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O Capital
Crítica da Economia Política
Karl Marx

Livro Primeiro: O processo de produção do capital

Primeira Seção: Mercadoria e dinheiro

Terceiro capítulo. O dinheiro ou a circulação de mercadorias


3. Dinheiro


capa

É dinheiro a mercadoria que funciona como medida de valor e, por isso, também — corporalmente ou por meio de representantes — como meio de circulação. O ouro (ou a prata) é, por isso, dinheiro. Como dinheiro funciona, por um lado, onde tenha que aparecer na sua corporalidade áurea (ou argêntea), portanto como mercadoria-dinheiro, logo, nem meramente ideal, como na medida de valor, nem capaz de representação, como no meio de circulação; por outro lado, onde a sua função — quer ele mesmo a realize em pessoa ou por meio de representantes — o fixe como figura de valor única ou existência unicamente adequada do valor de troca, em oposição a todas as outras mercadorias como meros valores de uso.

a) Entesouramento

O circuito contínuo das duas metamorfoses contrapostas de mercadorias ou a fluida conversão de venda e compra aparece na incansável rotação do dinheiro ou na sua função de perpetuum mobile(1*) da circulação. É imobilizado ou transforma-se, como diz Boisguillebert, de meuble em immeuble(2*) [N54], de moeda em dinheiro, logo que a série das metamorfoses é interrompida, logo que a venda não é completada por compra subsequente.

Com o primeiro desenvolvimento da própria circulação de mercadorias desenvolve-se a necessidade e a paixão em deter o produto da primeira metamorfose, a figura transformada da mercadoria ou a sua crisálida de ouro(3*). A mercadoria é vendida, não para comprar mercadoria, mas para substituir a forma-mercadoria pela forma-dinheiro. De mera mediação da troca material, esta mudança de forma torna-se fim de si mesma. A figura desapossada da mercadoria é impedida de funcionar como a sua figura absolutamente alienável ou como forma-dinheiro apenas evanescente. O dinheiro petrifica-se assim em tesouro e o vendedor de mercadorias torna-se entesourador.

Nos começos mesmos da circulação de mercadorias só o excedente de valores de uso se transforma em dinheiro. Ouro e prata tornam-se assim, por si mesmos, expressões sociais do excesso ou da riqueza. Esta forma ingénua de entesouramento eterniza-se entre povos onde ao modo de produção tradicional, orientado para as necessidades próprias, corresponde um círculo rigidamente fechado de necessidades. E assim entre os asiáticos, nomeadamente os indianos. Vanderlint, que dá por determinados os preços das mercadorias pela massa de ouro ou de prata que se encontrem num país, pergunta a si mesmo por que razão serão tão baratas as mercadorias indianas. Resposta: porque os indianos enterram o dinheiro. Ele nota que, de 1602 a 1734, eles enterraram 150 milhões de lib. esterl. de prata, vindas originariamente da América para a Europa(4*). De 1856 a 1866, portanto, em 10 anos, a Inglaterra exportou para a Índia e para a China (o metal exportado para a China corre em grande parte de novo para a Índia) 120 milhões de lib. esterl. em prata, que antes fora cambiada por ouro australiano.

Com uma produção mais desenvolvida de mercadorias, cada produtor de mercadorias tem de assegurar-se do nervus rerum(5*), do «penhor social»(6*). As suas necessidades renovam-se incessantemente e prescrevem incessante compra de mercadoria alheia, enquanto produção e venda da sua própria mercadoria custam tempo e dependem de acasos. Para comprar sem vender tem antes que ter vendido sem comprar. Esta operação, praticada numa escala universal, parece contradizer-se a si própria. Nas suas fontes de produção, os metais nobres trocam-se, porém, directamente por outras mercadorias. Aqui tem lugar uma venda (por parte do possuidor de mercadorias) sem compra (por parte do possuidor de ouro e prata)(7*). E vendas posteriores sem compras subsequentes medeiam meramente a ulterior repartição dos metais nobres por todos os possuidores de mercadorias. Assim, surgem, em todos os pontos do comércio, tesouros de ouro e prata da mais diversa amplitude. Com a possibilidade de deter a mercadoria como valor de troca ou o valor de troca como mercadoria nasce a cobiça do ouro. Com a extensão da circulação de mercadorias cresce o poder do dinheiro, da forma sempre pronta, absolutamente social, da riqueza.

«O ouro é uma coisa maravilhosa! Quem o possui é senhor de tudo o que deseja. Com ouro, pode-se até fazer chegar almas ao paraíso.» (Colombo, em carta da Jamaica, 1503(8*).)

Dado que no dinheiro não se divisa aquilo que nele está transformado, tudo se transforma — mercadoria ou não — em dinheiro. Tudo se torna vendível e comprável. A circulação torna-se a grande retorta social para a qual tudo se precipita para voltar a sair como cristal de dinheiro. A esta alquimia nem sequer resistem os ossos dos santos e muito menos ressacrosanctae, extra commercium hominum(9*), menos grosseiras(10*). Como no dinheiro toda a diferença qualitativa das mercadorias está apagada, também ele por seu lado, como nivelador(12*) radical, apaga todas as diferenças(13*). O dinheiro é, porém, ele próprio mercadoria, uma coisa exterior que se pode tornar propriedade privada de cada um. O poder social torna-se, assim, poder privado da pessoa privada. Por isso a sociedade antiga denuncia-o como a moeda divisionária da sua ordem económica e moral(14*). A sociedade moderna, que já na sua infância arranca Pluto das entranhas da terra pelos cabelos(15*), saúda no Graal de ouro a encarnação resplandescente do seu princípio vital mais próprio.

A mercadoria, como o valor de uso, satisfaz uma necessidade particular e constitui um elemento particular da riqueza material. Contudo, o valor da mercadoria mede o grau da sua força de atracção sobre todos os elementos da riqueza material, portanto, a riqueza social do seu possuidor. Para o possuidor de mercadorias barbaramente simples, mesmo para um camponês da Europa Ocidental, o valor é inseparável da forma-valor, portanto, o aumento do tesouro de ouro e prata é aumento de valor. Aliás, o valor do dinheiro muda, seja em consequência da sua própria mudança de valor, seja da mudança de valor das mercadorias. Mas isto não impede, por um lado, que 200 onças de ouro tal como antes contenham mais valor do que 100, 300 mais do que 200, etc; e ainda, por outro lado, que a forma natural metálica desta coisa permaneça a forma de equivalente universal de todas as mercadorias, a encarnação imediatamente social de todo o trabalho humano. O impulso para o entesouramento é, por natureza, sem medida. O dinheiro é qualitativamente, ou segundo a sua forma, sem limites, ou seja, representante universal da riqueza material, porque imediatamente convertível em cada mercadoria. Mas, ao mesmo tempo, cada soma de dinheiro real é quantitativamente limitada, portanto também apenas meio de compra de efeito limitado. Esta contradição entre o limite quantitativo e a falta de limites qualitativa do dinheiro remete constantemente o entesourador para o trabalho de Sísifo da acumulação. Passa-se com ele o mesmo do que com o conquistador do mundo que, com cada novo país, apenas conquista uma nova fronteira.

Para deter o ouro como dinheiro e, portanto, como elemento do entesouramento, tem de se impedir que circule ou que, como meio de compra, se dissolva em meio de fruição. O entesourador sacrifica, portanto, ao feitiço do ouro o seu prazer carnal. Toma a sério o evangelho da renúncia. Por outro lado, ele só consegue retirar em dinheiro à circulação aquilo que lhe dá em mercadoria. Quanto mais produz, mais pode vender. Laboriosidade, poupança e avareza constituem, assim, as suas virtudes cardeais; vender muito, comprar pouco é a suma da sua economia política(16*).

A par da forma imediata do tesouro corre a sua forma estética, a posse de mercadorias de ouro e prata. Ela cresce com a riqueza da sociedade burguesa. «Soyons riches ou paraissons riches.»(18*)(Diderot.)[N55] Forma-se assim, em parte, um mercado cada vez mais extenso para o ouro e a prata — independentemente das suas funções de dinheiro — e, em parte, uma fonte latente de afluxo de dinheiro, a qual flui nomeadamente em períodos sociais tempestuosos.

O entesouramento preenche diversas funções na economia da circulação metálica. A primeira função brota das condições de rotação da moeda de ouro ou prata. Viu-se como com as constantes oscilações da circulação das mercadorias em amplitude, preços e velocidade, a massa de dinheiro em rotação incansavelmente sobe e desce. Ela tem, portanto, de ser capaz de contracção e de expansão. Ora o dinheiro tem de ser atraído como moeda, ora a moeda repelida como dinheiro. Para que a massa de dinheiro realmente em rotação corresponda sempre ao grau de saturação da esfera de circulação, o quantum de ouro ou prata que se encontra num país tem de ser maior do que o implicado na função de moeda. Esta condição é preenchida pela forma de tesouro do dinheiro. Os reservatórios de tesouro servem, ao mesmo tempo, de canais de afluxo e refluxo do dinheiro circulante, o qual, portanto, nunca transborda os seus canais de rotação(19*).

b) Meio de pagamento

Na forma imediata da circulação de mercadorias, até aqui considerada, a mesma magnitude de valor esteve sempre duplamente presente, mercadoria num pólo, dinheiro no pólo oposto. Os possuidores de mercadorias só entravam, portanto, em contacto como representantes de equivalentes reciprocamente existentes. Com o desenvolvimento da circulação de mercadorias desenvolvem-se todavia relações pelas quais a alienação da mercadoria é temporalmente separada da realização do seu preço. Basta aqui indicarmos as mais simples destas relações. Uma espécie de mercadoria requer uma duração de tempo mais longa, a outra uma mais curta para a sua produção. A produção de mercadorias diversas está ligada a estações do ano diversas. Uma mercadoria nasce no seu mercado, a outra tem de viajar até um mercado distante. Um possuidor de mercadorias pode assim aparecer como vendedor antes do outro como comprador. Com o constante retorno das mesmas transacções entre as mesmas pessoas, as condições de venda das mercadorias regem-se pelas suas condições de produção. Por outro lado, a utilização de certas espécies de mercadorias, p. ex., de uma casa, é vendida por um determinado espaço de tempo. Só depois de decorrido o prazo o comprador adquire realmente o valor de uso da mercadoria. Ele compra-a, portanto, antes de a pagar. Um possuidor de mercadorias vende mercadoria existente, o outro compra como mero representante de dinheiro ou como representante de dinheiro futuro. O vendedor torna-se credor, o comprador, devedor. Dado que aqui se altera a metamorfose da mercadoria ou o desenvolvimento da sua forma-valor, também o dinheiro adquire uma outra função. Torna-se meio de pagamento(22*).

O carácter de credor ou devedor brota aqui da circulação simples de mercadorias. A sua alteração de forma imprime este novo cunho ao vendedor e ao comprador. Antes de mais, trata-se, portanto, de papéis tão evanescentes e alternativamente desempenhados pelos mesmos agentes da circulação como os de vendedor e de comprador. Contudo, agora a oposição pela sua índole parece menos cómoda e é susceptível de uma maior cristalização(23*). Os mesmos caracteres podem também surgir independentemente da circulação de mercadorias. A luta de classes do mundo antigo, p. ex., move-se principalmente na forma de uma luta entre credor e devedor e termina em Roma com a ruina do devedor plebeu, que é substituído pelo escravo. Na Idade Média, a luta termina com a ruina do devedor feudal, que perde, com a sua base económica, o seu poder político. Contudo, a forma-dinheiro — e a relação de credor e devedor possui a forma de uma relação de dinheiro — reflecte aqui apenas o antagonismo de condições económicas de vida mais profundas.

Regressemos à esfera da circulação de mercadorias. A aparição simultânea dos equivalentes mercadoria e dinheiro em ambos os pólos do processo de venda deixou de existir. O dinheiro funciona agora, em primeiro lugar, como medida de valor na determinação do preço da mercadoria vendida. O seu preço contratualmente fixado mede a obrigação do comprador, i. é, a soma de dinheiro que ele deve em prazo de tempo determinado. Funciona, em segundo lugar, como meio ideal de compra. Embora exista apenas na promessa de dinheiro do comprador, ele opera a troca de mãos da mercadoria. Só quando é vencido o prazo de pagamento é que o meio de pagamento entra realmente em circulação, i. é, passa da mão do comprador para a do vendedor. O meio de circulação transformou-se em tesouro, porque o proceso de circulação se interrompeu na primeira fase ou a figura transformada da mercadoria foi retirada de circulação. O meio de pagamento entra na circulação já depois da mercadoria ter saído dela. O dinheiro já não medeia o processo. Conclui-o autonomamente, como existência absoluta do valor de troca ou mercadoria universal. O vendedor transformou mercadoria em dinheiro para satisfazer uma necessidade através do dinheiro; o entesourador, para preservar a mercadoria em forma-dinheiro; o comprador devedor, para poder pagar. Se não paga, têm lugar vendas forçadas dos seus haveres. A figura de valor da mercadoria — dinheiro — torna-se, portanto, agora, a autofinalidade da venda, através de uma necessidade social que brota das relações do próprio processo de circulação.

O comprador volta a transformar dinheiro em mercadoria antes de ter transformado mercadoria em dinheiro, ou consuma a segunda metamorfose de mercadorias antes da primeira. A mercadoria do vendedor circula, realiza o seu preço, mas apenas a título de direito privado sobre o dinheiro. Transforma-se em valor de uso, antes de se ter transformado em dinheiro. A consumação da sua primeira metamorfose só se dá posteriormente(24*).

Em cada determinada fracção de tempo do processo de circulação, as obrigações vencidas representam a soma de preços das mercadorias, cuja venda as provocou. A massa de dinheiro precisa para a realização desta soma de preços depende, em primeiro lugar, da velocidade de rotação dos meios de pagamento. É condicionada por duas circunstâncias: o encadeamento das relações entre credor e devedor — de maneira que A, recebendo dinheiro do seu devedor B, o vai pagar ao seu credor C, etc. — e a duração de tempo entre os diversos prazos de pagamento. A cadeia de pagamentos em processo, ou de primeiras metamorfoses posteriores, distingue-se essencialmente do entrelaçamento das séries de metamorfoses anteriormente considerado. Na rotação do meio de circulação não é apenas exprimida a conexão entre vendedores e compradores; a própria conexão surge apenas em e com a rotação de dinheiro. Pelo contrário, o movimento do meio de pagamento exprime uma conexão social existente e já pronta antes dela.

Simultaneidade e contiguidade das vendas limitam a substituição da massa de moeda por velocidade de rotação. Constituem inversamente uma nova alavanca na economia dos meios de pagamento. Com a concentração dos pagamentos no mesmo lugar desenvolvem-se naturalmente instituições e métodos próprios da sua compensação. Assim, p. ex., os virements(26*) na Lyon medieval. Basta confrontar as dívidas activas de A sobre B, B sobre C, C sobre A, etc, para se anularem reciprocamente até a um certo montante como magnitudes positivas e negativas. Assim, fica apenas um saldo da dívida por saldar. Quanto mais massiva for a concentração dos pagamentos, tanto mais pequeno será relativamente o saldo, portanto, a massa dos meios de pagamento circulantes.

A função do dinheiro como meio de pagamento encerra uma contradição não-mediada. Na medida em que os pagamentos se compensam, ele funciona apenas idealmente como dinheiro de conta ou medida dos valores. Quando se trata de fazer um pagamento real, ele não surge como meio de circulação, como mera forma evanescente e mediadora da troca material, mas como a encarnação individual do trabalho social, existência autónoma do valor de troca, mercadoria absoluta. Esta contradição eclode no momento das crises de produção e comércio, que se chama crise monetária(27*). Ela apenas acontece onde a cadeia dos pagamentos em processo e um sistema artificial da sua compensação estejam plenamente desenvolvidos. Com perturbações mais gerais deste mecanismo, de onde quer que possam brotar, o dinheiro converte-se repentina e não-mediada-mente de figura apenas ideal do dinheiro de conta em dinheiro sonante.

Torna-se insubstituível por mercadorias profanas. O valor de uso da mercadoria deixa de ter valor e o seu valor desaparece perante a sua própria forma-valor. Ainda há pouco, o burgês com um pseudo esclarecimento, ébrio pela prosperidade, declarava o dinheiro loucura vã. Só a mercadoria é dinheiro. Só o dinheiro é mercadoria! — ouve-se gritar agora pelo mercado mundial. Como o cervo brama por água fresca, assim brama a sua alma por dinheiro, a única riqueza(28*). Na crise, a oposição entre a mercadoria e a sua figura de valor, o dinheiro, eleva-se até à contradição absoluta. A forma fenoménica do dinheiro é, portanto, também aqui indiferente. A fome de dinheiro permanece a mesma, quer haja de se pagar em ouro ou em dinheiro creditício (porventura, notas bancárias)(29*).

Se considerarmos agora a soma total do dinheiro em rotação numa dada fracção de tempo, ela é — a dada velocidade de rotação dos meios de circulação e de pagamento — igual à soma dos preços das mercadorias a realizar, mais a soma dos pagamentos vencidos, menos os pagamentos que se compensam, menos por fim o número de rotações nas quais a mesma moeda funciona alternadamente, ora como meio de circulação ora como meio de pagamento. P. ex., o camponês vende o seu grão por 2 lib. esterl., que assim servem de meio de circulação. No dia do vencimento, ele paga com isso tecido de linho, que o tecelão lhe entregou. As mesmas 2 lib. esterl. funcionam agora como meio de pagamento. O tecelão compra agora uma Bíblia com dinheiro à vista — elas funcionam, de novo, como meio de circulação —, etc. Mesmo que dados: preços, velocidade da rotação do dinheiro e economia dos pagamentos, nem por isso coincidem por mais tempo a massa de dinheiro em rotação e a massa de mercadorias circulante durante um período de, p. ex., um dia. Roda dinheiro que representa mercadorias há muito retiradas da circulação. Rodam mercadorias cujo equivalente em dinheiro só aparece no futuro. Por outro lado, os pagamentos contratados cada dia e os vencidos no mesmo dia são magnitudes inteiramente incomensuráveis(32*).

O dinheiro creditício brota imediatamente da função do dinheiro como meio de pagamento, ao circular os próprios certificados de dívida relativos às mercadorias vendidas de novo para a transferência [para outros] das dívidas activas. Por outro lado, na medida em que o sistema de crédito se estende, estende-se também a função do dinheiro como meio de pagamento. Ele recebe, como tal, formas próprias de existência, nas quais habita a esfera das grandes transacções de comércio, enquanto a moeda de ouro ou prata é sobretudo repelida para a esfera do pequeno comércio(34*).

Num certo nível e amplitude da produção de mercadorias, a função do dinheiro como meio de pagamento ultrapassa a esfera da circulação de mercadorias. Ele torna-se a mercadoria geral dos contratos(36*). Rendas, impostos, etc, transformam-se de fornecimentos em géneros em pagamentos em dinheiro. O quanto esta transformação é condicionada pela figura total do processo de produção prova-o, p. ex., a tentativa duas vezes falhada do império romano de cobrar todas as contribuições em dinheiro. A enorme miséria da população rural francesa no reinado de Luís XIV, que Boisguillebert, marechal Vauban, etc, tão eloquentemente denunciam, deveu-se não apenas à elevação dos impostos, mas também à transformação do imposto em géneros em imposto em dinheiro(37*). Quando, por outro lado, a forma em géneros da renda da terra — que na Ásia é simultaneamente o elemento principal do imposto de Estado — assenta em relações de produção que se reproduzem com a imutabilidade das condições naturais, aquela forma de pagamento conserva rectroactivamente a velha forma de produção. Ela constitui um dos mistérios da auto-conservação do império turco. Se o comércio externo, imposto pela Europa ao Japão, arrasta consigo a transformação da renda em géneros em renda em dinheiro(39*), a sua exemplar agricultura estará perdida. As suas estreitas condições de existência económicas acabarão por se desagregar.

Em cada país estabelecem-se certos prazos gerais de pagamento. Estes assentam, em parte — abstraindo de outros cursos circulares da reprodução —, nas condições naturais de produção, ligadas à mudança das estações do ano. Regulam também pagamentos que não brotam directamente da circulação de mercadorias, tais como impostos, rendas, etc. A massa de dinheiro requerida para esses pagamentos, disseminados por toda a superfície da sociedade, em certos dias do ano, causa perturbações periódicas, mas muito superficiais, na economia dos meios de pagamento(40*).

Da lei sobre a velocidade de rotação dos meios de pagamento decorre que, para todos os pagamentos periódicos, qualquer que seja a sua fonte, a massa necessária dos meios de pagamento está na relação directa(42*) da extensão dos períodos de pagamento(43*).

O desenvolvimento do dinheiro como meio de pagamento torna necessárias acumulações de dinheiro para a data de vencimento das somas devidas. Enquanto com o progresso da sociedade burguesa o entesouramento desaparece como forma autónoma de enriquecimento, cresce, inversamente, com esse mesmo [progresso] sob a forma de fundo de reserva dos meios de pagamento.

c) Dinheiro mundial [Weltgeld]

Com a saída da esfera da circulação interna, o dinheiro despe novamente as formas locais aí desabrochadas — de padrão dos preços, moeda, moeda divisionária e signo de valor — e regressa à forma originária de barra de metais nobres. No comércio mundial, as mercadorias exibem universalmente o seu valor. A sua figura de valor autónoma opõe-se-lhes aqui também, portanto, como dinheiro mundial. Só quando no mercado mundial o dinheiro funciona, em âmbito pleno, como a mercadoria cuja forma natural é ao mesmo tempo uma forma de realização imediatamente social do trabalho humano in abstracto(44*). O seu modo de existir está adequado ao seu conceito.

Na esfera de circulação interna só uma mercadoria pode servir de medida de valor e, portanto, de dinheiro. No mercado mundial domina uma dupla medida de valor, ouro e prata(45*).

O dinheiro mundial funciona como meio de pagamento geral, meio de compra geral e materialização absolutamente social da riqueza em geral (universal wealth(46*)). Para o equilíbrio das balanças internacionais predomina a função como meio de pagamento. Daí a palavra de ordem do sistema mercantilista: balança comercial!(47*). O ouro e a prata servem essencialmente como meio de compra internacional sempre que o equilíbrio tradicional das trocas [Stoffwechsels] entre diversas nações seja repentinamente perturbado. Por fim, servem como materialização absolutamente social da riqueza, onde não se trata nem de compra nem de pagamento, mas de transferência de riqueza de um país para outro, e onde esta transferência em forma de mercadoria seja excluída, quer pelas conjunturas do mercado de mercadorias, quer pela própria finalidade a ser realizada(51*).

Cada país precisa de um fundo de reserva, tanto para a circulação interna quanto para a circulação no mercado mundial. As funções dos tesouros brotam, pois, em parte, da função do dinheiro como meio interno de circulação e pagamento e, em parte, da sua função como dinheiro mundial(52*). Neste último papel, é sempre requerida a mercadoria-dinheiro real, ouro e prata corpóreos, pelo que James Steuart caracteriza expressamente o ouro e a prata, diferentemente dos seus representantes puramente locais, como money of the world(53*).

O movimento da corrente de ouro e prata é duplo. Por um lado, jorra das suas fontes para todo o mercado mundial, onde é desviada pelas diversas esferas nacionais de circulação, em âmbito diverso, para entrar nos seus canais de rotação internos, para substituir moedas desgastadas de ouro e prata, para fornecer o material para mercadorias de luxo e ficar congelada em tesouros(54*). Este primeiro movimento é mediado pela troca directa dos trabalhos nacionais realizados em mercadorias com o trabalho realizado em metais nobres dos países produtores de ouro e prata. Por outro lado, o ouro e a prata correm constantemente de um lado para o outro, entre as diversas esferas nacionais de circulação, um movimento que segue as permanentes oscilações do câmbio(55*).

Países de desenvolvida produção burguesa limitam os tesouros, concentrados massivamente em reservatórios bancários, ao mínimo requerido para as suas funções específicas(56*). Salvo alguma excepção, uma notória repleção dos reservatórios de tesouro acima do seu nível médio indica estagnação da circulação de mercadorias ou interrupção do fluxo da metamorfose das mercadorias(57*).


Notas de rodapé:

(1*) Em latim no texto: móvel perpétuo. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(2*) Em francês no texto, respectivamente: móvel, imóvel. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(3*) «Uma riqueza em dinheiro não é senão... riqueza em produções, convertidas em dinheiro.» (Mercier de la Rivière, 1. c, p. 573.) «Um valor em produções [...] não fez mais do que mudar de forma.» (Ib., p. 486.) (retornar ao texto)

(4*) «É por esta prática que eles conservam todos os seus bens e manufacturas a taxas tão baixas.» (Vanderlint, 1. c, pp. 95, 96.) (retornar ao texto)

(5*) Em latim no texto: nervo das coisas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(6*) «O dinheiro... é um penhor.» (John Bellers, Essays about the Poor, Manufactures, Trade, Plantations, and Immorality, London, 1699, p. 13.) (retornar ao texto)

(7*) Compra, em sentido categórico, supõe nomeadamente ouro ou prata já como figura transformada da mercadoria ou como produto da venda. (retornar ao texto)

(8*) As palavras textuais de Colombo, na carta citada aqui por Marx, são estas: «O ouro é excelentíssimo: do ouro faz-se tesouro, e com ele, quem o tem, faz quanto quer no mundo, e chega a levar as almas ao paraíso.» (M. Fernandez de Navarrete, Colección de los viajes y descubrimientos, Biblioteca de Autores españoles, Madrid, 1954, t. I, p. 238. — Nota da edição espanhola publicada pelo Fondo de Cultura Económica, México, 1972.) (retornar ao texto)

(9*)Em latim no texto: coisas sacrossantas, fora do comércio dos homens. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(10*) Henrique III, o cristianíssimo rei de França, rouba aos conventos, etc, as suas relíquias para as converter em dinheiro. Sabe-se o papel que desempenha na história grega o roubo dos tesouros do templo de Delfos pelos fócios. Como é sabido, entre os antigos, os templos serviam de morada para o deus das mercadorias. Eram «bancos sagrados». Para os fenícios, um povo comercial par excellence(11*) , o dinheiro vigorava como a figura exteriorizada de todas as coisas. Era pois compreensível que as virgens, que se entregavam aos estranhos nas festas da deusa do amor, sacrificassem à deusa a moeda recebida em paga. (retornar ao texto)

(11*) Em francês no texto: por excelência. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(12*) Alusão aos levellers (niveladores), partido radical pequeno-burguês da época da revolução inglesa do século XVII, que defendiam a representação popular e a devolução da terra senhorial às comunas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(13*) «Ouro! Ouro precioso, amarelo, cintilante!
[...] Quanto dele fará do branco, preto; do feio, lindo;
Do errado, certo; do baixo, nobre; do velho, novo; do cobarde, um valente.
... O que é isto, ó deuses! Por que razão
Afastará do vosso lado os padres e servos vossos;
Aos intrépidos retirará os travesseiros de debaixo das cabeças.
Este escravo amarelo
Unirá e dividirá religiões; abençoará os malditos;
Fará adorar a lepra branca; colocará ladrões na bancada ao lado dos [senadores;
E dar-lhes-á títulos, vénia e aprovação
É o que faz a viúva velha casar de novo
... Vamos terra maldita,
Tu, prostituta reles do género humano [...].»
(Shakespeare, Timon of Athens. [, Acto IV, cena III — Nota da edição portuguesa].) (retornar ao texto)

(14*) «Não germinou, com efeito, para os homens
Pior instituto do que o dinheiro.
É ele que até saqueia cidades,
Ele que expulsa homens dos lares,
Ele que ensina e desencaminha
As mentes honradas dos mortais
A cometer actos vergonhosos.
Mostrou aos homens como ter maldade
E como ser hábil em toda a matéria de impiedade.»
(Sófocles, Antígona [, 295-301. Nota da edição portuguesa].) (retornar ao texto)

(15*) «Esperando a avareza arrancar das profundezas da terra o próprio Plutão.» (Aten[eu], Deipnos [,VI, 233 e. Marx socorre-se da assimilação, frequente em autores gregos tardios, entre Plutão (deus dos infernos) e Pluto (deus das riquezas). — Nota da edição portuguesa].) (retornar ao texto)

(16*) «Aumentar o mais possível o número dos vendedores de cada mercadoria, diminuir o mais possível o número dos compradores, são estes os eixos sobre os quais giram todas as operações da economia política.» (Verri, 1. c, pp. 52, 53(17*).) (retornar ao texto)

(17*) Nas edições italiana, francesa e inglesa: p. 52. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(18*) Em francês no texto: «Sejamos ricos ou pareçamos ricos.» (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(19*) «Para levar a cabo o comércio da nação é requerida uma determinada soma de specifick money(20*), que varia, e é umas vezes mais, umas vezes menos, conforme o requeiram as circunstâncias em que nos encontramos... Este fluxo e refluxo de dinheiro abastece-se e aprovisiona-se a si mesmo sem qualquer ajuda dos Políticos... Os êmbolos trabalham alternadamente; quando o dinheiro é escasso, cunha-se barra; quando a barra é escassa, funde-se dinheiro.» (Sir D. North, 1. c. [, Postscripte], p. 3.) John Stuart Mill, funcionário durante muito tempo da Companhia das Índias Orientais[N56], confirma que ainda hoje na Índia o adorno de prata funciona imediatamente como tesouro. «Os adornos de prata aparecem e são cunhados quando há uma taxa de juro alta, e voltam a desaparecer quando a taxa de juro cai.» (J. St. Mill, «Evidence» [in] Rept. on Bank Acts, 1857, n. 2084, 2101(21*).) Segundo um documento parlamentar de 1864 sobre importação e exportação de ouro e prata na Índia[N57], a importação de ouro e prata, em 1863, excedeu a exportação em 19 367 764 lib. esterl. Nos últimos 8 anos antes de 1864, o excesso da importação sobre a exportação de metais nobres ascendeu a 109 652 917 lib. esterl. Durante este século cunharam-se na Índia muito acima de 200 000 000 de lib. esterl. (retornar ao texto)

(20*) Em inglês no texto: dinheiro metálico. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(21*) Na edição inglesa: 2084. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(22*) Lutero distingue entre dinheiro como meio de compra e meio de pagamento. «Fazes-me do usurário um gémeo: aqui não posso pagar, ali não posso comprar.» (Martin Luther, An die Pfarrherrn, wider den Wucher zu predigen, Wittenberg, 1540.) (retornar ao texto)

(23*) Sobre as relações de devedores e credores entre os comerciantes ingleses do começo do século XVIII: «Entre os homens do comércio aqui em Inglaterra reina um espírito de crueldade tal que não se nos depara em qualquer outra sociedade de homens, ou em qualquer outro reino do mundo.» (An Essay on Credit and the Bankrupt Act, Lond., 1707, p. 2.) (retornar ao texto)

(24*) Nota à 2.ª ed. Pela seguinte citação, tomada do meu escrito publicado em 1859, ver-se-á por que razão eu, no texto, não tomo em qualquer consideração uma forma contraposta: «Inversamente, no processo D — M, o dinheiro pode ser desapossado como meio de compra real e o preço da mercadoria ser assim realizado antes ainda que o valor de uso do dinheiro seja realizado ou a mercadoria alienada. Isto tem, p. ex., lugar na forma quotidiana do pagamento adiantado. Ou na forma em que o governo inglês compra o ópio dos ryots(25*) na Índia... Assim, o dinheiro actua apenas na forma já conhecida de meio de compra... Naturalmente, também é avançado capital sob a forma de dinheiro... Este ponto de vista não cai, contudo, dentro do horizonte da circulação simples.» (Zur Kritik, etc, pp. 119, 120.) (retornar ao texto)

(25*) Em inglês no texto: camponeses indianos. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(26*) Em francês no texto, literalmente: transferências. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(27*) A crise monetária — tal como determinada no texto como fase particular de qualquer crise geral de produção e comércio — é de distinguir bem do tipo especial de crise a que também chamamos crise monetária, mas que pode surgir autonomamente, de modo que apenas actua por repercussão sobre a indústria e o comercio. Trata-se de crises cujo centro de movimento é o dinheiro-capital e, portanto, a banca, a bolsa, a finança são a sua esfera imediata. (Nota de M[arx] para a 3.ª ed.) (retornar ao texto)

(28*) «Esta repentina conversão do sistema de crédito em sistema monetário junta o terror teórico ao pânico prático, e os agentes da circulação arrepiam-se perante o mistério impenetrável das suas próprias relações.» (Karl Marx, 1. c, p. 126.) «Os pobres ficam parados porque os ricos não têm dinheiro para os empregar, embora tenham a mesma terra e braços para fornecerem vitualhas e roupas, como sempre tiveram; [...] o que é a verdadeira Riqueza de uma Nação, e não o dinheiro.» (John Bellers, Proposals for Raising a Colledge of lndustry, Lond., 1696, pp. 3, 4.) (retornar ao texto)

(29*) Eis como tais momentos são explorados pelos «amis du commerce»(30*): «Numa ocasião» (1839) «um velho banqueiro ganancioso» (da City(31*)) «no seu escritório privado, levantou o tampo da secretária à qual estava sentado e exibiu a um amigo vários maços de notas de banco, dizendo com intenso júbilo que havia ali £ 600.000, que elas tinham sido retidas para tornar o dinheiro escasso e que seriam todas elas largadas depois das três horas desse mesmo dia.» ([H. Roy,] The Theory of the Exchanges. The Bank Charter Act of 1844, Lond., 1864, p. 81.) O órgão oficioso The Observer faz notar a 24 de Abril de 1864: «Correm alguns boatos muito curiosos sobre a maneira a que se recorreu para criar uma escassez de notas bancárias... Por muito questionável que parecesse supor que algum truque desse género fosse adoptado, a informação foi tão universal que realmente merece menção.» (retornar ao texto)

(30*)Em francês no texto: «amigos do comércio». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(31*) Em inglês no texto: centro financeiro de Londres. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(32*) «O montante de vendas [sales](33*) ou contratos, efectuados no decurso de um dado dia, não afectarão a quantidade de dinheiro em circulação naquele dia particular mas, na grande maioria dos casos, resolvê-los-á em múltiplas ordens de pagamento sobre a quantidade de dinheiro que pode estar em circulação em datas subsequentes mais ou menos distantes... As letras aceites ou os créditos abertos, hoje, não têm que ter qualquer semelhança, seja em quantidade, montante ou duração, com as aceites ou os iniciados amanhã ou no dia a seguir; pelo contrário, muitas das letras e créditos de hoje, quando vencidos, ligam-se a uma massa de responsabilidades cujas origens se cruzam com uma série de datas antecedentes totalmente indefinidas, letras com 12, 6, 3 meses ou 1, muitas.vezes juntas, de modo a aumentar de volume as obrigações comuns de um dia particular...» (The Currency Theory Reviewed; A Letter to the Scotch People. By a Banker in England, Edinburgh, 1845, pp. 29, 30 passim.) (retornar ao texto)

(33*) No texto original: compras [purchases]. (Nota da edição alemã.) (retornar ao texto)

(34*) Como exemplo de como pouco dinheiro real entra nas operações de comércio Propriamente ditas, segue aqui o esquema de uma das maiores casas de comércio e Londres (Morrison, Dillon & Co.) sobre os seus pagamentos e receitas anuais. As suas transacções no ano de 1856, que englobam muitos milhões de lib. esterl., são reduzidas [aqui] à escala de um milhão.

Receitas
Despesas
Lib. esterl.
Lib. esterl.
Letras de banqueiros e comerciantes pagáveis a prazo
553 596
Letras pagáveis a prazo
302 674
Cheques de banqueiros, etc, pagáveis à vista
357 715
Cheques sobre banqueiros de Londres
663 672
Notas de bancos regionais
9 627
Notas do Banco de Inglaterra
22 743
Notas do Banco de Inglaterra
68 554
Ouro
9 427
Ouro
28 089
Prata e cobre
1 484
Prata e cobre
1 486
 
Post Office Orders(35*)
933
 
Soma total
1 000 000
Soma total
1 000 000
(Report from the Select Committee on the Bank Acts, July, 1858, p. LXXI.)
(retornar ao texto)

(35*) Em inglês no texto: vales postais. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(36*) «Tendo-se, deste modo, transformado o curso do comércio: da troca de bens por bens, ou do dar e receber, para vender e pagar, todos os negócios... assentam agora na base de um Preço em dinheiro.» ([D. Defoe,] An Essay upon Publick Credit, 3.a ed., Lond., 1710, p. 8.) (retornar ao texto)

(37*) «O dinheiro [...] tornou-se o carrasco de todas as coisas.» A arte das finanças é o «alambique que fez evaporar uma quantidade medonha de bens e de géneros para fazer este extracto fatal.» «O dinheiro [...] declara guerra [...] a todo o género humano.» (Boisguillebert, Dissertation sur la nature des richesses, de l'argem et des tributs, édit. Daire, Économistes financiers, Paris, 1843, t. I, pp. 413, 419, 417, 418(38*)) (retornar ao texto)

(38*) Na edição francesa: pp. 413, 417, 419; na edição inglesa: pp. 413, 419, 417. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(39*) 3.a e 4.a edições: renda em ouro. (Nota da edição alemã.) (retornar ao texto)

(40*) «No Pentecostes de 1824», conta o senhor Craig à comissão de inquérito parlamentar de 1826, «houve uma procura tão imensa de notas nos bancos de Edinburgh que pelas 11 horas já não tinham uma nota à sua guarda. Mandaram pedir emprestado a todos os diversos bancos, mas não as conseguiram arranjar, e muitas das transacções foram concluídas apenas através de slips of paper(41*). No entanto, pelas três horas, a totalidade das notas tinha regressado aos bancos dos quais haviam saído! Fora uma mera transferência de mãos.» Ainda que a circulação média efectiva das notas bancárias na Escócia ascenda a menos de 3 milhões de lib. esterl., todas as notas que se encontram na posse dos banqueiros, num total de cerca de 7 milhões de lib esterl., são, todavia, em diversos prazos de pagamento no ano, chamadas à actividade. Nestas ocasiões, as notas têm uma única e específica função a cumprir e, uma vez cumprida, voltam a correr para os respectivos bancos donde haviam saído. (John Fullarton, Regulation of Currencies, 2nd ed., Lond., 1845, p. 86, n.) Para melhor entendimento deve acrescentar-se que na Escócia, no tempo do escrito de Fullarton, eram emitidas apenas notas — e não cheques — para os depósitos. (retornar ao texto)

(41*) Em inglês no texto: vales. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(42*) Da l.a à 4.a edição: inversa. (Nota da edição alemã.) (retornar ao texto)

(43*) À pergunta de «se, sendo preciso reunir 40 milhões por ano os mesmos 6 milhões» (em ouro) «[...] seriam suficientes para essas suas revoluções e circulações requeridas pelo comércio» responde Petty com a sua mestria habitual: «Respondo que sim: sendo a despesa de 40 milhões, se houvesse revoluções em círculos tão pequenos, p. ex., semanalmente, como acontece com artesãos pobres e trabalhadores, que recebem e pagam todos os Sábados, então 40/52 partes de 1 milhão de dinheiro responderiam a estes fins; mas se os círculos forem trimestrais, de acordo com o nosso costume de pagar a renda e receber impostos, então seriam requeridos 10 milhões. Donde, supondo que os pagamentos em geral são de um círculo misto entre uma e 13 semanas, então acrescentem-se 10 milhões a 40/52, cuja metade será 5 1/2 milhões, de tal modo que se tivermos 5 1/2 milhões teremos o que chegue.» (William Petty, Politicai Anatomy of Ireland, 1672, edit. Lond., 1691, pp. 13, 14[N58].) (retornar ao texto)

(44*) Em latim no texto: em abstracto. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(45*) Daí a inépcia de qualquer legislação que prescreva aos bancos nacionais entesourar apenas o metal nobre que no interior do país funciona como dinheiro. São conhecidos, p. ex., os «agradáveis obstáculos» que o Banco de Inglaterra criou para si. Sobre as grandes épocas históricas de mudança de valor relativa de ouro e prata, ver Karl Marx, 1. c, pp. 136 sq. — Suplemento à 2.ª edição: Sir Robert Peel, no seu Bank Act de 1844, procurou remediar o inconveniente, permitindo ao Banco de Inglaterra emitir notas sobre barras de prata, mas de tal modo que a reserva de prata jamais ultrapassasse um quarto da reserva de ouro. Neste caso o valor da prata é avaliado segundo o seu preço de mercado (em ouro) no mercado londrino. {A 4.ª edição. — Encontramo-nos de novo numa época de forte mudança de valor relativa de ouro e de prata. Há uns 25 anos, a relação de valor do ouro com a prata era = 15 1/2 : 1; agora é aproximadamente = 22 : 1, e a prata continua a descer contra o ouro. Isto é essencialmente a consequência de um revolucionamento no modo de produção de ambos os metais. Dantes, o ouro era quase sempre obtido por lavagem de camadas aluviais auríferas dos produtos de decomposição atmosférica de rochas auríferas. Agora, este método já não é suficiente e foi posto em segundo plano devido à exploração dos próprios filões auríferos de quartzo, dantes apenas praticada secundariamente, embora já conhecida pelos antigos (Diodoro, III, 12-14). Por outro lado, não só se descobriram, a oeste das Montanhas Rochosas americanas, novos e enormes jazigos de prata, mas, quer estes quer as minas de prata mexicanos, se tornaram acessíveis por caminhos-de-ferro, que permitem o transporte de maquinaria moderna e combustível e, assim, a obtenção de prata em grande escala e a mais módicos custos. Existe, porém, uma grande diferença na maneira como ambos os metais se apresentam nos veios de metal. O ouro é na maior parte dos casos puro, mas em compensação está espalhado no quartzo em pequeníssimas quantidades; toda a ganga tem de ser, por isso, triturada e o ouro tirado por lavagem ou extraído por meio de mercúrio. De 1 000 000 de gramas de quartzo tiram-se frequentemente apenas 1-3, muito raramente, 30-60 gramas de ouro. A prata aparece raramente em estado puro, mas em compensação aparece em minérios próprios, relativamente fáceis de separar da ganga, que geralmente contêm entre 40-90 por cento de prata; ou então está contida em quantidade inferior nos minérios de cobre, chumbo, etc, que já de si merecem ser explorados. Já daqui se conclui que, enquanto que o trabalho de produção do ouro tende a multiplicar-se, o da prata diminuiu decididamente; a queda de valor desta ultima explica-se, assim, muito naturalmente. Esta queda de valor traduzir-se-ia numa queda de preço ainda maior se o preço da prata não fosse ainda hoje mantido por meios artificiais. Os tesouros de prata da América, porém, tornaram-se acessíveis apenas numa pequena parte e, assim, tudo indica que o valor da prata continuará em descida ainda por mais tempo. Para isto, terá ainda mais de contribuir a relativa diminuição da necessidade da prata para artigos de uso e de luxo, a sua substituição por mercadorias prateadas, alumínio, etc. Meça-se por aqui o utopismo da concepção bimetalista, segundo a qual um curso internacional forçado fará ascender de novo a prata à velha relação de valor de 1 : 15 1/2. Mais provável é que a prata perca cada vez mais a sua qualidade de dinheiro no mercado mundial. — F. E.} (retornar ao texto)

(46*) Em inglês no texto: riqueza universal. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(47*) Os adversários do sistema mercantilista — que considerava o saldo da balança comercial excedentária em ouro e prata como finalidade do comércio mundial — desconheciam, por seu lado, inteiramente a função do dinheiro mundial. Já demonstrei pormenorizadamente, a propósito de Ricardo (1. c, pp. 150 sqq.), como a falsa concepção das leis que regulam a massa dos meios de circulação se reflecte na falsa concepção do movimento internacional dos metais nobres. O seu falso dogma: «Uma balança de comércio desfavorável nunca resulta senão de meios de circulação excessivos [redundam currency]... A exportação da moeda é causada pela sua barateza e não é o efeito, mas sim a causa, de uma balança desfavorável»[N59]], encontra-se já em Barbon: «A Balança de Comércio, se é que existe, não é a causa de se mandar o dinheiro para fora de uma nação; mas ela procede da diferença do valor da barra em cada país.» (N. Barbon, 1. c, p. 59(48*).) MacCulloch, em The Literature of Politicai Economy: A Classified Catalogue, Lond.,1845, louva Barbon por esta antecipação, mas evita prudentemente mencionar sequer as formas ingénuas em que, em B[arbon], ainda aparecem os pressupostos absurdos do currency principle[N60]. A falta de sentido crítico e, mesmo, a desonestidade daquele catálogo culmina nas secções sobre a história da teoria do dinheiro, porque MacCulloch abana aqui a cauda como sicofanta de Lord Overstone (ex-banker(49*) Loyd) a quem chama «facile princeps argentariorum»(50*). (retornar ao texto)

(48*) Nas edições inglesa e francesa: pp. 59, 60. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(49*) Em inglês no texto: ex-banqueiro. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(50*) Em latim no texto: «príncipe incontestado dos argentários». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(51*) P. ex., no caso de subsídios, de empréstimos financeiros para a guerra ou para o retomar de pagamentos à vista nos bancos, etc, pode ser requerido valor na forma-dinheiro. (retornar ao texto)

(52*) Nota à 2.ª edição: «Não desejaria, na verdade, prova mais convincente da competência da maquinaria dos tesouros em países que pagam em espécie, para realizar toda a função necessária de ajustamento internacional, sem qualquer ajuda sensível da circulação geral, do que a facilidade com que a França, mal recuperando-se do choque de uma invasão externa destruidora, completou dentro do espaço de 27 meses o pagamento da sua contribuição forçada de cerca de 20 milhões às potências aliadas e uma considerável porção dessa soma em espécie, sem contracção perceptível ou transtorno da sua circulação doméstica, ou até alguma flutuação alarmante do seu câmbio.» (Fullarton, 1. c, p. 141.) {À 4.a edição. Um exemplo ainda mais flagrante está na facilidade com que a mesma França de 1871 a 1873, em 30 meses, criou condições para pagar uma indemnização de guerra mais de dez vezes superior e também, em parte significativa, em dinheiro metálico. — F. E.} (retornar ao texto)

(53*) Em inglês no texto: dinheiro do mundo. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(54*) «O dinheiro reparte-se entre as nações relativamente à necessidade que elas têm dele... sendo sempre atraído pelas produções.» (Le Trosne, 1. c, p. 916.) «As minas, que estão continuamente a dar ouro e prata, dão de facto o suficiente para fornecer um equilíbrio tão necessário a todas as nações.» (J. Vanderlint, 1. c P- 40.) (retornar ao texto)

(55*) «Os câmbios sobem e descem todas as semanas, e em certas alturas do ano elevam-se em prejuízo de uma nação, e em outras alturas elevam-se outro tanto no sentido contrário.» (N. Barbon, 1. c, p. 39.) (retornar ao texto)

(56*) Estas diversas funções podem entrar em perigoso conflito mal se acrescente a função de um fundo de conversão para notas bancárias. (retornar ao texto)

(57*) «Todo o dinheiro, que vá além do absolutamente necessário para o Comércio Interno, é capital morto [...] e não traz proveito algum ao país em que é conservado, excepto quando transportado para fora em comércio, ou então importado.» (John Bellers, Essays, etc, p. 13.) «O que sucede se tivermos moeda a mais? Podemos fundir a mais pesada e convertê-la no esplendor de uma baixela, vasos ou utensílios de ouro e prata; ou mandá-la para fora como mercadoria, onde a mesma seja precisa ou desejada; ou pô-la a juros, onde o juro é alto.» (W. Petty, Quantulumcunque, p. 39.) «O dinheiro não é senão a gordura do Corpo Político que, sendo a mais, muitas vezes impede a sua agilidade; a menos põe-no doente... tal como a gordura lubrifica o movimento dos músculos, alimenta na falta de vitualhas, preenche cavidades irregulares e embeleza o corpo, assim o dinheiro, no Estado, acelera as suas acções, alimenta desde fora em tempo de escassez dentro de portas; regula as contas... e embeleza o todo; embora», concluindo ele ironicamente, «mais especialmente as pessoas particulares que o têm em abundância.» (W. Petty, Political Anatomy of Ireland, pp. 14, 15(58*)[N61].) (retornar ao texto)

(58*) Nas edições inglesa e francesa: p. 14. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

[N54] Pierre Le Pesant Boisguillebert, «Le détail de la France». In: Économistes financiers du XVIIIe siècle. Paris, 1843, p. 213 (retornar ao texto)

[N55] Diderot, O Salão de 1767. (retornar ao texto)

[N56] Companhia das Índias Orientais — empresa comercial inglesa, que existiu de 1600 a 1858 e foi um instrumento da política colonial de pilhagem da Inglaterra na Ííndia, na China e noutros países da Ásia. Em meados do século XVIII a Companhia, que possuía um exército e uma armada, transformou-se numa grande força militar. Foi sob a bandeira da Companhia que os colonizadores ingleses levaram a cabo a conquista da Índia. Durante muito tempo a Companhia deteve o monopólio do comércio com a Índia e importantes funções do governo deste país. A insurreição de libertação nacional de 1857-1859 na Índia obrigou os ingleses a modificarem a forma do seu domínio colonial: a Companhia foi extinta e a Índia proclamada propriedade da coroa britânica. (retornar ao texto)

[N57] East Índia (Bullion). Return to an Address of the Honourable the House of Commons, dated 8 February 1864. (retornar ao texto)

[N58] Marx cita o trabalho de William Petty «Verbum Sapienti» publicado como suplemento ao livro aqui referido por Marx: The Politicai Anatomy of Ireland. 1612. London, 1691. (retornar ao texto)

[N59] Marx cita aqui o livro de David Ricardo The High Price of Bullion, a Proof of the Depreciation of Bank Notes. The Fourth Edition, Corrected. London, 1811. (retornar ao texto)

[N60] Currency principle (princípio da circulação monetária), ou «escola monetária» — variante da escola que propunha a teoria quantitativa do dinheiro. Os seus representantes afirmavam que o valor e o preço das mercadorias se determinam pela quantidade de dinheiro em circulação. Tinham como objectivo manter uma circulação monetária invariável e consideravam como único meio para o conseguir a garantia da cobertura obrigatória em ouro das notas de banco e a regulação da sua emissão em conformidade com a importação e a exportação dos metais nobres. Partindo das suas falsas premissas teóricas, a «escola monetária» considerava como causa decisiva das crises económicas a superprodução, violando as leis da circulação monetária por ela proclamadas. A teoria da «escola monetária» foi popular em Inglaterra na primeira metade do século XIX. Porém, as tentativas do governo inglês para se apoiar nessa teoria (a lei bancária de 1844) não tiveram qualquer êxito e apenas confirmaram a sua inconsistência científica e completa inadequação para fins práticos. (Ver igualmente Zur Kritik der Politischen Oekonomie, MEW, Bd. 13 S. 157-158.) (retornar ao texto)

[N61] Ver a nota 58, acima. (retornar ao texto)

Inclusão 10/12/2011