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Primeira Edição: a 19 de Fevereiro (3 Março) de 1908 no n° 22 do Proletary.
Tradução: de Lenin Collected Works, Progress Publishers, 1972, Moscow,
t.13 pp 470-474.
Transcrição: Partido Comunista Português
HTML: Fernando A. S. Araújo, maio 2009.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições
"Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo, 1977.
A imprensa burguesa, até a de tendência mais liberal e democrática, deve ter a moral dos "Cem Negros" quando discutem o assassinato do aventureiro Português.
Tomem, por exemplo, o repórter especial de um dos melhores jornais burgueses-democráticos da Europa — o Frankfurter Zeitung. Começa o seu relato com uma descrição semi-humorística de como os repórteres estrangeiros, como que para apanhar a presa, se apressaram para Lisboa assim que a notícia sensacionalista foi recebida. "Partilhei um quarto com um conhecido jornalista de Londres", escreveu o cavalheiro, "que começou a gabar-se da sua experiência. Já estivera em Belgrado para evento semelhante e podia considerar-se 'um correspondente especial para casos de regicídio'."
De facto, o sucedido ao rei de Portugal é um verdadeiro "acidente profissional" dos reis.
Não admira que tenhamos repórteres profissionais especializados na descrição das desventuras profissionais de suas majestades.
"Um povo inerentemente bem disposto e amigável como o Português deve ter frequentado um dura escola para aprender a odiar de forma tão implacável, até na cova. E se isto é verdade — como parece sem dúvida ser, e se ficasse silencioso estaria a distorcer a verdade histórica — se não são apenas estas demonstrações mudas a pronunciar julgamento sobre a vítima coroada, se em cada esquina ouvimos palavras abusivas, até de cidadãos cumpridores, arremessados à vítima do assassinato, é natural que se queira estudar a rara combinação de circunstâncias que tornaram tão anormal a psicologia de um povo. Porque um povo que não concede na morte o seu antigo e sagrado direito de expiar pelos seus pecados terrestres, ou é já moralmente degenerado ou devem existir condições que geram um profundo sentimento de ódio, e obscurecem a percepção clara do pensamento justo."
Oh, liberais hipócritas! Porque não chamam degenerados morais aos franceses aprendidos e escritores, que ainda hoje odeiam e abusam virulentamente não apenas os líderes da Comuna de 1871 mas até os da de 1793? Não apenas os combatentes da revolução proletária, mas até os da revolução burguesa? Porque os lacaios "democráticos" da burguesia moderna consideram como "normal" e "moral" que as pessoas aguentem com "boa disposição" cada possível indignidade, escândalo e atrocidade às mãos dos aventureiros régios.
De outro modo, prossegue o repórter (i.e., só como resultado de condições excepcionais):
"não poderíamos entender o facto de já hoje um jornal monárquico falar de vítimas inocentes entre o povo com quase maior lástima do que do rei, e vemos já claramente como se começam a formar lendas que irão investir os assassinos com auréolas de glória. Enquanto em quase todos os casos de assassinato os partidos políticos se apressam a dissociar dos assassinos, os Republicanos Portugueses têm franco orgulho no facto dos 'mártires e heróis do Io de Fevereiro' terem vindo das suas fileiras ...".
O democrata burguês, no seu zelo excessivo, vai ao ponto de estar disposto a descrever como "lenda revolucionária" o respeito que os cidadãos Portugueses prestam aos homens que se sacrificam de modo a remover o rei que ridicularizou a constituição!
O repórter de um outro jornal burguês, o Corriere della Será de Milão, refere a censura severa imposta em Portugal depois do assassinato. Telegramas não passam. Ministros e reis não se caracterizam pela "boa disposição" que tanto agrada ao burguês honesto no caso das massas populares! As comunicações tornaram-se tão difíceis como durante uma guerra — argumentam correctamente os aventureiros portugueses que tomaram o lugar do rei assassinado. Reportagens têm de ser enviadas por rotas indirectas, primeiro por correio para Paris (talvez para uma morada privada) e daí transmitidas para Milão. "Nem na Rússia", escreve um repórter a 7 de Fevereiro, "durante os períodos revolucionários mais violentos, a censura foi tão forte como em Portugal agora."
"Alguns jornais Republicanos", escreve este repórter a 9 de Fevereiro (Novo Estilo), "escrevem hoje [no dia do funeral do rei] com termos que eu positivamente não me atrevo a repetir num telegrama."
Numa reportagem de 8 de Fevereiro, que chegou após a do dia 9, o comentário do jornal Pays sobre a cerimónia fúnebre é citado:
"Os restos mortais dos dois monarcas desfilaram — as cinzas inúteis de uma monarquia desfeita, que havia sido sustentada por traições e privilégios, e cujos crimes têm manchado dois séculos da nossa história."
"Este é um jornal Republicano, claro," acrescenta o repórter", mas a publicação de um artigo com estas palavras no dia do funeral do rei não é um facto eloquente?"
Da nossa parte apenas acrescentamos um arrependimento — que o movimento Republicano não tenha ajustado contas com os todos os aventureiros de uma forma suficientemente resoluta e aberta. Lamentamos que no sucedido ao rei de Portugal haja ainda um elemento conspirativo claramente visível, i.e., impotente, terrível, que essencialmente falha o seu objectivo e não alcança aquele terror genuíno, popular, verdadeiramente regenerativo que se tornou famoso com a Revolução Francesa. Possivelmente o movimento republicano ascenderá ainda mais alto. A simpatia do proletariado socialista estará sempre do lado dos republicanos contra a monarquia. Mas o que eles alcançaram até agora em Portugal foi apenas assustar a monarquia com o assassinato de dois monarcas, não destruir a monarquia.
Os socialistas em todos os parlamentos da Europa expressaram, o melhor que puderam, a sua simpatia com o povo Português e os Republicanos Portugueses, o seu desprezo pelas classes dominantes, cujo porta-voz condenou o assassinato do aventureiro e expressou a sua simpatia pelos seus sucessores. Alguns socialistas declararam abertamente as suas posições no parlamento, outros saíram durante as expressões de simpatia para o com o "sofredor" — a monarquia. Vandervelde, no parlamento belga, tomou a via "do meio" — a pior opção — ao expelir uma frase indicando que honrava "todos os mortos", isto é tanto o rei como aqueles que o haviam morto. Estamos certos que Vandervelde será a excepção solitária entre os socialistas do mundo.
A tradição Republicana tornou-se consideravelmente fraca entre os socialistas da Europa. Isto é compreensível e até um ponto justificável, sendo que a iminência da revolução socialistas diminui a importância prática da luta por uma república burguesa. Muitas vezes, porém, o enfraquecimento da propaganda republicana significa não vigor da luta pela vitória completa do proletariado, mas uma consciência fraca dos objectivos revolucionários do proletariado em geral. Não foi sem razão que Engels, ao criticar o Projecto de Programa de Erfurt, de 1891, sublinhou aos trabalhares Alemães, com o maior ênfase possível, a importância da luta por uma república, e a possibilidade dessa luta passar à ordem do dia na Alemanha também.(1)
Conosco na Rússia, a luta por uma república é matéria de significado prático imediato. Apenas os mais desprezáveis oportunistas pequeno-burgueses como os Socialistas Populares ou o "S.D." Malishevsky (vejam a seu respeito o Proletary, No. 7) podem extrair da experiência da revolução Russa a conclusão que na Rússia a luta pela república está relegada para o fim. Pelo contrário, a experiência da nossa revolução provou que a luta pela abolição da monarquia está inseparavelmente ligada na Rússia à luta dos agricultores pela terra, com a luta de todo o povo pela liberdade. A experiência da nossa contra-revolução tem demonstrado que uma luta pela liberdade que não afecte a monarquia não é luta, mas cobardia e flacidez pequeno-burguêsa ou simplesmente os carreiristas do parlamentarismo burguês a enganarem o povo.
Notas:
(1) Friedrich Engels, Zur Kritik des sozial-demokratischen Programmentwurfes von 1891, Die Neue Zeit, Jg. XX, 1901, B. II, H. 1. (retornar ao texto)
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Inclusão | 26/05/2009 |