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Na França a esmagadora maioria dos socialistas e sindicalistas apoiam geralmente a ideia de que a sociedade poderia ser transformada sem uma revolução violenta. Tudo que é necessário, segundo eles, é que os socialistas ganhem suficiente apoio popular para ganhar o controle das instituições políticas “tradicionais” — o parlamento e as câmaras municipais. Desse modo, os socialistas estariam em condições de mudar a sociedade usando o estado atual — o serviço público, o judiciário, a polícia e as forças armadas — para impor as leis que limitem o poder da classe empregadora.
Deste jeito, argumentam, o socialismo pode ser introduzido gradualmente e sem violência, através da reforma do sistema atual.
Esta teoria é, geralmente, chamada de “reformismo”, embora ocasionalmente possa receber o nome de “revisionismo” (porque envolve uma revisão completa das ideias de Marx), “social-democracia” (embora até 1914, isso significasse socialismo revolucionário) ou fabianismo (por causa da Sociedade Fabiana, que há muito tempo disseminou as ideias reformistas na Inglaterra). Esta é uma concepção aceita tanto pola esquerda, como pola direita do Partido Trabalhista Inglês, como polo Partido Comunista.
O reformismo parece, à primeira vista, muito plausível. Isto corresponde com o que aprendemos na escola, jornais ou na televisão — que o “parlamento governa o país” e que “o parlamento é eleito democraticamente pola vontade do povo”. No entanto, a despeito disso, qualquer tentativa de introduzir o socialismo através do parlamento têm sido um fracasso. Assim, Tivemos vários governos com maioria de esquerda na França desde 1945, em especial com maioria maioria absoluta em 1981 — e não estamos mais perto do socialismo do que em 1945.
A experiências noutras partes são as mesmas No Chile em 1970, o socialista Salvador Allende foi eleito presidente. As pessoas afirmaram que era um “caminho novo” para chegar ao socialismo. Três anos mais tarde, os generais que tinham sido chamados a se juntar ao governo derrubaram Allende e o movimento dos trabalhadores chilenos foi destruído. Há três razões, todas intimamente ligadas, que explicam porque o reformismo nunca pode suceder.
Em primeiro lugar, enquanto maiorias socialistas, em parlamentos, estão introduzindo “gradualmente” medidas socialistas, o poder econômico real continua nas mãos da velha classe dominante. Podem usar esse poder econômico para fechar seções inteiras de indústria, criar desemprego, aumentar os preços pola especulação, enviar dinheiro ao exterior para criar uma crise na “balança de pagamentos”, e lançar campanhas na imprensa culpando o governo socialista.
Assim, o governo socialista de François Mitterrand foi forçado em 1982 a retirar as medidas que beneficiavam os trabalhadores — devido a uma fuga de capitais organizada polos ricos e as companhias. O governo trabalhista de Harold Wilson foi forçado em 1964 e novamente em 1966 a cessar de conceder medidas favoráveis os trabalhadores. O próprio Wilson escreve em suas memórias:
“Nós chegamos à situação em que um governo recém-eleito foi avisado polos especuladores internacionais que o programa político com que vencemos as eleições não poderia ser posto em prática... Foi solicitado ao primeiro ministro da Rainha que baixasse a cortina sobre a democracia parlamentar aceitando que a eleição inglesa fora uma farsa, que o povo britânico não podia escolher entre duas políticas”.
É preciso acrescentar que a despeito da alegada indignação de Wilson, polos seis anos seguintes passou na verdade a seguir o tipo de política do agrado dos especuladores.
Igual tipo de crise deliberada do balanço de pagamentos forçou o governo trabalhista eleito em 1974 a fazer três cortes consecutivos nos gastos da saúde, da educação e dos serviços sociais.
O governo Allende no Chile enfrentou um boicote ainda maior por parte da alta finança. Por duas vezes, sectores industriais inteiros fecharam as portas devido a “greves dos patrões”, enquanto a especulação aumentava enormemente os preços e o controle dos estoques, obrigando a população a enfrentar filas para a comida.
A segunda razão pola qual o capitalismo não pode ser reformado deve-se a que o Estado atual não é “neutro”, mas concebido de cima a baixo, para preservar a sociedade capitalista. O Estado controla quase todos os meios de força física, os meios da violência. Se a organização do Estado fosse neutra, e fizesse exatamente o que lhe ordena um determinado governo, fosse capitalista ou socialista, então o Estado poderia ser usado para impedir a sabotagem econômica da alta finança. Mas chega olhar como funciona a máquina do Estado e quem realmente dá as ordens, para percebermos que não é neutro.
A máquina estatal não consiste simplesmente no governo. É uma vasta organização com vários ramos — a polícia, o exército, o judiciário, o serviço público, aqueles que dirigem as empresas estatais, etc. Muitas das pessoas que trabalham nesses diferentes ramos estatais vêm da classe trabalhadora — vivem e são pagos como os outros trabalhadores.
Mas não são estas as pessoas que tomam as decisões. Os soldados rasos não decidem em quais guerras vão luitar ou qual greve deve ser reprimida; o funcionário da seguridade social não decide o montante das prestações de seguro de desemprego. Toda a máquina estatal é baseada no princípio de que as pessoas que estão num degrau determinado da escada devem obedecer aqueles que estão no degrau de cima.
Este é essencialmente o caso dos órgãos governamentais que exercem a violência física - exército, marinha, força-aérea, polícia. A primeira cousa que aprende o soldado quando se alista — muito antes de poder pegar nas armas — é obedecer as ordens, independentemente das suas opiniões pessoais sobre essas ordens. É por isso que se lhes ensina a fazer treinamentos absurdos. Se é capaz de seguir os movimentos absurdos num desfile, é de se esperar que não vai fazer mais perguntas.
O maior crime no exército é a recusa em obedecer as ordens — o motim. Tão terrível é esta ofensa, que o motim em tempo de guerra é castigado com a morte.
Quem dá as ordens?
Se se dar uma olhada a hierarquia do exército francês (e nos outros exércitos não é diferente) veremos: general — comandante brigadeiro — coronel tenente — soldado. Em nenhum estágio metem-se de permeio os representantes eleitos — seja um deputado ou um político local. E isso acontece porque seria um ato de motim se os soldados escolhessem obedecer a seu deputado ao invés de seu oficial.
O exército é uma enorme máquina de matar. Quem a comanda e têm o poder de promover outros soldados para posições de comando, são os generais. É claro que, em teoria, os generais são responsáveis perante o governo eleito. Mas soldados são treinados para obedecer generais, não políticos. Se os generais decidem dar ordens aos soldados que não são as do governo eleito, este não tem forma de impedir o cumprimento dessas ordens. Apenas pode convencer os generais a mudar as suas intenções, sempre que seja sabedor das ordens que foram dadas — porque os assuntos militares são sempre mantidos em segredo, e é muito fácil para os generais esconderem as suas atividades os governos que não confiam. Isso não significa que os generais ignorem, sempre ou muitas vezes, o que o governo lhes diz. Em geral, na França encontraram mais útil seguir quase tudo o que sugeriram os governos. Mas, numa situação de vida ou morte, os generais são capazes de ativar a sua poderosa máquina de matar sem ouvir o governo. E o governo não tem muito o que fazer nesses casos. Isto foi o que fizeram, por exemplo, no Chile quando Allende foi derrubado.
Portanto, a questão não é “quem manda no exército?” mas, “quem são os generais?” Na França a maioria dos oficiais de alta patente vêm das escolas privadas (“militares” e pagas, St-Cyr, La Flèche e Ginette, por exemplo) “livres” — a mesma proporção de há cinquenta anos (as mesmas escolas que formaram, além disso, uma parte dos generais africanistas). Estão ligados à alta finança, pertencem aos mesmos clubes, exercem as mesmas funções sociais, partilham as mesmas ideias (se se tiver dúvidas, leia qualquer exemplar do Figaro). O mesmo ocorre com o alto escalão do serviço público, os juizes, os comissários.
Pensam que essas pessoas vão obedecer as ordens de um governo para tomar o poder econômico das mãos dos seus amigos e parentes na alta finança, somente porque quinhentas pessoas discutem na câmara dos deputados? Não irão, ao contrário, como os generais chilenos, sabotar as ordens do governo por três anos e, quando chegar o momento certo, derrubarão o governo eleito?
Na prática, a Constituição que temos na França permite que aqueles que controlam a máquina estatal sejam capazes de distorcer a vontade de um governo de esquerda democraticamente eleito sem ter que liquidá-lo fisicamente. Se um governo desse tipo fosse eleito, enfrentaria uma incansável sabotagem econômica (fechamento de fábricas, fuga de capitais, controle de estoques, inflação galopante). Se esse governo tentasse lidar com esta sabotagem através dos “meios constitucionais” — aprovando leis — iria logo descobrir que estaria com as mãos atadas às costas.
O Parlamento recusaria certamente ratificar essas leis — adiando a sua votação no máximo. Os juizes as “interpretariam” de modo a restringir seu poder de ação. O alto escalão do serviço público, os generais e os chefes da polícia usariam as decisões dos juízes e do Parlamento para justificar a sua própria inação perante o seu ministério. Seriam apoiados por praticamente toda a imprensa, declarando que o governo estaria se comportando “ilegalmente”. Os generais usariam então esses argumentos para justificar os preparativos para derrubar o governo “ilegal”.
O governo ficaria impotente perante o caos econômico — a não ser que agisse realmente de forma inconstitucional e chamasse os soldados, a polícia a se rebelarem contra seus superiores.
Para aqueles que pensam que tudo isso é ciência-ficção, gostaria de acrescentar que houve polo menos duas ocasiões na história recente da Inglaterra e da França, onde os generais têm sabotado as decisões do governo das que eles não gostavam.
Em 1912, a Câmara dos Comuns aprovou uma lei permitindo a criação de um parlamento “independente” para governar uma Irlanda unida. O líder da direita, Bonar Law, denunciou imediatamente o governo (liberal!) e acusou-o de ser uma junta ilegal que tinha “vendido a Constituição”. A Câmara dos Lordes retardou, naturalmente, a aplicação desta lei o máximo possível (dous anos neste caso), enquanto o ex-ministro da direita, Edward Carson, organizava uma força paramilitar no norte da Irlanda para resistir à lei.
Quando se ordenou os generais que comandavam o exército britânico na Irlanda se deslocar para o norte para fazer frente aos paramilitares, se recusaram e ameaçaram demitir-se. Por causa dessa ação, comumente conhecida como o “Motim Curragh”, que as Irlandas do Norte e do Sul não conseguiram ter um parlamento unificado em 1914, e permanecem, ainda hoje, como nação dividida.
Em 1961, quando a guerra na Argélia estava prestes a ser perdida polo exército francês, alguns dos generais recusaram-se a acordos que permitam a independência da Argélia. Desobedientes a De Gaulle, prepararam-se para tomar o poder. Não foram apoiadas polas suas tropas, que eram na sua maioria recrutas (que ouviam o rádio e sabiam a situação em França). O golpe falhou. Contudo, não impediu a polícia de disparar sobre a multidão que também apoiava a independência da Argélia (sobre os argelinos, em Outubro de 61 e, em seguida, sobre os manifestantes de Charonne em 62).
Em 1974 aconteceu um repetição miniatura dos eventos de 1912. Os partidários de direita leais à coroa britânica organizaram uma interrupção geral da indústria, usando barricadas para impedir as pessoas de irem para o trabalho. Eles não aceitavam ser governados pola coalizão entre protestantes e católicos, formada para dirigir a Irlanda do Norte. Os ministros ingleses convocaram o exército inglês e a polícia norte-irlandesa para dissolver as barricadas e dar um fim à greve. Os altos oficiais do exército e os comandantes da polícia disseram ao governo que isto seria desaconselhável e que nem os soldados, nem a polícia marchariam contra os partidários da Coroa. O governo de coalizão protestante-católica foi forçado a renunciar, já que o ponto de vista dos militares mostrara-se mais poderoso do que o ponto de vista do governo inglês.
Se isto pôde acontecer em 1912, em 1961 e em 1974 com governos do centro (ou da direita) tentando fazer valer tímidas medidas, imaginai o que aconteceria se um governo de socialistas militantes fosse eleito. Todos os reformistas sinceros logo seriam obrigados a fazer a escolha: ou abandonar as reformas e seguir as instruções de quem controla a indústria e as posições-chave do Estado, ou se preparar para um conflito aberto, que, inevitavelmente irá significar o uso da força contra aqueles que controlam essas posições.
A terceira razão pola qual o reformismo é um beco sem saída é que a “democracia” parlamentar contém mecanismos internos para evitar que qualquer movimento revolucionário possa tomar forma através dela.
Alguns reformistas argumentam que a melhor maneira de tirar o poder daqueles que controlam as posições-chave na máquina estatal é a esquerda obter uma maioria no Parlamento em primeiro lugar. Este argumento desmorona porque os parlamentos sempre subestimam o nível de consciência revolucionária da maioria da população.
A maioria da população vai acreditar que pode assumir o controle da sociedade quando começar na prática a mudar a sociedade através da luita. É só quando milhões de pessoas ocupam as suas fábricas e tomam parte numa greve geral que as ideias socialistas revolucionárias tornam-se subitamente realistas.
Mas tal nível de luita não pode ser mantido indefinidamente, a menos que a velha classe dominante seja expulsada do poder. Se ela conseguir resistir, só terá que esperar até que as ocupações e greves declinem, e, então, passará a usar o seu controle sobre o exército e a polícia para quebrar a luita. Uma vez que as greves e ocupações comecem a enfraquecer, o sentimento de confiança e unidade entre os trabalhadores começa a desvanecer. Dá lugar à desmoralização e à angústia. Mesmo os mais combativos começam a sentir que a mudança da sociedade é apenas um sonho louco.
É por isso que os patrões preferem sempre que os votos das greves se façam quando os trabalhadores estão em casa, tomando as suas ideias da televisão ou dos jornais, e não quando estão unidos em reuniões de massa, podendo ouvir os argumentos dos outros trabalhadores.
É também por isso que quase todas as leis anti-sindicais incluem uma cláusula obrigando os trabalhadores a parar a greve quando são realizadas eleições. Este tipo de cláusula é chamada, com razão, a dos períodos de “resfriamento” — Tais cláusulas são feitas para deitar água fria na unidade dos trabalhadores.
O sistema parlamentar prevê, na sua estrutura, períodos de calmaria e de votações secretas. Por exemplo, se um governo é posto de joelhos frente a uma grande greve, é provável que diga: “Está bem, esperem três semanas até que haja eleições parlamentares que resolverá a questão democraticamente”. Espera-se que neste ínterim a greve seja suspensa. A confiança e a unidade dos trabalhadores irá então enfraquecer. Os empresários poderão fazer listas negras de militantes. A imprensa capitalista e a sua televisão podem novamente começar a funcionar normalmente, martelando os trabalhadores com ideias a favor do governo. A polícia pode prender os “desordeiros”.
Então quando a eleição finalmente acontece, o voto já não reflete o ponto culminante da luita dos trabalhadores, mas o nível mais baixo, após a greve.
Na França, em 1968, o governo do general De Gaulle usou as eleições exatamente para isso. Os partidos reformistas operários e os sindicatos pediram o fim da greve, e De Gaulle venceu as eleições.
O primeiro ministro britânico, Edward Heath, tentou o mesmo truque ao enfrentar uma greve dos mineiros mantida massivamente, em 1974. Mas desta vez os mineiros não foram enganados. Permaneceram em greve e Heath perdeu as eleições.
Se os trabalhadores esperarem as eleições para decidir questões-chave na luita de classes, nunca chegarão a este alto nível.
Contra isso, Marx na sua brochura A Guerra Civil na França, assim como Lenine em O Estado e a Revolução, descreveram uma visão completamente diferente sobre como o socialismo pode ser conquistado. Nenhum deles tirou essas ideias do nada, Ambos desenvolveram as suas análises observando a classe operária em ação - Marx viu a Comuna de Paris, Lenine os sovietes (conselhos de trabalhadores) russos de 1905 e 1917.
Mas Marx e Lenine insistiram no fato de que a classe trabalhadora não poderia começar a construir o socialismo sem que antes ter destruído o velho Estado baseado nas cadeias de comandos burocráticos, para em seguida criar um novo Estado baseado em princípios inteiramente novos. Lenine sublinhou que este Estado teria que ser completamente diferente do antigo, que ele chamou-o de “semi-Estado, um Estado que não é um Estado”.
Um novo Estado, diziam Marx e Lenine, será absolutamente necessário se a classe obreira quer impor a sua lei sobre os restos das velhas classes dominantes e intermediárias. É por isso que eles o chamaram de “ditadura do proletariado” — a classe operária deve decidir como a sociedade deve funcionar. Também teria que defender a sua revolução dos ataques das classes dominantes de outros países. Para cumprir estas duas tarefas, tem que ter a sua própria força armada, alguma forma de polícia, tribunais, prisões.
Mas para que este novo exército, polícia e sistema legal fossem controlados pola classe operária, e nunca virar-se contra os seus interesses, devem ser de natureza completamente diferente daqueles do estado capitalista. Têm que ser o meio com o qual a classe obreira como maioria imponha a sua ditadura sobre o resto da sociedade, não uma ditadura contra a maioria da classe trabalhadora.
As principais diferenças são:
O estado capitalista serve aos interesses de uma pequena minoria da sociedade. O Estado obreiro tem de servir aos interesses da grande maioria. A força num Estado capitalista é exercida por uma minoria de mercenários, separados do restante da sociedade e treinados para obedecer as ordens dos seus superiores. Num estado operário, a força seria necessária apenas para que a maioria dos atos anti-sociais remanescentes da antiga classes privilegiada. A polícia e o exército de um Estado operário deve ser composto de trabalhadores que convivem livremente com os seus companheiros de trabalho, que compartilham as mesmas ideias e a mesma vida. De fato, para garantir que os soldados e policiais nunca se nunca se separem da massa de trabalhadores, a “polícia” e os “soldados” devem ser trabalhadores que revezam no desempenho dessas funções.
Ao invés de serem dirigidas por pequenos grupos de oficiais, as forças armadas e a polícia serão dirigidas por representantes eleitos dos trabalhadores. Os representantes parlamentares, num Estado capitalista, aprovam leis, mas deixam em tempo integral aos burocratas, juízes e chefes da polícia a tarefa de aplicá-las. Isto permite que deputados e vereadores tenham milhões de desculpas quando suas promessas não são cumpridas. Os representantes dos trabalhadores num Estado operário terão que fazer que as suas leis entrem em vigor imediatamente. Eles, e não uma elite de altos burocratas, terão que explicar aos trabalhadores do serviço público, o exército etc. como as cousas devem ser feitas. Da mesma forma, os representantes eleitos terão que interpretar essas leis nos tribunais.
Os representantes parlamentares num Estado capitalista estão separados daqueles que os elegeram por altos salários. Num Estado operário, os representantes não vão receber mais do que a média do salário dum trabalhador. O mesmo vale para aqueles que trabalham executando as decisões dos representantes (o equivalente aos atuais servidores públicos). Os representantes obreiros, e de todos os envolvidos com a implementação das decisões dos trabalhadores, não devem ser, como os deputados, eleitos por cinco anos (ou toda a vida no caso dos altos funcionários públicos), sem possibilidade de demissão. Terão que se sujeitar a polo menos uma eleição por ano, e a abdicar dos seus mandatos a qualquer tempo se não seguem os desejos dos trabalhadores.
Os representantes parlamentares são eleitos por todas as pessoas de uma certa localidade — burgueses, classe média e classe trabalhadora, por proprietários igual que por inquilinos. Num Estado operário, somente votariam nas eleições aqueles que trabalham, votando apenas após uma discussão aberta. Assim, o núcleo do Estado operário seria os conselhos obreiros nas fábricas, nas minas, nos portos, nos escritórios, e grupos como as donas-de-casa, os aposentados, os estudantes com os seus próprios representantes.
Desse modo, cada seção da classe operária teria os seus próprios representantes e seria capaz de julgar se ele ou ela seguiram os seus interesses. Assim, o novo Estado não pode tornar-se uma força separada e contrária à maioria da classe obreira — ao contrário do que aconteceu nos países do bloco de Leste que se chamavam de “Comunistas”.
Ao mesmo tempo, o sistema de conselhos operários fornece uma ferramenta com a qual os trabalhadores podem coordenar os seus esforços na direção da indústria de acordo com um plano aprovado nacional democraticamente, e não acabarem concorrentes. É fácil ver como a tecnologia moderna dos computadores possibilitaria a todos os trabalhadores receberem informações sobre as diversas opções econômicas abertas à sociedade, e a orientar seus representantes de modo a escolher aquilo que a maioria dos trabalhadores entende serem as melhores opções — Se se deveria construir Concordes ou um sistema público de transporte confiável e barato, saber se quer construir bombas nucleares ou um banco de rins artificiais, etc.
Já que o poder do Estado não seria mais algo separado da massa dos trabalhadores, será muito menos coercitivo que sob o capitalismo. Quando os restos da velha sociedade contra a qual está dirigido, se conformassem com o sucesso da revolução, e à medida em que outras revoluções derrubem as outras classes dominantes, seria cada vez menos necessária a coerção, até que os trabalhadores já não precisassem deixar o seu trabalho para realizar as tarefas de “policiais” e “militares”.
Isto é o que Marx e Lenine queriam dizer quando afirmavam que o Estado deveria desaparecer. Ao invés da coerção contra o povo, o Estado tornar-se-ia mais um instrumento dos conselhos obreiros para decidir como produzir e distribuir os bens.
Os conselhos operários devem aparecer de uma forma ou de outra, quando os conflitos entre as classes tem atingido um nível muito elevado. “Soviete” foi a palavra russa para descrever os conselhos operários em 1905 e 1917.
Em 1918, na Alemanha os conselhos de trabalhadores foram, por um breve tempo, o único poder no país. Na Espanha, em 1936, os vários partidos e sindicatos operários se uniram nos "comitês de milícia", os quais dirigiam as localidades e eram muito parecidos com conselhos operários. Na Hungria, em 1956, os trabalhadores elegeram conselhos para dirigir as fábricas e as cidades durante a luita contra as tropas russas. No Chile, em 1972-73, os trabalhadores começaram a formar “cordones” — comitês de trabalhadores que estavam ligados às grandes fábricas.
Os conselhos de trabalhadores aparecem como um estruturas utilizadas polos trabalhadores nas suas luitas contra o capitalismo. Podem começar com modestas funções, levantando fundos para apoiar a greve, por exemplo, mas, porque se baseiam na eleição direta dos trabalhadores, com representantes operários eleitos para mandatos revogáveis, podem nos momentos mais radicais da luita, coordenar os esforços de toda a classe trabalhadora. Podem formar a base do poder dos trabalhadores.
Inclusão | 21/09/2010 |