Apresentação de O Comunista

Mao Tsetung

4 de Outubro de 1939


Tradução: A presente tradução está conforme à nova edição das Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Tomo II (Edições do Povo, Pequim, Agosto de 1952). Nas notas introduziram-se alterações, para atender as necessidades de edição em línguas estrangeiras.
Fonte: Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Pequim, 1975, Tomo II, pág: 463-482.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo
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Desde há muito que o Comité Central projetava a publicação duma revista interna do Partido. Esse projeto está, enfim, materializado. Um tal periódico era necessário a construção dum Partido Comunista da China bolchevizado, de escala nacional e caráter de grandes massas, um partido bem consolidado nos planos ideológico, político e de organização. Essa necessidade era mais evidente na situação atual que se carateriza, por um lado, pelo perigo de capitulação, ruptura e regressão no seio da Frente Única Nacional Anti-Japonesa, perigo diariamente crescente e, por outro lado, pelo fato de o nosso Partido, ultrapassados os seus estreitos limites, ter-se tornado num grande Partido a escala nacional. A tarefa do Partido é mobilizar as massas para superar o perigo de capitulação, ruptura e regressão referido e preparar-se para enfrentar todas as eventualidades possíveis, evitando-se que o Partido e a revolução sofram perdas imprevistas. Uma revista interna do Partido era, sem dúvida, absolutamente necessária num momento como este.

A nossa revista interna chama-se O Comunista. Qual a sua tarefa? Que artigos deve publicar? Em que aspeto ela difere das demais publicações do Partido?

A sua tarefa é ajudar a construir um Partido Comunista da China bolchevizado, de escala nacional e caráter de grandes massas, um partido bem consolidado nos planos ideológico, político e de organização. A construção de tal partido é um imperativo para a vitória da revolução chinesa e, para isso, estão dum modo geral reunidas já as condições objetivas e subjetivas. É um fato que essa grande tarefa já está em vias de realização. Era necessária uma revista especial do Partido para ajudar a cumprir essa grande tarefa, acima das possibilidades duma publicação vulgar do Partido. Essa a razão por que O Comunista é agora publicado.

Em certa medida, o nosso Partido já tem um caráter nacional e também de massas, e é já um partido bolchevizado, consolidado no plano ideológico, político e de organização, isto se atendermos a sua ossatura dirigente, a certos dos elementos do Partido, a linha geral e ao trabalho revolucionário.

Por que razão pois nos propomos hoje uma nova tarefa?

A razão é que, atualmente, temos muitas organizações novas, formadas por numeroso grupo de novos membros, as quais não podem no entanto considerar-se organizações de grandes massas, consolidadas no campo ideológico, político e de organização, nem bolchevizadas. Por outro lado temos que enfrentar a questão de elevar o nível dos velhos militantes do Partido e consolidar e bolchevizar ainda mais as antigas organizações, no plano ideológico, político e de organização. As circunstâncias em que se encontra hoje o Partido e as tarefas que tem de enfrentar são bem diversas das dos períodos das guerras civis revolucionárias; as circunstâncias presentes são muito mais complexas e as tarefas atuais muito mais difíceis.

Hoje encontramo-nos no período de frente única nacional, formamos uma frente única com a burguesia; é o período da Guerra de Resistência contra o Japão, e as forças armadas do Partido, na frente, em coordenação com os exércitos amigos, sustentam uma guerra encarniçada contra o inimigo; é um período de expansão do nosso Partido, que está a transformar-se num grande Partido a escala nacional e já deixou de ser o que era antes. Examinando essas circunstâncias e as respetivas interligações, compreenderemos quão gloriosa e séria é a tarefa que nos propusemos de “construir um Partido Comunista da China bolchevizado, de escala nacional e caráter de grandes massas, um partido bem consolidado nos planos ideológico, político e de organização”.

Queremos construir um tal partido. Mas como levar a efeito esse trabalho? A solução desse problema é inseparável da história do nosso Partido, da história dos seus dezoito anos de luta.

De 1921, ano em que se realizou o I Congresso Nacional, até hoje, o nosso Partido percorreu dezoito anos de história. Durante esse período o nosso Partido travou numerosas batalhas importantes. Nelas se forjaram os membros, os quadros e as organizações do Partido, os quais conquistaram grandes vitórias na revolução, embora sofrendo também sérias derrotas. Formou-se uma frente única nacional com a burguesia e, após a ruptura dessa frente, sustentaram-se duras lutas armadas contra a grande burguesia e aliados. Nos últimos três anos temos estado a viver novamente um período de frente única nacional com a burguesia. A revolução chinesa e o Partido Comunista da China desenvolveram-se no meio dessas complicadas relações com a burguesia chinesa. Isso constitui uma particularidade histórica, uma caraterística do processo da revolução nas colónias e semi-colónias, que não existe na história da revolução em qualquer dos países capitalistas. Por outro lado, a China é um país semi-colonial e semi-feudal que apresenta um desenvolvimento político, económico e cultural desigual e possui um território imenso, onde predomina a economia de tipo semi-feudal. Daí resulta que o caráter da revolução chinesa na fase atual é o da revolução democrático-burguesa, os seus alvos principais são o imperialismo e o feudalismo, as forças motrizes essenciais da revolução são o proletariado, a classe camponesa e a pequena burguesia urbana, participando também na revolução, em certos períodos e limites, a burguesia nacional, e a forma principal da luta revolucionária na China é a luta armada. Podemos dizer que a história do nosso Partido é a história da luta armada. O camarada Estáline salientou:

“Na China, a revolução armada luta contra a contra-revolução armada. Essa é uma das caraterísticas e uma das vantagens da revolução chinesa.”(1)

Essa observação está rigorosamente certa. Essa particularidade, própria da China semi-colonial, não existe na história das revoluções chefiadas pelos Partidos Comunistas dos países capitalistas; por outras palavras, ela marca a diferença entre a revolução na China e a revolução nos países capitalistas. Assim, a formação, duma frente única nacional revolucionária do proletariado e burguesia, ou a imposição da ruptura dessa frente ao proletariado, em primeiro lugar, e a luta armada como forma principal da revolução, em segundo lugar, tornaram-se nas duas caraterísticas particulares fundamentais do processo da revolução democrático-burguesa na China. Aqui nós não considerámos como particularidade fundamental as relações do Partido com a classe camponesa e a pequena burguesia urbana, porque, primeiro, essas relações são em princípio as mesmas que mantêm todos os Partidos Comunistas do mundo e, segundo, porque, quando se fala de luta armada na China, fala-se essencialmente da guerra dos camponeses, sendo que as íntimas relações do Partido com a guerra dos camponeses definem de fato as relações com a própria classe camponesa.

Em virtude dessas duas caraterísticas fundamentais, justamente por causa delas, a construção do Partido e respetiva bolchevização realizam-se em circunstâncias especiais. Os reveses ou os êxitos do Partido, os seus retrocessos ou avanços, a redução ou ampliação das suas fileiras e o seu desenvolvimento e consolidação não podem deixar de estar ligados as relações do Partido com a burguesia e com a luta armada. Quando a linha política do Partido resolve acertadamente a questão do estabelecimento duma frente única com a burguesia, ou da forçada ruptura desta, o Partido dá um passo em frente no seu desenvolvimento, consolidação e bolchevização. Pelo contrário, se o problema das relações com a burguesia é resolvido de forma incorreta, o Partido dá um passo atrás no seu desenvolvimento, consolidação e bolchevização. Do mesmo modo, quando considera corretamente o problema da luta armada revolucionária, o Partido dá um passo em frente nos três domínios mencionados e se esse problema é considerado de forma incorreta, dá um passo atrás nesse desenvolvimento, consolidação e bolchevização. Durante os últimos dezoito anos, a edificação e bolchevização do Partido têm estado intimamente ligadas a linha política deste, a maneira justa ou errada de encarar as questões da frente única e da luta armada. Os dezoito anos de vida do Partido confirmam de forma bem clara essa afirmação. Reciprocamente, quanto mais se bolcheviza o Partido, tanto melhor se pode determinar corretamente a sua linha política e melhor resolver os problemas da frente única e da luta armada. É evidente que a afirmação está também confirmada pelos dezoito anos de história do Partido.

A frente única, a luta armada e a edificação do Partido são pois as três questões fundamentais que interessam ao nosso Partido na revolução chinesa. Compreender corretamente essas três questões e as suas interrelações, significa dar uma direção justa a toda a revolução chinesa. Nós somos agora capazes de chegar a conclusões justas sobre essas três questões porque possuímos a rica experiência dos dezoito anos de história do nosso Partido, a experiência rica e profunda das derrotas e das vitórias, das retiradas e dos avanços, da redução e da expansão. Isso significa que agora estamos aptos a resolver corretamente as questões da frente única, da luta armada e da edificação do Partido. E significa também que os dezoito anos de experiência nos ensinaram que a-frente única, a luta armada e a edificação do Partido são tesouros do Partido Comunista da China, os seus três tesouros principais para derrotar o inimigo na revolução chinesa. Isso representa um grande sucesso do Partido Comunista da China e da revolução chinesa.

Agora, vejamos em síntese o que são esses três tesouros, essas três questões.

Nos últimos dezoito anos, a Frente Única do proletariado chinês com a burguesia e outras classes desenvolveu-se em três situações diferentes, constituindo três etapas diferentes: A Primeira Grande Revolução de 1924 a 1927, a Guerra Revolucionária Agrária de 1927 a 1937 e a atual Guerra de Resistência contra o Japão. A história dessas três etapas confirmou as leis seguintes:

  1. A burguesia nacional chinesa pode tomar parte na luta contra o imperialismo e contra os caudilhos militares feudais, em determinados períodos e em certos limites, porque a opressão estrangeira é a maior opressão que esmaga a China. Por isso, em tais períodos, o proletariado deve formar uma frente única com a burguesia nacional e mantê-la tanto quanto possível.
  2. Noutras condições históricas a burguesia nacional chinesa pode vacilar e trair, em virtude da sua debilidade económica e política. A composição da Frente Única revolucionária na China não permanece pois constante, está sujeita a modificações. A burguesia nacional participa na Frente Única em certas ocasiões e, noutras, não participa.
  3. A grande burguesia chinesa compradora está ao serviço direto do imperialismo e é uma classe alimentada por este, constituindo portanto, invariavelmente, um alvo da revolução. Contudo, há no seio dessa burguesia diferentes grupos, dependentes de diferentes potências imperialistas, pelo que, quando as contradições entre essas potências se tornam mais agudas e a ponta de lança da revolução se dirige principalmente contra uma delas, os vários grupos da grande burguesia dependentes das restantes potências imperialistas podem aderir, dentro de certos limites e durante um certo período, a luta contra a potência imperialista em causa. Em tais circunstâncias, com o objetivo de enfraquecer o inimigo e reforçar as próprias reservas, o proletariado chinês pode formar, segundo as possibilidades, uma frente única com esses vários grupos e mantê-la tanto quanto possível, desde que isso seja vantajoso para a revolução.
  4. A grande burguesia compradora continua a ser muito reacionária mesmo quando participa na frente única e se empenha, com o proletariado, na luta contra o inimigo comum. Opõe-se obstinadamente a todo o progresso nos domínios ideológico, político e de organização do proletariado e respetivo Partido, tenta impor-lhes restrições e emprega táticas corrosivas, como a mentira, a louvaminha, a “dissolução” e os ataques cerrados contra o proletariado e o Partido, tudo para preparar a capitulação ante o inimigo e romper a frente única.
  5. O campesinato é o aliado firme do proletariado.
  6. A pequena burguesia urbana constitui também um aliado seguro.

A validade dessas leis não foi apenas confirmada durante a Primeira Grande Revolução e durante a Revolução Agrária, está a sê-lo também na presente Guerra de Resistência. Consequentemente, para formar uma frente única com a burguesia (em especial com a grande burguesia) o partido político do proletariado tem de sustentar uma luta resoluta e rigorosa em duas frentes. Por um lado, torna-se necessário combater o erro que consiste em desprezar a possibilidade de a burguesia participar na luta revolucionária em certas condições e em determinados períodos. O erro está em confundir-se a burguesia chinesa com a burguesia dos países capitalistas, é daí que resulta o desprezo da política de formação duma frente única com a burguesia e manutenção dessa frente tanto quanto possível. É a isso que se chama desvio de “esquerda,” atitude de “porta fechada”. Por outro lado, impõe-se lutar contra o erro de identificar o programa, a política, a ideologia, a prática, etc., do proletariado com os da burguesia, esquecendo-se a diferença de princípio que entre eles existe. Esse erro consiste em descurar que a burguesia — sobretudo a grande burguesia — procura, por todos os meios, influenciar não só a pequena burguesia e o campesinato mas também o proletariado e o Partido Comunista, tenta liquidar a independência ideológica, política e de organização destes e transformá-los em apêndices seus e do seu partido político, para usurpar-lhes os frutos da revolução, em proveito seu e do seu partido político. Esse erro consiste ainda em não se ter em conta que a burguesia — sobretudo a grande burguesia — trai a revolução logo que esta contraria os seus interesses egoístas e os do seu partido político. O desprezo de tais fatos é oportunismo de direita. A caraterística do oportunismo de direita de Tchen Tu-siu consistia exatamente em levar o proletariado a adaptar-se aos interesses egoístas da burguesia e seu partido político. Essa foi a causa subjetiva do fracasso da Primeira Grande Revolução. O duplo caráter da burguesia chinesa na revolução democrático-burguesa influi profundamente sobre a linha política e a edificação do Partido Comunista da China. Sem compreender esse duplo caráter da burguesia chinesa, é impossível compreender a linha política e o processo de edificação do Partido Comunista da China. Um elemento importante na linha política do Partido Comunista da China consiste em unir-se a burguesia e, ao mesmo tempo, lutar contra ela. Um elemento importante na edificação do Partido Comunista da China é a circunstância de este ter-se desenvolvido e forjado unindo-se a burguesia e, simultaneamente, lutando contra ela. União, aqui, quer dizer frente única com a burguesia, e luta significa luta “pacífica”, “não efusão de sangue”, no campo ideológico, político e de organização, durante os períodos de união com a burguesia; uma luta que passa a luta armada quando o Partido é obrigado a romper com a burguesia. Se o nosso Partido não souber unir-se a burguesia, em determinadas circunstâncias, não poderá progredir e a revolução não poderá avançar. Se o Partido não souber conduzir, resoluta e rigorosamente, uma luta “pacífica” contra a burguesia quando estiver em união com ela, desunir-se-á no plano ideológico, político e de organização, e a revolução caminhará para a derrota. E se, quando forçado a romper com a burguesia, não passar firme e seriamente a luta armada contra ela, igualmente o Partido se desunirá e a revolução fracassará. Tudo isso está confirmado pela história dos últimos dezoito anos de luta.

A luta armada conduzida pelo Partido Comunista da China é a guerra dos camponeses sob direção do proletariado. A sua história pode também dividir-se em três etapas. A primeira é a da participação do Partido na Expedição do Norte. Nesse período, o Partido tinha começado a compreender a importância da luta armada, ainda não a compreendia de todo. Ainda não tinha compreendido que a luta armada era a forma principal de luta da revolução chinesa. A segunda etapa foi a da Guerra Revolucionária Agrária. Nessa etapa o Partido tinha já criado as suas próprias forças armadas e aprendido a arte de conduzir a guerra de forma independente; estabelecera o poder popular e tinha criado bases de apoio. Direta ou indiretamente, o Partido já podia coordenar a luta armada — forma principal de luta — com as muitas outras formas necessárias de luta, quer dizer, o Partido podia, em escala nacional, coordenar direta ou indiretamente a luta armada com a luta dos operários, camponeses — que era o principal —, jovens, mulheres, todas as demais lutas populares, a luta pelo poder, a luta na frente económica, na frente contra os traidores, na frente ideológica e outras formas de luta. E essa luta armada não era outra senão a luta dos camponeses pela revolução agrária, sob direção do proletariado. A terceira etapa é a atual Guerra de Resistência contra o Japão. Nela nós podemos servir-nos da experiência ganha na luta armada durante a primeira etapa e, sobretudo, durante a segunda, bem como podemos igualmente servir-nos da experiência da coordenação da luta armada com todas as outras formas necessárias de luta. A concepção geral sobre a luta armada é, presentemente, a guerra de guerrilhas(2). O que é a guerra de guerrilhas? É a indispensável, portanto a melhor, forma de luta que as forças armadas populares dum país atrasado ou dum grande país semi-colonial devem empregar durante longo período, para vencer o inimigo armado e criar as suas próprias posições fortificadas. Até agora, a linha política e a edificação do nosso Partido têm estado intimamente ligadas a essa forma de luta. Separando-as da luta armada, da prática da guerra de guerrilhas, torna-se impossível compreender a nossa linha política e, do mesmo passo, a edificação do Partido. Um dos componentes mais importantes da nossa linha política é exatamente a luta armada. Ao longo de dezoito anos o nosso Partido aprendeu progressivamente a conduzir essa forma de luta armada e a praticá-la com perseverança. Nós sabemos que na China, sem luta armada não há lugar para o proletariado, para o povo e para o Partido Comunista, e não há vitória da revolução. Foi através das guerras revolucionárias destes últimos dezoito anos que o nosso Partido se desenvolveu, consolidou e bolchevizou; sem essa luta armada não existiria o Partido Comunista que existe hoje. Os camaradas do Partido não devem de modo algum esquecer essa experiência que pagámos com o próprio sangue.

O caminho percorrido na edificação, expansão, consolidação e bolchevização do Partido define-se igualmente em três etapas.

A primeira é a da infância do Partido. No começo, até aos meados dessa etapa, a linha do Partido era justa e a atividade revolucionária dos seus membros e quadros apresentava um nível muitíssimo elevado, fato que determinou as vitórias conquistadas na Primeira Grande Revolução. Mas, fosse como fosse, o Partido estava na infância; faltava-lhe experiência quanto a três questões fundamentais, frente única, luta armada e edificação do Partido; era um Partido que não conhecia muito bem as condições históricas e sociais da China nem as caraterísticas e as leis da revolução chinesa; enfim, era um Partido que não possuía ainda uma concepção perfeita da unidade entre a teoria marxista-leninista e a prática da revolução chinesa. Foi por isso que, na fase final dessa etapa, no momento mais crítico, os elementos que ocupavam uma posição predominante na direção do Partido não conseguiram conduzi-lo a consolidação das vitórias revolucionárias e foram enganados pela burguesia, do que resultou o fracasso da revolução. Durante essa etapa, as organizações do Partido desenvolveram-se, mas não se consolidaram nem conseguiram que os membros e quadros do Partido ganhassem firmeza ideológica e política. Os novos membros eram bastante numerosos mas não se lhes deu a necessária educação marxista-leninista. As experiências práticas não eram poucas, mas não foram corretamente sintetizadas. Numerosos arrivistas tinham-se infiltrado no Partido, e não foram expurgados. Perdido no labirinto de conluios e intrigas dos seus inimigos e aliados, o Partido não exercia vigilância. Era grande o número de elementos ativos que se tinham revelado no Partido, mas não se fez oportunamente deles a ossatura firme do Partido. Este tinha certas unidades armadas revolucionárias a sua disposição, mas era incapaz de mantê-las bem nas mãos. Tudo isso resultava da sua falta de experiência, da falta de conhecimentos profundos sobre a revolução e do não saber ainda combinar a teoria marxista-leninista com a prática da revolução chinesa. Tal foi a primeira etapa da edificação do Partido.

A segunda etapa é a da Guerra Revolucionária Agrária. Graças a experiência adquirida na primeira etapa, a melhor compreensão das condições históricas e sociais da China e das caraterísticas e leis da revolução chinesa, graças a uma melhor compreensão da teoria marxista-leninista por parte dos nossos quadros e a um melhor conhecimento, entre estes últimos, dos meios de combinar a teoria marxista-leninista com a prática da revolução chinesa, o nosso Partido foi capaz de dirigir com sucesso, durante dez anos, a luta revolucionária agrária. Embora a burguesia tivesse traído, o Partido soube apoiar-se solidamente no campesinato. As organizações do Partido puderam não só voltar a desenvolver-se mas também consolidar-se. Apesar de o inimigo tentar sabotar dia após dia o nosso Partido, este conseguiu sempre expulsar do seu seio os sabotadores. Um grande número de quadros surgiu novamente no Partido e converteu-se na respetiva ossatura central. O Partido abriu caminho para construir o poder popular e aprendeu assim a arte de governar o país. O Partido criou possantes forças armadas e aprendeu assim a arte da guerra. Tudo isso representou progresso e êxitos muito importantes realizados pelo Partido. Mas, no decurso dessa grande luta, alguns camaradas enterraram-se completa ou temporariamente no pântano do oportunismo. Isso resultou também do fato de não considerarem com modéstia a experiência do passado, conhecerem mal as condições históricas e sociais da China, bem como as caraterísticas e as leis da revolução chinesa e não entenderem a ligação da teoria marxista-leninista com a prática da revolução chinesa. Assim, certos membros da direção do Partido estavam incapacitados de manter a justa linha política e a justa linha de organização no decurso dessa etapa. Em certo período o Partido e a revolução foram prejudicados pelo oportunismo de “esquerda” do camarada Li Li-san e, noutra altura, pelo oportunismo de “esquerda” praticado durante a guerra revolucionária e no trabalho nas regiões brancas. Só depois da Reunião de Tsuen-yi (reunião do Birô Político do Comité Central, em Janeiro de 1935, em Tsuen-yi, Cueidjou) é que o Partido entrou definitivamente na via da bolchevização e lançou as bases para a futura vitória sobre o oportunismo de direita de Tcham Cuo-tao e para a criação duma frente única nacional anti-japonesa. Tal foi a segunda etapa do desenvolvimento do Partido.

A terceira etapa do seu desenvolvimento é a da Frente Única Nacional Anti-Japonesa. Três anos se passaram depois do início desta etapa e a luta que neles se desenvolveu é dum significado excepcional. Graças a experiência das duas precedentes etapas da revolução, sua capacidade organizativa e forças armadas, seu imenso prestígio político no seio de todo o povo e seu conhecimento mais aprofundado da unidade entre a teoria marxista-leninista e a prática da revolução chinesa, o Partido não só criou a Frente Única Nacional Anti-Japonesa mas também se lançou na grande Guerra de Resistência contra o Japão. Sob o ponto de vista de organização, o Partido saiu dos seus estreitos limites e converteu-se num grande Partido a escala nacional. As suas forças armadas aumentaram de novo e reforçaram-se mais ainda na luta contra o invasor japonês. O Partido estendeu ainda mais a sua influência no seio das massas em todo o país. Tudo isso constitui um grande êxito. Não obstante, existe um grande número de novos membros que ainda não foram educados pelo Partido e muitas das novas organizações não estão consolidadas. Há ainda uma grande diferença de nível entre estes e os velhos membros e organizações do Partido. Grande número de membros e quadros novos não têm ainda suficiente experiência revolucionária. Eles desconhecem ou conhecem muito pouco as condições históricas e sociais da China, as caraterísticas e leis da revolução chinesa. Estão ainda muito longe de ter uma compreensão perfeita da unidade entre a teoria marxista-leninista e a prática da revolução chinesa. Embora no passado, no que respeita ao trabalho de ampliação das organizações do Partido, o Comité Central do Partido tivesse insistido particularmente sobre a palavra de ordem de “alargar ousadamente as fileiras do Partido, sem deixar que nele penetre um só sequer dos maus elementos”, na prática, numerosos arrivistas e sabotadores inimigos conseguiram infiltrar-se no Partido. Se bem que a Frente Única tenha sido estabelecida e se mantenha há já três anos, a burguesia, sobretudo a grande burguesia, tenta a todo o momento destruir o nosso Partido. Fricções e conflitos sérios, fomentados pelos capitulacionistas e obstinados da grande burguesia, sucedem-se pelo país inteiro; e os clamores anti-comunistas são propagados continuamente. E assim que os capitulacionistas e os obstinados tentam preparar a capitulação ante os imperialistas japoneses, romper a Frente Única e obrigar a China a recuar. Ideologicamente, a grande burguesia tenta “dissolver” o comunismo e, no domínio político e de organização, tenta liquidar o Partido Comunista, a região fronteiriça e as forças armadas do Partido. Nessas circunstâncias, a nossa tarefa é, sem dúvida alguma, superar o perigo de capitulação, ruptura e regressão, manter tanto quanto possível a Frente Única Nacional e a cooperação entre o Kuomintang e o Partido Comunista, lutar pela continuação da resistência ao invasor japonês e pela continuação da unidade e do progresso. Ao mesmo tempo, é preciso que nos preparemos para estar aptos a fazer face a todas as eventualidades, de modo a evitar que o Partido e a revolução sofram perdas imprevistas. Para atingir esses objetivos é necessário consolidar as organizações e as forças armadas do Partido e mobilizar todo o povo para um combate resoluto contra a capitulação, a ruptura e a regressão. O cumprimento dessa tarefa depende dos esforços de todo o Partido, da luta inflexível e tenaz de todos os seus membros, quadros e organizações, nas distintas regiões e nos diversos escalões. Nós estamos convencidos de que o Partido Comunista da China, com os seus dezoito anos de experiência, poderá atingir tais objetivos, se coordenar os esforços dos seus antigos membros e quadros experimentados, por um lado, com os dos seus novos membros e quadros jovens e enérgicos, por outro, se coordenar os esforços dos seus organismos centrais e locais, que são bolchevizados e provados nas tempestades, com os das suas poderosas forças armadas e massas populares progressistas.

Aí estão referidas as principais experiências e os principais problemas do nosso Partido ao longo dos dezoito anos da sua história.

A experiência destes dezoito anos mostra-nos que a Frente Única e a luta armada são as duas principais armas para vencer o inimigo. A Frente Única é uma frente para realizar a luta armada. A organização do Partido é o combatente intrépido que maneja essas duas armas — a Frente Única e a luta armada — para destroçar e abater as posições do inimigo. Tais são as relações mútuas entre organização do Partido, Frente Única e luta armada.

Como vamos edificar hoje o nosso Partido? Como poderemos construir um “Partido Comunista da China bolchevizado, de escala nacional e caráter de grandes massas, um partido bem consolidado nos planos ideológico, político e de organização”? Compreendê-lo-emos examinando a história do Partido, examinando a questão da edificação do Partido em relação as questões da frente única e da luta armada, examinando a questão da edificação do Partido em relação com a da aliança com a burguesia e a luta simultânea contra esta, em relação com a questão do VIII Exército e do Novo IV Exército que prosseguem a guerra de guerrilhas contra os japoneses e o estabelecimento de bases anti-japonesas.

Partindo da compreensão da unidade entre a teoria marxista-leninista e a prática da revolução chinesa, a nossa tarefa consiste em recolher as experiências destes últimos dezoito anos e as experiências ainda frescas do presente período, para difundi-las por todo o Partido, a fim de que este se consolide como o aço e evite a repetição dos erros cometidos no passado.

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Notas:

(1) J. V. Estáline: “Sobre as Perspetivas da Revolução Chinesa”. (retornar ao texto)

(2) Ao dizer que a concepção geral sobre a luta armada na revolução chinesa é a guerra de guerrilhas, o camarada Mao Tsetung sintetizou as experiências militares da revolução chinesa no período que vai da Segunda Guerra Civil Revolucionária aos começos da Guerra de Resistência contra o Japão. Durante o longo período da Segunda Guerra Civil Revolucionária, toda a luta armada dirigida pelo Partido Comunista da China foi uma guerra de guerrilhas. Na última fase desse período, a medida que aumentavam as forças do Exército Vermelho, a guerra de guerrilhas converteu-se numa espécie de guerra de movimento com caráter de guerrilhas (ou, segundo a fórmula do camarada Mao Tsetung, numa forma superior da guerra de guerrilhas). Mas durante a Guerra de Resistência contra o Japão, em virtude das transformações ocorridas na situação do inimigo, essa guerra de movimento com caráter de guerrilhas voltou a ser uma guerra de guerrilhas. No princípio da Guerra de Resistência, os camaradas do Partido que tinham caído no erro do oportunismo de direita subestimaram a importância da guerra de guerrilhas dirigida pelo Partido e depositaram as suas esperanças nas operações dos exércitos do Kuomintang. O camarada Mao Tsetung refutou esse ponto de vista nas obras “Problemas Estratégicos da Guerra de Guerrilhas contra o Japão”, “Sobre a Guerra Prolongada” e “Problemas da Guerra e da Estratégia”, etc., e fez, no presente artigo, um balanço teórico das experiências adquiridas durante a luta armada da revolução chinesa, luta que por muito tempo foi uma guerra de guerrilhas. No período final da Guerra de Resistência contra o Japão, e especialmente no período da Terceira Guerra Civil Revolucionária, a forma principal da luta armada dirigida pelo Partido Comunista da China passou da guerra de guerrilhas a guerra regular, em virtude do crescimento das forças revolucionárias e das modificações sobrevindas na situação do inimigo. No período final da Terceira Guerra Civil Revolucionária registou-se um novo desenvolvimento, caraterizado por operações militares de grande envergadura, realizadas por concentrações de corpos de exército, equipados com armas pesadas e capazes de capturar pontos altamente fortificados do inimigo. (retornar ao texto)

Inclusão 18/02/2015