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Ainda hoje, nas aldeias perdidas da União Soviética, é frequente encontrar camponeses que satisfazem as suas necessidades rudimentares unicamente com os meios da sua própria economia: fazem o pão com o trigo ou o centeio que eles próprios semearam; confeccionam o vestuário com os grossos tecidos que as famílias teceram durante longos serões de Inverno, com o linho que eles mesmos cultivaram. Se há que construir uma cabana, o seu cavalo trará ao camponês a madeira que ele terá cortado e que servirá para fazer as paredes; com a palha fará o tecto; apenas recorre ao exterior para que lhe forneçam os pregos e alguns outros artigos menos importantes.
Nas terras distantes do Norte ande vivem os samoiedas e outros povos primitivos, a economia é ainda mais rudimentar. As manadas de renas que vagueiam por aquelas terras desérticas e as focas que os homens vão caçar no mar constituem toda a base da economia: a rena e a foca proporcionam ao samoieda a carne e a gordura para a sua alimentação; a pele da rena fornece-lhe material para o vestuário e para a habitação.
Muito diferente é o espectáculo da grande cidade moderna.
Nela não se encontra um só homem que satisfaça por si mesmo todas as suas necessidades sem ter que recorrer a ajuda exterior; nem um só homem que construa uma casa com materiais que ele próprio haja fabricado, que confeccione a sua roupa e produza os seus alimentos.
Centenas de milhares de homens povoam as grandes metrópoles e cada um deles tem a sua ocupação: milhares de operários metalúrgicos passam toda a sua vida ao torno ou na banca do trabalho, junto das máquinas. Muitos deles nunca foram ao campo e não sabem sequer como lavrar a terra ou ceifar. O mesmo acontece com milhares de outros trabalhadores: alfaiates, pedreiros, carpinteiros, padeiros, motoristas.
Como é possível que cada um, trabalhando na sua especialidade, não morra de fome ou de frio? O que acontece é que vivem numa estreita dependência; trabalham uns para os outros: a tecedeira só pode passar a vida junto ao tear porque o padeiro faz o pão e o pedreiro constrói. É evidente que o padeiro não faz pão só para ele, fá-lo também para a tecedeira, e o pedreiro constrói vivendas para milhares de homens ocupados noutros trabalhos. Se não existisse este laço, a vida seria impossível na sociedade moderna.
Recordemos o que vimos na Rússia durante a guerra civil. Quando um grande número de empresas industriais deixaram de trabalhar e a superfície das terras cultivadas diminuiu no campo; quando os comboios deixaram de funcionar e a relação entre as diferentes economias enfraqueceu - tornou-se impossível ao operário manter-se constantemente na sua banca de trabalho; o ferro que o metalúrgico trabalhava e o carvão que o mineiro extraía não podiam alimentá-los. Quantos operários abandonaram então o seu ofício por esta razão e foram para o campo! Quantos operários começaram a cultivar batatas ou trigo nos arredores da cidade! E quando chegou o Inverno quantos operários e empregados foram para os bosques cortar lenha para se aquecerem!
Em resumo: a vida obrigava os homens a sair dos limites estreitos da divisão do trabalho e a voltar ao estilo de vida do campesinato, que, nas aldeias longínquas, satisfaz todas as suas necessidades pelos seus próprios meios.
Concluindo: a divisão do trabalho só é possível na sociedade moderna porque os produtores isolados, ocupados em distintos ramos do trabalho, entram em contacto uns com os outros e oferecem aos trabalhadores das demais especialidades os produtos do seu próprio trabalho.
Quanto mais evoluída é a sociedade, mais profunda é a divisão do trabalho, e quanto mais importante é a relação entre as economias isoladas, mais estreita é a interdependência destas.
Na época actual(1), a divisão do trabalho existe não só entre a cidade essencialmente industrial e o campo que fornece os víveres e as matérias-primas, mas também entre os países. A Rússia é um país essencialmente agrícola, a Alemanha (e ainda mais a Inglaterra) é um país industrial. Compreende-se perfeitamente que a Rússia necessitava da Alemanha e da Inglaterra, que lhe fornecem máquinas e outros produtos industrializados. Compreende-se que a Alemanha necessita do trigo russo. A interdependência destes países manifestou-se sobretudo durante a guerra, quando a Alemanha esteve condenada à fome e vários produtos industrializados faltaram na Rússia.
Mas como se realiza na sociedade moderna a relação entre estas diferentes economias?
Vimos que será bastante fácil organizar esta relação dentro da futura sociedade comunista. Na verdade, não se encontrarão empresas isoladas, independentes umas das outras, e pertencentes a particulares. A sociedade comunista será um todo dirigido por um centro único. Este núcleo dirigente organizará a produção e a repartição. Por exemplo: destinará parte do pão feito pelos padeiros às necessidades dos metalúrgicos que fabricam as máquinas, e vice-versa; mandará fabricar as ferramentas e a maquinaria de que necessitam as padarias mecanizadas.
É possível semelhante relação entre diferentes empresas, dentro do sistema capitalista? Decerto que não. Pois, como já assinalámos, as empresas pertencem a diferentes proprietários privados, e cada um deles ao organizar a sua empresa pensa nos seus próprios interesses, e não nos da sociedade. Dentro dos limites da sua empresa o capitalista é soberano, dispõe dos seus bens como quer: põe a sua empresa a funcionar ou encerra-a, produz uma mercadoria ou outra.
Pensando melhor, e considerando o que dissemos anteriormente, ressalta que o poder «ilimitado» do capitalista é, na realidade, muito limitado. Necessita das outras empresas e dos outros capitalistas, quanto mais não seja para obter os produtos de consumo para ele e para os seus operários e as matérias-primas necessárias à sua fábrica. E os demais capitalistas das empresas que fabricam esses produtos são proprietários que provavelmente precisam do nosso capitalista.
Mas, seja como for, todos consideram, antes de mais nada, os seus interesses particulares, os seus interesses de proprietários.
A relação entre estas diferentes economias, que necessitam uma da outra, mas de entre as quais cada uma constitui um elemento autónomo de propriedade, só pode efectuar-se duma maneira: através da troca dos produtos no mercado.
Na economia em que predomina a troca, cada produtor fabrica bens, não com o propósito de satisfazer as suas próprias necessidades, mas sim com o de os lançar no mercado e os trocar por outros produtos de que necessita.
Neste caso os produtos chamam-se mercadorias e a economia baseada na sua produção caracteriza- se pela troca.
A economia capitalista é uma das formas de economia baseada na troca. Aqui, reteremos apenas que a ideia de regime caracterizado pela troca é mais amplo que a noção do «capitalismo».
Um regime baseado na troca, mas que não seja o capitalista, é possível, como veremos mais tarde; em certa medida, pode relacionar-se a economia soviética com esta categoria. A economia mercantil simples, que em caso algum se deve confundir com a capitalista, embora ambos os sistemas se baseiem na troca, relaciona-se também com esta categoria.
Na economia mercantil simples, o produtor de mercadorias é o seu dono e vendedor; na economia capitalista, o dono não é o produtor da mercadoria, mas sim o capitalista que é proprietário de fábricas equipadas e detém os meios de produção. Esta a razão pela qual o capitalista obriga o operário, privado dos meios de produção e dos meios de consumo, a trabalhar para ele.
Já vimos que o objectivo principal do nosso trabalho é o estudo das leis que regem a economia capitalista. Porém, esta tarefa ficará muito facilitada se começarmos pela economia mercantil simples, e não pela capitalista.
Só depois de estudar as leis mais elementares da economia mercantil simples poderemos compreender as leis mais complexas da economia capitalista.
Notas de rodapé:
(1) Os autores referem-se a 1929. (N. do E.) (retornar ao texto)
Inclusão | 26/06/2018 |