Os conflitos lógicos no desenvolvimento da economia política seriam incompreensíveis se nós não tivéssemos estabelecido conexões reais entre ela e a filosofia contemporânea. As categorias nas quais os economistas ingleses conscientemente compreenderam fatos empíricos eram enraizadas nos sistemas filosóficos da época.
Um fato peculiar que teve um efeito profundo no desenvolvimento do pensamento econômico na Inglaterra foi que um dos primeiros teóricos da economia política revelou ser não outro que John Locke, o representante clássico do empirismo na filosofia.
O ponto de vista de Locke é ainda mais importante porque foi a expressão clássica das ideias de direito da sociedade burguesa contra a sociedade feudal, e, além disso, sua filosofia serviu como a base para todas as ideias de toda a subsequente economia política inglesa (Marx, 1965, p. 367, itálicos de Ilienkov)Referência 1.
O ponto de vista de Locke provou ser o elo intermediário entre a filosofia do empirismo inglês (com todas as fraquezas do último) e a teoria emergente da riqueza. Através de Locke, a economia política assimilou os princípios metodológicos básicos do empirismo, em particular e especialmente a análise unilateral e o método indutivo, a perspectiva da redução dos fenômenos complexos aos seus constituintes elementares.
Entretanto, assim como nas ciências naturais da época, a prática cognitiva verdadeira do estudo dos fenômenos econômicos mesmo no próprio Locke diferenciava essencialmente do tipo de epistemologia que poderia ser e era recomendada pelo empirismo consistente. O método que era realmente usado pelos economistas teóricos para formar definições teóricas das coisas, apesar de suas ilusões epistemológicas unilaterais, não concordava com a lógica indutiva empírica. Enquanto conscientemente aplicando o método analítico unilateral, os teóricos procederam na verdade, sem realizar isso claramente, de um número de suposições teóricas que essencialmente contradiziam os princípios da limitada abordagem empírica.
A lógica do empirismo puro era incapaz de lidar com a tarefa de resolver o ponto de vista teórico dos fenômenos da realidade econômica pela simples razão que a verdadeira realidade econômica era um entrelaçamento muito mais complexo das formas capitalistas burguesas de propriedades com as feudais.
Sob estas condições, a generalização indutiva direta dos fatos empíricos teria produzido, na melhor das hipóteses, somente uma descrição correta dos resultados da interação de dois, não meramente diferentes, mas diametralmente opostos e hostis, princípios de propriedade. O método dedutivo-empírico de Locke não teria permitido se aprofundar na “fisiologia” interna da propriedade privada burguesa.
É bem conhecido que o próprio Locke não generalizou meramente o que viu, mas destacou ativamente nos fatos empíricos somente aquelas formas e momentos que, em seu ponto de vista, correspondiam à natureza eterna e genuína do homem.
Em outras palavras, a própria tarefa da extração analítica abstrata dos constituintes elementares, a tarefa de analisar os fatos empíricos aqui também, implica certo critério universal, de acordo com o qual algumas formas da economia são descritas como “genuínas”, como “correspondendo à natureza do homem”, enquanto outras são eliminadas como “não-genuínas”. A concepção individualista burguesa da “natureza do homem” foi usada por todos os teóricos burgueses enquanto tal critério. Locke foi um dos criadores deste ponto de vista.
Claramente, este princípio universal e fundamental da ciência burguesa, usado como um parâmetro para mensurar os fatos empíricos, poderia ser ao menos obtido por indução empírica como o conceito do átomo. No tempo de Locke, a forma capitalista burguesa de propriedade não era de forma alguma universal e dominante. Não era um fato empiricamente universal, e a concepção de riqueza como o ponto de partida da economia política burguesa não poderia ela própria ser formada por generalização indutiva de todos os exemplos particulares e tipos de propriedade sem exceção.
Ele foi formado com a ajuda de considerações bastante diferentes daquelas puramente lógicas. A razão social espontânea aqui também provou ser mais forte que os cânones da lógica intelectual, raciocinativa.
Em outras palavras, desde seu nascimento a economia política enfrentou o mesmo problema lógico que Newton enfrentou em seu campo: para fazer até mesmo uma única generalização indutiva, um economista teria que ter alguma concepção, pelo menos implícita, da natureza (substância) genuína universal dos fenômenos em consideração.
Assim como Newton baseou todas as suas induções na ideia de que somente as formas geometricamente definidas dos fatos são as únicas formas objetivas, os economistas silenciosamente assumiram que somente aquelas formas da economia que correspondiam aos princípios da propriedade privada burguesa eram as formas genuínas.
Todas as outras formas das relações econômicas eram silenciosamente eliminadas como erros subjetivos dos homens, como formas que não correspondem à natureza genuína, natural e, portanto, objetiva do homem. Somente aquelas definições dos fatos eram incorporadas na teoria que era um resultado imediato e direto da “natureza eterna” do homem – na verdade, da natureza específica do proprietário privado, o burguês.
Todos os teóricos da economia política burguesa tiveram assim que proceder e realmente procederam de um princípio básico bastante definido, de uma concepção clara da substância, da natureza objetiva geral dos casos particulares e formas da economia.
Essa concepção da substância, assim como na ciência natural, não poderia ser obtida através de indução empírica. Mas a epistemologia lockeana foi omissa justamente neste ponto – na questão dos caminhos de conhecimento da substância, dos caminhos da formação da função original universal da ciência. Esta fundação, a concepção da substância da riqueza, teve que ser resolvida pelos economistas (incluindo Locke) em uma maneira puramente espontânea, sem um entendimento claro dos caminhos de obtê-la.
Seja como for, a economia política inglesa praticamente resolveu esta dificuldade quando William Petty descobriu esta substância universal dos fenômenos econômicos, a substância da riqueza, no trabalho que produz mercadorias, no trabalho desempenhado com o objetivo de alienar o produto do trabalho no livre mercado.
Na medida em que os economistas realmente procederam desta concepção mais ou menos percebida da substância universal da riqueza, suas generalizações eram teóricas em natureza e diferiam das generalizações puramente empíricas de qualquer mercador, usurário ou mulher do mercado.
Mas isso significava que uma abordagem teórica das coisas coincidia com o desejo de entender as formas particulares diferentes da riqueza, como modificações da mesma substância universal.
O fato, entretanto, de que a economia política clássica era ligada, em suas convicções metodológicas conscientes, com a filosofia de Locke, fez-se sentir diretamente, e em uma forma bastante instrutiva. Como resultado, a investigação teórica adequada dos fatos foi continuamente entrelaçada com a reprodução acrítica simples das concepções empíricas.
Isso é mais claramente visto no trabalho de Adam Smith. O primeiro economista a expressar claramente o conceito de trabalho como a substância universal de todos os fenômenos econômicos, ele desdobrou uma teoria na qualquer a consideração propriamente teórica dos fatos foi continuamente entrelaçada com descrições extremamente a-teóricas dos dados empíricos da perspectiva de um homem forçadamente envolvido na produção e acumulação de valor.
O próprio Smith se move com grande ingenuidade em uma contradição perpétua. Por um lado ele traça a conexão intrínseca que existe entre as categorias econômicas ou a estrutura obscura do sistema econômico burguês. Por outro lado, ele simultaneamente estabelece a conexão como ela aparece nos fenômenos da competição e assim ela se apresenta ao observador não-científico assim como para ele que está realmente envolvido e interessado no processo da produção burguesa. Uma dessas concepções mensura a conexão interna, a fisiologia, por assim dizer, do sistema burguês, ao passo que a outra toma os fenômenos externos da vida, como eles parecem e aparecem e meramente os descreve, cataloga, reconta e arranja sob definições formais. Com Smith ambos os métodos de abordagem não somente correm alegremente ao lado um do outro, mas também se misturam e constantemente contradizem um ao outro (Marx, 1968, p. 165)Referência 2.
O próprio Smith não notou, naturalmente, a contradição entre os dois modos de reflexo da realidade em abstrações. É fácil reconhecer aqui um cientista que imagina o processo de conhecimento em uma maneira puramente lockeana. Foi a epistemologia de Locke que ignorou a distinção entre abstração teórica (conceito) e a simples abstração empírica, simples expressão no discurso das distinções e similaridade estabelecidas sensorialmente.
David Ricardo, como é bem sabido, tomou um passo decisivo à frente, quando comparado com Adam Smith. A importância histórica-filosófica deste passo consistia primeiro de tudo em que ele foi o primeiro a distinguir, conscientemente e consistentemente, entre a tarefa da consideração propriamente teórica dos dados empíricos (a tarefa de expressar estes dados em conceitos) e a tarefa da simples descrição e catalogação de fenômenos na forma em que eles são imediatamente dados na contemplação e noção.
Ricardo entendeu muito bem que a ciência (pensamento em conceitos) lida com os mesmos fatos empíricos como simples contemplação e noção. Na ciência, entretanto, estes fatos devem ser considerados de um ponto de vista mais elevado – aquele de sua conexão interna. Este requisito não foi consistentemente e rigorosamente satisfeito em Smith, ao passo que Ricardo insistiu estritamente nisso.
O ponto de vista de Ricardo da natureza da investigação científica é muito mais reminiscente do método de Espinoza do que da epistemologia do empirista Locke; ele consistentemente obedece à perspectiva substantiva. Toda formação econômica individual, cada forma separada de riqueza, precisa ser entendida como modificações da mesma substância universal, ao invés de ser simplesmente descrita.
A este respeito, também, Ricardo e Espinoza estão certos onde Smith e Locke estão errados.
Marx avaliou o papel de Ricardo no desenvolvimento da teoria da economia política com clareza e determinação clássicas:
Ricardo intervém e chama a ciência: Pare! A base, o ponto de partida para a fisiologia do sistema burguês – para o entendimento de sua coerência orgânica interna e processo de vida – é a determinação do valor pelo tempo de trabalho. Ricardo começa com isso e força a ciência a sair da rotina, a prestar contas da medida na qual as outras categorias – as relações de produção e comércio – evoluídas e descritas por ela, correspondem ou contradizem essa base, este ponto de partida; para elucidar quão longe uma ciência que de fato somente reflete e reproduz as formas manifestas do processo, e desse modo também quão longe essas próprias manipulações, correspondem à base na qual a coerência interna, a verdade fisiologia da sociedade burguesa reside ou a base que forma seu ponto de partida; e em geral, examinar como estão as coisas com a contradição entre o aparente e o verdadeiro movimento do sistema. Isto então é a grande importância história de Ricardo para a ciência (Marx, 1968, p. 166)Referência 3.
Em outras palavras, o ponto de vista de Ricardo não consistia na redução dos fenômenos complexos a um número de seus constituintes elementares, mas sim na dedução de todos os fenômenos complexos de uma única substância.
Mas isso colocou Ricardo frente a frente com a necessidade de abandonar conscientemente o método de formação de abstrações teóricas recomendadas para a ciência pela lógica lockeana. Indução empírica não corresponde à tarefa enfrentada por Ricardo, a tarefa de deduzir definições teóricas de um princípio rigorosamente aplicado – a concepção da natureza do valor como determinado pelo trabalho.
Adam Smith, na medida em que ele realmente produz algo mais significante que mera descrição dos fatos, contradizendo espontaneamente e inconscientemente a cada passo suas próprias premissas filosóficas emprestadas de Locke, fazendo algo bastante diferente do que ele pensou que estava fazendo, enquanto que Ricardo bastante conscientemente escolheu o caminho da dedução teórica das categorias.
O caráter rigorosamente dedutível de seu raciocínio tem há muito tempo se tornado proverbial dentre os economistas políticos. Mas foi Marx sozinho que corretamente avaliou a importância desta dedução, mostrando-a como a expressão lógica natural do grande mérito da abordagem teórica de Ricardo – seu desejo de entender todas as formas da riqueza burguesa sem exceção como produtos mais ou menos complexos e remotos do trabalho que produz mercadorias, do trabalho que produz valor, e todas as categorias da economia política, como modificações da categoria valor.
O que o distingue de Smith é seu desejo em considerar fatos empíricos consistentemente e sem vacilações do mesmo ponto de vista rigorosamente formulado na definição do conceito básico – a partir da teoria do valor-trabalho.
Esta perspectiva está presente também em Smith, e isso faz dele um teórico. Mas não é o único ponto de vista dele, e nesta contagem Ricardo é decisivamente uma variante de Smith. No último, a consideração teórica dos fatos (isto é, sua análise a partir da perspectiva da teoria do valor-trabalho) muito frequentemente dá lugar a sua descrição puramente empírica.
Ricardo encontrou, espontaneamente e por tentativa e erro, o ponto de vista correto da natureza da análise teórica dos fatos. Daí seu desejo por uma consideração estritamente dedutiva dos fenômenos e categorias.
Essa concepção de dedução, como é fácil de ver, não contém ainda qualquer coisa metafísica ou idealista ou lógica formal. Nesta concepção, dedução é equivalente à negação do ecletismo em consideração aos fatos. Isso significa que uma concepção da natureza universal ou substância de todos os fenômenos particulares e individuais, uma vez estabelecidos, precisam permanecer o mesmo ao longo da investigação, fornecendo orientação para o entendimento de qualquer fenômeno particular ou individual.
Em outras palavras, dedução nesta interpretação (e somente nesta interpretação!) é um sinônimo da atitude realmente teórica para com os fatos empíricos.
A primeira indicação formal do declínio da escola de economia política de Ricardo foi o abandono de uma tentativa de desenvolver o inteiro sistema de categorias econômicas de um princípio estabelecido (a teoria do valor-trabalho). Representantes da “economia vulgar” e mais ainda da compilação confusa que Marx marcou desdenhosamente como a forma professoral do decaimento da teoria, rebelou primeiro de tudo contra o professor da forma dedutiva de investigação. Eles rejeitaram aquilo que era a virtude chefe de Ricardo como teórico – seu desejo de entender cada categoria particular como uma forma convertida de valor, como uma modificação complexa do trabalho que cria mercadorias.
O princípio da forma vulgar e professoral de teorizar era isso: se alguém não pode deduzir uma concepção dos fenômenos reais a partir de uma base comum a todos eles (neste caso a partir da teoria do valor-trabalho) sem ao menos uma vez se deparar com uma contradição, esse alguém precisa abandonar a tentativa em geral, precisa introduzir ainda outro princípio de explicação, mais um “ponto de vista”. Se isso não ajudar, esse alguém meramente precisa introduzir um terceiro e quarto princípio, levando isto, isso, e aquilo.
Supondo que alguém pode não explicar o valor real de mercado (preço) de uma mercadoria capitalistamente produzida em termos do tempo necessário gasto em sua produção. Isso só significa que é precisa não persistir em unilateralidade. Por que não assumir que o valor parte de muitas fontes diferentes, ao invés de uma única fonte universal, como Ricardo acreditava? Também do trabalho, mas não somente do trabalho. Não se pode subestimar o papel do capital e o papel da fertilidade natural do solo; é preciso levar em conta os caprichos da moda, acidentes de demanda, o efeito das estações (botas de feltro custam mais no inverno do que no verão), e uma série de outros fatores, incluindo o efeito sobre a situação do mercado de mudanças periódicas do número de manchas no sol que possuem um efeito indubitável nas colheitas e, desse modo, no preço (“valor”) do grão e pão. Marx nunca foi tão sarcástico do que quando criticando a forma peculiar de teorizar da pseudoteoria vulgar e professoral. Essa forma eclética de explicar um fenômeno complexo por um número de fatores e princípios sem qualquer conexão interna entre eles é, na frase apta de Marx, um túmulo real para a ciência. Não existe mais teoria, ciência, não mais pensamento por conceitos aqui, somente uma translação das noções superficiais amplamente divulgadas na língua doutrinária da terminologia econômica e sua sistematização.
John M. Keynes, um reconhecido clássico de toda ciência oficial atual do mundo capitalista, já não se permite falar de valor em geral. Em seu ponto de vista, essa é uma palavra vazia, um mito. A única realidade que ele reconhece é o preço de mercado. O último, de acordo com sua teoria, é determinado por uma concorrência das mais diversas circunstâncias e fatores, onde o trabalho desempenha um papel muito insignificante. Keynes insiste, por exemplo, que a taxa de juros depende inteiramente das emoções dos proprietários do capital e é, portanto, um fator puramente psicológico. Mas isso não é forte o bastante para Keynes: “Pode ser mais preciso, talvez, dizer que a taxa de juros é altamente convencional, ao invés de um fenômeno altamente psicológico” (Keynes, 1936, p. 203)Referência 4. “Recessões e depressões”, de acordo com Keynes, são “a mera consequência de perturbar a delicada balança do otimismo espontâneo. Ao estimar as perspectivas de investimento, nós temos que considerar, dessa forma, os nervos e histeria e até as digestões e reações ao clima daqueles sobre cuja atividade espontânea isso depende largamente” (Keynes, 1936, p. 162)Referência 5.
Não pode haver questão da teoria ou ciência aqui, naturalmente. Onde a economia vulgar estava ocupada principalmente traduzindo concepções superficiais populares na linguagem doutrinária, assumindo que isso elaborou conceitos, a ciência burguesa moderna passa ao largo das emoções irracionais capitalistas em sua expressão escolástica para os conceitos. Este é o limite, como diz o ditado.
Marx mostrou claramente que depois de Ricardo, o peso da economia política burguesa, a última entrou na fase de degradação. Esta degradação é certamente camuflada por um palavreado que impressiona e apelos pelo estudo empírico, indutivo e sóbrio dos fatos, etc. Opondo sua indução ao método dedutivo de Ricardo, os representantes da decadente economia política burguesa meramente advogam o ecletismo contra a teoria rigorosa.
Seu desejo em compreender todas as categorias sem exceção a partir de uma posição consistente da teoria do valor-trabalho é inaceitável para eles, pois, como eles podem ter a oportunidade de ver, esta posição, quando considerada sua tendência de desenvolvimento, inevitavelmente leva à concepção do sistema da economia burguesa como um sistema de antagonismos e contradições insolúveis. A força motriz por trás desta atitude para com Ricardo e seu método dedutivo é simplesmente uma atitude apologética frente à realidade.
Assim, Ricardo não chega a escolher o método dedutivo de consideração dos fatos empíricos por uma lealdade ao racionalismo. Ele aplica este método de desenvolvimento de definições teóricas porque é o único que responde seu desejo de entender o sistema da economia burguesa como um sistema coerente integral em todas as suas manifestações, ao invés de como uma totalidade de relações mais ou menos acidentais dos homens e coisas. Ricardo quer deduzir qualquer forma específica, particular de relações de produção e distribuição da riqueza por fora da teoria do valor-trabalho, por fora da teoria expressando a substância universal, a essência real de todos os fenômenos econômicos.
Este desejo de Ricardo é seu mérito absoluto como um teórico. O abandono deste desejo é em geral equivalente a uma rejeição da atitude teórica quanto aos fatos empíricos. Aqui nós já vemos que o método de raciocínio que procede de uma expressão teórica universal da realidade como um princípio básico rigorosamente testado, pode assegurar uma atitude teórica quanto aos fatos empíricos. Caso contrário, o pensamento inevitavelmente desliza em um empirismo eclético.
Ricardo de forma alguma rejeita do elemento empírico na investigação. Pelo contrário, ele percebe que um entendimento genuíno dos fatos empiricamente dados, empirismo genuíno (ao invés de eclético), só pode ser levado em frente se os fatos empíricos são considerados a partir de uma perspectiva em si mesma fundamentada como a única correta e objetiva, ao invés de uma perspectiva arbitrária.
Obedecendo espontaneamente a lógica das coisas, Ricardo chega assim ao ponto de partida da teoria que mais tarde foi escolhida conscientemente por Marx. Ainda o fato de que Ricardo chegou a este ponto de vista da realidade e dos caminhos de reproduzi-la conceitualmente em uma forma puramente espontânea, não tendo uma ideia clara da dialética do universal, do particular e do individual, com o qual ele teve que lidar na realidade, este fato deixa sua marca em sua teoria.
As concepções filosóficas conscientes que estavam a sua disposição – aquelas da relação da dedução e indução, o universal e o particular, da essência e aparência etc., tiveram uma relação direta no processo de conhecimento enquanto ele foi, na verdade, realizado por ele. Elas tiveram um efeito significante em sua investigação e em alguns casos foi responsável diretamente pela falha de sua pesquisa.
O que Ricardo realmente fez não foi dedução no sentido o qual foi interpretado pela lógica metafísica de sua época; não era de forma alguma dedução especulativa de um conceito a partir de outro conceito. Em suas mãos ele é, em primeiro lugar, um método para a expressão teórica dos fatos empíricos, dos fenômenos empíricos em sua unidade interna. Enquanto tal, este método inclui a indução empírica. Mas ele não passa ileso pela maneira puramente espontânea na qual indução e dedução coincidem em seu método. Onde ele tem que tomar um ponto de vista claro de seu método de estudar os fatos, ele é compelido a aceitar a concepção contemporânea de dedução e indução, da relação do universal e ao particular, da lei das formas de sua manifestação etc. A concepção metafísica das categorias da lógica e dos caminhos de reproduzir a realidade no pensamento o desorienta diretamente como um teórico.
Vamos analisar a linha de raciocínio de Ricardo para mostrar isso mais claramente. Seu método é o que segue. Ele procede de uma definição de valor pela quantidade de tempo de trabalho, tomando isso como um princípio básico universal de seu sistema. Então ele tempo aplicar este princípio básico universal, direta e imediatamente, a cada uma das categorias particulares, com o intuito de chegar se elas concordam ou não com este princípio básico universal.
Em todo lugar ele se esforço para mostrar a coincidência direta das categorias econômicas com a lei do valor.
No espírito da lógica e filosofia metafísica contemporânea, Ricardo assumiu que a definição universal na qual ele baseou sua dedução era um conceito genérico direto, isto é, um conceito geral abstrato compreendendo em si mesmo as características que eram diretamente comuns a todos os fenômenos compreendidos por ele, e nada mais. A relação do conceito de valor aos conceitos de dinheiro, lucro, renda, salários, juros etc., apareceu para ele como uma relação gênero-a-espécie entre os conceitos. De acordo com essa concepção baseada em uma noção metafísica da relação do universal com o particular e o individual, o conceito de valor deve incluir somente aquelas características que são igualmente comuns ao dinheiro, lucro, renda e qualquer das outras categorias. No mesmo espírito, ele acreditava que qualquer categoria específica não exaurida por traços expressos nas definições do conceito universal, e que cada categoria específica possuía, a parte dessas definições, características adicionais expressando precisamente a especificidade de cada categoria particular.
Consequentemente, não é de forma alguma suficiente subsumir qualquer categoria sobre um princípio ou definição universal de um conceito universal (neste caso, o conceito valor). Esta operação mostrará somente aquilo na categoria particular que já é expressa nas definições do conceito universal. É então necessário encontrar quais definições estão presentes nela para além disso – as definições expressando o distinto, ao invés das características idênticas, comuns.
Esta concepção lógica, aplicada às categorias da economia política, aparece como segue. Dinheiro, assim como todas as outras categorias, é uma forma particular de valor. Segue que o dinheiro real está sujeito em seu movimento à lei do valor, em primeiro lugar. Segue que a teoria do valor-trabalho é diretamente aplicável ao dinheiro; em outras palavras, definições contidas no conceito valor devem, acima de tudo, ser incluídas na definição teórica de dinheiro. Este é o caminho em que a primeira definição de dinheiro é deduzida.
É bastante claro, entretanto, que isso não exaure a natureza concreta do dinheiro. A questão então surge naturalmente, o que é dinheiro como dinheiro, o que é dinheiro para além do fato de que é o mesmo tipo de valor como todos os outros tipos, porque dinheiro é dinheiro, ao invés de simples valor.
Neste ponto do estudo da natureza do dinheiro e da formação das definições teóricas necessárias do dinheiro como um fenômeno econômico separado, toda dedução naturalmente para. A dedução permitiu distinguir somente aquelas definições da natureza do dinheiro que estavam contidas previamente no conceito de valor.
E o que fazer em seguida? Como descobrir nos fenômenos empíricos reais da circulação do dinheiro, definições teóricas que expressariam propriedades tão necessárias do dinheiro quanto aquelas que são deduzidas do conceito valor? Como ler no dinheiro real aquelas características que pertencem a ele tão necessariamente quanto as definições do valor universal, no entanto, ao mesmo tempo, constitui o que difere o dinheiro de todas as outras formas de existência do valor?
A dedução se torna impossível neste ponto. É preciso recorrer à indução, cujo objetivo é apontar as definições que são igualmente inerentes em todos os casos do movimento do dinheiro – as propriedades especificamente gerais do dinheiro.
Esta é a forma que Ricardo é compelido a agir. Ele constrói ainda mais definições teóricas da forma dinheiro através da indução empírica imediata, através do apontamento daquelas propriedades gerais abstratas que todos os fenômenos da circulação do dinheiro, sem exceção, têm em comum. Ele generaliza diretamente os fenômenos do mercado monetário, na qual formas diversas de dinheiro circulam simultaneamente – moedas metálicas, lingotes, papel moeda etc. Ele procura aquelas características que são comuns às moedas metálicas, cédulas de papel, lingotes de ouro e prata, comprovantes bancários, notas promissórias etc. Esta é a fraqueza fatal de sua teoria do dinheiro.
Seguindo esta linha, Ricardo confunde definições teóricas do dinheiro como dinheiro, com aquelas propriedades que o dinheiro realmente deve ao capital, aquele movimento específico que o dinheiro não possui qualquer coisa em comum com os fenômenos da circulação do dinheiro enquanto tal. Como resultado, ele toma as leis do movimento do capital financeiro pelas leis do movimento do dinheiro e vice-versa – ele reduz as leis do capital financeiro àquelas da circulação simples de moedas metálicas. Dinheiro enquanto tal, como um fenômeno econômico específico, não é compreendido teoricamente, assim como antes, ou melhor, é concebido erroneamente.
O próprio Ricardo sentiu que este método era inadequado. Ele entendeu que a indução puramente empírica a qual ele havia recorrido neste ponto não produziu e não podia produzir, devido a sua própria natureza, a conclusão necessária sobre a natureza do dinheiro. Este entendimento não veio de considerações puramente lógicas. O fato é que ele continuamente discute com cabeças de bancos e financiadores que, em seu ponto de vista, manuseiam dinheiro em uma forma que contradiz a natureza valor do dinheiro, ao invés de concordar com ela. Ele considera isto como a causa de todos os conflitos e disfunções desagradáveis na esfera da circulação do dinheiro. É isto que o compele a procurar pela essência e natureza genuína do dinheiro, não o interesse lógico e filosófico.
A imagem empiricamente dada da circulação do dinheiro apresenta algo diretamente oposto à natureza genuína do dinheiro – a manipulação do dinheiro que não corresponde à natureza do dinheiro, os resultados da manipulação incorreta do dinheiro pelos bancos. Assim, a indução puramente empírica, como o próprio Ricardo entendeu com bastante clareza, produzirá, na melhor das hipóteses, uma expressão generalizada do movimento falso do dinheiro, um que não corresponde à natureza do dinheiro e nunca produzirá uma expressão generalizada do movimento do dinheiro correspondente à lei de sua existência.
Em outras palavras, ele quer achar a expressão teórica do tipo do movimento do dinheiro (ouro, moedas, papéis, comprovantes etc.) que responde diretamente aos requerimentos da lei universal do valor e não depende (como na realidade empírica) da má vontade, avareza e capricho das cabeças dos bancos. Ele procura pela natureza genuína do dinheiro com o objetivo em vista de que o financeiro prático deveria agir diferentemente do que estava agindo previamente – de acordo com as necessidades fluindo da natureza do dinheiro.
Ele se esforço para resolver esta tarefa pela dedução das definições teóricas do dinheiro a partir da lei do valor, que sozinha pode mostrar as características necessárias contidas na própria natureza do dinheiro.
Mas ele não será capaz de deduzir as características específicas do dinheiro enquanto tal, aquelas que não estão contidas nas definições teóricas da lei universal do valor, mas constituem a especificidade do dinheiro como um tipo particular de valor. Nenhum procedimento sofisticado ajudará a deduzir as propriedades específicas do dinheiro a partir das definições do valor. Quer queira quer não, eles precisam ser obtidos não através da dedução a partir do princípio universal da teoria, mas através da indução puramente empírica, pela extração do geral abstrato a partir de todas as formas de circulação de dinheiro sem exceção, incluindo as moedas metálicas, papel moeda, notas bancárias estatais, e todo o resto.
A concepção de dinheiro, desse modo, permanece um dos pontos mais fracos da teoria da escola ricardiana.
A dedução de Ricardo na verdade permanece puramente formal, permitindo apontar no fenômeno somente aquilo que já estava contido nas definições do conceito universal, enquanto a indução permanece puramente empírica e formal, ao invés de teórica; a indução formal não permite abstrair do fenômeno aqueles aspectos que pertencem necessariamente a ele, sendo ligados à natureza do fenômeno como seus atributos, ao invés de emergir nele através da influência de circunstâncias externas desconectadas com sua natureza.
A natureza formal da dedução no sistema de Ricardo foi ainda mais evidente quando ele tentou incluir tais fenômenos como lucro e mais-valor na esfera da lei do valor.
Ao incluir lucro na categoria universal do valor, Ricardo ficou frente a frente com o paradoxo que o lucro, por um lado, poderia ser incluído na categoria do valor, mas, por outro lado, o lucro continha, para além das definições universais estabelecidas, algo que provou contradizer a lei universal se se tentasse expressar este “algo” através da categoria do valor.
A situação aqui é de alguma forma similar ao caso hipotético onde se aplicaria o ditado “Todos os homens são mortais” a um certo Caius e ver que, por um lado, o ditado se aplica sim a ele, mas, por outro lado, seu traço especial individual é precisamente que ele é – imortal.
Este é exatamente o tipo de situação absurda na qual Ricardo se viu quando tentou deduzir definições teóricas do lucro a partir da lei do valor, quando ele tentou aplicar a lei do valor diretamente ao lucro. Verdade, o próprio Ricardo não notou esta contradição, embora foi ele que a descobriu. Mas foi notado imediatamente pelos inimigos da teoria do valor-trabalho, em particular por Malthus.
Os adeptos e seguidores de Ricardo se esforçaram para provar o que não podia ser provado – que esta contradição em seu sistema não existia de verdade, e se existia, era resultado meramente da impressão de expressão do professor, deficiência em sua terminologia etc., e poderia, portanto, ser eliminada por meios puramente formais – através de mudanças nos termos, definições e expressões mais precisas etc., etc.
Estas tentativas significaram o início do declínio da escola de Ricardo e a rejeição fatual dos princípios da teoria do valor-trabalho, apesar da concordância formal com eles. Precisamente porque a contradição lógica entre a lei universal do valor e a lei da taxa média de lucro estabelecida pela teoria de Ricardo é uma contradição bastante real, todas as tentativas de apresenta-la como inexistente, como o produto da expressão vaga e definição imprecisa, não poderiam resultar em qualquer coisa além da rejeição fatual da própria essência da teoria, de seu núcleo racional.
A primeira e principal indicação do declínio da escola de Ricardo foi o fatual descarte do objeto de desenvolvimento de todo o sistema de categorias econômicas a partir de um princípio universal, a partir do princípio de definir valor pela quantidade de tempo de trabalho, a partir da concepção do trabalho criando valor como a substância e fonte real de todas as outras formas de riqueza.
Ao mesmo tempo o desenvolvimento da teoria depois de Ricardo levou diretamente à necessidade por uma compreensão firme sobre a dialética da relação da lei universal com formas desenvolvidas de sua realização, com o particular. O desenvolvimento da teoria de Ricardo levou ao problema da contradição na própria essência das definições do assunto da investigação teórica. Nem o próprio Ricardo, nem seus seguidores ortodoxos poderiam lidar com as dificuldades através da qual a verdadeira dialética da realidade se manifesta ao pensamento. Seu raciocínio permaneceu essencialmente metafísico e naturalmente não poderia expressar conceitualmente a dialética sem rejeitar suas próprias noções lógicas fundamentais, incluindo o entendimento metafísico da relação do abstrato ao concreto, do universal ao particular e o individual.
Incapacidade e falta de vontade de expressar conscientemente em conceitos as contradições, a dialética inerente às coisas foi manifestada no raciocínio como contradições lógicas obvias dentro da teoria. A metafísica em geral sabe somente um caminho para resolver contradições lógicas – eliminação delas do raciocínio, interpretação de contradição como produtos da imprecisão da expressão, das definições etc., como um mal puramente subjetivo.
Embora Ricardo tenha abordado os fatos e sua expressão teórica em uma forma espontaneamente correta, conscientemente ele permaneceu nas posições do método metafísico do raciocínio. Dedução para ele ainda era um método de desenvolvimento de conceitos que permitiu enxergar em um fenômeno particular somente aquilo que já estava contido na premissa principal, no conceito universal original e suas definições, enquanto indução contida desse modo sendo unilateralmente empírica. Não oferecia oportunidade de apontar aqueles traços dos fenômenos que necessariamente pertencem a eles e por formar uma abstração teórica que expressaria os fenômenos em sua forma pura, em seu conteúdo imanente.
Dedução e indução, análise e síntese, conceito universal e conceito expressando a especificidade de um fenômeno – todas essas categorias ainda permaneceram opostos metafísicos em Ricardo, o que ele não poderia se vincular.
Dedução continuamente entrou em conflito com a tarefa da generalização indutiva dos fatos em seu sistema; ao tentar trazer abstrações analíticas em um sistema, isto é, para sintetizá-las ele encontrou dificuldades intransponíveis de contradição lógica; um conceito universal (valor) provou estar em contradição mútua com um conceito particular (lucro) em seu sistema etc., etc. Sob fogo inimigo, estas brechas internas ampliaram e toda a teoria do valor-trabalho decaiu, se tornando um trabalho compilado sem qualquer sistema, que só poderia se orgulhar se si mesmo em uma abrangência empírica totalmente desacompanhada por um entendimento teórico da concreticidade real.
A filosofia e a lógica da época de Ricardo não forneceram (e não poderiam) quaisquer indicações corretas relativas a uma saída possível de todas essas dificuldades. O que era necessário aqui era uma dialética consciente combinada com uma atitude crítica revolucionária para com a realidade – um modo de raciocínio que não estava com medo de contradições em definições de objetos e estava alheio a uma atitude apologética ao estado de coisas existente. Todos esses problemas se encontram em um ponto – a necessidade de entender o sistema de produção capitalista como um sistema histórico concreto, como um sistema que surgiu e se desenvolveu em direção a seu fim.