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O Capital
Crítica da Economia Política
Karl Marx

Livro Primeiro: O processo de produção do capital

Segunda Seção: A Transformação de dinheiro em capital

Quarto capítulo. Transformação de dinheiro em capital


1. A fórmula universal do capital


capa

A circulação de mercadorias é o ponto de partida do capital. A produção de mercadorias e a circulação desenvolvida de mercadorias, o comércio, constituem os pressupostos históricos em que aquele surge. Comércio mundial e mercado mundial abrem no século XVI a moderna biografia do capital.

Se abstrairmos do conteúdo material da circulação de mercadorias, da troca dos diversos valores de uso, e considerarmos apenas as formas económicas que este processo gera, encontraremos então como seu último produto o dinheiro. Este último produto da circulação de mercadorias é a primeira forma fenoménica do capital.

Historicamente, o capital contrapõe-se à propriedade fundiária, por toda a parte e em primeiro lugar, sob a forma de dinheiro, como fortuna em dinheiro, capital mercantil e capital usurário(1*). Contudo, não é necessário voltarmos atrás à génese do capital para reconhecermos o dinheiro como a sua primeira forma fenoménica. A mesma história desenrola-se diariamente diante dos nossos olhos. Cada novo capital pisa, em primeira instância, o palco — i. é, o mercado, mercado de mercadorias, mercado de trabalho ou mercado de dinheiro — sempre como dinheiro, dinheiro que se deve transformar em capital através de processos determinados.

Dinheiro enquanto dinheiro e dinheiro enquanto capital distinguem-se, antes de mais, apenas pela sua forma diversa de circulação.

A forma imediata da circulação de mercadorias é M — D — M, transformação da mercadoria em dinheiro e retransformação de dinheiro em mercadoria, vender para comprar. A par desta forma achamos, porém, uma segunda, especificamente diferenciada, a forma D — M — D, transformação de dinheiro em mercadoria e retransformação de mercadoria em dinheiro, comprar para vender. Dinheiro que descreve no seu movimento esta última circulação transforma-se em capital, torna-se capital e, segundo a sua determinação, é já capital.

Observemos mais de perto a circulação D — M — D. Ela percorre, tal como a circulação simples de mercadorias, duas fases contrapostas. Na primeira fase, D — M, compra, o dinheiro é transformado em mercadoria. Na segunda fase, M — D, a mercadoria é retransformada em dinheiro. A unidade de ambas as fases é, porém, o movimento total, que troca dinheiro por mercadoria e a mesma mercadoria, de novo, por dinheiro, compra mercadoria para a vender ou — se não tomarmos em conta as diferenças formais de compra e venda — compra mercadoria com o dinheiro e dinheiro com a mercadoria(3*). O resultado, em que todo o processo se termina, é troca de dinheiro por dinheiro, D — D. Se eu, por 100 lib. esterl., compro 2000 lib. de algodão e vendo, de novo, as 2000 lib. de algodão por 110 lib. esterl., troquei por fim 100 lib. esterl. por 110 lib. esterl., dinheiro por dinheiro.

É, pois, evidente que o processo de circulação D — M — D se tornaria absurdo e sem conteúdo se, contornando-o, se quisesse trocar o mesmo valor de dinheiro pelo mesmo valor de dinheiro, ou seja, p. ex., 100 lib. esterl. por 100 lib. esterl. Muito mais simples e seguro seria o método do entesourador, que se agarra às suas 100 lib. esterl. em vez de as expor ao perigo da circulação. Por outro lado, se o mercador volta a vender por 110 lib. esterl. o algodão comprado por 100 lib. esterl. ou se ele o deve vender ao desbarato por 100 lib. esterl. ou mesmo por 50 lib. esterl., o seu dinheiro descreveu, em todas as circunstâncias, um movimento que lhe é próprio e original, inteiramente de outra espécie do que na circulação simples de mercadorias, p. ex., na mão do camponês que vende cereal e com o dinheiro assim cobrado compra roupas. Importa, portanto, antes de mais, a caracterização das diferenças de forma entre os circuitos D — M — D e M — D — M. Assim se verificará simultaneamente a diferença de conteúdo que espreita por detrás destas diferenças de forma.

Vejamos, em primeiro lugar, aquilo que é comum a ambas as formas.

Ambos os circuitos se decompõem nas mesmas duas fases contrapostas, M — D, venda, e D — M, compra. Em cada uma de ambas as fases estão em frente um do outro os mesmos dois elementos coisais, mercadoria e dinheiro — e duas pessoas nas mesmas máscaras económicas, um comprador e um vendedor. Cada um de ambos os circuitos é a unidade das mesmas fases contrapostas e, em ambos os casos, esta unidade é mediada pelo aparecimento de três contraentes, dos quais um apenas vende, o outro apenas compra, mas o terceiro compra e vende alternadamente.

Todavia, o que divide à partida ambos os circuitos M — D — M e D — M — D é a sequência inversa dessas mesmas fases contrapostas de circulação. A circulação simples de mercadorias começa com a venda e termina com a compra; a circulação do dinheiro, como capital, começa com a compra e termina com a venda. Ali é a mercadoria, aqui o dinheiro, que constitui o ponto de partida e o ponto final do movimento. Na primeira forma, é o dinheiro, na outra, inversamente, é a mercadoria que medeia o decurso total.

Na circulação M — D — M, o dinheiro é, por fim, transformado em mercadoria que serve como valor de uso. O dinheiro é, pois, definitivamente desembolsado. Na forma inversa D — M — D, pelo contrário, o comprador desembolsa dinheiro para cobrar dinheiro como vendedor. Na compra da mercadoria, ele lança dinheiro na circulação, para o subtrair de novo a ela através da venda da mesma mercadoria. Ele despacha o dinheiro apenas com a manhosa intenção de voltar a apoderar-se dele. Portanto, é apenas adiantado(4*).

Na forma M — D — M, a mesma moeda troca duas vezes de lugar. O vendedor recebe-a do comprador e paga-a a um outro vendedor. O processo total, que começa com o recebimento de dinheiro por mercadoria, termina com a doação de dinheiro por mercadoria. Inversamente na forma D — M — D. Não é a mesma moeda que aqui troca duas vezes de lugar, mas a mesma mercadoria. O comprador recebe-a da mão do vendedor e passa-a para a mão de um outro comprador. Como na circulação simples de mercadorias a dupla troca de lugar da mesma moeda opera a sua transferência definitiva de uma mão para a outra, também aqui a dupla troca de lugar da mesma mercadoria opera o refluxo do dinheiro ao seu primeiro ponto de partida.

O refluxo do dinheiro ao seu ponto de partida não depende de a mercadoria ser vendida mais cara do que foi comprada. Esta circunstância apenas influencia a magnitude da soma de dinheiro que reflui. O próprio fenómeno do refluxo tem lugar logo que a mercadoria comprada é de novo vendida, portanto, quando o circuito D — M — D é descrito completamente. Isto é, portanto, uma diferença sensivelmente perceptível entre a circulação do dinheiro como capital e a sua circulação como mero dinheiro.

O circuito M — D — M é completamente percorrido logo que a venda de uma mercadoria traga dinheiro, que a compra de outra mercadoria de novo leva. Se, contudo, sucede refluxo do dinheiro ao seu ponto de partida, isso só acontece pela renovação ou repetição de todo o curso. Se eu vender um quarter de cereal por 3 lib. esterl. e com estas 3 lib. esterl. comprar roupas, as 3 lib. esterl. estão para mim definitivamente gastas. Já não posso criar nada com elas. Pertencem ao comerciante de roupas. Se eu agora vender um segundo quarter de cereal, então volta dinheiro para mim, não em consequência da primeira transacção, mas apenas em consequência da sua repetição. Afasta-se novamente de mim logo que eu termine a segunda transacção e, de novo, compre. Na circulação M — D — M, o dispêndio de dinheiro não tem, pois, nada a ver com o seu refluxo. Em D — M — D, pelo contrário, o refluxo do dinheiro é condicionado pela própria espécie do seu dispêndio. Sem este refluxo, a operação falha ou o processo é interrompido e não está ainda pronto, porque falta a sua segunda fase, a venda que completa e conclui a compra.

O circuito M — D — M parte do extremo — uma mercadoria — e termina no extremo — uma outra mercadoria —, que sai da circulação e cai no consumo. Consumo, satisfação de necessidades, numa palavra, valor de uso é, pois, o seu fim último. O circuito D — M — D sai, pelo contrário, do extremo — dinheiro — e regressa, por fim, ao mesmo extremo. O seu motivo impulsor e fim determinante é, portanto, o próprio valor de troca.

Na circulação simples de mercadorias, ambos os extremos têm a mesma forma económica. Ambos são mercadoria. São também mercadorias da mesma magnitude de valor. Mas são valores de uso qualitativamente diversos, p. ex., cereal e roupas. A troca de produtos, o intercâmbio dos diversos materiais em que se manifesta o trabalho social, constitui aqui o conteúdo do movimento. Diferentemente na circulação D — M — D. Ela parece, à primeira vista, desprovida de conteúdo, porque tautológica. Ambos os extremos têm a mesma forma económica. Ambos são dinheiro, não são, portanto, valores de uso qualitativamente diferentes, já que o dinheiro é exactamente a figura transformada das mercadorias, em que estão extintos os seus valores de uso particulares. Trocar primeiro 100 lib. esterl. por algodão e depois, novamente, o mesmo algodão por 100 lib. esterl., portanto, por um rodeio, dinheiro por dinheiro, o mesmo pelo mesmo, parece uma operação tão sem senttido quanto absurda(5*). Uma soma de dinheiro só se pode distinguir de outra soma de dinheiro em geral pela sua magnitude. O processo D — M — D não deve, pois, o seu conteúdo a nenhuma diferença qualitativa dos seus extremos, já que ambos são dinheiro, mas apenas à sua diversidade quantitativa. Por fim, é retirado mais dinheiro à circulação do que, de início, lá tinha sido lançado. O algodão comprado por 100 lib. esterl. é, p. ex., novamente vendido por 100 + 10 lib. esterl. ou 110 lib. esterl. A forma completa deste processo é, portanto, D — M — D', em que D = D + ΔD, i. é, igual à soma de dinheiro originariamente adiantada mais um incremento. A este incremento ou o excesso sobre o valor originário chamo eu — mais-valia (surplus value). O valor originariamente adiantado não apenas se mantém, portanto, na circulação, mas nela altera a sua magnitude de valor, acrescenta uma mais-valia ou valoriza-se. E este movimento transforma-o em capital.

É, pois, também possível que em M — D — M ambos os extremos M, M, p. ex., cereal e roupas, sejam magnitudes de valor quantitativamente diversas. O camponês pode vender o seu cereal acima do valor ou comprar as roupas abaixo do seu valor. Ele pode, por seu lado, ser enganado pelo comerciante de roupas. Tal diversidade de valor permanece, porém, mesmo para esta forma de circulação, puramente casual. Ela não perde logo sentido e razão de ser, como no processo D — M — D, se ambos os extremos, cereal e roupas p. ex., forem equivalentes. A sua equivalência é aqui antes condição do decurso normal.

A repetição ou renovação da venda para comprar encontra — tal como este mesmo processo — medida e finalidade num fim último que reside fora dela: no consumo, na satisfação de determinadas necessidades. Em contrapartida, na compra para a venda, o princípio e o fim são a mesma coisa, dinheiro, valor de troca, e já por isso o movimento é interminável. Decerto, D tornou-se D + ΔD, 100 lib. esterl. em 100 + 10. Mas consideradas de um modo meramente qualitativo, 110 lib. esterl. são o mesmo que 100 lib. esterl., a saber, dinheiro. E, consideradas quantitativamente, 110 lib. esterl. são uma soma de valor limitada tal como 100 lib. esterl. Se as 110 lib. esterl. fossem despendidas como dinheiro deixariam de desempenhar o seu papel. Deixavam de ser capital. Retiradas da circulação, petrificam-se em tesouro e nenhum farthing se lhes acrescenta se elas lá continuarem armazenadas até ao dia do Juízo. Uma vez que se trata de valorização do valor, permanece a mesma necessidade para a valorização de 110 lib. esterl. como para a de 100 lib. esterl., já que ambas são expressões limitadas do valor de troca, ambas têm portanto a mesma missão de se aproximarem da riqueza pura e simplesmente por extensão de magnitude. Decerto, o valor originariamente adiantado, 100 lib. esterl., distingue-se por um instante da mais-valia de 10 lib. esterl. que lhe é acrescentada na circulação, mas esta diferença logo de novo se desvanece. No fim do processo, não resulta, por um lado, o valor original de 100 lib. esterl. e, por outro lado, a mais-valia de 10 lib. esterl. O que resulta é um valor de 110 lib. esterl. que se acha totalmente na mesma forma adequada a começar o processo de valorização do que as 100 lib. esterl. originárias. No fim do movimento aparece de novo dinheiro como seu começo(7*). O fim de cada circuito singular, em que se completa a compra para venda, constitui assim, por si mesmo, o início de um novo circuito. A circulação simples de mercadorias — a venda para compra — serve de meio para um fim último que se encontra fora da circulação, a apropriação de valores de uso, a satisfação de necessidades. A circulação do dinheiro como capital é, pelo contrário, fim em si mesma, já que a valorização do valor só existe dentro deste movimento sempre renovado. O movimento do capital é, portanto, sem medida(8*).

Como portador consciente deste movimento, o possuidor de dinheiro torna-se capitalista. A sua pessoa, ou antes, a sua algibeira, é o ponto de partida e o ponto de chegada do dinheiro. O conteúdo objectivo daquela circulação — a valorização do valor — é o seu fim subjectivo e apenas na medida em que a crescente apropriação da riqueza abstracta é o único motivo propulsor das suas operações ele funciona como capitalista ou como capital personificado, dotado de vontade e consciência. O valor de uso não é, portanto, nunca de tratar como fim imediato do capitalista(9*). E também não o ganho singular, mas apenas o movimento incansável do ganhar(10*). Este impulso absoluto de enriquecimento, esta caça apaixonada ao valor(11*) é comum ao capitalista e ao entesourador: mas enquanto que o entesourador é apenas o capitalista louco, o capitalista é o entesourador racional. A incansável multiplicação do valor, a que o entesourador aspira na medida em que tenta salvar o dinheiro da circulação(13*), alcança-a o capitalista mais esperto na medida em que o entrega sempre de novo à circulação(16*).

As formas autónomas, as formas-dinheiro, que o valor das mercadorias toma na circulação simples, medeiam apenas a troca de mercadorias e desaparecem no resultado final do movimento. Na circulação D — M — D, pelo contrário, funcionam ambos, mercadoria e dinheiro, apenas como modos diversos de existência do próprio valor, [sendo] o dinheiro o seu modo de existência universal, a mercadoria o seu [modo de existência] particular, por assim dizer, apenas disfarçado(17*). O valor transita constantemente de uma forma para a outra, sem se perder neste movimento, e transforma-se assim num sujeito automático. Se fixarmos as formas fenoménicas particulares que o valor que se valoriza assume alternadamente no circuito da sua vida, obteremos as declarações: capital é dinheiro, capital é mercadoria(18*). De facto, porém, o valor torna-se aqui o sujeito de um processo em que ele, com a constante troca das formas de dinheiro e mercadoria, modifica a sua própria magnitude —, enquanto mais-valia afasta-se de si mesmo como valor originário, valoriza-se a si mesmo. Pois o movimento em que ele agrega mais-valia é seu movimento próprio, e a sua valorização, portanto, autovalorização. Ele adquiriu a qualidade oculta de pôr valor, porque ele é valor. Ele dá à luz crias vivas ou, no mínimo, põe ovos de ouro.

Enquanto sujeito dominador [ubergreifende Subjekt] de um tal processo, em que ora toma ora se desfaz da forma-dinheiro e da forma-mercadoria, e nesta troca se conserva e se expande, o valor precisa sobretudo de uma forma autónoma, pela qual a sua identidade consigo próprio seja constatada. E ele possui esta forma apenas no dinheiro. Isto constitui, portanto, o ponto de partida e o ponto final de qualquer processo de valorização. Ele era 100 lib. esterl., é agora 110 lib. esterl., etc. Mas o próprio dinheiro vale aqui apenas como uma forma do valor, pois ele tem duas. Sem tomar a forma-mercadoria o dinheiro não se torna capital. O dinheiro não aparece, portanto, aqui polemicamente face à mercadoria, como no entesouramento. O capitalista sabe que todas as mercadorias, por muito mau aspecto que tenham e por muito mal que cheirem, na fé e na verdade são dinheiro, judeus circuncidados interiormente e, além disso, meios milagrosos de, a partir do dinheiro, fazer mais dinheiro.

Se na circulação simples o valor das mercadorias, face ao seu valor de uso, recebe quando muito a forma autónoma do dinheiro, aqui ele manifesta-se de repente como uma substância em processo, que se move a si mesma, para a qual mercadoria e dinheiro são ambos meras formas. Mas ainda mais. Em vez de manifestar relações de mercadorias, ele entra agora, por assim dizer, numa relação privada consigo mesmo. Ele diferencia-se como valor originário de si mesmo como mais-valia, tal como Deus Pai de si mesmo [se diferencia] como Deus Filho, e ambos são da mesma idade e formam, de facto, apenas uma pessoa; pois só através da mais-valia de 10 lib. esterl. as 100 lib. esterl. adiantadas se tornam capital, e logo que estas se tornaram nisso, logo que o Filho — e, através do Filho, o Pai — gera, de novo desaparece a sua diferença e ambos são um, 110 lib. esterl.

O valor torna-se, pois, valor em processo, dinheiro em processo e, enquanto isso, capital. Ele provém da circulação, regressa a ela, conserva-se e multiplica-se nela, volta dela aumentado e começa o mesmo circuito sempre de novo(19*). D — D', dinheiro que gera dinheiro — money which begets money —, assim soa a descrição do capital na boca dos seus primeiros intérpretes, os mercantilistas.

Comprar para vender ou — de modo mais completo — comprar para vender mais caro, D — M — D', parece apenas uma forma que é própria de uma espécie de capital, do capital mercantil. Mas também o capital industrial é dinheiro que se transforma em mercadoria e, pela venda da mercadoria, se retransforma em mais dinheiro. Actos que se desenrolam porventura entre a compra e a venda, fora da esfera de circulação, em nada alteram esta forma de movimento. No capital que rende juro, por fim, a circulação D — M — D' manifesta-se abreviada no seu resultado sem a mediação, por assim dizer, em estilo lapidar, como D — D', dinheiro igual a mais dinheiro, valor que é maior do que si próprio.

D — M — D' é, de facto, a fórmula universal do capital, tal como aparece imediatamente na esfera da circulação.


Notas de rodapé:

(1*) A oposição entre o poder da propriedade fundiária, que assenta em relações pessoais de servidão e dominação, e o poder impessoal do dinheiro está claramente contida nos dois provérbios franceses: «Nulle terre sans seigneur.» «L'argent n'a pas de maître.»(2*) (retornar ao texto)

(2*) Em francês no texto, respectivamente: «Não há terra sem senhor.», «O dinheiro não tem dono» (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(3*) «Com dinheiro compram-se mercadorias e com mercadorias compra-se dinheiro.» (Mercier de la Rivière, L'Ordre naturel et essentiel des sociétés politiques, p. 543.) (retornar ao texto)

(4*) «Quando uma coisa é comprada para ser de novo vendida, a soma empregue é chamada dinheiro adiantado; quando é comprada não para ser vendida, pode dizer-se que foi gasta.» (James Steuart, Works, etc, edited by General Sir James Steuart, his son, Lond., 1805, v. I, p. 274.) (retornar ao texto)

(5*) «Não se troca dinheiro por dinheiro», recorda Mercier de la Rivière aos mercantilistas (1. c, p. 486.) Numa obra, que trata ex professo(6*) do «comércio» e da «especulação», lê-se: «Todo o comércio» consiste na troca de coisas de diferentes espécies; e a vantagem» (para o comereciante?) «provém desta diferença. Trocar uma libra de pão por uma libra de pão [...] não traria qualquer vantagem... Daí que o comércio contraste com vantagem com o jogo, que consiste numa mera troca de dinheiro por dinheiro.» (Th. Corbet, An lnquiry lnto the Causes and Modes of the Wealth of Individuais; or the Principles of Trade and Speculation Explained, London, 1841, p. 5.) Embora Corbet não veja que D — D, trocar dinheiro por dinheiro, é a forma de circulação característica não apenas do capital comercial, mas de todo o capital, aceita pelo menos que esta forma de uma espécie de comércio, a especulação, seja comum ao jogo; mas então aparece MacCulloch e descobre que comprar para vender é espeocular e, portanto, a diferença entre especulação e comércio desaparece. «Toda a transacção em que um indivíduo compra um produto para o vender outra vez, é, de facto, uma especulação.» (MacCulloch, A Dictionary, Pratical, etc, of Commerce, London, 1847, p. 1009.) Incomparavelmente mais ingénuo, Pinto, o Píndaro da Bolsa de Amsterdam: «O comércio é um jogo» (esta frase é tirada de Locke) «e não é com pelintras que se pode ganhar. Se se ganhasse por muito tempo em tudo com todos, seria necessário entregar, de comum acordo, as maiores partes do lucro, para recomeçar o jogo.» (Pinto, Traité de la circulation et du crédit, Amsterdam, 1771, p. 231.) (retornar ao texto)

(6*) Em latim no texto: declaradamente. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(7*) «O capital divide-se... no capital originário e no ganho, o acréscimo de capital... embora a própria prática junte este ganho logo, de novo, ao capital e, com este, o ponha em andamento.» (F. Engels, «Umrisse zu einer Kritik der Nationalokonomie», in Deutsch-Französische Jahrbücher, editados por Arnold Ruge e Karl Marx, Paris, 1844, p. 99.) (retornar ao texto)

(8*) Aristóteles opõe a crematística à economia. Ele parte da economia. Na medida em que se trata de uma arte de aquisição, limita-se à obtenção dos bens necessários a vida e úteis à casa ou ao Estado. «A verdadeira riqueza grego consiste nesses tais [valores de uso]; pois a autarcia nessa aquisição [suficiente] para uma vida boa não é ilimitada. [...] Existe, porém, outro género de aquisição a que, especialmente e com razão, se chama crematística, pela qual não parece haver qualquer limite de riqueza e de aquisição. [...] O comércio [de mercadorias]» (grego significa literalmente pequeno comércio e Aristóteles toma esta forma, pois nela predomina o valor de uso) «não pertence, por natureza, à crematística, dado que aqui a troca se refere apenas ao suficiente e necessário para eles próprios» (compradores ou vendedores). Portanto — continua ele a desenvolver — o comércio de troca foi também a forma originária do comércio de mercadorias; mas com a sua expansão surgiu necessariamente o dinheiro. Com a invenção do dinheiro, o comércio de troca teve necessariamente que se desenvolver em grego, em comércio de mercadorias, e este, em contradição com a sua tendência originária, constituiu-se em crematística, em arte de fazer dinheiro. Ora a crematística distingue-se da economia pelo facto de «ser fazedora de riqueza... pela troca de mercadorias (grego. E parece [girar] à volta do dinheiro, já que o dinheiro é o elemento e limite da troca (grego). Assim, também a riqueza segundo a crematística é ilimitada. [...] Cada uma das artes — cujo objectivo é o fim [e não o meio] — é ilimitada, pois querem realizá-lo o mais possível, enquanto que as artes que são [meios] para um fim, não são ilimitadas, para todas elas com efeito o fim é o limite, não existe para esta crematística qualquer limite ao seu fim, mas o seu fim é a própria riqueza [...] O limite é próprio da economia e não da crematística, a tarefa da economia não é a [aquisição de dinheiro] [...] o fim da crematística é o seu aumento... A proximidade de ambas [...], o facto de se entrecruzarem [...], [permite] que alguns considerem que é tarefa da economia conservar ou aumentar o seu património em dinheiro, até ao ilimitado.» (Aristóteles, De Rep., edit. Bekker, lib. I, c. 8 e 9 passim. [Política, I, 3, 1256b30-33, 1256b 40-1257a1, 1257a18-19, 1257b21-31, 1257b37-41. — Nota da edição portuguesa].) (retornar ao texto)

(9*) «As mercadorias» (aqui no sentido de valores de uso) «não são o objecto terminal do capitalista comerciante, o dinheiro é o seu objecto terminal.» (Th. Chalmers, On Politic. Econ., etc, 2nd edit., Glasgow, 1832, pp. 165-166.) (retornar ao texto)

(10*) «O mercador não conta quase nada com o lucro obtido, mas olha sempre para o futuro.» (A. Genovesi, Lezioni di Economia Civile (1765), edição dos economistas italianos de Custodi, Parte Moderna, t. VIII, p. 139.) (retornar ao texto)

(11*) «A inextinguível paixão do ganho, a auri sacra fames(12*), sempre guiará os capitalistas.» (MacCulloch, The Principies of Polit. Econ., London, 1830, p. 179.) Esta opinião não impede naturalmente o próprio MacCulloch e consortes, em embaraços teóricos — p. ex. ao tratarem da sobreprodução —, de transformarem o mesmo capitalista num bom cidadão, para quem apenas se trata do valor de uso e que até mostra uma verdadeira avidez de lobisomem por botas, chapéus, ovos, chitas e outros géneros muito familiares de valores de uso. (retornar ao texto)

(12*) Em latim no texto: sagrada fome de ouro. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(13*) «ΣiwÇώςειν»(14*) é uma das expressões características dos gregos para o entesourar. Igualmente «to save»(15*), significa ao mesmo tempo salvar e poupar. (retornar ao texto)

(14*) Em grego no texto: «Salvar». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(15*) Em inglês no texto. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(16*) «Este infinito que as coisas não têm em progresso, têm-no em circuito.» (Galiani [, 1. c, p. 156].) (retornar ao texto)

(17*) «Não é a matéria que faz o capital, mas o valor desta matéria.» (J.-B. Say, Traité D'écon. polit., 3ème ed., Paris, 1817, t. II, p. 429.) (retornar ao texto)

(18*) «A circulacão [currency]» (!) «empregue para produzir artigos [...] é capital.» (Macleod, The Theory and Practice of Banking, London, 1855, v. I, c. 1, p. 55.) «Capital são mercadorias.» (James Mill, Elements of Pol. Econ., Lond., 1821 p. 74.) (retornar ao texto)

(19*) «Capital... valor permanente, que se multiplica [...]». (Sismondi, Nouveaux principes d'écon. polit., t. I, p. 89.) (retornar ao texto)

Inclusão 12/12/2011