O Que é o Marxismo?

Chris Harman


O socialismo e a guerra


O século XX tem sido o século das guerras. Dez milhões de pessoas foram mortas na Primeira Guerra Mundial, cinquenta e cinco milhões na Segunda, dous milhões nas guerras da Indochina. E as duas superpotências, os Estados Unidos e Rússia possuem o potencial nuclear para destruir a raça humana muitas vezes.

Torna-se complicado explicar este horror para aqueles que consideram a sociedade atual como a única. São levadas a acreditar que existe alguma tendência instintiva e inata na humanidade que a levaria a apreciar os assassinatos em massa. Mas a sociedade humana nem sempre tem conhecido a guerra. Gordon Childe notou sobre a Idade da Pedra na Europa:

«Os primeiros Danubianos parecem ter sido uma sociedade pacífica; as armas de guerra, ao contrário dos instrumentos de caça, faltam nas suas sepulturas. As suas aldeias não possuíam defesas militares. [Mas] nas últimas fases tardias do período neolítico os armamentos começaram a se tornar mais importantes...».

A guerra não é causada por alguma agressividade humana inata. É o produto da divisão da sociedade em classes. Quando, entre cinco mil e dez mil anos atrás, uma classe de proprietários fez a sua primeira aparição, teve que encontrar a maneira de proteger as suas riquezas. Começaram a constituir forças armadas, um Estado separado do resto da sociedade, que se mostrou um valioso meio de aumentar as suas riquezas saqueando outras sociedades.

A divisão da sociedade em classes significou que a guerra tornou-se uma característica necessária da vida humana.

As classes dominantes proprietárias de escravos da Grécia e Roma antigas não podiam sobreviver sem guerras contínuas para obter mais escravos. Os senhores feudais da Idade Média tinham de permanecer armados para subjugar os servos locais e protegerem-se de pilhagens feitas por outros senhores feudais. Quando as primeiras classes capitalistas dominantes surgiram há quatrocentos ou quinhentos anos, elas também tinham que freqüentemente recorrer a guerras, tiveram que travar guerras terríveis nos séculos XVI, XVII e XVIII para estabelecer sua supremacia sobre os remanescentes dos velhos senhores feudais.

Aos mais bem sucedidos países capitalistas, como a Inglaterra, usaram a guerra para expandir sua riqueza, transpondo os mares, pilhando a Índia e a Irlanda, transportando milhões de pessoas como escravos da África para a América, transformando o mundo todo em uma fonte de pilhagem para si mesma. A sociedade capitalista se constituiu através da guerra. Não admira que aqueles que vivem em seu interior cheguem a acreditar que a guerra não só é “inevitável”, como “justa”.

Ainda assim, o capitalismo não pode se basear sempre e inteiramente na guerra. A maioria de sua riqueza sai da exploração de trabalhadores em fábricas e minas. E isto é algo que pode ser interrompido por qualquer confronto que venha a ser travado dentro das fronteiras.

Toda classe capitalista nacional quer paz em casa, enquanto trava guerras no estrangeiro. Assim, enquanto encoraja a crença nas “virtudes militares”, ela também ataca fortemente a “violência”. A ideologia capitalista combina, de um modo completamente contraditório, a exaltação ao militarismo com frases pacifistas.

No atual século, a preparação para a guerra tornou-se mais central para o sistema do que jamais fora antes. No século XIX a produção capitalista era baseada em muitas pequenas empresas competindo umas com as outras. O Estado era um corpo relativamente pequeno que regulava as relações entre elas e com os trabalhadores. Mas no século em que vivemos as grandes empresas têm engolido a maioria das pequenas empresas, acabando com a maioria da concorrência dentro de cada país. A competição está mais e mais internacional, entre gigantes de diferentes nações.

Não existe um Estado capitalista internacional para regular a competição. Ao contrário, cada Estado nacional exerce toda a pressão de que é capaz para ajudar os seus capitalistas a conseguir vantagem sobre seus rivais. A luita de vida e a morte de diferentes capitalistas uns com os outros pode tornar-se uma luita de vida e morte entre estados diferentes, cada um com seu grande dispositivo bélico de destruição.

Por duas vezes esta luita levou a guerras mundiais. A Primeira e a Segunda guerras mundiais foram guerras imperialistas, conflitos entre alianças de estados capitalistas pola dominação do globo. A Guerra Fria é uma continuação desta luita, com os mais poderosos estados capitalistas alinhados uns com os outros na OTAN e com a chegada do Pacto de Varsóvia a este conflito, muitas guerras quentes têm ocorrido em diferentes partes do mundo.

Como de costume, têm sido luitas entre estados capitalistas diferentes sobre quem deverá controlar uma determinada região, como aconteceu na Guerra do Iraque deflagrada em 1980. Tanto os blocos ocidental como o oriental incitam guerras para vender a mais sofisticada tecnologia militar para os estados do Terceiro Mundo. O terrível poder destrutivo destas armas foi demonstrado dramaticamente pola guerra das Malvinas, em 1982.

Muitas pessoas que aceitam o capitalismo em geral, não gostam dessa realidade repugnante. Querem capitalismo mas não querem guerras. Elas tentam encontrar alternativas dentro do sistema. Por exemplo, existem os que acreditam que a ONU pode impedir as guerras.

Mas a ONU é apenas uma arena em que se encontram diferentes estados que priorizam o esforço de guerra. Ali eles medem suas forças, como luitadores se estudam antes de golpearem. Se um estado ou aliança suplanta a força de seus oponentes com uma pequena margem de vantagem, ambos acabam entendendo que trata-se de uma guerra sem sentido, cujo resultado é conhecido de antemão. Mas se surge uma pequena dúvida sobre o resultado final, eles somente conhecem um meio de resolver a contenda. Declarar a guerra.

Esta é a verdade, tanto em relação á OTAN como ao Pacto de Varsóvia. Mesmo onde o Ocidente tem uma margem á frente do bloco oriental, a desvantagem não é tão grande que faça os russos acreditarem que estão em uma desvantagem irreversível. Assim, apesar do fato de que a Terceira Guerra Mundial poderia varrer a vida humana da face da terra, tanto Washington como Moscovo elaboram planos para travar e vencer uma guerra nuclear.

Aqueles que acreditam que é possível viver em paz sob o capitalismo colocam suas esperanças nos acordos entre as superpotências. Mas a desconfiança mútua entre os dous lados enfraquece qualquer acordo deste tipo. Ambos temem tanto serem ultrapassados por seus rivais na corrida armamentista, que procuram desenvolver ainda mais armas de destruição em massa. O acordo de 1972 que pretendia limitar os arsenais nucleares tanto no Oeste, quanto no Leste não pôde evitar uma aceleração da corrida armamentista.

Pode-se ser contrário e temer a guerra sem se opor ao capitalismo. Mas não se pode acabar com elas desse modo. A guerra é um produto inevitável da divisão da sociedade em classes. A ameaça que representam nunca cessará implorando aos governantes que façam as pazes. As armas têm que ser arrancadas das suas mãos por um movimento que luite por derrubar a sociedade de classes de uma vez por todas.

Os movimentos pacifistas que apareceram na Europa e América do Norte no final dos anos setenta não compreenderam isso. Eles luitaram para deter a introdução dos mísseis Cruise e Persing, polo desarmamento unilateral, por um congelamento nuclear. Mas eles acreditavam que a luita pola paz podia obter sucesso isolada da luita entre capital e trabalho.

Desse modo, somente poderiam falhar no sentido de mobilizar o único poder capaz de deter os esforços para guerra, a classe trabalhadora. Apenas a revolução socialista pode deter o horror das guerras.


Inclusão 23/10/2010
Última atualização 14/04/2014