A Constituinte e a Defesa da Democracia

Maurício Grabois

9 de março de 1946


Fonte: Jornal Tribuna Popular (RJ), 9 de março de 1946.

Transcrição: Leonardo Faria Lima

HTML: Fernando Araújo.


Com um mês e dias apenas de funcionamento, a Assembléia Constituinte já está mostrando a sua importância para os destinos da democracia em nosso país. Embora saibamos que pela sua própria composição, em grande parte reacionária, não possa enfrentar os magnos problemas políticos, econômicos e sociais do povo brasileiro, no entanto está a Constituinte desempenhando um grande papel na definição de posições dos setores políticos nela representados. Desta maneira o povo toma conhecimento dos homens que estão sendo fiéis aos seus mandatos e os que estão traindo os compromissos assumidos, nos prélios eleitorais, de defender os interesses populares e a democracia.

No curso de um mês de atividade dos constituintes, o povo viu se desmascararem velhos e novos políticos, que por sua demagogia “trabalhista e democrática” conseguiram iludir as massas que sinceramente lhes deram votos. Se não existisse a Assembléia Constituinte, até hoje esses políticos ainda estariam a enganar o povo com falsas promessas. Neste fato reside, agora, a grande importância da Assembléia Constituinte, onde, diante da realidade dos acontecimentos, que lhes impôs uma definição, são forçados a se desmascarar.

Assim, ficamos sabendo como forças do P.S.D. se colocaram abertamente ao lado das forças reacionárias do salazarismo defendendo o representante de Salazar no Brasil. Em face dos problemas mais prementes do proletariado, como a greve e a situação de miséria que este atravessa, trabalhistas e pessedistas se colocaram contra os interesses dos trabalhadores, considerando a fome um tabu e a greve uma invenção dos comunistas, abrindo completamente o seu jogo em defesa da reação.

Também na luta pela garantia das liberdades públicas, violadas em virtude das medidas dos representantes do governo no Distrito Federal, São Paulo e Rio Grande do Sul, ficou claro quais as forças que querem assegurar um clima de democracia e as que estão dispostas a capitular diante dos atentados aos direitos civis do cidadão. Finalmente, na discussão e votação das indicações da U.D.N. e do P.C.B. para a revogação da carta fascista de 1937, definiram-se as posições dos constituintes na defesa da soberania da Assembléia Constituinte, ficando patente perante o eleitorado a atitude dos deputados que souberam honrar os seus compromissos de defesa da democracia.

Nos debates diários revelam-se as tendências anti-democráticas de muitos deputados que, embora situados entre os que se colocam a favor da democracia, em certos problemas tomam atitude que o povo não pode aplaudir. Agora, durante a discussão do regimento interno – verdadeira “rolha” para as forças chamadas da minoria – o sr. Prado Kelly, por exemplo, colocou-se numa situação de defesa de inúmeros dispositivos reacionários do regimento.

Os resultados das atividades da Assembléia Constituinte vêm mostrar a necessidade do povo aumentar a sua vigilância sobre os seus representantes, exigindo o cumprimento dos compromissos assumidos em praça pública.

Por outro lado, cabe ao povo intensificar a sua organização a fim de apoiar os deputados que se colocam corajosamente em defesa das liberdades democráticas e dos interesses populares, como os da bancada comunista e de outros partidos. Com a sua organização poderá o povo manifestar a sua vontade junto aos constituintes, fazendo sentir as suas reinvindicações e a sua repulsa a todos os atos anti-democráticos.

Agora, mais do que nunca, devem o povo e o proletariado fortalecer as suas organizações, sem, no entanto, dar o menor pretexto aos reacionários no sentido de tomarem medidas contra as conquistas democráticas e o movimento operário. Por isso cumpre ao povo e aos trabalhadores lutar pelos seus direitos, contra a miséria e a fome, dentro da ordem, apelando para todos os recursos legais, evitando que provocadores dificultem a solução de seus problemas com a desordem e a confusão que só interessam aos fascistas.

Com o funcionamento da Assembléia Constituinte, mais fácil se torna as organizações sindicais e populares lutar legalmente por suas reinvindicações porque, contando com o apoio da massa, poderão fazer com que seus legítimos representantes sejam dentro da Constituinte os porta-vozes da defesa de seus interesses.

Com esta compreensão, cabe a todos os democratas defender intransigentemente a ordem e a tranquilidade internas, sem deixar de manter a sua firmeza em desmascarar os traidores e protestar, através dos meios democráticos que dispomos, contra todas as arbitrariedades e atentados aos direitos do povo.

Devemos fazer da Assembléia Constituinte, lutando por sua soberania, um dos pontos de apoio da luta pela ordem como garantia do movimento democrático e de defesa das legítimas reinvindicações do proletariado.


Inclusão: 16/08/2020