literatura russa, expressão de uma personalidade preguiçosa – N.T.), as regras formais parecem estreitas, restritivas, incômodas, mesquinhas e burocráticas, um vínculo de servidão e um grilhão no livre processo da luta ideológica. O anarquismo aristocrático não consegue entender que as regras formais são necessárias precisamente para substituir os vínculos estreitos do círculo com o vínculo amplo do Partido. Era desnecessário e impossível formular uma ligação interna de um círculo ou vínculos entre círculos, pois esses vínculos repousavam em amizade ou em uma confiança para a qual nenhuma razão ou motivo tinha que ser dado. O vínculo partidário não pode e não deve basear-se em nenhum deles; deve basear-se em regras formais e burocraticamente escritas (burocrático do ponto de vista do intelectual indisciplinado), adesão estrita àquilo que é nossa única salvaguarda contra a vontade e o capricho característico dos círculos e dos métodos circulistas de luta interna que se apresentam sob o nome de ‘livre processo da luta ideológica’”.(27)
Os ataques incisivos de Lenin, como sempre, foram explicados pelo fato de que ele visualizou claramente o próximo e mais necessário passo que, a cada momento, devia ser tomdo pelo Partido, e ele atacou violentamente aqueles que empurraram o Partido para trás.
Em resposta ao pronunciamento do quadro editorial do novo Iskra de que “confiança é uma coisa delicada que não pode ser martelada no coração e na cabeça”, Lenin notou:
“Quando eu era apenas um membro de um círculo… eu tinha o direito de confiar apenas na fé indefinida… e quando me tornei um membro do Partido, não tinha o direito de confiar apenas em uma indefinida falta de fé… fui obrigado a motivar minha ‘confiança ou desconfiança’ em uma conclusão formal, isto é, na referência a um ou outro procedimento formalmente estabelecido de nosso programa, táticas ou regras; fui obrigado a seguir um caminho formalmente prescrito para a expressão de desconfiança, para a conduta daqueles pontos de vista ou daqueles desejos que fluíam dessa desconfiança.”(28)
“Um passo em frente, dois passos atrás”, é um livro que, além de tudo, tem profundo significado educacional. Ensina uma relação séria e responsável com os assuntos do Partido e suas organizações; ensina a não confundir a discussão política que precede a adoção de uma decisão específica com discussões intelectuais intermináveis e fúteis; a consideração de candidatos em eleições de funcionários do Partido com considerações familiares comuns de como não incomodar alguém; o Partido com um grupo de amigos. Esse livro enfatiza o lado estrito, formal, externo da questão com o qual muitos dos revolucionários da época relacionavam-se descuidadamente. Mas Vladimir Ilitch sabia que “o proletariado, na sua luta pelo poder, não tem outra arma senão a organização”; que “o proletariado só pode tornar-se, e tornar-se-á inevitavelmente, uma força invencível quando a sua unidade ideológica, baseada nos princípios do marxismo, é cimentada pela unidade material da organização que reúne milhões de trabalhadores num exército da classe operária”(29), que “a capacidade objetiva-máxima do proletário de se unir em uma classe será realizada por pessoas vivas, será realizada de outras maneiras que em formas definidas de organização”(30), que, portanto, a fundação e formalização (incluindo o aspecto do caráter externo dessa organização) é um importante passo em diante na história do movimento operário.
Quando, após o Segundo Congresso, os oponentes de Lenin haviam conduzido uma luta contra o “formalismo burocrático”, eles construíram seu argumento em uma compreensão mais profunda e, aparentemente, mais marxista do curso do desenvolvimento histórico. Lenin, é claro, não pensou em esconder o fato de que seu plano organizacional tinha um significado político mais definido: proteger o Partido do oportunismo. Contra isso, seus adversários do campo menchevique apresentaram a seguinte objeção de peso: “oportunismo”, disseram, “é criado por causas profundamente mais complexas e definidas do que alguns parágrafos de uma carta” (Trotsky).
“O problema não é”, replicou Lenin, “que os parágrafos da carta podem criar oportunismo, mas forjar com ajuda deles um instrumento mais ou menos incisivo contra o oportunismo”. As fórmulas propostas por Lenin, Trotsky afirmou ainda, devem ser rejeitadas, pois as definições históricas devem corresponder às relações de fato. “Trotsky fala novamente como um oportunista”, respondeu Lenin. “As relações reais não estão mortas, mas vivas e em desenvolvimento. Definições legais podem corresponder ao desenvolvimento progressivo dessas relações, mas também podem (se essas decisões forem ruins) ‘corresponder’ à regressão ou à estagnação”. “O último”, acrescentou Vladimir Ilitch, “é o caso de Martov”.(31)
O oportunismo na questão da organização foi logicamente expresso na defesa da primazia do “conteúdo” sobre a forma e na colocação do programa e táticas antes da adoção do estatuto; do “desenvolvimento real” sobre as “definições legais”. Lenin revela toda a natureza metafísica desse contraste que não leva em conta as condições históricas concretas. Aquilo que é apropriado e correto em um estágio de desenvolvimento torna-se um erro grosseiro em outro. Martov, falando em defesa da antiga abordagem do círculo, tentou basear-se em citações dos trabalhos anteriores de Lenin, quando ele discute a “influência ideológica” e a “luta pela influência”, e as compara com o “método burocrático de influência com a ajuda das Regras”, e a tendência de confiar na autoridade que, supostamente, Lenin desenvolveu após o Segundo Congresso.
“Pessoas ingênuas!”, exclama Lenin a respeito, “esqueceram que formalmente nosso Partido não era um todo formalmente organizado, mas apenas a soma de grupos separados e, portanto, nenhuma outra relação, exceto aquelas de influência ideológica, era possível entre esses grupos. Agora nos tornamos um Partido organizado e isso implica no estabelecimento de autoridade, a transformação do poder das ideias em poder de autoridade [e] a subordinação de organismos partidários inferiores a organismos partidários superiores. Ora, até nos deixa desconfortáveis”, Lenin concluir, “ter que mastigar tais ideias rudimentares para o benefício dos antigos companheiros”(32).
Nesse enfático “agora” concentra-se toda a sabedoria da dialética leninista. Ele, por assim dizer, diz aos seus oponentes: vocês podem, bons senhores, afirmar tanto quanto desejarem que o conteúdo define a forma, que a correção tática é uma condição necessária da solidariedade organizacional, que a disciplina no Partido depende da análise final da autoridade das ideias etc., mas agora chegou o tempo em que é necessário dar um passo adiante; quando é necessário agir sobre as premissas criadas para a luta ideológica, quando é necessário compreender o conteúdo da luta política em seu estágio seguinte, passando para a nova forma juridicamente finalizada da organização do Partido.
“O trabalho de Iskra”, escreveu Vladimir Ilitch, “e todo o tema da organização do Partido, toda o tema da efetiva reconstrução do Partido, não poderia ser considerado terminado sem o reconhecimento de todo o Partido e também da confirmação formal de ideias organizacionais definitivas. O caráter organizacional do Partido também teve que cumprir essa tarefa.”(33)
A respeito dos comentários do menchevique Iskra, Lenin venenosamente observa em outro lugar:
“O conteúdo é mais importante que a forma, e o programa e táticas são mais importantes que a organização. Grandes e profundas verdades. O programa é de fato mais importante que as táticas, táticas são mais importantes que organizações. O alfabeto é mais importante que a etimologia, e a etimologia é mais importante que a sintaxe – mas o que pode ser dito das pessoas que, tendo falhado no exame da sintaxe, agora se vangloriam e orgulham-se de terem sido retidos em uma turma inferior por outro ano?”(34)
Lenin compreende uma organização formal e centralizada como algo real, e ele não está disposto a dissolvê-la em algum tipo de simbolismo que satisfaça a “unidade espiritual”.
“A adoção de um programa”, afirmou o menchevique Iskra, “contribui mais para a centralização do trabalho do que a adoção de regras”.
“Como essa banalidade – apresentada como filosofia – cheira”, reage Lenin, “ao espírito da intelectualidade radical, e está muito mais próxima da decadência burguesa do que da social-democracia. De fato, nessa famosa frase, a palavra ‘centralização’ é entendida em um sentido muito simbólico”.(35)
É característico que uma relação fetichista com as bases da democracia formal, que naquela época era inata ao menchevismo, não impediu que Martov e seus partidários dentro do Partido colocassem suas opiniões (e a vontade de seu círculo) acima da decisão formal da maioria do Congresso. Martov chegou a questionar o procedimento de eleições como expressões da vontade do Partido:
“apenas substituindo a questão da consciência social dos membros do Partido e do conteúdo socialista de seu trabalho pela questão da ‘confiabilidade’ dos centros investidos de forte poder, podemos chegar ao ponto de ver no ato das eleições uma expressão específica da vontade do Partido”.(36)
Lenin, segundo a opinião dos quatro editores do antigo Iskra, “destaca não a união interna, mas externa, a unidade formal exercida e protegida por métodos puramente mecânicos, pela subjugação sistemática da iniciativa individual e da ação social independente”. Zombando do valor desse documento – que de fato lembra mais um discurso do conselho distrital pré-revolucionário sobre reformas (“ação social independente”), do que uma resolução sobre questões internas do Partido – Lenin continua:
“De que unidade formal, externa, eles estavam falando aqui, nossos membros do Partido que acabaram de voltar de um Congresso do Partido, cujas decisões ele solenemente proclamaram serem válidas? Por acaso eles conhecem algum método de alcançar a unidade em um partido organizado em qualquer base duradoura, senão através do Congresso do Partido?”(37)
Lenin desmonta impiedosamente as acusações de formalismo burocrático e mostra que, por trás delas, estão escondidas apenas “uma frase anarquista e instabilidade intelectual”.
“Você é um burocrata”, afirma Vladimir Ilitch ironicamente, “porque você foi indicado pelo Congresso contra meus desejos; você é um formalista porque confia nas decisões formais do Congresso, e não no meu consentimento; você está agindo de maneira grosseiramente mecânica porque cita a maioria ‘mecânica’ do Congresso do Partido e desconsidera meu desejo de ser cooptado; você é um autocrata porque se recusa a entregar o poder ao bando de velhinhos que insistem em sua ‘continuidade’ como um círculo – ainda mais porque eles não gostam da desaprovação explícita desse círculo pelo Congresso”.(38)
Lenin liderou firmemente o Partido para uma nova etapa, à “instrumentalização” organizacional de sua vida política, lutando contra aqueles que o empurraram de volta à etapa anterior de luta e demarcação ideológicas. “A unidade em questões de programa e tática é uma condição essencial, mas ainda insuficiente, para a unidade do Partido e para a centralização do trabalho do Partido”, explicou Vladimir Ilitch a seus novos oponentes do Iskra. De uma vez, entre parênteses, exclama com cansaço: “Pelo amor de Deus, que fundamentos devem ser repetidos hoje em dia, quando todos os conceitos se confundem!”.
“Este último”, ele continua, “requer, além disso, uma unidade de organização que, em um Partido que se tornou mais do que um mero círculo familiar, é inconcebível sem regras formais, sem a subordinação da minoria à maioria, da parte ao todo. Enquanto não houvesse unidade nas questões fundamentais do programa e táticas, admitimos sem rodeios que estávamos vivendo em um período de desunião e de espírito de círculo; declaramos sem rodeios que as demarcações deveriam ser traçadas antes que pudéssemos nos unir; nós nem sequer falamos das formas de uma organização conjunta, mas discutimos exclusivamente as novas (naquela época, eram realmente novas) questões sobre como combater o oportunismo no programa e táticas. Quando, como todos concordamos, essa luta já havia assegurado um grau suficiente de unidade – conforme formulado na resolução do Partido sobre táticas – nós tivemos que dar o próximo passo, e de comum acordo, nós o fizemos, elaborando as formas de uma organização unida que uniria todos os círculos. Mas agora essas formas foram parcialmente destruídas e regredimos à conduta anarquista, à fraseologia anarquista e ao renascimento de um círculo no lugar de um conselho editorial do Partido. E essa regressão é justificada com base no argumento de que o alfabeto é mais útil para o discurso erudito do que para o conhecimento da sintaxe!”(39)
Mas para os oponentes do novo Iskra, a “sintaxe” leninista era inatingível, e eles continuaram a regredir em direção ao “alfabeto”.
“Disciplina”, escreveu Trotsky, “é sensata até o ponto em que assegura a possibilidade de luta por aquilo que você considera correto, e em nome daquilo para o que você impõe disciplina a si mesmo. Mas quando a atenção se volta, de certa forma, à perspectiva “da negação de um direito”, isto é, negação do direito de lutar por influência ideológica, então a questão de sua existência é, para ele, transformada de uma Rechtsfrage (questão de direito) em uma Machtfrage (questão de força)”.
Como podemos deixar de comparar as opiniões abstratas de Trotsky depois do Segundo Congresso – sobre o tema da inevitabilidade da dissidência – com sua declaração concreta em 1908-1914 de “unidade” com os liquidacionistas que se colocaram ideológica e organizacionalmente fora do Partido? Para popularizar a nocividade da unidade formal, depois que o Iskra estabeleceu as bases de uma luta de três anos pela unidade programática e tática, bem como levantar um clamor contra a dissidência e divergência quando todo um abismo político se abriu entre as partes e os liquidacionistas – esse é um exemplo raro e, pode-se dizer, clássico da completa ausência de uma abordagem dialética da questão.
O erro dos “economicistas” e dos mencheviques eram, como vimos, o mesmo. Consistia no fracasso em compreender as formas concretas de implementação da luta de classes proletária. Além disso, em ambas as situações, sua distorção do marxismo foi apresentada como um suposto aprofundamento da análise marxista, como a transferência de atenção do “externo” (da “forma”) para a própria “essência”. Muito mais tarde Vladimir Ilitch teve que lutar com o mesmo tipo de erro no momento da discussão do “direito à autodeterminação”.
Os seus adversários, incluindo os camaradas poloneses, tendo levantado dúvidas acerca desse ponto do nosso programa, tentaram de forma semelhante contornar a exigência específica de natureza política e legal, exigência esta feita pelo próprio curso da luta de libertação do proletariado, sob o pretexto de que “em essência” não poderia existir “autodeterminação” sob o capitalismo, e que sob o socialismo não era necessário. A analogia entre essa linha de argumentação e os argumentos dos “economicistas” foi notada pelo próprio Vladimir Ilitch em sua resposta ao argumento de que “o socialismo elimina toda subjugação nacional da mesma forma que elimina o interesse da classe que a produz”, Lenin observa:
“por que essa discussão das premissas econômicas da eliminação da opressão? Elas são conhecidas a muito tempo e são indiscutíveis. A disputa está relacionada a uma das formas de opressão política, a saber, a dominação forçada de uma nação pelo Estado de uma outra nação. Isto é simplesmente uma tentativa de evitar questões políticas”(40).
E mais:
“de fato, nossos oponentes tentaram até mesmo evitar o que era discutível… Eles não querem pensar nem em fronteiras, nem em geral sobre o Estado. Esse é um tipo de economicismo ‘imperialista’, semelhante ao antigo ‘economicismo’ de 1894-1902, que argumentava que o capitalismo é vitorioso e que, portanto, não há sentido nas questões políticas”.(41)
Tal teoria política é fundamentalmente hostil ao marxismo.
Retornando novamente a essa analogia, Lenin escreve que “os velhos economistas” transformaram o marxismo em uma caricatura e ensinaram aos trabalhadores que apenas a “economia é importante para os marxistas”. Os novos “economicistas” “pensam”, parece, ou que o Estado democrático do socialismo vitorioso existirá sem fronteiras (como um complexo de “sensações” sem matéria), ou que as fronteiras serão definidas apenas pelas necessidades de produção. Na verdade, essas fronteiras serão determinadas democraticamente, isto é, de acordo com a vontade e as “simpatias da população”(42). Por outro lado, argumentos de que o direito das nações à autodeterminação é irrealizável sob o capitalismo e que, portanto, é preciso abandoná-lo, são, como Lenin demonstra, uma concessão ao reformismo. “Objetivamente, suas frases [isto é, dos camaradas poloneses] sobre a impossibilidade são oportunistas, pois eles assumem silenciosamente [que a autodeterminação] é impossível sem uma série de revoluções, tão irrealizáveis sob o imperialismo quanto sob a democracia”.(43)
A perspicácia política de Lenin nessa disputa era frequentemente explicada e comentada na literatura marxista posterior. Mas ninguém, até onde sabemos, notou o fato de que, logicamente, a posição de Rosa Luxemburgo – e aqueles que detêm pontos de vista como o dela (entre os quais falaram até claros oportunistas como Semkovsky e Bundist Liebman) – pode ser, incidentalmente, caracterizada como a completa rejeição da forma jurídica e a total falta de compreensão de suas características específicas. Começando com o fato de que o camarada Lenin havia constantemente e firmemente explicado aos seus oponentes a diferença entre “o direito de secessão” e a própria secessão, Rosa Luxemburgo, e certamente outros, supôs que o reconhecimento do “direito de secessão” significa o suporte obrigatório de toda demanda concreta por secessão, e que isso inclui inerentemente “o encorajamento do separatismo”. Lenin teve que explicar essa falta de compreensão com o exemplo elementar do “direito ao divórcio”.
“Culpar os defensores da autodeterminação (isto é, da liberdade de secessão, de encorajar o separatismo) é tão estúpido e tão hipócrita como culpar os defensores da liberdade do divórcio por encorajar a destruição dos laços familiares”.(44)
Era absolutamente incompreensível para os opositores de Lenin que a luta contra a opressão nacional encontrasse sua expressão mais direta e apropriada, no interesse do proletariado, na exigência da liberdade legal de secessão, isto é, na linguagem técnica, na luta pelo reconhecimento do “direito subjetivo” correspondente. A discussão refere-se precisamente ao reconhecimento de que cada nação tem o “direito subjetivo” de formar um Estado independente. Lenin explica isso comparando-o com a palavra de ordem que exige uma estrutura estatal federal ou autônoma:
“Não é difícil ver que, sob o direito à autodeterminação nacional, é impossível para o social-democrata entender a federação ou a autonomia. Abstratamente falando, ambos são subsumidos pela autodeterminação. O direito à federação é completamente sem sentido porque federação é um contrato bilateral. Não é preciso dizer que os marxistas não podem defender o federalismo em geral em seu programa. No que diz respeito à autonomia, os marxistas não defendem o “direito à autonomia”, mas a autonomia em si como um princípio universal de Estados democráticos que têm uma composição nacional mista e diferenças acentuadas em fatores geográficos e outros. Portanto, reconhecer ‘o direito à autonomia nacional’ seria tão sem sentido quanto reconhecer “o direito das nações à federação”.(45)
Tal afirmação sobre a questão (reconhecimento do direito à autodeterminação sem o suporte obrigatório de cada demanda concreta por secessão) definitivamente não foi dominada pelos oponentes de Lenin. Parecia “metafísico” a eles, privado de conteúdo político concreto e sem indicações práticas para a política diária. O Bundista Liebman simplesmente declarou o direito à autodeterminação “uma expressão sofisticada”, cujo significado estava cercado por uma bruma.
A ideia de que essa palavra de ordem essencialmente democrático-burguesa (e, portanto, inevitavelmente formal e abstrata) poderia ser tanto um grito de guerra do proletariado contra a reação material semi-feudal e burguesa, quanto poderia desempenhar um papel positivo mesmo após a vitória do socialismo, falhou absolutamente em encontrar um lugar na consciência de pessoas sinceramente apresentando a si mesmas como marxistas consistentes. Pareceu-lhes que a abstração legal vazia da igualdade de direito definitivamente tinha que ser substituída por algo real e prático. Lenin esplendidamente expôs o equívoco deles:
“Exigir uma resposta ‘sim ou não’ à questão da secessão no caso de cada nação pode parecer uma exigência que é muito ‘prática’. Mas na realidade é absurdo, teoricamente metafísico, e na prática deixa o proletariado subordinado à política da burguesia…
É teoricamente impossível garantir antecipadamente se a secessão de uma determinada nação, ou a sua igual posição legal com outra nação, culminará em uma revolução democrático-burguesa. É importante, em ambos os casos, garantir o desenvolvimento do proletariado; a burguesia impede esse desenvolvimento e dá precedência ao desenvolvimento “nacional”. Portanto, o proletariado está limitado à demanda “negativa” pelo reconhecimento do direito à autodeterminação, que não é garantido a nenhuma nação. Toda a tarefa do proletariado sobre a questão nacional ‘não é prática para a burguesia nacional de cada nação, porque o proletariado exige um direito igual ‘abstrato’, uma ausência, em princípio, mesmo do menor privilégio, porque se opõe a todo o nacionalismo’”.(46)
Lenin entendeu o que seus oponentes não entenderam: que a demanda “abstrata”, “negativa” de direitos formais era, em dada conjuntura histórica, simultaneamente uma palavra de ordem revolucionária e revolucionada, e também o melhor método de fortalecer a solidariedade de classe do proletariado e protegê-lo da infecção pelo egoísmo nacional-burguês. Na verdade, na conjuntura concreta em que se deu a discussão (isto é, na véspera da Guerra Imperialista e no seu auge e, portanto, na véspera da Revolução Russa), negar o direito à autodeterminação partindo do fato de que se tratava apenas de uma palavra de ordem da democracia formal – e de que os marxistas são obrigados a expor essa democracia formal em todos os sentidos – teria sido “jogar nas mãos não apenas da burguesia, mas na opressão nacional feudal e absolutista”. Lenin entendeu que, em qualquer estágio de desenvolvimento, a demanda pela igualdade formal abstrata do direito é uma demanda revolucionária que destrói a monarquia semifeudal e, em primeiro lugar, o absolutismo russo.
Mas então 1920 chegou. Na Rússia, a Revolução de Outubro já havia ocorrido e o poder soviético foi confirmado; a tarefa seguinte era lutar pela ditadura do proletariado em escala mundial. A burguesia imperialista e seus subordinados tentaram firmemente mascarar sua política de opressão e roubo de países conquistados e colonizados através de frases “wilsonianas” sobre a igualdade dos povos, os direitos iguais das nações, etc. Sob essas condições, uma simples repetição das antigas palavras de ordem não teria sentido. A tarefa básica tornou-se uma luta contra a democracia burguesa e a exposição de suas mentiras e falsidades. Lenin escreveu suas famosas teses sobre a questão nacional para o Segundo Congresso do Comintern, e elas começam com a exposição acima citada da ideia democrática burguesa de igualdade jurídica formal. As teses enfatizavam que “o Partido Comunista, como expressão consciente da luta do proletariado pela derrubada do jugo da burguesia, não deve colocar princípios abstratos e formais no ápice da questão nacional [comparar com a declaração acima reproduzida de que o proletariado exige direitos iguais abstratos]”. Primeiro, deve considerar a situação histórica, concreta e (acima de tudo) econômica; segundo, a diferença exata entre os interesses das classes trabalhadoras oprimidas e exploradas e o conceito geral de interesse nacional, que significa os interesses da classe dominante; terceira, a clara distinção entre nações oprimidas, dependentes e carentes em direitos iguais, e nações opressoras e exploradoras. Essas distinções devem ser contrapostas à mentira democrático-burguesa que mascara a escravidão da grande massa da população da terra por uma minoria insignificante de ricos países de capitalismo avançado, uma escravidão que é característica do período do capital financeiro e do imperialismo.(47)
As palavras de ordem democrático-burguesas sobre a questão nacional perderam sua qualidade revolucionária. A defesa da igualdade “abstrata” dos direitos era meio caminho andado.
“No campo das relações internas do Estado, a política nacional do Comintern não pode limitar-se ao reconhecimento nu, formal e puramente declarativo da igualdade de direitos das nações às quais os democratas burgueses se limitam – não faz diferença se eles se reconhecem abertamente como tais ou se eles mascaram-se sob o disfarce do socialismo.”(48)
Por sua vez, uma nova tarefa é criada:
“a tarefa de transformar a ditadura do proletariado de uma ditadura nacional (isto é, existente em um país e incapaz de determinar a política mundial) numa ditadura internacional (isto é, uma ditadura do proletariado de pelo menos vários países avançados capazes de exercer uma influência decisiva sobre políticas mundiais). O nacionalismo pequeno-burguês declara que o internacionalismo é o reconhecimento dos direitos iguais das nações, e apenas preserva (sem falar do caráter puramente verbal de tal reconhecimento) o inviolável egoísmo nacional. No entanto, o nacionalismo proletário exige, em primeiro lugar, a subordinação do interesse da luta proletária em qualquer país ao interesse da luta em toda a escala mundial; segundo, exige a capacidade e a prontidão, por parte das nações que alcançaram a vitória sobre a burguesia, em empreender grandes sacrifícios nacionais para a destruição do capital internacional”.(49)
Esta foi uma nova etapa, uma nova situação, um novo e mais alto nível de luta. E novas prioridades correspondiam a isso. O estágio democrático-burguês havia passado e, com ele, a exigência legal formal de autodeterminação nacional – característica desse estágio – perdeu seu significado anterior. A palavra de ordem “derrubar o domínio da burguesia em escala mundial e estabelecer a ditadura internacional do proletariado” tornou-se a palavra de ordem prática imediata.
Isso significa que a autodeterminação nacional perdeu todo o significado; que poderia ser substituído pela “autodeterminação do proletariado”? Certamente não. Isso teria sido ignorar a presença de países atrasados que não haviam passado pelo estágio das revoluções nacionais democrático-burguesas. O proletariado comunista dos países avançados teve que apoiar esses movimentos; com toda a sua força, teve que lutar para que os acúmulos de séculos de má vontade e desconfiança das pessoas atrasadas das nações dominantes – e do proletariado dessas nações – fossem superadas o mais rápido possível. Era impossível alcançar esse objetivo sem proclamar e realizar na prática o direito à autodeterminação nacional. Além disso, mesmo para uma sociedade socialista que caminha em direção à eliminação das classes, a questão da autodeterminação nacional ainda permanece real uma vez que, embora baseada na economia, o socialismo não consiste, em absoluto, apenas em economia:
“Para a eliminação da subjugação nacional, um fundamento necessário é a produção socialista, mas é também necessário ter uma organização democrática de Estado, um exército democrático, etc., erguido nesta base. Ao transformar o capitalismo em socialismo, o proletariado cria a possibilidade de eliminar a subjugação nacional. Essa possibilidade é transformada em realidade ‘apenas’ – somente com o pleno estabelecimento da democracia em todas as áreas, a determinação das fronteiras de acordo com ‘as simpatias da população’, e a completa liberdade de secessão. Sobre essa base, por sua vez, a eliminação absoluta dos menores atritos e desconfianças nacionais desenvolve-se na prática. O movimento acelerado em direção à integração das nações será concluído quando o Estado desaparecer”.(50)
Esperamos que nesses poucos exemplos tenhamos mostrado que material rico para o estudo da abordagem dialética revolucionária das questões do direito está contido nas obras teóricas e políticas de Lenin. Consideraremos nossa tarefa cumprida se conseguirmos atrair a atenção dos camaradas para essa área pouco estudada.
Notas de rodapé:
(1) A.G. Goikhbarg, Fundamentals of the Law of Private Property (1924), Moscow, p 68. (retornar ao texto)
(2) V.I. Lenin, What the “Friends of the People” Are and How They Fight the Social Democrats (1894), LCW, vol.1, p.153. (retornar ao texto)
(3) P. Sagnac, La legislation civile de la Revolution francaise 1789-1804 (1898), Libraire Hachette, Paris, vol.I, p.2. (retornar ao texto)
(4) ibid.; V.I. Lenin, The Agrarian Question in Russia at the End of the Nineteenth Century (1918), LCW, vol.15, p.84. (retornar ao texto)
(5) V.I, O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia. (retornar ao texto)
(6) ibid., pp.84-85. (retornar ao texto)
(7) ibid., p.85. (retornar ao texto)
(8) A.G. Goikhbarg (1924), op. cit., p.23. (retornar ao texto)
(9) V.I. Lenin, Left-Wing Communism: An Infantile Disorder (1920), LCW, vol.31, pp.35-36. (retornar ao texto)
(10) V.I. Lenin, Sochinenii, vol.1, p.135. (retornar ao texto)
(11) V.I. Lenin, Instructions of the Council of Labour and Defence to Local Soviet Bodies (1921), LCW, vol.32, p.387. (retornar ao texto)
(12) ibid., p.389. (retornar ao texto)
(13) ibid., p.394. (retornar ao texto)
(14) V.I. Lenin, Sochinenii, vol.25, pp.215-216. (retornar ao texto)
(15) V.I. Lenin, The Proletarian Revolution and the Renegade Kautsky (1918), LCW, vol.28, pp.276-277. (retornar ao texto)
(16) V.I. Lenin, A Contribution to the History of the Question of Dictatorship (1920), LCW, vol.31, p.353. (retornar ao texto)
(17) V.I. Lenin, The Proletarian Revolution and the Renegade Kautsky (1918), op. cit., p.236. (retornar ao texto)
(18) ibid., p.274. (retornar ao texto)
(19) ibid., pp.274-275. (retornar ao texto)
(20) V.I. Lenin, What the “Friends of the People” Are and How They Fight the Social Democrats (1894), op. cit., pp.149-150. (retornar ao texto)
(21) V.I. Lenin, Preliminary Draft Theses on the National and Colonial Questions (1920), LCW, vol.31, p.145. (retornar ao texto)
(22) V.I. Lenin, Sochinenii, vol.12, pt.2, p.388. (retornar ao texto)
(23) ibid. (retornar ao texto)
(24) É claro, fazemos a reserva aqui de que os problemas organizacionais da construção do Partido podem ser classificados como problemas legais apenas um sentido condicional e relativo. Primeiro, contudo, o estatuto opera tão formalmente como um intermediário para o conteúdo político da atividade do Partido quanto a lei, no sentido exato e restrito da palavra, opera como um intermediário para as relações de produção. Segundo, o estatuto do nosso Partido – e ninguém pode negar isso – é agora um dos elementos da estrutura estatal da União das Repúblicas Soviéticas. Da perspectiva adicional de sua importância funcional, portanto, merece a classificação como uma das matérias tratadas pela jurisprudência. (retornar ao texto)
(25) V.I. Lenin, One Step Forward, Two Steps Back (1904), LCW, vol.7, pp.241-249. (retornar ao texto)
(26) ibid., p.272. (retornar ao texto)
(27) ibid., pp.392-393. (retornar ao texto)
(28) ibid., pp.393-394. (retornar ao texto)
(29) ibid., p.415. (retornar ao texto)
(30) V.I. Lenin, Sochinenii, vol.8, p.479. (retornar ao texto)
(31) V.I. Lenin, One Step Forward, Two Steps Back (1904), op. cit. p.275. (retornar ao texto)
(32) ibid., p.367. (retornar ao texto)
(33) ibid., p.336. (retornar ao texto)
(34) ibid., p.386. (retornar ao texto)
(35) ibid., p.387. (retornar ao texto)
(36) L. Martov, A State of Siege (1903), cf. LCW, vol.7, p.360. (retornar ao texto)
(37) V.I. Lenin, One Step Forward, Two Steps Back (1904), op. cit. p.362. (retornar ao texto)
(38) ibid., p.363. (retornar ao texto)
(39) ibid., pp.387-388. (retornar ao texto)
(40) V.I. Lenin, The Discussion on Self-Determination Summed Up (1916), LCW, vol.22, p.321. (retornar ao texto)
(41) ibid., p.322. (retornar ao texto)
(42) ibid., p.324. (retornar ao texto)
(43) ibid., p.327. (retornar ao texto)
(44) V.I. Lenin, The Right of Nations to Self-Determination (1914), LCW, vol.20, p.422. (retornar ao texto)
(45) ibid., p.441. (retornar ao texto)
(46) ibid., p.410. (retornar ao texto)
(47) V.I. Lenin, Preliminary Draft Theses on the National and Colonial Questions, op. cit. p.145. (retornar ao texto)
(48) ibid., p.147. (retornar ao texto)
(49) ibid., p.149. (retornar ao texto)
(50) V.I. Lenin, The Discussion on Self-Determination Summed Up (1916), op. cit. p.3 (retornar ao texto)
Inclusão | 09/07/2018 |
Última alteração | 11/07/2018 |