MIA> Biblioteca> Neno Vasco > Novidades
Primeira Edição: semanário Terra Livre de Lisboa, N.º 7, 27 de Março de 1913
Fonte: https://ultimabarricada.wordpress.com/neno-vasco/obras-de-neno-vasco/o-feminismo-e-a-mulher-proletaria/
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
A enérgica atitude das damas inglesas na reivindicação do direito do sufrágio tem ultimamente chamado todas as atenções para o feminismo.
O movimento das sufragistas britânicas é sem dúvida simpático a todos os revolucionários sociais, embora anti-parlamentares, não só pela altiva energia que elas empregam e sem a qual nem ouvidas seriam, mas ainda porque, aos olhos dos que têm em vista a emancipação do ser humano e a abolição de todos os privilégios, muito legitimamente reclamam as mulheres os direitos, verdadeiros ou ilusórios, concedidos aos homens.
Esses direitos não são, aliás, inteiramente ilusórios para a classe de mulheres que os reclama, embora não tenham valor para as operárias. Porque o feminismo das sufragistas é um feminismo burguês, que pode entusiasmar as senhoras das classes médias e mesmo as aristocratas, mas não interessa à mulher pobre, para quem as reivindicações feministas, consignadas em leis, não representariam aumento algum de possibilidades económicas e de liberdade efetiva.
As feministas reclamam o voto, a abolição de certas incapacidades jurídicas, o termo da sua inferioridade legal na família, a admissão a certas funções públicas e profissões – e não as há até que pretendem exercer o dever (ou o direito?) de servir no exército, como se não fosse suficiente, para essas damas, a desorganização causada nas famílias pobres pelo militarismo e pela fábrica, e… o «patriótico» e abundante esforço das proletárias na procriação e criação de soldados para a «pátria»?…
Ora, que importam esses direitos à mulher pobre? Tanto como às feministas burguesas as reivindicações das operárias, as greves que estas são obrigadas a fazer a cada passo, com a solidariedade dos trabalhadores, não das damas, as penas, vexações e exploração de que são vítimas…
O sufrágio tem valor para a burguesia de ambos os sexos, sobretudo para os pequenos burgueses, eleitores ou elegíveis, pois que, pelo seu numero e pela sua relativa independência económica, têm grande força eleitoral e podem esperar vantagens sensíveis de certas reformas legais, de medidas tributárias, das situações burocráticas. Mas as operárias – como os operários – só podem confiar na sua força de trabalho e na sua união. Perante o código civil, a dama tem com efeito direitos a fazer valer, inferioridades a suprimir, interesses a salvaguardar. Mas a pobre? Que dote, que propriedade, que interesses tem ela? Casada ou amancebada a sua situação é a mesma, iguais as suas garantias. Nada tem que defender. O mesmo sucede aos filhos. A lei nada lhes pode dar.
A mulher operária está em perfeito pé de igualdade com o companheiro: não lhe é inferior. São ambos inferiores ao patrão, estão ambos jungidos à mesma canga. É a igualdade na pobreza e na escravidão; e é também a estreita solidariedade que desse facto resulta.
A indústria moderna vai arruinando cada vez mais o lar operário, desfazendo a família pobre, à qual a fábrica arranca a mulher. Nos grandes países industriais são aos milhões – perto de seis, na Inglaterra – as mulheres absorvidas pela oficida, ao lado de crianças de 9 ou 10 anos para cima.
É certo que as suas condições de salário e de trabalho são inferiores às dos homens. Mas nesta desigualdade não têm interesse nem responsabilidade os seus companheiros de labuta, mas sim o patronato, composto de damas e cavalheiros.
Para extinguir essa desigualdade, as operárias não precisam de fazer feminismo mas luta de classes; não têm de lutar contra os homens, mas sim contra os patrões dos dois sexos. E nessa luta têm a solidariedade dos companheiros, tanto ou mais interessados do que elas na elevação dos salários femininos para atenuação da concorrência e fortalecimento da resistência operária.
Façam, pois, as damas o seu pequeno feminismo: a mulher proletária, por seu lado, pela própria força dos factos, caminha de mãos dadas com o seu companheiro para uma emancipação que abranje todas as outras e que não fará distinção entre os sexos.
Ao operário consciente da necessidade dessa emancipação cumpre esforçar-se por trazer para a vida ativa do militante, do propagandista, todas as mulheres que puder influenciar.