Uma Entrevista com Leon Trotsky

Mateo Fossa

23 de Setembro de 1938


Entrevista: 23 de Setembro de 1938

Primeira edição em português: Tribuna Internacional Nº 1.

Fonte da presente transcrição: Brochura A Questão Nacional Hoje- Edições O Trabalho- Brasil, 1999
Transcrição para a web:Alexandre Linares para o Marxist Internet Archive
HTML por  Alexandre Linares para o Marxist Internet Archive.


Fossa: Qual será, em sua opinião o desenvolvimento futuro da situação atual na Europa?

Trotsky: É possível que também nessa ocasião a diplomacia possa chegar a um desonroso compromisso. Mas ele não durará muito tempo. A guerra é inevitável em um futuro muito próximo. Uma crise internacional segue a outra. Suas convulsões são as dores do parto da guerra que se aproxima. Cada novo paroxismo terá um caráter mais severo e perigoso. Atualmente não vejo nenhuma força no mundo que possa deter o desenvolvimento desse processo, ou seja, o início da guerra. Uma terrível matança avança inexoravelmente em direção à humanidade.

Naturalmente, uma ação revolucionária oportuna por parte do proletariado internacional poderia paralisar o serviço de rapina dos imperialistas. Mas nós devemos encarar a realidade. As massa trabalhadoras da Europa, em sua imensa maioria, estão sob a direção da Segunda e Terceira internacionais(1). Os dirigentes da Internacional sindical de Amsterdã apoiam a política das direções da Segunda e Terceira Internacionais e estão a seu lado no que se chama "Frentes Populares"(2).

A política da Frente Popular como demonstram os exemplos de da Espanha, França e outros países consiste em subordinar o proletariado à ala esquerda da burguesia. Todavia toda a burguesia dos países capitalistas, tanto de direita como de "esquerda", está impregnada de chauvinismo e de imperialismo. A "Frente Popular" serve para transformar os operários em bucha de canhão para a sua burguesia imperialista. E para nada além disso.

A Segunda e Terceira Internacionais e a Internacional sindical de Amsterdã são atualmente organizações contra-revolucionárias, cuja tarefa é freiar e paralisar a luta revolucionária do proletariado contra o imperialismo "democrático". Enquanto a criminosa direção dessas internacionais não for derrotada, os operários serão impotentes para opor-se à guerra. Essa é a amarga mas indiscutível realidade. Nós devemos aprender a encará-la de frente e não nos consolarmos com ilusões e discursos pacifistas. A guerra é inevitável!
Fossa: Qual será o efeito da guerra sobre a luta da Espanha e sobre o movimento operário internacional?
Trotsky: Para compreender corretamente a natureza dos próximos acontecimentos devemos antes de ais nada demostrar a teoria falsa e completamente equivocada segundo a qual a próxima guerra será uma guerra entre o fascismo e a "democracia. Nada é mais falso e mais estúpido do que essa idéia. As "democracias" imperialistas estão divididas por causa das contradições dos seus interesses em todo o mundo. A Itália fascista pode facilmente passar para o lado da Grã-Bretanha e da França se ela deixa de acreditar na vitória de Hitler. A Polônia semi-fascista pode unir-se a um outro lado, de acordo com as vantagens que lhe serão oferecidas. No transcorrer da guerra a burguesia francesa pode substituir sua "democracia" pelo fascismo para manter a submissão dos operários e obrigá-los a lutar "até o fim".

A França fascista, assim como a frança "democrática", defenderá suas colônias com armas na mão. A nova guerra terá um caráter de rapina imperialista muito mais claro do que de 1914-18. Os imperialistas não lutam por princípios políticos, mas por mercados, colônias, matérias primas, pela hegemonia sobre o mundo e sobre suas riquezas.

A vitória de qualquer um dos campos imperialistas representaria a escravidão definitiva de toda a humanidade, o fortalecimento da submissão de colônias existentes, dos povos fracos e atrasados, entre eles os da América Latina. A vitória de qualquer um dos campos imperialistas representará a escravidão, a desgraça, a miséria, a decadência da cultura humana.

Qual é a saída, você me pergunta? Pessoalmente, não tenho dúvidas de que a nova guerra provocará uma revolução internacional contra a dominação das camarilhas imperialistas sobre a humanidade. Durante a guerra todas as diferenças entre "democracia imperialista" e o fascismo desaparecerão. Em todos os países uma ditadura militar impiedosa reinará. Os operários e camponeses alemães morrerão da mesma forma que os franceses e ingleses.

Os modernos instrumentos de destruição sã tão aperfeiçoados que a humanidade provavelmente não será capaz de resistir à guerra mais do que alguns meses. O desespero, a indignação, o ódio levarão as massas de todos os países em guerra a uma insurreição armada. A revolução socialista é inevitável. A vitória do proletariado mundial acabará com a guerra e resolverá dessa forma o problema espanhol, assim como todos os problemas atuais da Europa e de outras partes do mundo.

Esses "dirigentes" da classe operária querem atrelar o proletariado ao tanque de guerra do imperialismo, coberto com a máscara da "democracia", são hoje os piores inimigos e os traidores diretos dos trabalhadores. Nós devemos ensinar os operários a odiar e a desprezar os agentes do imperialismo, pois eles envenenam a consciência dos trabalhadores; nós devemos explicar aos operários que o fascismo é apenas uma das formas do imperialismo, que nós não devemos lutar contra os sintomas exteriores da doença mas contra suas causas orgânicas, ou seja, contra o capitalismo.

Fossa: Qual é a perspectiva para a revolução mexicana? Como você vê a desvalorização da moeda em relação com a expropriação das riquezas da terra?

Trosky: Eu não posso falar suficientemente em detalhes sobre essas questões. A expropriação da terra e das riquezas naturais é uma medida indispensável de defesa nacional para o México. Não satisfazendo as necessidades cotidianas do campesinato, nenhum país latino-americano poderá obter sua independência. A queda do poder de compra da moeda é um resultado do bloqueio imperialista contra o México, que já começou. As privações materiais são inevitáveis na luta. É impossível salvar-se sem sacrifícios. Capitular diante dos imperialistas significaria abandonar a riqueza natural do país à pilhagem e o povo à decadência e a extinção . Evidentemente as organizações operárias devem estar atentas para que o aumento do custo de vida não recaia fundamentalmente sobre os trabalhadores.

Fossa: O que você pode dizer sobre a luta de libertação dos povos da América Latina e sobre os problemas do futuro? Qual é a sua opinião sobre o aprismo?(3)

Trotsky: Eu não estou suficientemente a par da vida de cada um países da América Latina para poder dar uma resposta concreta às questões que você me apresenta. De qualquer maneira, me parece claro que as tarefas internas desses países não podem ser resolvidas sem uma luta revolucionária simultânea contra o imperialismo. Os agentes dos Estados Unidos, Inglaterra, França (Lewis, Jouhaux, Lombardo Toledano, os estalinistas)(4) tentam substituir a luta contra o imperialismo pela luta contra o fascismo. Nós temos observado os esforços criminosos feito por eles no recente congresso contra a guerra e o fascismo. Nos países da América Latina, os agentes dos imperialismos "democráticos" são particularmente perigosos, porque são mais capazes de enganar as massas que os agentes declarados dos bandidos fascistas. Eu tomarei o exemplo mais simples e mais demonstrativo.

Existe atualmente no Brasil um regime semi-fascista que qualquer revolucionário só pode encarar com ódio. Suponhamos, entretanto que, amanhã, a Inglaterra entre em conflito militar com o Brasil. Eu pergunto a você de que do conflito estará a classe operária? Eu responderia: nesse caso eu estaria do lado do Brasil "fascista" contra a Inglaterra "democrática". Por que? Porque o conflito entre os dois países não será uma questão de democracia ou fascismo. Se a Inglaterra triunfasse ela colocaria um outro fascista no Rio de Janeiro e fortaleceria o controle sobre o Brasil. No caso contrário, se o Brasil triunfasse, isso daria um poderoso impulso à consciência nacional e democrática do país e levaria à derrubada da ditadura de Vargas.(5) A derrota da Inglaterra, ao mesmo tempo, representaria um duro golpe para o imperialismo britânico e daria um grande impulso ao movimento revolucionário do proletariado inglês. É preciso não Ter nada na cabeça para reduzir os antagonismos mundiais e os conflitos militares à luta entre o fascismo e a democracia. É preciso saber distinguir os exploradores, os escravagistas e os ladrões por trás de qualquer máscara que eles utilizem!

Em todos os países latino-americanos, os problemas da revolução agrária estão indissociavelmente ligados à luta anti-imperialista. Os stalinistas estão, hoje, buscando paralisar as duas lutas. Para o kremlin, os países latino-americanos são apenas pequenas moedas em seus negócios com os imperialistas. Stalin diz em Washington, Londres e Paris: "Reconheçam-me como um parceiro em condições de igualdade e eu ajudarei vocês a esmagar o movimento revolucionário nas colônias e semi-colônias; para isso tenho sob minhas ordens centenas de agentes como Lombardo Toledano". O stalinismo tornou-se lepra do movimento de libertação mundial.
Não conheço suficientemente o aprismo para dar sobre ele um parecer definitivo. No Peru, a atividade desse partido tem um caráter ilegal, e, consequentemente, é difícil observá-la. Os representantes do APRA no congresso de setembro contra a guerra e o fascismo reunido no México, adotaram, em minha opinião, uma posição digna e correta conjuntamente com os delegados de Porto Rico. A esperança é que o APRA não se torne uma presa do stalinismo, por que isso paralisaria a luta pela libertação no Peru. Eu creio que os acordos com os apristas em tarefas práticas bem definidas são possíveis e desejáveis, sob condição de uma completa independência organizativa.

Fossa: Que conseqüências terá a guerra para os países da América Latina?

Trotsky: Sem dúvida, os dois campos imperialistas tentarão envolver os países latino-americanos na guerra para, em seguida, reduzí-los à escravidão completa. O vazio palavrório "anti-fascista" somente prepara o terreno para os agentes de um dos campos imperialistas. Para prepararem-se para a guerra mundial, os partidos revolucionários da América Latina deveriam aproximar-se uns dos outros.

Em um primeiro período da guerra, a posição dos povos fracos pode tornar-se muito difícil. Porém, os campos imperialistas se enfraquecerão cada vez mais, mês após mês. A luta mortal entre eles permitirá aos países latino-americanos. Eles serão capazes de atingir sua completa libertação, se à frente das estiverem partidos e sindicatos verdadeiramente revolucionários, anti-imperialistas. Não se pode cair de circunstâncias históricas trágicas através de estratagemas, frases ocas ou pequenas mentiras. Nós devemos dizer a verdade às massas, toda a verdade e apenas a verdade.

Fossa: Quais são, em sua opinião, os métodos e as tarefas dos sindicatos?

Trotsky: Para que os sindicatos possam ser capazes de reunir, educar e mobilizar o proletariado para uma luta de libertação, eles devem libertar-se do métodos totalitários do stalinismo. É preciso abrir os sindicatos aos operários de todas as tendências, mantendo-se a disciplina na ação. Toda pessoa que transforma os sindicatos em uma arma destinada a fins exteriores (em particular com instrumento da burocracia stalinista e do imperialismo "democrático") divide inevitavelmente a classe operária, a enfraquece e abre as portas à reação. Uma completa e honesta democracia no interior dos sindicatos é a condição mais importante para a democracia no país.

Para terminar, eu peço a você que transmita minha saudação fraternal aos operários da Argentina. Sei que eles não acreditam nas desagradáveis calúnias que os agentes stalinistas fazem circular no mundo sobre minha pessoa e sobre meus amigos. A luta da IV Internacional contra a burocracia stalinista é uma continuação da grande luta histórica dos oprimidos contra os opressores, dos explorados contra os exploradores. A revolução internacional libertará todos os oprimidos, inclusive os trabalhadores da URSS.


Notas de rodapé:

(1) A Segunda Internacional foi organizada em 1889 como uma associação dos partidos social-democratas e operários, reunindo elementos revolucionários e reformistas. Seu papel progressivo encerrou-se em 1914, quando suas principais seções violaram os princípios socialistas internacionalistas mais elementares apoiando seus governos respectivos na guerra imperialista. Ela desapareceu durante a Primeira Guerra Mundial e foi ressuscitada como organização totalmente reformista em 1923. (retornar ao texto)

(2) Internacional Sindical de Amsterdã era o nome pela qual era conhecida a Federação Internacional dos sindicatos de orientação social-demcrtata, com sede em Amsterdã. (retornar ao texto)

(3) O APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana) possuía em seu apogeu partidários em Cuba, México, Peru, Chile, Costa Rica, Haiti e Argentina. O Aprismo foi o primeiro movimento a lutar pela unidade latino-americana contra o imperialismo. O APRA elaborou um programa populista de 5 pontos: unidade de ação contra o imperialismo ianque; unidade da América Latina; industrialização e reforma agrária; internacionalização do canal do Panamá; solidariedade mundial de todos os povos e classes oprimidas. Depois o APRA degenerou, tornando-se um partido liberal, anti-comunista e agente do imperialismo ianque. (retornar ao texto)

(4) John L. Lewis (1880-1969) foi presidente da United Mine Workers of América (sindicato dos mineiros) de 1920 até a sua morte. Ele dirigia a minoria do Conselho executivo da AFL e foi o principal fundador do CIO. Leon Jouhaux (1870-1954) foi secretário-geral da CGT francesa. Reformista, social-patriota, e colaboracionista de classes. Vicente Lombardo Toledano (1893-1968) stalinista, dirigia a Confederação dos Trabalhadores Mexicanos. (retornar ao texto)

(5) Getulio Vargas (1883-1954) foi o presidente do Brasil de 1930 a 1945, declarou as greves ilegais fechou as publicações operárias e prendeu os dirigentes sindicais. Sua constituição elaborada em 1937 interditava à classe operária qualquer direito enquanto classe. Ele chegou novamente ao poder em 1950, havendo nesse período atritos com o imperialismo norte americano. Em 1954 Vargas suicidou-se. (retornar ao texto)