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Primeira Edição: Publicado no final de 1912 no «Almanaque de “A Aurora”» para 1913 (pela Biblioteca do Grupo “Aurora Social”, do Porto). Pelo menos vários capítulos já tinham sido publicados como artigo de jornal, na década de 1900 quando Neno se encontrava no Brasil. Não sabemos todavia se o texto completo, tal como está aqui, já fora publicado antes do «Almaque de “A Aurora”» para 1913.
Fonte: https://ultimabarricada.wordpress.com/2019/05/19/1954/
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Defensores de elevados idealismos combatem a «organização». É muitas vezes pura questão de palavras; pois que na prática todos quantos vivemos somos organizadores… A associação identifica-se com a organização; a união pura e simples já a supõe. Unidades que trabalham em sentidos diversos, que não se coordenam, que não se combinam, que não se organizam — que não se adaptam a um fim comum —, não se somam sequer, e muito menos se associam. E quanto mais perfeita e útil é a união, mais bem organizada está.
Outras vezes repudia-se a organização permanente: a associação (ou organização, que é o mesmo) deve cessar com o fim para que se constituiu.
Decerto! As organizações artificiais são inúteis e nocivas; o órgão morto, vazio de função, embaraça.
Mas o tempo não pode ser elemento de discussão; a organização durará um segundo ou um século, conforme as necessidades. Ela será permanente, se permanente for o fim; dê-se-lhe um escopo duradouro, e ela será duradoura e eficaz.
Ora, a ação operária é na realidade permanente. A greve não passa dum episódio. Ainda que ela fosse um fim (e deve ser apenas um meio e um exercício), a ação das organizações operárias seria constituída dum modo permanente pela preparação para a luta, pela acumulação de meios de defesa, morais e materiais, pela educação associativa, pela instrução, etc.
O segredo da vitalidade da associação está precisamente em agir constantemente, em manter vivo o espírito de iniciativa, a atividade dos associados, em acender a sua curiosidade por todas as questões, grandes ou pequenas, teóricas ou práticas. A ação e o estudo são inseparáveis.
A crítica incide ainda, as mais das vezes, sobre o conteúdo da organização, sobre as ideias dos associados. Aqui já não é a confusão de palavras, mas de ideias; confunde-se a organização com o seu conteúdo.
A organização será evoluída ou retardatária, consciente ou inconsciente, livre ou autoritária, emancipada ou escrava, maleável ou formalista, ativa ou morosa, leve ou pesada, segundos os indivíduos que a compõem, as suas ideias e a sua energia, as suas tendências e os seus hábitos.
A organização não é decerto uma entidade independente dos que a fazem.
Aos ativos, aos conscientes, aos emancipados compete comunicar aos associados a sua energia, as suas conceções, o seu procedimento, pela palavra, pelo exemplo, como se faz entre o povo.
Quanto à organização, as suas vantagens na diminuição do esforço e na multiplicação dos resultados, na defesa da liberdade a valer, na emancipação das consciências, são o facto mais abundantemente provado que conhecemos em matéria social.
Os sindicatos ou sociedades de resistência são as associações operárias destinadas à defesa dos interesses dos trabalhadores contra a exploração dos capitalistas. Recebem diversos nomes segundo os países: sindicatos, ligas de resistência, uniões de ofício, associações de classe, trade-unions, etc. Corporativismo (ou unionismo, ou sindicalismo) é o conjunto de ideias e de sistemas sobre a organização operária, a sua ação e os seus métodos.
Essas disposições empregam-se por vezes em sentidos um tanto distintos, em virtude da diferença de métodos e de tendências de diversas organizações.
Especialmente nos Estados-Unidos e na Inglaterra a sociedade operária é um grupo fechado de difícil entrada. A organização operária é uma espécie de aristocracia do trabalho. As corporações de ofício agem isoladamente e a sua ação reduz-se a melhoramentos em favor dos associados, sem mesmo tender à abolição do privilégio capitalista, sendo estreitamente legal, apesar de ser a lei feita e aplicada pelos burgueses e em seu próprio favor. A «trade-union» (expressão inglesa: união de ofício) faz política parlamentar, apoiando o candidato que mais promessas lhe fizer, seja qual for o seu partido! Este «trade-unionismo» vai morrendo por culpa dos seus erros e defeitos.
Na Inglaterra o «trade-unionismo» vai aderindo ao socialismo ou ao sindicalismo revolucionário.
Nos Estados-Unidos já há mesmo uma forte organização (Federação dos Trabalhadores do Mundo)(1) agindo sobre o terreno da luta de classes, repudiando o parlamentarismo.
A sociedade operária alemã não é, a bem dizer, de resistência. A resistência é ali disfarçada, encoberta, sufocada, pelo mutualismo e pela legalidade. As derrotas têm sido majestosas e as conquistas poucas. As organizações alemãs agrupam muita gente, reúnem enormes somas, mas… são inertes, têm medo de empregar a sua força, como aquele que comprou um guarda-chuva e o meteu debaixo do capote com pena de o molhar. Quando se mexem, são pesadas e tímidas, cruzam os braços e lutam a dinheiro… A sua política é a política parlamentar socialista.
É um modelo que vai perdendo o crédito; até na Alemanha começou a reação.
A sociedade de resistência mais perfeita e a mais completa, embora não sem defeitos, é o «sindicato» francês, aderente à Confederação Geral do Trabalho. É puramente de resistência, facilitando a entrada de todos, procurando agrupar o maior número, mas sem por isso deixar de agir constantemente. Trata de conquistar melhoramentos (sobretudo redução de horas), fazendo assim exercício para a greve geral revolucionária e para a expropriação dos meios de produção e de transporte. Não aceita a política parlamentar, fazendo, porém, luta política (contra o Estado, contra o governo, desde o ministro ao polícia, mas especialmente contra o militarismo), pois o poder político é defensor do capitalismo. Mas essa luta (assim como a económica) é pela «ação direta», operária, e não indireta, por meio dos deputados no parlamento.
Este método — que, por influência da França, vai sendo chamado «sindicalismo» — é seguido já pela Suíça francesa, e em parte pela Holanda, pela Espanha e pelas repúblicas sul-americanas, ganha terreno na Itália e nos Estados-Unidos e começa a penetrar na Inglaterra e na própria Alemanha.
O grupo, que tomou a iniciativa da constituição do sindicato, reúne-se e encarrega um indivíduo ou uma comissão de elaborar um projeto de estatutos, de pacto associativo, que será depois discutido em assembleia geral, após convite dirigido a todos os operários que se procura agremiar.
Esse pacto social deve ser o mais resumido possível, despido de vãos formalismos e de estorvos à ação sindical. Em todos os seus atos, o sindicato deve abolir as formalidades inúteis, simplificando tudo. Quem quer agir depressa e muito, constantemente, veste pouca roupa e foge às… camisas de força; quem empreende uma viagem longa, para caminhar ligeiro leva bagagem leve. Em França uma ativa organização de camponeses, gente prática e pouco formalista, tem uns estatutos com 9 artigos.
Em geral, o pacto social deve estatuir apenas estes pontos:
Devem ser substituídos com frequência, não só porque estas funções são um encargo e não uma honra ou um privilégio, mas também porque contribuem para a educação dos operários.
Havendo absoluta necessidade de funcionários pagos, permanentes, devem estes receber um salário não superior ao que tinham como operários, devendo naturalmente todas as despesas de propaganda, organização e administração ficar a cargo do sindicato ou federação de sindicatos. Não havendo necessidade e podendo o serviço ser bem assegurado por voluntários, podem pagar-se os dias de trabalho perdidos por causa da associação.
A estes pontos podem juntar-se outros que variam segundo as circunstâncias: instituição de biblioteca, de escolas profissionais, de obras de propaganda, etc.
O sindicato e a federação sindical têm diversas despesas — para a propaganda, a solidariedade, a organização, a administração, a ação — e precisam portanto de dinheiro. A quota neste caso, representando um sacrifício em favor da ação operária essencial, é em geral uma prova de consciência. Mas é preciso não perder de vista que o sindicato procura recolher no seu seio sobretudo as boas vontades e que quotas demasiado elevadas tornam o sindicato uma corporação fechada e privilegiada, em luta com a parte mais miserável da classe.
É preciso acima de tudo não confundir a quota, menos elevada, com o entesouramento. Peça-se ao associado o maior sacrifício pecuniário possível, mas para que seja logo convertido em propaganda, educação e movimento. Pecúlio, apenas o indispensável para sustentar os primeiros passos duma ação.
Os sindicatos que têm grossos fundos fazem-se timoratos, inativos e conservadores… com medo de gastar o cobre; e assim os sócios depositam o seu dinheiro, e as vantagens, morais e materiais, não vêem.
Contra os patrões, senhores de grandes reservas, de fortes meios de propaganda e de coação, a luta assenta muito mais sobre a energia, a rapidez no ataque e a solidariedade dos companheiros e da população na luta, do que nos míseros vinténs acumulados.
Há casos de derrota operária, apesar dos fortes subsídios de greve; por vezes os operários subsidiados abandonam a luta (?) num momento não desesperado!
O interesse dos patrões está mesmo em que os sindicatos entesourem; isso dá-lhes uma garantia de paz e uma possibilidade de obter legalmente firmada em qualquer texto de lei apresentado por um advogado hábil e tido em conta por um juiz amigo, uma indemnização por perdas e danos, sob pretexto de estorvos à pretendida «liberdade de trabalho», rutura de contrato, excitação à greve, etc. Há disso numerosos exemplos em vários países. Uma das condições que uma associação patronal francesa exigia para reconhecer um sindicato operário e negociar com ele era «que oferecesse responsabilidades e garantias efetivas».
Falamos aqui da caixa de resistência, a única que julgamos indispensável no sindicato. E esse dinheiro deve ser gasto, sem muita demora, na propaganda, nos locais, na agitação. Por vezes é preciso considerar certos casos especiais de solidariedade, para com um companheiro vítima da luta, por exemplo, e sustentar mesmo os primeiros momentos da greve; mas neste último caso mais vale recorrer à solidariedade pecuniária dos trabalhadores todos, e principalmente à decisão e prontidão dos grevistas…
Em regra, a ordem do mútuo-socorro assenta sobre a privação no presente em nome do futuro e sobre o reconhecimento da legitimidade e justiça das condições impostas pelo patrão. Chama-se abusivamente previdência ou economia ao que não é, em geral, senão desperdício de forças, sacrifício da saúde e da vida a um problemático futuro. Na atual organização da sociedade, em que aos trabalhadores não é possível a verdadeira economia — equilíbrio da produção com o consumo, das forças gastas com as forças recuperadas —, entesourar, juntar pecúlio significa habituar-se a beber mal e aceitar sempre piores condições impostas pelo patronato. Os que sabem ou podem privar-se, mesmo a custo da saúde, fazem uma terrível concorrência aos trabalhadores, vendendo-se por pouco, fazendo baixar aos últimos limites da miséria a situação do operariado. Pelo mesmo motivo, diminuindo a possibilidade ou a vontade de consumir, diminui a produção que é guiada pelo mercado, movida pelo lucro e não pelas necessidades reais dos consumidores. Com a diminuição da produção vem ainda o aumento do número de desocupados.
Ora o mutualismo funda-se em regra sobre esse prejuízo duma pseudo-previdência. O salariato é aceite resignadamente. Tudo o que o patrão oferece é justo; não se pensa em resistir. Do pouco que se recebe, e que é já insuficiente para o funcionamento normal da vida, tira-se tudo — até uma ilusória garantia do futuro, em troca da ruína do presente! Assim faz o proletariado, quando ainda privado duma consciência de classe, ignorante do antagonismo entre os seus interesses e os do patrão e desconhecedor dos seus direitos e da sua força.
Mas, seja qual for o valor do mutualismo, seja qual for a utilidade que haja para o indivíduo em recorrer a ele nas atuais condições da sociedade, o importante é que o não pratique o sindicato operário, que deve ser unicamente uma sociedade de resistência.
O mutualismo (e com ele o cooperativismo) não serve senão para mascarar a ação económica dos sindicatos e para atrair, como uma isca traiçoeira, uma multidão de apáticos e inconscientes, que só pensam no subsídio, que só se associam com a mira no socorro, e que, depois de associados, só aparecem na sede social quando se trata de reclamar o cobre providencial.
Essa gente não constitui uma força, a não ser negativa; é um embaraço, um peso morto, uma bala aos pés da associação. E aqueles que ali a chamaram, com o engano, são mais tarde vítimas da sua própria armadilha, e muitas vezes, não o percebendo, lamentam-se do fracasso da sua própria tentativa, da apatia geral, desgostam-se, abandonam a luta.
A união faz a força mas é… a união de forças: forças que devem ser concordantes, e portanto conscientes. E são conscientes do verdadeiro fim do sindicato — a resistência — os que a ele acorrem com o fito do subsidiozinho? Chegado o momento em que se requer a energia de todos, esses hesitam, titubeiam, param, ou exigem para avançar sem entusiasmo que… lhes paguem os dias de trabalho que perdem! Não, com esses não se pode contar.
Certamente, é necessário oferecer à união um terreno sólido de acordo, que todos possam aceitar voluntariamente, cientemente: mas acordo na luta, não na passividade, acordo de energias, não de fraquezas. Só importam os ativos, os enérgicos, os conscientes, os de boa vontade, os que compreenderam ou pelo menos entreviram a necessidade de sair desta situação. Os outros não são unidades; são embaraços.
Quando o sindicato se põe a fazer mutualismo e a arregimentar por esse meio rebanhos de resignados e de cobardes, sem nenhum intuito de resistência, sem nenhuma ideia de protesto, está perdido para toda a atividade fecunda. Só é arrastado à luta pela força das circunstâncias, mas a contragosto, de surpresa, sem entusiasmo, sem o ânimo disposto a vencer. O medo de «desorganizar» o grosso exército reunido em volta da gloriosa bandeira do subsídio paralisa mesmo os mais conscientes. Imaginem! eles têm medo de limpar o sindicato das excrescências e estorvos!
Não há como a franqueza: «Aqui estamos reunidos para lutar. Quem se sentir disposto a acompanhar-nos, venha: a entrada é franca!»
Na cooperativa de consumo unem-se muitas pessoas para comprarem por junto os géneros de consumo, revendendo-os aos sócios. O seu intuito, raras vezes alcançado por completo, é a supressão dos intermediários. É difícil que a cooperativa tenha o poder económico de comprar na origem e em grandes quantidades, estando, portanto, sujeita ao grande comerciante. Ademais, nem todos os operários ou todas as categorias de operários podem facilmente recorrer à cooperativa: por exemplo, os que sofrem de frequente desocupação, os que não têm salário fixo, os que dependem, pela sua situação incerta e subordinada, do negociante que vende a crédito ou da loja administrada direta ou indiretamente pelo seu patrão industrial.
Na cooperativa de produção unem-se os trabalhadores para produzir as mercadorias e vendê-las diretamente ao público, no intuito de suprimir o ganho do patrão em proveito do produtor e do consumidor. Mas a luta, possível com o pequeno patrão, é dificílima com o grande industrial e as grandes empresas capitalistas, com os trusts, que dispõem da melhor maquinaria. Ademais, em regime capitalista está-se sujeito à sobreprodução, isto é, produção superior às possibilidades de consumir — embora não às necessidades reais —, e por consequência, às crises de desocupação e miséria.
Sem contar o espírito de ganância que as cooperativas, quando triunfantes, desenvolvem, é preciso ter em vista que, sendo os capitalistas senhores da terra e dos meios de produção, têm sempre o poder de aniquilar ou reduzir a proporções mínimas as vantagens económicas das cooperativas, sobretudo se da parte dos operários falta a resistência. E esta resistência, como veremos, é muitas vezes amortecida pelo facto de colocarem os operários a sua confiança nas obras do mutualismo e cooperativismo.
Kropotkin cita o facto sucedido a uma pessoa que foi alugar casa nas vizinhanças da cooperativa: «Eu elevo o aluguer da casa, dizia com a maior naturalidade a proprietária, porque há a vantagem compensadora de lhe ficar perto a cooperativa…» Quer isto dizer que os detentores da riqueza social — terra, casas, máquinas, etc. — têm muitos meios de retirar por um modo o que por outro perdem: elevação de preços, baixa de salários, constituição de trusts, açambarcamento de mercadorias, armazenagem de produtos que podem esperar, etc.
A própria organização social burguesa, no seu funcionamento normal, com as suas crises de produção e desocupação, deslocação de capitais, migrações, neutraliza até a obra de resistência do proletariado — o que prova que é uma necessidade inevitável a revolução social, isto é, a expropriação da burguesia em proveito dos grupos livres de produtores, a socialização da terra e dos meios de produção.
Qualquer que seja o valor atribuído ao mutualismo e ao cooperativismo, o ponto principal é que não venham embaraçar e sufocar a resistência. Uma função é tanto mais perfeita quanto menor é o número das funções cumulativas exercidas pelo mesmo orgão. É necessário que essas funções sejam autónomas, que se opere uma divisão de trabalho.
O cooperativismo e o mutualismo, capazes de agrupar um grande número de operários, têm ao menos a vantagem moral de desenvolver o espírito de solidariedade. Nas cooperativas as capacidades administrativas dos operários podem achar expansão, e não faltam anarquistas (como Tcherkesoff) que lhes atribuem valor, mesmo em períodos de crise revolucionária, para a pronta reorganização comunista da produção.
Quanto, porém, aos melhoramentos imediatos dados por esses modos de agrupamento, eles seriam inteiramente nulos e à custa dos trabalhadores, se não fosse a organização de resistência.
O que sobretudo devemos combater é o «sindicato de bases múltiplas», onde a resistência é embrulhada e abafada por instituições de carácter mutualista e cooperativo. A resistência verdadeira, ativa, franca, tem para os revolucionários socialistas o valor essencial de colocar resolutamente o operário em frente do patrão, de aclarar a luta de classes. O organismo que a prepara e que para ela procura coordenar as forças operárias, deve ser adequado ao seu fim, ter dele consciência e tê-lo constantemente em vista, agindo constantemente. Eis porque os que vão ao sindicato com a mira no subsídio e nas várias caixas (em regra só aparecem para receber o cobre), inconscientes do fim essencial do sindicato, sem espírito de resistência, são um peso morto sempre e por vezes uma oposição à ação de resistência. Para que a organização seja adequada ao seu fim, todo de propaganda e ação, é necessário que os seus membros estejam decididos a ele. Nos momentos de ação, quando a necessidade da resistência se evidencia, e à medida que a propaganda ilumina as consciências, os operários correm a engrossar o núcleo de voluntários, de ativos e conscientes; o número segue a qualidade.
De outro modo pode obter-se uma agremiação numerosa e duradoura — o que não quer dizer forte e ativa; mas essa organização é inadequada para a resistência.
Em suma, a resistência ao patronato é a ação essencial e sem ela qualquer obra de beneficência, mutualismo ou cooperativismo seria toda a cargo do operariado, facilitando mesmo ao patrão a imposição das suas condições e embaraçando a ação do sindicato, quando nele introduzida.
Os patrões procuram dar o menos possível em troca da maior soma possível de trabalho, mas encontram um limite extremo na necessidade, na vantagem própria, de que o operário se mantenha de pé e se reproduza. Esse limite é, porém, muito variável de facto: as condições dos diversos proletários variam grandemente do campo para a cidade, de lugar para lugar, de país para país. Certa classe operária não consentiria, a custo de uma revolta, em viver como outra faz tranquilamente. Dizemos certa classe e não certo indivíduo, pois que este é forçado ou a submeter-se porque os outros se submetem, vencendo-o nessa concorrência… às avessas (assim, nos países de imigração, os trabalhadores vindos das regiões mais miseráveis e habituados a uma vida pior, fazem baixar as condições de trabalho, vendendo-se por preço ínfimo e obrigando os outros ao mesmo) ou a recorrer à emigração, que é, afinal, uma forma de resistência, mesmo coletiva, quando faz rarear a oferta de braços no lugar de onde se emigra.
Na lei de bronze dos salários, segundo a qual as condições operárias tendem a descer ao limite em que o assalariado apenas pode vegetar e reproduzir-se, intervém como elemento a vontade, a resistência coordenada dos trabalhadores. A resignação, a passividade, o hábito da miséria fazem baixar a vida a tal grau de miséria abjeta e degradante, que parece mesmo desmentir a lei de bronze, não sendo possível uma vida mesmo animal, nem uma união sexual, a reprodução. Por outro lado, a resistência, tanto mais eficaz quanto mais consciente e enérgica, faz subir o nível da vida proletária a um certo grau de bem-estar. Até ao ponto em que o patrão já não teria lucro, isto é, deixaria de ser patrão, as condições operárias oscilam, proporcionalmente à resistência solidária dos assalariados, se todas as outras circunstâncias que influem nessa oscilação forem postas de lado. Como atrás ficou dito, há circunstâncias próprias do sistema capitalista, que destroem rapidamente os frutos dos esforços operários.
Mas, neste caso, se o operariado se habituou a certo grau de bem-estar, sem o qual já não pode passar, se se foi exercitando na luta, se, graças aos factos e à educação revolucionária, compreendeu as causas profundas do mal-estar, ei-lo arrastado pela mudança brusca à ação revolucionária.
O sentimento de bem-estar e o espírito de revolta são dados pela ação contínua e solidária, que prepara e produz o facto. Aqui ressalta a razão principal do nosso interesse pela organização e ação sindicalistas; o operário enfrenta o patrão, aprende a considerá-lo como parasita, educa-se no antagonismo de classe, discute com os seus os interesses profissionais, adquire o hábito da solidariedade, intervém na vida social.
Graças à luta e à propaganda que essa luta facilita e fecunda, o trabalhador penetra cada vez mais profundamente na compreensão da origem do mal e prepara-se moral e materialmente para o que é a conclusão lógica do movimento sindicalista operário: a expropriação revolucionária da terra e de todos os meios de produção.
Para concluir, falemos agora da arbitragem nos conflitos do trabalho com o capital.
A arbitragem supõe litigantes de força igual normalmente, supõe o consentimento das partes, a absoluta independência e imparcialidade dos árbitros, a existência de direitos primários reconhecidos de parte a parte. Ora, nenhuma destas condições se dá entre patrão e assalariado; o operário não pode consentir que o seu direito à existência dependa duma arbitragem, muito suscetível de ser comprada, torcida ou desprezada pelos seus empregadores, não pode reconhecer o direito de o explorarem. Entre as duas forças há uma luta que a intervenção suspeita da lei ou do árbitro, sempre suspeito, vem estorvar em prejuízo do assalariado. A arbitragem obrigatória, como a «lei sobre os conflitos coletivos» da Suíça, é um laço mais para manietar os trabalhadores na sua legítima e necessária defesa contra a exploração patronal. Não; há só um meio de fazer terminar a luta, de realizar a paz social, a harmonia entre o capital e o trabalho: é colocá-los nas mesmas mãos, as do produtor-consumidor, é abolir as duas classes em guerra, burguesa e proletária, e fundi-las numa só, pela posse em comum dos meios de produção. Até lá, a arbitragem é uma burla infame, que é preciso combater a todo o transe.
Notas de rodapé:
(1) Neno refere-se à Industrial Workers of the World (IWW). (retornar ao texto)