O marxismo-leninismo ensina que é o povo quem faz a História

Enver Hoxha

14 de abril de 1956


Primeira publicação: Zëri i Popullit, n.º 90 (2359), 14 de abril de 1956.

Fonte para a tradução: Crisis and Critique, v. 3, n.º 1, 2016, Kolektivi Materializmi Dialektik, tradução de Fitim Salihu.

Fonte para a confrontação: Vepra, v. 13 (setembro 1955 - junho 1956), p. 193-201, Naim Frashëri, Tirana: 1973.

Tradução e HTML: Lucas Schweppenstette.


Introdução do tradutor

Este artigo de Enver Hoxha, primeiro-secretário do Partido do Trabalho da Albânia (PTA), foi publicado no Zëri i Popullit pela primeira vez em 14 de abril de 1956, pouco tempo depois da realização do 20.º Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), no qual o culto à personalidade de Stálin foi denunciado pela nova direção soviética com Nikita Khrushchov à cabeça.

Nos anos seguintes, o Partido do Trabalho da Albânia começou a resistir cada vez mais às revisões e formulações ideológicas soviéticas. A ruptura albano-soviética de 1960-1961 firmou a posição antirrevisionista do PTA, que passou a denunciar integralmente a linha política da direção soviética pós-Stálin. Em um processo de autocrítica, a publicação do volume 13 das Obras de Enver Hoxha, em 1973, cortou parcialmente o texto deste artigo, removendo trechos que transpareciam a hesitação e confusão do partido diante da crise no movimento comunista internacional iniciada pelo Relatório Khrushchov. A tradução a seguir inclui os trechos suprimidos, que estão destacados em itálico, a partir do texto integral republicado em 2016 na revista Crisis and Critique.

Zëri i Popullit

O 20.º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, intitulado “Para o balanço das vitórias do socialismo na União Soviética e em escala global e do informe das novas forças no desenvolvimento da situação internacional atual”, tomou decisões importantes para o futuro do socialismo e o destino da humanidade. Discutiram-se questões fundamentais sobre a coexistência pacífica dos dois sistemas, sobre a possibilidade de impedir a guerra na atualidade e sobre as formas de transição para o socialismo em vários países, que foram analisadas no espírito do marxismo criativo e abriram grandes perspectivas para o futuro. É claro, existe algo mais importante do que libertar a consciência dos homens do medo de uma nova guerra e mostrar que existem possibilidades de acabar com as guerras e quais são os meios para atingir esse objetivo?

O 20.º Congresso do Partido Comunista da União Soviética respondeu corretamente a muitas outras questões sobre a vitória do socialismo e do comunismo. Uma análise aprofundada das experiências históricas e do desenvolvimento da ditadura do proletariado, bem como uma crítica firme ao culto à personalidade, aos danos causados por ela e à violação dos princípios leninistas no partido provaram a vitalidade e a força do marxismo criativo, que inspirou todos os trabalhos do 20.º Congresso do Partido Comunista da União Soviética.

A questão do papel decisivo do povo como criador da história e a condenação do culto à personalidade têm grande importância teórica e prática, tanto para a União Soviética quanto para todos os países de democracia popular que constroem o socialismo e para todo o movimento operário e todos os partidos comunistas do mundo.

O marxismo-leninismo, através da descoberta das leis do desenvolvimento social, argumenta cientificamente que o povo não somente produz os bens materiais, como também cria os valores espirituais(1), o que é uma força-motriz de importância crucial para as mudanças radicais na sociedade. O desenvolvimento da história humana é prova clara disso. Entende-se, portanto, que colocar acima das massas o papel de indivíduos destacados é alheio ao marxismo-leninismo, porque é contrário à vida em si, porque diminui o papel do partido e das massas e cria condições para erros que prejudicam o partido e as massas.

O Partido Comunista da União Soviética condenou com razão o culto à personalidade criado em torno de Stálin nos últimos anos da sua vida e atuação, que causou tantos danos à União Soviética. Stálin, assim como Lênin, seu camarada íntimo, teve um papel crucial na preparação e na vitória da revolução socialista, bem como nos anos que se seguiram à morte deste, quando, junto com os demais membros do Comitê Central, defendeu o leninismo e alcançou vitórias brilhantes na União Soviética.

O marxismo-leninismo não nega o papel dos indivíduos na História, desde que compreendam as necessidades da sociedade e suas atuações facilitem a solução dos problemas no caminho à frente. Contudo, quando se colocam acima das massas e começam a romper com elas, os indivíduos destacados criam condições para graves erros que prejudicam as massas.

Deve-se dizer que Stálin, após o Partido Comunista da União Soviética e o povo soviético alcançarem grandes vitórias que levaram ao triunfo do socialismo, começou a se colocar acima do partido e do povo, em um momento em que abandonar as massas foi um erro que custou caro para o povo soviético e para a questão do socialismo.

Da condenação feita ao culto à personalidade no 20.º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, bem como da crítica aberta e corajosa que fez aos seus danos, o Partido Comunista da União Soviética e todos os partidos comunistas e operários do mundo tiram conclusões de grande importância prática.

Nosso Comitê Central e todo o partido aprovaram as decisões do 20.º Congresso do Partido Comunista da União Soviética como muito justas e importantes tanto para o desenvolvimento da União Soviética rumo ao comunismo, para a vitória do socialismo nos países de democracia popular e em outros países, quanto para o destino da humanidade. Para o nosso partido e para o nosso país, elas são uma grande ajuda.

Uma plenária do Comitê Central do nosso partido, em julho de 1954, analisou a questão da luta contra o culto à personalidade que prejudica o Partido, porque enfraquece a confiança das massas nas suas forças criativas, diminui o papel do partido e da sua direção, o Comitê Central. O Comitê Central e todo o partido devem fazer ainda mais na prática para fortalecer a direção coletiva. O desenvolvimento do culto à personalidade tem raízes profundas e, nas condições do nosso país, há vários fatores que as alimentam, como a existência de muitos resquícios feudais e patriarcais, bem como o baixo nível ideológico dos quadros e do partido, razões que facilitam o surgimento da tendência de uma determinada pessoa acumular um poder extraordinário. É tarefa permanente do partido combater o culto à personalidade em todas as formas que se manifesta e implementar a direção coletiva como um princípio-guia do partido.

Nosso Partido do Trabalho tomou medidas para elevar o papel dirigente do partido em toda a vida do país e para fortalecer ainda mais os seus laços com o povo. Durante seus quinze anos de existência, mantendo-se sempre fiel ao marxismo-leninismo e conhecendo profundamente as condições do desenvolvimento da nossa sociedade e os anseios e interesses do nosso povo, o partido ligou-se intimamente às massas trabalhadoras e as conduziu na Luta de Libertação Nacional e na luta pela vitória do socialismo. A aplicação dos princípios leninistas no trabalho partidário, a observação pontual do Estatuto que será aprovado pelo 3.º Congresso do Partido do Trabalho da Albânia (PTA), a direção coletiva do Comitê Central, cuja experiência comum assegura o processamento adequado da sua linha e a tomada de decisões corretas, e o desenvolvimento da crítica e da autocrítica são medidas essenciais para implementar o papel dirigente do partido e fortalecer as suas ligações com as massas.

Devemos eliminar tudo o que enfraquece a democracia interna do partido e afeta os direitos dos seus membros, que por sua vez criam medo de criticar e de expressar suas opiniões abertamente. Atualmente, durante as eleições de algumas organizações partidárias, tem se observado que alguns camaradas — que são responsáveis por empresas ou departamentos e que não têm sido criticados — não receberam votos de muitos comunistas. Isto nos leva a pensar que os membros destas organizações hesitam em criticar abertamente, temendo que as críticas tenham consequências para o membro do partido. Talvez nesses setores tenha havido casos parecidos, em que alguém tenha sofrido por ter sido criticado abertamente. O Comitê Central do partido tem examinado e examinará cuidadosamente cada um desses casos desagradáveis. Mas é importante que todos os membros do partido compreendam que não se pode ter medo; todo membro do partido pode e deve expressar no partido a sua opinião e criticar duramente as falhas e também os responsáveis por essas falhas. O Comitê Central percebeu que algumas organizações de base e comitês distritais e regionais nem sempre analisam com paixão as questões dos comunistas. Mas o nosso partido deve condenar veementemente todos aqueles que, sob o pretexto da crítica, caluniam e difamam pessoas honestas e dedicadas ao partido e ao povo. A violação dos princípios leninistas do partido e o estabelecimento de métodos de comando no partido levam à morte da iniciativa dos comunistas e das organizações do Partido ao colocar alguns dirigentes acima do partido, enfraquecendo o papel dirigente do partido entre as massas.

Deve-se dizer que as pessoas nas empresas, vilas e departamentos que tentam escapar de diversas formas do controle do partido, e que nisto são bem sucedidas, cometem uma injustiça para com os operários, camponeses e demais trabalhadores, causam arbitrariedades e são capazes de acusar falsamente as pessoas de quem não gostam, espalhando assim o medo entre as massas e afastando-as de uma participação maior na vida do país. Acontece que, muitas vezes, ações deste tipo — que nada têm em comum com a linha do partido e que a prejudicam — são encobertas com o pretexto da “luta de classes”, levando a erros tais como qualificar como kulak até mesmo um camponês médio, privando-o de sua carteira de membro da Frente(2), chamando-lhe de inimigo, etc. É óbvio que tais ações nada tem a ver com a luta de classes; pelo contrário, a sua arbitrariedade constitui uma violação dos direitos dos cidadãos.

Quanto à luta de classes, é claro, não podemos baixar a vigilância, mas também não vamos estimulá-la artificialmente. O Comitê Central do partido, especialmente nos últimos tempos, nas conferências distritais, esclareceu que a compreensão limitada da intensificação da luta de classes durante a construção do socialismo não é correta. A própria vida prova que, dia após dia, as forças do socialismo crescem, ao passo que a base econômica e a influência política das classes derrubadas se enfraquece e estas não são capazes de desenvolver a sua luta para formas cada vez mais agudas. Isto de modo algum quer dizer que a luta de classes cessa de existir e que as classes derrubadas abandonam voluntariamente a sua luta contra o socialismo. Não há dúvida de que mudam as formas da sua luta, mas esta luta já não é tão encarniçada quanto era nos primeiros anos após a libertação, quando as classes derrubadas tinham uma base econômica mais sólida,ainda tinham influência política e contavam com todo o apoio da reação externa. A verdade é que, no processo de desenvolvimento desta luta, também houve erros no nosso país, incluindo a liquidação econômica de um número de kulaks nas vilas. Em alguns casos, condenações foram feitas com base em acusações exageradas, sobretudo no período anterior ao 1.º Congresso do nosso Partido, que ocorreu em novembro de 1948, no qual o partido condenou as tentativas de colocar a Segurança Estatal(3) acima do partido, de estabelecer métodos policiais no partido e de violar os direitos dos cidadãos, causando arbitrariedades, perseguições e condenações sem razão. É evidente que, apesar de toda a mudança promovida, esta questão não está totalmente resolvida e permanece aberta. A Segurança Estatal foi submetida ao controle do partido, mas o partido deve ser mais ativo na educação dos trabalhadores deste setor. A democracia foi restaurada no partido, mas ela ainda precisa ser fortalecida, porque foi violada muitas vezes. E, sobretudo, ainda existem arbitrariedades contra alguns cidadãos que, no começo, não se posicionavam corretamente com relação à luta popular. O Comitê Central do partido tomou medidas e todo o partido deve lutar para eliminar qualquer injustiça que tenha ou que possa ter ocorrido, porque elas prejudicam o partido, não somente porque são desumanas e promovem artificialmente a luta de classes, mas também porque tira [aos cidadãos] a oportunidade de refletirem e se conectarem com o poder [popular], além de que podem causar más influências entre alguns elementos vacilantes, o que posteriormente comprometerá a sua participação em geral em todos os assuntos que o partido exige. É fato que as atitudes injustas — tais como as atitudes sectárias na Frente Democrática, alguns ataques sem razão feitos a algumas pessoas — nem sempre são compreendidos pelas massas. Devemos liquidar tudo isto o mais rápido possível e avançar para uma maior democratização da nossa vida, da nossa democracia popular.

Uma maior democratização da vida do nosso país é uma tarefa que o partido definiu com firmeza. O poder popular proporcionou uma ampla democracia para as massas. De fato, o nosso país proporciona uma ampla participação das massas na direção do Estado, o que é alcançado pela garantia dos direitos dos cidadãos previstos na Constituição da República, bem como pela sua proteção por milhares de pessoas que participam nas instituições eleitas do poder popular, etc. Nosso poder popular cria todas as condições para o desenvolvimento da democracia para as massas de trabalhadores. Nossa democracia é plena para os trabalhadores, pois o poder popular é o poder das massas trabalhadoras. O nosso poder popular exerce as funções da ditadura do proletariado contra aqueles que resistem e querem desfazer as vitórias que o povo alcançou, sob a direção do partido, com a sua luta pela libertação do país e pela construção do socialismo. O partido condena e condenará cada vez mais todas as ações que atentem contra a nossa democracia popular. Não existiam no nosso país tradições democráticas, nem mesmo formalmente, porque os regimes opressores do passado não permitiam tal coisa, muito menos para o povo; porém, ao longo dos anos após a libertação, o partido promoveu um grande trabalho de elevação da consciência política das massas e tornou possível a sua ampla participação no poder, dirigindo a vida do país. O partido tem o dever de remover todos os obstáculos aos trabalhadores no desenvolvimento da democracia, pelo que precisa lutar contra as violações das leis, contra as ações ilegais de algumas pessoas nos órgãos do poder [popular] e contra favores e privilégios.

As decisões do 20.º Congresso do Partido Comunista da União Soviética são de grande importância para o partido e para o nosso país porque contribuem em geral para a elevação da atividade das massas a um nível superior. No período de construção socialista que o nosso país atravessa atualmente — um período de crescimento geral da economia e da cultura popular, como preveem as diretrizes do segundo plano quinquenal, das grandes transformações socialistas no campo e em toda a vida do país —, no qual uma ampla participação das massas populares é necessária, a elevação da sua consciência política e da sua atividade em todas as áreas da vida é fundamental. Aprendemos com o marxismo-leninismo que o papel das massas cresce muito em períodos revolucionários. Escreveu Lênin:

A massa do povo nunca é tão capaz de ser uma criadora tão ativa do novo regime social quanto no período de revolução. Nesses períodos o povo é capaz de fazer milagres...(4)

Além disso, quanto mais profundas forem as mudanças que querem fazer, mais ampla deve ser a participação das massas na realização dessas mudanças.

Se olharmos para o período da Luta de Libertação Nacional do nosso povo, veremos que nesse período elevou-se como nunca a atividade das amplas massas populares, que elevou-se como nunca a consciência política das massas, que, sob a direção do partido, participaram amplamente na guerra revolucionária que levou à libertação do país, à instauração do poder popular e à construção do socialismo.

Se olharmos hoje para esta questão, na luta pela construção do socialismo, a caraterística que diferencia este período é a elevação geral da consciência e da atividade política das amplas massas populares para o desenvolvimento da economia e da cultura, para todas as profundas transformações sociais que estão acontecendo no nosso país. É evidente que, sem a participação das amplas massas, a nossa economia e a cultura do povo não teriam chegado ao ponto em que se encontram atualmente. A experiência histórica da União Soviética e dos países de democracia popular mostra que o socialismo aumenta a atividade das massas, pois os trabalhadores gozam de plena liberdade e ficam com todos os frutos do seu trabalho, e, com isso, aumenta a sua iniciativa, aumentam as capacidades criativas das massas, surgem talentos maravilhosos e encontram-se fontes inesgotáveis de energia que anteriormente eram reprimidas. Com tudo isto, compreende-se que surge uma grande tarefa para o partido: eliminar tudo o que impede o aumento da atividade das massas, através da ampliação do seu trabalho educativo, de modo a elevar a consciência das massas e aumentar a sua atividade.

Encontramo-nos diante do 3.º Congresso do Partido do Trabalho da Albânia, onde também serão aprovadas as diretrizes do segundo plano quinquenal. O projeto de diretrizes prevê que, em 1960, a produção industrial crescerá 98% em relação a 1955, que produziremos todo o pão consumido no país, que o salário real dos trabalhadores aumentará cerca de 23%, e que a renda dos camponeses crescerá cerca de 38%. Estas são grandes tarefas, cuja realização deve aumentar ainda mais a atividade das massas. É claro que essas tarefas não poderão ser realizadas sem uma participação ainda mais ampla das massas. Por isso, as decisões do 20.º Congresso do Partido Comunista da União Soviética são uma grande ajuda para tomarmos as medidas necessárias para aumentar o nível de atividade criativa do povo. Considerando que nos aproximamos do 3.º Congresso do Partido, o Comitê Central está tratando especificamente de problemas importantíssimos que serão apresentados ao Congresso em relação a todas estas questões. As amplas discussões criativas que o partido e as massas farão sobre o projeto de Estatuto do Partido e o projeto de diretrizes do 3.º Congresso para o segundo plano quinquenal serão uma grande ajuda ao 3.º Congresso do partido para tomar decisões corretas, a fim de avançar ainda mais o nosso país no caminho das vitórias do socialismo.