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Este livro expõe, de forma resumida, as doutrinas econômicas fundamentais de Marx segundo as próprias palavras de Marx. Afinal de contas, ninguém ainda foi capaz de expor melhor a teoria do trabalho que o próprio Marx[1]
Algumas das argumentações de Marx, principalmente no primeiro capítulo, o mais difícil de todos, podem parecer ao leitor não iniciado digressivas, minuciosas ou “metafísicas” demais.
Na verdade, esta impressão é uma conseqüência da necessidade ou do costume de aproximar-se dos fenômenos corriqueiros, antes de mais nada, de uma maneira científica. A mercadoria transformou-se numa parte tão comum, tão habitual e tão familiar de nossa vida diária que nem sequer nos ocorre pensar por que os homens abrem mão de objetos importantes, necessários para o sustento da vida, em troca de pequenos discos de ouro ou de prata que não são utilizados em nenhum lugar da terra. A questão não se limita à mercadoria. Todas e cada uma das categorias da economia de mercado parecem ser aceitas sem análise, como evidentes por si mesmas, e como se fossem as bases naturais das relações humanas. No entanto, enquanto as realidades do processo econômico são o trabalho humano, as matérias-primas, as ferramentas, as máquinas, a divisão do trabalho, a necessidade de distribuir os produtos acabados entre os que participam do processo do trabalho etc, categorias como “mercadoria”, “dinheiro”, “salários”, “capital”, “lucro”, “imposto” etc, são, nas cabeças dos homens, apenas reflexos semi-místicos dos diversos aspectos de um processo econômico que eles não compreendem e que não podem dominar. Para decifrâ-los é indispensâvel uma anâlise científica completa.
Nos Estados Unidos, onde se considera que um homem que possui um milhão de dólares “vale” um milhão de dólares, os conceitos relativos ao mercado foram muito mais rebaixados do que em qualquer outro lugar. Até bem recentemente, os estadunidenses se preocuparam muito pouco com a natureza das relações econômicas. Na terra do mais poderoso sistema econômico, a teoria econômica continuou sendo excessivamente estéril. Só a crise, cada vez mais profunda, da economia norte-americana, conseguiu fazer com que a opinião pública desse país se enfrentasse repentinamente com os problemas fundamentais da sociedade capitalista. De qualquer modo, todo aquele que não tenha superado o costume de aceitar sem um rigoroso exame as considerações ideológicas sobre o progresso econômico feitas superficialmente, todo aquele que não tenha pensado, seguindo os passos de Marx, a natureza essencial da mercadoria como sendo a célula bâsica do organismo capitalista, não serâ capaz de entender cientificamente as manifestações mais importantes de nossa época.
Tendo definido a ciência como o conhecimento dos recursos objetivos da natureza, o homem procurou, obstinada e persistentemente, excluir a si mesmo da ciência, reservando-se privilégios especiais sob a forma de um pretenso intercâmbio com forças supra-sensíveis (religião) ou com preceitos morais independentes do tempo (idealismo). Marx privou o homem definitivamente e para sempre desses odiosos privilégios, considerando-o um elo natural no processo evolutivo da natureza material, a sociedade como a organização para a produção e a distribuição e o capitalismo como uma etapa no desenvolvimento da sociedade humana.
A finalidade de Marx não era descobrir as “leis eternas” da economia. Ele negou a existência de tais leis. A história do desenvolvimento da sociedade humana é a história da sucessão de diversos sistemas econômicos, cada um dos quais atua de acordo com suas próprias leis. A transição de um sistema para outro sempre foi determinada pelo aumento das forças de produção, por exemplo, da técnica e da organização do trabalho. Até certo ponto, as mudanças sociais são de caráter quantitativo e não alteram as bases da sociedade, por exemplo, as formas prevalecentes da propriedade. Mas chega-se a um novo ponto quando as forças produtivas maduras já não podem conter-se por mais tempo dentro das velhas formas da propriedade: produz-se, então, uma mudança radical na ordem social, acompanhada de comoções. A comuna primitiva foi substituída ou complementada pela escravidão; à escravidão seguiu-se a servidão com sua superestrutura feudal; o desenvolvimento comercial das cidades levou a Europa, no século XVI, à ordem capitalista, que passou imediatamente por diversas etapas. Em seu Capital, Marx não estuda a economia em geral, mas a economia capitalista, que tem leis específicas próprias. Refere-se a outros sistemas apenas de passagem e com o objetivo de pôr em evidência as características do capitalismo.
A economia da família de agricultores primitiva, que se bastava a si mesma, não tinha necessidade da “economia política”, pois era dominada por um lado pelas forças da natureza e por outro pelas forças da tradição. A economia natural dos gregos e romanos, completa em si mesma, fundada no trabalho dos escravos, dependia da vontade do proprietário dos escravos, cujo “plano” era diretamente determinado pelas leis da natureza e da rotina. O mesmo se pode dizer do Estado medieval com seus servos camponeses. Em todos esses casos as relações econômicas eram claras e transparentes em sua crueza primitiva. Mas o caso da sociedade contemporânea é completamente diferente. Ela destruiu essas velhas conexões completas em si mesmas e esses modos de trabalho herdados. As novas relações econômicas relacionaram entre si as cidades e as vilas, as províncias e as nações. A divisão do trabalho abarcou todo o planeta. Tendo destroçado a tradição e a rotina, esses laços não se estabeleceram de acordo com algum plano definido, e sim muito mais à margem da consciência e da previsão humanas. A interdependência dos homens, dos grupos, das classes, das nações, conseqüência da divisão do trabalho, não é dirigida por ninguém. Os homens trabalham uns para os outros sem conhecer-se, sem conhecer as necessidades dos demais, com a esperança, e inclusive com a certeza, de que suas relações se regularizarão de algum modo por si mesmas. E assim o fazem, ou melhor, assim gostariam de fazê-lo.
É totalmente impossível encontrar as causas dos fenômenos da sociedade capitalista na consciência subjetiva — nas intenções ou nos planos de seus membros. Os fenômenos objetivos do capitalismo foram formulados antes que a ciência começasse a pensar seriamente sobre eles. Até hoje a imensa maioria dos homens nada sabe sobre as leis que regem a economia capitalista. Toda força do método de Marx reside em se aproximar dos fenômenos econômicos, não do ponto de vista subjetivo de certas pessoas, mas do ponto de vista objetivo do desenvolvimento da sociedade em seu conjunto, da mesma forma que um homem de ciência que estuda a natureza se aproxima de uma colméia ou de um formigueiro.
Para a ciência econômica o que tem um significado decisivo é o que fazem os homens e como o fazem, o que pensam eles com relação a seus atos. Na base da sociedade não se encontram a religião e a moral, mas a natureza e o trabalho. O método de Marx é materialista, pois vai da existência à consciência e não o contrário. O método de Marx é dialético, pois observa como a natureza e a sociedade evoluem e a pr6pria evolução como a luta constante das forças em conflito.
Marx teve predecessores. A economia política clássica — Adam Smith, David Ricardo — floresceu antes que o capitalismo tivesse se desenvolvido, antes que começasse a temer o futuro. Marx rendeu aos grandes clássicos o perfeito tributo de sua profunda gratidão. No entanto, o erro básico dos economistas clássicos era considerarem o capitalismo como a existência normal da humanidade em todas as épocas, ao invés de considerá-lo simplesmente como uma etapa histórica no desenvolvimento da sociedade. Marx iniciou a crítica dessa economia política, mostrou seus erros, assim como as contradições do próprio capitalismo, e demonstrou que seu colapso era inevitável.
A ciência não atinge sua meta no estudo hermeticamente fechado do erudito, e sim na sociedade de carne e osso. Todos os interesses e paixões que dilaceram a sociedade exercem sua influência no desenvolvimento da ciência, principalmente da economia política, a ciência da riqueza e da pobreza. A luta dos trabalhadores contra os capitalistas obrigou os teóricos da burguesia a dar as costas para a análise científica do sistema de exploração e a ocupar-se com uma descrição vazia dos fatos econômicos, o estudo do passado econômico e, o que é muitíssimo pior, com uma falsificação absoluta das coisas tais como são com o propósito de justificar o regime capitalista. A doutrina econômica ensinada até hoje nas instituições oficiais de ensino e que se prega na imprensa burguesa não está desprovida de materiais importantes relacionados com o trabalho, mas não obstante é inteiramente incapaz de abarcar o processo econômico em seu conjunto e descobrir suas leis e perspectivas, nem tem o menor intuito de fazer isso. A economia política oficial está morta.
Na sociedade contemporânea o vínculo cardeal entre os homens é a troca. Todo produto do trabalho que entra no processo de troca converte-se em mercadoria. Marx iniciou sua pesquisa com a mercadoria e extraiu dessa célula fundamental da sociedade capitalista as relações sociais que se constituíram objetivamente com base na troca, independentemente da vontade do homem. Somente seguindo este caminho é possível decifrar o enigma fundamental: como, na sociedade capitalista, onde cada homem pensa só em si e ninguém pensa nos demais, criaram-se as proporções relativas dos diversos setores da economia indispensáveis para a vida.
O operário vende sua força de trabalho, o agricultor leva seu produto ao mercado, o agiota ou o banqueiro concedem empréstimos, o comerciante oferece um sortimento de mercadorias, o industrial constrói uma fábrica, o especulador compra e vende ações e bônus, e cada um deles leva em consideração suas próprias conveniências, seus planos particulares, sua própria opinião sobre os salários e os lucros. No entanto, deste caos de esforços e ações individuais surge determinado conjunto econômico que embora certamente não seja harmonioso, e sim contraditório, dá à sociedade a possibilidade de não só existir, como também de se desenvolver. Isto quer dizer que, no final das contas, o caos não é absolutamente caos, que de alguma maneira está regulado automaticamente, se não conscientemente. Compreender o mecanismo pelo qual os diversos aspectos da economia chegam a um estado de equilíbrio relativo é descobrir as leis objetivas do capitalismo.
Evidentemente, as leis que regem as diversas esferas da economia capitalista — salários, preços, arrendamento, proventos, lucro, crédito, bolsa — são numerosas e complexas. Mas em última análise procedem todas de uma única lei descoberta por Marx e por ele examinada até o fim; é a lei do valor-trabalho, que é sem dúvida a que regula basicamente a economia capitalista. A essência dessa lei é simples. A sociedade tem a sua disposição determinada reserva de força de trabalho viva. Aplicada à natureza, essa força engendra produtos necessários para a satisfação das necessidades humanas. Como conseqüência da divisão do traoalho entre produtores individuais, os produtos assumem a forma de mercadorias. As mercadorias são trocadas entre si numa proporção determinada, a princípio diretamente e depois por meio do ouro ou da moeda. A propriedade essencial das mercadorias, que em certa relação as iguala entre si, é o trabalho humano investido nelas — trabalho abstrato, trabalho em geral —, base e medida do valor. A divisão do trabalho entre milhões de produtores dispersos não leva à desintegração da sociedade, porque as mercadorias são intercambiadas de acordo com o tempo de trabalho socialmente necessário investido nelas. Mediante a aceitação e a rejeição das mercadorias, o mercado, na qualidade de terreno de troca, decide se elas contêm ou não em si mesmas o trabalho socialmente necessário, com o que determina as proporções dos diversos tipos de mercadorias necessárias para a sociedade, e também, conseqüentemente, a distribuição da força de trabalho de acordo com os diversos tipos de comércio.
Os processos reais do mercado são imensamente mais complexos que o que expusemos aqui em poucas linhas. Assim, ao girar em torno do valor do trabalho, os preços flutuam acima e abaixo de seus valores. As causas destes desvios são inteiramente explicadas no terceiro volume de O Capital de Marx, onde se descreve “o processo da produção capitalista considerado em seu conjunto”. No entanto, por maiores que possam ser as diferenças entre os preços e os valores das mercadorias nos casos individuais, a soma de todos os preços é igual à soma de todos os valores, pois, em última análise, só os valores que foramcriados pelo trabalho humano se encontram à disposição da sociedade, e os preços não podem ultrapassar estes limites, mesmo tendo-se em conta o monopólio dos preços ou trust; onde o trabalho não criou um valor novo nem o próprio Rockefeller pode fazer alguma coisa.
Mas, se as mercadorias são trocadas de acordo com a quantidade de trabalho investido nelas, como se deriva a desigualdade da igualdade? Marx decifrou esse enigma expondo a natureza peculiar de uma das mercadorias que é a base de todas as outras: a força de trabalho. O proprietário dos meios de produção, o capitalista, compra a força de trabalho. Como todas as outras mercadorias, a força de trabalho é valorizada de acordo com a quantidade de trabalho investida nela, isto é, dos meios de subsistência necessários para a vida e reprodução do trabalhador. Mas o consumo desta mercadoria — força de trabalho — se produz mediante o trabalho, que cria novos valores. A quantidade desses valores é maior que aquela que o próprio trabalhador recebe e gasta para se manter. O capitalista compra força de trabalho para explorá-Ia. Essa exploração é a fonte da desigualdade.
A parte do produto que contribui para a subsistência do trabalhador é chamada por Marx de produto necessário; a parte excedente que o trabalhador produz é chamada de produto excedente ou mais-valia. O escravo tinha que produzir mais-valia, pois de outra forma o dono de escravos não os teria. O servo tinha que produzir mais-valia, pois de outro modo a servidão não teria tido nenhuma utilidade para a classe proprietária. O operário assalariado também produz mais-valia, só que numa escala muito maior, pois de outra maneira o capitalista não teria necessidade de comprar a força de trabalho. A luta de classes não é outra coisa senão a luta pela mais-valia. Quem possui a mais-valia é o dono da situação, possui a riqueza, possui o poder do Estado, tem a chave da igreja, dos tribunais, das ciências e das artes.
As relações entre os capitalistas que exploram os trabalhadores são determinadas pela concorrência, que atua como mola principal do progresso capitalista. As grandes empresas gozam de maiores vantagens técnicas, financeiras, de organização, econômicas e políticas do que as empresas pequenas. O grande capital capaz de explorar um número maior de operários é inevitavelmente o que consegue vencer numa concorrência. Tal é a base inalterável do processo de concentração e centralização do capital.
Ao estimular o desenvolvimento progressivo da técnica, a concorrência não só consome gradualmente as camadas intermediárias, mas também consome-se a si mesma. Sobre os cadáveres e semi-cadáveres dos pequenos e médios capitalistas, surge um número cada vez menor de magnatas capitalistas cada vez mais poderosos. Deste modo, a concorrência honesta, democrática e progressista engendra irrevogavelmente o monopólio pernicioso, parasitário e reacionário. Seu predomínio começou a se afirmar por volta dos anos 80 do século passado e assumiu sua forma definida no início do presente século. Pois bem, a vitória do monopólio é reconhecida sem reservas pelos representantes oficiais da sociedade burguesa[2]. No entanto, quando Marx, ao longo de seu prognóstico, foi o primeiro a concluir que o monopólio é uma conseqüência das tendências inerentes do capitalismo, o mundo burguês continuou considerando a concorrência como uma lei eterna da natureza.
A eliminação da concorrência pelo monopólio assinala o início da desintegração da sociedade capitalista. A concorrência era a principal mola criadora do capitalismo e a justificação histórica do capitalista. Por isso mesmo, a eliminação da concorrência assinala a transformação dos acionistas em parasitas sociais. A concorrência precisa de certas liberdades, uma atmosfera liberal, um regime democrático, um cosmopolitismo comercial. O monopólio, em compensação, precisa de um governo o mais autoritário possível, barreiras alfandegárias, suas “próprias” fontes de matérias-primas e mercados (colônias). A palavra final na desintegração do capital monopolista é o fascismo.
Os capitalistas e seus defensores procuram por todos os meios ocultar tanto aos olhos do povo como aos do cobrador de impostos o alcance real da concentração da riqueza. Contra toda evidência, a imprensa burguesa ainda tenta manter a ilusão de uma distribuição “democrática” do investimento do capital. The New York Times, para refutar os marxistas, assinala que há de três a cinco milhões de patrões individuais. É verdade que as companhias por ações representam uma concentração de capital maior que três a cinco milhões de patrões individuais, embora os Estados Unidos contem com “meio milhão de corporações”. Esta forma de jogar com as cifras tem por objetivo não esclarecer, mas ocultar a realidade das coisas.
Desde o começo da guerra até 1923 o número de fábricas e estabelecimentos comerciais existentes nos Estados Unidos caiu de 100% para 98,7%, enquanto que a massa de produção industrial subiu de 100% para 156,3%. No período de uma prosperidade sensacional (1923-1929), quando parecia que todo mundo ia ficar rico, o número de estabelecimentos baixou de 100% para 93,8%, enquanto que a produção cresceu de 100% para 113 %. No entanto, a concentração de estabelecimentos comerciais, limitada por seu volumoso corpo material, está longe da concentração de sua alma, a propriedade. Em 1929 havia, na verdade, mais de 300.000 corporações, como observa corretamente The New York Times. A única coisa que falta acrescentar é que 200 delas, quer dizer, 0,007% do total, controlava diretamente os 49,2% dos capitais de todas as corporações. Quatro anos depois, a porcentagem já tinha subido para 56, enquanto que no período da administração Roosevelt subiu, sem dúvida, ainda mais. Nessas 200 principais companhias por ações o domínio verdadeiro pertence a uma pequena minoria[3].
O mesmo processo pode ser observado no sistema bancário e nos sistemas de seguros. Cinco das maiores companhias de seguros dos Estados Unidos absorveram não somente as outras companhias, como também muitos bancos. O número total de bancos reduziu-se, principalmente sob a forma das chamadas “associações”, essencialmente através da absorção. Esta mudança avança rapidamente. Acima dos bancos eleva-se a oligarquia dos superbancos. O capital bancârio associa-se ao capital industrial no supercapital financeiro. Supondo que a concentração da indústria e dos bancos se produza na mesma proporção que durante o último quarto de século — na verdade o “tempo” de concentração tende a aumentar — ao longo do próximo quarto de século os monopolistas terão concentrado em si mesmos toda a economia do país, sem deixar nada para os outros.
Apresentamos as estatísticas dos Estados Unidos porque são mais exatas e mais surpreendentes. O processo de concentração é de carâter essencialmente internacional. Ao longo das diversas etapas do capitalismo, ao longo das fases dos ciclos de conexão, ao longo de todos os regimes políticos, ao longo dos períodos de paz como dos períodos de conflitos armados, o processo de concentração de todas as grandes fortunas num número de mãos cada vez menor seguiu adiante e prosseguirá sem termo. Na época da Grande Guerra, quando as nações estavam feridas de morte, quando os próprios corpos políticos da burguesia jaziam esmagados sob o peso das dívidas nacionais, quando os sistemas fiscais rolavam para o abismo, arrastando atrás de si as classes médias, os monopolistas obtinham lucros sem precedentes com o sangue e a lama. Durante a guerra, as empresas mais poderosas dos Estados Unidos aumentaram seus lucros duas, três e até quatro vezes e aumentaram seus dividendos em até 300, 400 e 900% e ainda mais.
Em 1840, oito anos antes da publicação, por Marx e Engels, do Manifesto do Partido Comunista, o famoso escritor francês Alexis de Tocqueville escreveu em seu livro A democracia na América: “A grande riqueza tende a desaparecer e o número de pequenas fortunas a aumentar”. Este pensamento foi reiterado inúmeras vezes, de início com referência aos Estados Unidos, e depois com referência a outras jovens democracias, Austrália e Nova Zelândia. Evidentemente, a opinião de Tocqueville já era errônea na sua época. Mais ainda, a verdadeira concentração da riqueza só começou depois da Guerra Civil americana, nas vésperas da morte de Tocqueville. No início deste século 2% da população dos Estados Unidos possuía mais da metade de toda a riqueza do país; em 1929 esses mesmos 2% possuíam três quintos da riqueza nacional. Ao mesmo tempo, 36.000 famílias ricas possuíam uma renda tão alta quanto a de 11.000.000 de famílias de classe média baixa. Durante a crise de 1929-1933 os estabelecimentos monopolistas não precisavam apelar para a caridade pública; pelo contrário, fizeram-se mais poderosos que nunca em meio ao declínio geral da economia nacional. Durante a subseqüente raquítica reação industrial produzida pelo fermento da New Deal, os monopolistas conseguiram novos benefícios. O número de desempregados diminuiu, na melhor das hipóteses, de 20.000.000 para 10.000.000; ao mesmo tempo a camada superior da sociedade capitalista — não mais de 6.000 adultos — acumulou dividendos fantásticos; isto é o que o subsecretário de Justiça Robert H. Jackson demonstrou com cifras em seu depoimento ante a correspondente comissão de investigação dos Estados Unidos.
Mas o conceito abstrato de “capital monopolista” para nós está cheio de sangue e carne. Isto quer dizer que um punhado de famílias[4], unidas pelos laços de parentesco e do interesse comum numa oligarquia capitalista exclusiva, dispõe das formas econômica e política de uma grande nação. Somos forçados a admitir que a lei marxista da concentração do capital realizou bem a sua obra!
As questões da concorrência, da concentração da riqueza e do monopólio levam naturalmente à questão de que se em nossa época a teoria econômica de Marx não teria apenas um simples interesse histórico — como, por exemplo, a teoria de Adam Smith — ou se continua tendo verdadeira importância. O critério para responder a essa pergunta é simples: se a teoria. considera corretamente o curso da evolução e prevê o futuro melhor que as outras teorias, continua sendo a teoria mais avançada de nossa época, embora já tenha muitos anos de idade.
O famoso economista alemão Werner Sombart, que era virtualmente um marxista no início de sua carreira mas que depois revisou todos os aspectos mais revolucionários da doutrina de Marx, contrapôs a O Capital de Marx seu Capitalismo, provavelmente a mais conhecida exposição apologética da economia burguesa dos últimos tempos. Sombart escreveu:
“Karl Marx profetizou: primeiro, a miséria crescente dos trabalhadores assalariados; segundo, a ‘concentração’ geral, com o desaparecimento da classe de artesãos e lavradores; terceiro, o colapso catastrófico do capitalismo. Nada disso aconteceu”.
A estes prognósticos equivocados, Sombart contrapõe seus próprios prognósticos “estritamente científicos”.
“O capitalismo subsistirá — segundo ele — para transformar-se internamente na mesma direção em que já começou a transformar-se na época do seu apogeu: quanto mais vai ficando velho, mais e mais vai ficando tranqüilo, sossegado, razoável”.
Tentemos verificar, embora apenas nas suas linhas mais gerais, qual dos dois está com a razão: Marx, com sua idéia da catástrofe, ou Sombart, que em nome de toda economia burguesa prometeu que as coisas se arranjariam de uma forma “tranqüila, sossegada e razoável”. O leitor há de convir que o assunto é digno de estudo.
“A acumulação da riqueza num pólo — escreveu Marx sessenta anos antes de Sombart — é, conseqüentemente, ao mesmo tempo, acumulação de miséria, sofrimento no trabalho, escravidão, ignorância, brutalidade, degradação mental no pólo oposto, quer dizer, no lado da classe que produz seu produto na forma do capital”.
Esta tese de Marx, chamada de “teoria da miséria crescente”, sofreu ataques constantes por parte dos reformadores democráticos e social-democratas, especialmente durante o período de 1896 a 1914, quando o capitalismo se desenvolveu rapidamente e fez certas concessões aos trabalhadores, principalmente a seu estrato superior. Depois da Guerra Mundial, quando a burguesia, assustada com seus próprios crimes e com a Revolução de Outubro, seguiu o caminho das reformas sociais anunciadas, cujo valor foi simultaneamente anulado pela inflação e pelo desemprego, a teoria da transformação progressiva da sociedade capitalista pareceu totalmente assegurada aos reformistas e aos professores burgueses.
“A compra de força de trabalho assalariada — assegurou-nos Sombart em 1928 — cresceu na proporção direta à expansão da produção capitalista”.
Na verdade, a contradição econômica entre o proletariado e a burguesia agravou-se durante os períodos mais prósperos do desenvolvimento capitalista, quando a melhora do nível de vida de determinada camada de trabalhadores, que era às vezes apenas extensiva, ocultou a diminuição da participação do proletariado na fortuna nacional. Deste modo, justamente antes de cair na prostração, a produção industrial dos Estados Unidos, por exemplo, aumentou em 50% entre 1920 e 1930, enquanto que o total pago por salários aumentou somente em 30%, o que significa uma tremenda diminuição da participação do trabalho nas rendas nacionais. Em 1930 teve início um terrível aumento do desemprego, e em 1933 uma ajuda mais ou menos sistemática aos desempregados, que receberam como compensação pouco mais da metade do que tinham perdido sob a forma de salários. A ilusão do progresso “ininterrupto” de todas as classes desvaneceu-se sem deixar rastro. A queda relativa do nível de vida das massas foi superada pela queda absoluta. Os trabalhadores começaram economizando em suas modestas diversões, depois em seu vestuário e finalmente em seus alimentos. Os artigos e produtos de qualidade média foram substituídos pelos de qualidade medíocre e os de qualidade medíocre, pelos de qualidade visivelmente baixa. Os sindicatos começaram a parecer-se ao homem que se pendura desesperadamente no corrimão, enquanto desce vertiginosamente num elevador.
Com 6% da população mundial, os Estados Unidos possuem 40% da riqueza mundial. Além disso, um terço da nação, como admite o próprio Roosevelt, está mal alimentado, vestido inadequadamente e vive em condições inferiores às humanas. Que se poderia dizer, portanto, dos países muito menos privilegiados? A história do mundo capitalista desde a última guerra confirma irrefutavelmente a chamada “teoria da miséria crescente”.
O regime fascista, que reduz simplesmente ao máximo os limites da decadência e da reação inerentes a todo capitalismo imperialista, tornou-se indispensável quando a degeneração do capitalismo fez desaparecer qualquer possibilidade de manter ilusões com respeito à elevação do nível de vida do proletariado. A ditadura fascista significa o aberto reconhecimento da tendência ao empobrecimento, que as democracias mais ricas ainda tentam esconder. Mussolini e Hitler perseguem o marxismo com tanto ódio justamente porque seu próprio regime é a mais horrível confirmação dos prognósticos marxistas. O mundo civilizado indignou-se, ou pretendeu indignar-se, quando Goering, com o tom de verdugo e de bufão que lhe é peculiar, declarou que os canhões são mais importantes que a manteiga, ou quando Cagliostro—Casanova—Mussolini advertiu os trabalhadores da Itália que deviam apertar os cintos de suas camisas negras. Mas por acaso não acontece essencialmente o mesmo nas democracias imperialistas? Em toda a parte se utiliza a manteiga para azeitar os canhões. Os trabalhadores da França, da Inglaterra e dos Estados Unidos aprendem a apertar seus cintos sem ter camisas negras.
O exército industrial de reserva constitui uma componente indispensável do mecanismo social do capitalismo, tanto quanto a reserva de máquinas e de matérias-primas nas fábricas ou de produtos manufaturados nos depósitos. Nem a expansão geral da produção nem a adaptação do capital à maré periódica do ciclo industrial seriam possíveis sem uma reserva de força de trabalho. Da tendência geral da evolução capitalista — o aumento do capital constante (máquinas e matérias-primas) às custas do capital variável (força de trabalho) — Marx tira esta conclusão:
“Quanto maior é a riqueza social/... / tanto maior é o exército industrial de reserva /.../. Quanto maior é a massa de superpopulação consolidada /.../ tanto maior é o pauperismo oficial. Esta é a lei geral e absoluta da acumulação capitalista”.
Esta tese — indissoluvelmente ligada à “teoria da miséria crescente” e denunciada durante muito tempo como “exagerada”, “tendenciosa” e “demagógica” — ransformou-se agora na imagem teórica irrepreensível das coisas tais como elas são. O atual exército de desempregados já não pode ser considerado como um “exército de reserva”, pois sua massa fundamental já não pode ter esperança nenhuma de voltar a se ocupar; pelo contrário, está destinada a ser engrossada por uma afluência constante de desempregados adicionais. A desintegração do capital trouxe consigo toda uma geração de jovens que nunca tiveram um emprego e que não têm esperança nenhuma de conseguí-lo. Esta nova subclasse entre o proletariado e o semiproletariado é obrigada a viver às custas da sociedade. Calcula-se que ao longo de nove anos (1930-1938) o desemprego privou a economia dos Estados Unidos de mais de 43 milhões de anos de trabalho humano. Se considerar-mos que em 1929, no auge da prosperidade, havia dois milhões de desempregados nos Estados Unidos e que durante esses nove anos o número de trabalhadores potenciais aumentou em até cinco milhões, o número total de anos de trabalho humano perdido deve ser incomparavelmente maior. Um regime social atacado por semelhante praga está doente de morte. O diagnóstico exato dessa doença foi feito há cerca de oitenta anos, quando a própria doença se encontrava latente.
Os números que demonstram a concentraçãodo capital indicam ao mesmo tempo que a gravitação específica da classe média na produção e sua participação na riqueza nacional foram decaindo constantemente, enquanto que as pequenas propriedades foram completamente absorvidas ou reduzidas em grau e desprovidas de sua independência, transformando-se num mero símbolo de um trabalho insuportável e de uma necessidade desesperada. Ao mesmo tempo, é verdade, o desenvolvimento do capitalismo estimulou consideravelmente um aumento no exército de técnicos, diretores, empregados, advogados, médico, numa palavra, a chamada “nova classe média”. Mas esse estrato, cuja existência já não tinha mistérios para Marx, pouco tem a ver com a velha classe média, que na propriedade de seus meios de produção tinha uma garantia tangível da independência econômica. A “nova classe média” depende mais diretamente dos capitalistas que os trabalhadores. É verdade que a classe média é em grande parte quem define sua tarefa. Além disso, detectou-se nela um considerável produto excedente, e sua conseqüência: a degradação social.
“A informação estatística segura — afirma uma pessoa tão distante do marxismo como o já citado Mr. Hommer S. Cummings — demonstra que muitas unidades industriais desapareceram completamente — e que o que ocorre é uma eliminação progressiva dos pequenos homens de negócios como fator na vida norte-americana”.
Mas, segundo a objeção de Sombart, “a concentração geral, com o desaparecimento da classe de artesãos e lavradores”, ainda não se deu. Como todo teórico, Marx começou por isolar as tendências fundamentais em sua forma pura; de outra forma, teria sido totalmente impossível compreender o destino da sociedade capitalista. O próprio Marx era, no entanto, perfeitamente capaz de examinar o fenômeno da vida à luz da análise concreta, como um produto da concatenação de diversos fatores históricos. As leis de Newton certamente não foram invalidadas pelo fato de que a velocidade na queda dos corpos varia sob condições diferentes ou de que as órbitas dos planetas estejam sujeitas a perturbações. Para compreender a chamada “tenacidade” das classes médias é bom lembrar que as duas tendências, a ruína das classes médias e a transformação dessas classes arruinadas em proletários, não se dão ao mesmo tempo nem na mesma extensão. Da crescente preponderância da máquina sobre a força de trabalho segue-se que, quanto mais longe vai o processo de ruína das classes médias, tanto mais para trás deixa o processo de sua proletarização; na realidade, em determinada ocasião, o último pode cessar inteiramente e inclusive retroceder.
Da mesma forma que a ação das leis fisiológicas produz resultados diferentes num organismo em crescimento e noutro em declínio, assim também as leis da economia marxista agem de modo diferente num capitalismo em desenvolvimento e num capitalismo em desagregação. Esta diferença fica evidente com especial clareza nas relações mútuas entre a cidade e o campo. A população rural dos Estados Unidos, que cresce comparativamente numa velocidade menor que o total da população, continuou crescendo em números absolutos até 1910, data em que chegou a mais de 32 milhões. Durante os vinte anos seguintes, apesar do rápido aumento da população total do campo, baixou para 30,4 milhões, quer dizer, em 1,6 milhão. Mas, em 1935, elevou-se novamente para 32,8 milhões, com um aumento de 2,4 milhões em comparação com 1930. Esta reviravolta, surpreendente à primeira vista, não refuta minimamente a tendência da população urbana a crescer às custas da população rural, nem a tendência das classes médias a ser atomizadas, enquanto que ao mesmo tempo demonstra, da maneira mais categórica, a desintegração do sistema capitalista em seu conjunto. O aumento da população rural durante o período de crise aguda de 1930-1935 se explica simplesmente pelo fato de que pouco menos de dois milhões de povoadores urbanos ou, para sermos mais exatos, dois milhões de desempregados famintos, se transferiram para o campo, para terras abandonadas pelos lavradores ou para sítios de seus parentes e amigos, com o objetivo de empregar sua força de trabalho, rejeitada pela sociedade, na economia natural produtiva e poder levar uma existência de meia fome ao invés de morrer completamente de fome.
Donde se deduz que não se trata de uma questão de estabilidade dos lavradores, artesãos e comerciantes, senão do abjeto desespero de sua situação. Longe de se constituir numa garantia para o futuro, a classe média é uma desafortunada e trágica relíquia do passado. Incapaz de suprimí-la por completo, o capitalismo deu um jeito de reduzí-Ia ao maior grau de degradação e miséria. Ao lavrador é negada não só a renda que lhe é devida por seu lote de terreno e o lucro do capital que investiu nele, como também uma boa porção de seu salário. Da mesma forma, a pobre gente que mora na cidade se debate no reduzido espaço que se lhe concede entre a vida econômica e a morte. A classe média só não se proletariza porque se depaupera. A este respeito é tão difícil encontrar um argumento contra Marx quanto a favor do capitalismo.
O final do século passado e o início do presente caracterizaram-se por esse progresso enganoso devido ao capitalismo, tanto que as crises cíclicas pareciam não ser mais que “moléstias” acidentais. Durante os anos de otimismo capitalista quase universal, os críticos de Marx asseguravam-nos que o desenvolvimento nacional e internacional dos trusts, sindicatos e cartéis introduzia no mercado uma organização bem planejada e pressagiava o triunfo final sobre a crise.
Segundo Sombart, as crises já tinham sido “abolidas” antes da guerra pelo mecanismo do próprio capitalismo, de tal modo que “o problema da crise nos deixa hoje virtualmente indiferentes”. Pois bem, apenas dez anos mais tarde, essas palavras soavam a zombaria, enquanto que o prognóstico de Marx nos aparece hoje em dia com toda a dimensão de sua trâgica força lógica.
É de se notar que a imprensa capitalista, que pretende negar em parte a existência dos monopólios, parta da afirmação desses mesmos monopólios para negar em parte a anarquia capitalista. Se sessenta famílias dirigem a vida econômica dos Estados Unidos, The New York Times observa ironicamente: “Isto demonstraria que o capitalismo estadunidense, longe de ser anârquico e sem planejamento algum, encontra-se organizado com grande precisão”. Este argumento erra o alvo. O capitalismo foi incapaz de desenvolver uma só de suas tendências até o fim. Assim como a concentração da riqueza não suprime a classe média, o monopólio também não suprime a concorrência, pois somente a prostra e destroça. Nem o “plano” de cada uma das sessenta famílias nem as diversas variantes desses planos estão minimamente interessados na coordenação dos diferentes setores da economia, mas antes no aumento dos lucros e de sua camarilha monopolista às custas de outras camarilhas e às custas de toda a nação. No limite, o entrecruzamento de semelhantes planos não faz mais que aprofundar a anarquia na economia nacional.
A crise de 1929 se deu nos Estados Unidos um ano depois de Sombart haver declarado a completa indiferença de sua “ciência” com respeito ao problema da crise. No auge de uma prosperidade sem precedentes, a economia dos Estados Unidos foi lançada ao abismo de uma prostração monstruosa. Ninguém poderia ter imaginado, na época de Marx, convulsões de tal magnitude! A renda nacional dos Estados Unidos tinha se elevado pela primeira vez em 1920 para 69 bilhões de dólares tão somente para cair, no ano seguinte, para 5O bilhões de dólares, quer dizer, uma queda de 27%. Como conseqüência da prosperidade dos poucos anos seguintes, a renda nacional elevou-se de novo, em 1929, a seu ponto máximo de 81 bilhões de dólares, baixando, em 1932, para 40 bilhões de dólares, quer dizer, para menos da metade. Durante os nove anos de 1930 a 1938, perderam-se aproximadamente 43 milhões de anos de trabalho humano e 133 bilhões de dólares da renda nacional, levando em conta as normas de trabalho e as rendas de 1929, época em que havia somente dois milhões de desempregados. Se tudo isso não é anarquia, qual será o significado desta palavra?
Entre a época da morte de Marx e o início da Guerra Mundial, as inteligências e os corações dos intelectuais da classe média e dos burocratas dos sindicatos estiveram quase que totalmente dominados pelas façanhas logradas pelo capitalismo. A idéia do progresso gradual (evolução) parecia ter-se consolidado para sempre, enquanto que a idéia da revolução era considerada como uma mera relíquia da barbârie. O prognóstico de Marx era contrastado com o prognóstico qualitativamente contrário sobre uma distribuição melhor equilibrada da fortuna nacional com a suavização das contradições de classe e com a reforma gradual da sociedade capitalista. Jean Jaures, o mais bem dotado dos social-democratas dessa época clâssica, esperava ajustar gradualmente a democracia política à satisfação das necessidades sociais. Nisso reside a essência do reformismo. Que resultou dele?
A vida do capitalismo monopolista de nossa época é uma cadeia de crises. Cada crise dessas é uma catâstrofe. A necessidade de salvar-se destas catâstrofes parciais por meio de barreiras alfandegârias, da inflação, do aumento dos gastos do governo e das dívidas prepara o terreno para outras crises mais profundas e mais extensas. A luta para conseguir mercados, matérias-primas e colônias toma inevitâveis as catâstrofes militares. E tudo isso prepara as catâstrofes revolucionârias. Certamente não é fâcil concordar com Sombart que o capitalismo atuante se faz cada vez mais “tranqüilo, sossegado e razoâvel”. Seria mais correto dizer que ele estâ perdendo seus últimos vestígios de razão. Seja como for, não hâ dúvida de que a “teoria do colapso” triunfou sobre a teoria do desenvolvimento pacífico.
Por mais custoso que tenha sido o domínio do mercado para a sociedade, até determinada etapa, aproximadamente até a Guerra Mundial, a humanidade cresceu, se desenvolveu e se enriqueceu através das crises parciais e gerais. A propriedade privada dos meios de produção continuou sendo, nessa época, um fator relativamente progressista. Mas, agora, o domínio cego da lei do valor se nega a prestar mais serviços. O progresso humano se deteve num beco sem saída.
Apesar dos últimos triunfos do pensamento técnico, as forças produtivas naturais já não aumentam. O sintoma mais claro da decadência é o estancamento mundial da indústria da construção, como conseqüência da paralisação de novos investimentos nos setores básicos da economia. Os capitalistas já não são simplesmente capazes de acreditar no futuro de seu próprio sistema. As construções estimuladas pelo governo significam um aumento dos impostos e a contração da renda nacional “sem travas”, uma vez que a principal parte das novas construções do governo é destinada diretamente a objetivos bélicos.
O marasmo adquiriu um caráter particularmente degradante na esfera mais antiga da atividade humana, na mais estreitamente relacionada com as necessidades vitais do homem: a agricultura. Não satisfeitos com os obstáculos que a propriedade privada, na sua forma mais reacionária, a dos pequenos proprietários, cria para o desenvolvimento da agricultura, os governos capitalistas se vêem obrigados, com freqüência, a limitar artificialmente a produção com a ajuda de medidas legislativas e administrativas que teriam assustado os artesãos dos grêmios na época de sua decadência. A história se lembrará de que os governos dos países capitalistas mais poderosos ofereceram prêmios aos agricultores para que reduzissem suas plantações, quer dizer, para diminuir artificialmente a renda nacional já em baixa. Os resultados são evidentes por si próprios: apesar das grandiosas possibilidades de produção, asseguradas pela experiência e pela ciência, a economia agrária não sai de uma crise putrescente, enquanto que o número de famintos, a maioria predominante da humanidade, continua rescendo mais rapidamente que a população de nosso planeta. Os conservadores consideram que se trata de uma boa política para defender a ordem social, que desceu a uma loucura tão destrutiva, e condenam a luta do socialismo contra semelhante loucura como uma utopia destrutiva.
Existem hoje no mundo dois sistemas que rivalizam para salvar o capital historicamente condenado à morte: o Fascismo e o New Deal (Novo Pacto). O fascismo baseia seu programa na demolição das organizações operârias, na destruição das reformas sociais e no completo aniquilamento dos direitos democrâticos, com o objetivo de impedir o ressurgimento da luta de classes do proletariado. O Estado fascista legaliza oficialmente a degradação dos trabalhadores e a depauperação das classes médias em nome da “nação” e da “raça”, nomes presunçosos para designar o capitalismo em decadência.
A política do New Deal, que tenta salvar a democracia imperialista por meio de presentes para os trabalhadores e para a aristocracia rural, só é acessível em sua grande amplitude às nações verdadeiramente ricas, e nesse sentido é uma política norte-americana por excelência. O governo estadunidense tentou obter uma parte dos gastos dessa política dos bolsos dos monopolistas, exortando-os a aumentarem os salârios, a diminuir a jornada de trabalho, a aumentar o poder de compra da população e a ampliar a produção. Léon Blum tentou inutilmente trasladar esse sermão para a França. O capitalista francês, assim como o estadunidense, não produz por produzir, e sim para obter lucros. Estâ sempre disposto a limitar a produção, e até a destruir os produtos manufaturados, se em conseqüência disso aumentar sua parte na fortuna nacional.
O programa do New Deal mostra sua maior inconsistência no fato de que, enquanto predica sermões aos magnatas do capital sobre as vantagens da abundância sobre a escassez, o governo concede prêmios para reduzir a produção. É possível uma confusão maior? O governo refuta seus críticos com este desafio: podem fazer melhor? Tudo isso significa que na base do capitalismo já não existe nenhuma esperança.
Desde 1933, quer dizer, no curso dos últimos seis anos, o governo federal, os diversos estados e as municipalidades dos Estados Unidos entregaram aos desempregados cerca de 15 milhões de dólares como ajuda, quantia totalmente insuficiente por si mesma e que só representa uma pequena parte da perda de salários, mas, ao mesmo tempo, levando-se em conta a renda nacional em decadência, uma quantia colossal. Em 1938, que foi um ano de relativa reação econômica, a dívida nacional dos Estados Unidos aumentou em dois bilhões de dólares, e como já chegava a 38 bilhões de dólares, chegou a ser superior em 12 bilhões de dólares à maior dívida do final da guerra. Em 1939 passou muito rapidamente dos 40 bilhões de dólares. Que significa isso? A dívida nacional crescente é, obviamente, uma carga para a posteridade. Mas o próprio New Deal só era possível graças à tremenda riqueza acumulada pelas gerações passadas. Só uma nação muito rica pode levar a cabo uma política econômica tão extravagante. Mas nem mesmo essa nação pode continuar vivendo indefinidamente às custas das gerações anteriores. A política do New Deal, com seus êxitos fictícios e seu aumento real da dívida nacional, tem que culminar necessariamente numa feroz reação capitalista e numa explosão devastadora do capitalismo. Em outras palavras, caminha pelas mesmas vias da política do fascismo.
O secretário do interior dos Estados Unidos, Mr. Harold L. Ickes, considera “uma das mais estranhas anomalias de toda a história” que os Estados Unidos, democráticos na forma, sejam autocráticos na substância: “A América, terra da maioria, foi dirigida, pelo menos até 1933, pelos monopólios, que por sua vez são dirigidos por um pequeno número de acionistas”. A diagnose era correta, salvo pela insinuação de que, com a vinda de Roosevelt, cessou ou se debilitou o governo do monopólio. No entanto, o que Ickes chama “uma das mais estranhas anomalias da história” é na realidade a norma inquestionável do capitalismo. A dominação do fraco pelo forte, de muitos por poucos, dos trabalhadores pelos exploradores é uma lei básica da democracia burguesa. O que diferencia os Estados Unidos dos outros países é simplesmente o maior alcance e a maior perversidade das contradições de seu capitalismo. A carência de um passado feudal, a riqueza de recursos naturais, um povo enérgico e empreendedor, todos os pré-requisitos que anunciavam um desenvolvimento ininterrupto da democracia, trouxeram como conseqüência uma concentração fantástica da riqueza.
Com a promessa de empreender a luta contra os monopólios ate triunfar sobre eles, Ickes volta-se temerariamente para Thomas Jefferson, Andrew Jackson, Abraham Lincoln, Theodore Roosevelt e Woodrow Wilson, como predecessores de Franklin D. Roosevelt. “Praticamente todas as nossas maiores figuras históricas — disse em 30 de dezembro de 1937 — são famosas por sua luta persistente e alentada para impedir a super-concentração da riqueza e do poder em poucas mãos”. Mas de suas próprias palavras se deduz que o fruto dessa “luta persistente e alentada” é o domínio completo da democracia pela plutocracia.
Por alguma razão inexplicável, Ickes pensa que a vitória está assegurada na atualidade, contanto que o povo compreenda que a luta não é “entre o New Deal e a média dos homens de negócio cultos, mas entre o New Deal e os Bourbons das sessenta famílias que têm mantido o resto dos homens de negócios dos Estados Unidos sob o terror de seu domínio”. Este orador autorizado não nos explica como se arranjaram os “Bourbon” para subjugar todos os homens de negócio cultos, apesar da democracia e dos esforços das “maiores figuras históricas”. Os Rockefeller, os Morgan, os Mellon, os Vanderbilt, os Guggenheim, os Ford e companhia não invadiram os Estados Unidos de fora, como Cortés invadiu o México; nasceram organicamente do povo, ou mais precisamente da classe dos “industriais e homens de negócios cultos” e se transformaram, de acordo com o prognóstico de Marx, no apogeu natural do capitalismo. Se uma democracia jovem e forte no apogeu de sua vitalidade foi incapaz de conter a concentração da riqueza quando o processo se encontrava ainda em seu início, é impossível acreditar, por um minuto que seja, que uma democracia decadente seja capaz de debilitar os antagonismos de classe que chegaram a seu limite máximo. De qualquer modo, a experiência do New Deal não dá margem a semelhante otimismo. Ao refutar as acusações do grande comércio contra o governo, Robert H. Jackson, alto personagem dos círculos da administração, demonstrou com números que durante o governo de Roosevelt os lucros dos magnatas do capital atingiram alturas com as quais eles mesmos tinham deixado de sonhar durante o último período da presidência de Hoover, do que se deduz, em todo caso, que a luta de Roosevelt contra os monopólios não foi coroada com um êxito maior que a de todos os seus predecessores.
Não se pode deixar de concordar com o professor Lewis W. Douglas, o primeiro diretor de Orçamentos da administração Roosevelt, quando condena o governo por “atacar o monopólio num campo enquanto fomenta o monopólio em muitos outros”. No entanto, não poderia ser de outro modo, dada a natureza da coisa. Segundo Marx, o governo é o comitê executivo da classe governante. Hoje, os monopolistas constituem a seçãomais poderosa da classe governante. Nenhum governo tem condição de lutar contra o monopólio em geral, quer dizer, contra a classe em nome de quem governa. Enquanto ataca uma fase do monopólio, se vê obrigado a buscar aliado em outras frases do monopólio. Unido aos bancos e à indústria leve pode desferir golpes contra os trusts da indústria pesada, os quais, entre parênteses, não deixam, por isso, de auferir lucros fantásticos.
Lewis Douglas não contrapõe a ciência ao charlatanismo oficial, mas simplesmente a outro tipo de charlatanismo. Vê a fonte do monopólio não no capitalismo mas no protecionismo e, em função disso, descobre a salvação da sociedade não na abolição da propriedade privada dos meios de produção, mas no rebaixamento dos direitos alfandegários. “A menos que se restaure a liberdade dos mercados — prediz — é duvidoso que a liberdade de todas as instituições — empresas, discursos, educação, religião — possa sobreviver”. Em outras palavras, sem o restabelecimento da liberdade do comércio internacional, a democracia, em qualquer parte e qualquer extensão que tenha sobrevivido, deve ceder a uma ditadura revolucionária ou fascista. Mas a liberdade do comércio internacional é inconcebível sem a liberdade do comércio interno, quer dizer, sem a concorrência. E a liberdade da concorrência é inconcebível sob o domínio do monopólio. Desgraçadamente, Mr. Douglas, assim como Mr. Ickes, assim como Mr. Jackson, assim como Mr. Cummings, e assim como o próprio Roosevelt, não se deu ao trabalho de iniciar-nos em suas medidas contra o capitalismo monopolista e, conseqüentemente, contra uma revolução ou um regime totalitário.
A liberdade de comércio, assim como a liberdade de concorrência, assim como a prosperidade da classe média, pertencem ao passado irrevogável. Trazer de volta o passado é agora a única prescrição dos reformadores democráticos do capitalismo: trazer de volta mais “liberdade” para os industriais e homens de negócios, pequenos e médios, mudar a seu favor o sistema de crédito e de moeda, liberar o mercado do domínio dos trusts, eliminar os especuladores profissionais da Bolsa, restaurar a liberdade do comércio internacional, e assim por diante ad infinitum. Os reformadores sonham inclusive em limitar o uso das máquinas e decretar a proscrição da técnica, que perturba o equilíbrio social e causa muitas preocupações.
Falando em defesa da ciência em 7 de dezembro de 1937, o doutor Robert A. Millikan, um dos principais físicos dos Estados Unidos, observou:
“As estatísticas dos Estados Unidos demonstramque a porcentagem da população vantajosamente empregada aumentou constantemente durante os últimos cinqüenta anos, em que a ciência tem sido aplicada mais rapidamente”.
Esta defesa do capitalismo sob a aparência de defender a ciência não é exatamente feliz. Justamente durante a última metade do século é quando se “rompeu o elo dos tempos” e se alterou agudamente a relação entre a economia e a técnica. O período a que se refere Millikan inclui o início do declínio capitalista, assim como o auge da prosperidade capitalista. Ocultar o início desse declínio, que atinge o mundo inteiro, é proceder como um apologista do capitalismo. Rechaçando o socialismo de uma forma improvisada com a ajuda de argumentos que não seriam dignos nem do próprio Henry Ford, o doutor Millikan nos diz que nenhum sistema de distribuição pode satisfazer as necessidades do homem sem aumentar a esfera da produção. Sem dúvida! Mas é uma pena que o famoso físico não explique aos milhões de estadunidenses desempregados como haverão de participar no aumento da fortuna nacional. A prédica abstrata sobre a virtude salvadora da iniciativa individual e a alta produtividade do trabalho não poderá certamente proporcionar emprego aos desempregados, não cobrirá o déficit do orçamento, não tirará os negócios da nação do beco sem saída.
O que diferencia Marx é a universalidade de seu gênio, sua capacidade para compreender os fenômenos e os processos dos diversos campos em relação inerente. Sem ser um especialista em ciências naturais, foi um dos primeiros a reconhecer a importância das grandes descobertas nesse terreno: por exemplo, a teoria darwinista. Marx tinha certeza dessa preeminência não tanto em virtude de seu intelecto, mas em virtude de seu método. Os cientistas de mentalidade burguesa podem pensar que se acham acima do socialismo: no entanto, o caso de Robert Millikan é apenas um dos muitos que confirmam que, na esfera da sociologia, continuam existindo charlatães incorrigíveis.
Em sua mensagem ao Congresso no início de 1937, o presidente Roosevelt manifestou seu de sejo de aumentar as rendas nacionais para 91 bilhões de dólares, sem indicar, no entanto, como. Por si mesmo, esse programa era excessivamente modesto. Em 1929, quando havia aproximadamente dois milhões de desempregados, a renda nacional chegou a 81 bilhões de dólares. Para pôr em movimento as atuais forças produtivas, não bastaria realizar o programa de Roosevelt, mas ele teria que ser consideravelmente superado. As máquinas, as matérias-primas, os trabalhadores, tudo é aproveitável, isso sem falar da necessidade que a população tem dos produtos. Se apesar disso o plano é irrealizável — e ele é irrealizável — a única razão é o conflito irreconciliável que se desenvolveu entre a propriedade capitalista e a necessidade da sociedade de aumentar a produção. O famoso Exame Nacional da Capacidade Produtiva Potencial, patrocinado pelo governo, chegou à conclusão de que o custo da produção e dos serviços utilizados em 1929 chegava a quase 94 bilhões de dólares, calculados sobre a base de preços no varejo. Não obstante, se fossem utilizadas todas as verdadeiras possibilidades produtivas, essa cifra ter-se-ia elevado para 135 bilhões de dólares, quer dizer, teria correspondido a 4.370 dólares anuais para cada família, o suficiente para assegurar uma vida decente e confortável. O Exame Nacional baseia-se na atual organização produtora dos Estados Unidos tal como chegou a ser em conseqüência da história anárquica do capitalismo. Se os próprios instrumentos de trabalho fossem reequipados com base em um plano socialista unificado, os cálculos sobre a produção poderiam ser consideravelmente superados e poder-se-ia assegurar a todo o povo um nível de vida alto e adequado, baseado numa jornada de trabalho extremamente curta.
Conseqüentemente, para salvar a sociedade não é necessário deter o desenvolvimento da técnica, fechar as fábricas, conceder prêmios aos agricultores para que sabotem a agricultura, depauperar um terço dos trabalhadores nem convocar os maníacos para fazerem as vezes de ditadores. Nenhuma destas medidas, que constituem um horrível engodo para os interesses da sociedade, é necessária. O que é indispensável e urgente é separar os meios de produção de seus atuais proprietários parasitas e organizar a sociedade de acordo com um plano racional. Então será realmente possível, pela primeira vez, curar a sociedade de seus males. Todos que sejam capazes de trabalhar devem achar um emprego. A jornada de trabalho deve diminuir gradualmente. As necessidades de todos os membros da sociedade devem ter assegurada uma satisfação crescente. As palavras “pobreza”, “críse”, “exploração”. devem ser tiradas de circulação. A humanidade poderá cruzar finalmente o umbral da verdadeira humanidade.
“Ao mesmo tempo que diminui constantemente o número dos magnatas do capital — diz Marx — crescem a massa da miséria, a opressão, a escravidão, a degradação, a exploração; mas com isso cresce também ‘a revolta da classe trabalhadora, classe que sempre aumenta em número, disciplinada, unida, organizada pelo próprio mecanismo do processo da produção capitalista /.../ A centralização dos meios de produção ea socialização do trabalho atingem finalmente um ponto em que se tornam incompatíveis com seu invólucro capitalista. Este invólucro se faz em pedaços. Soa a hora fatal da propriedade privada capitalista. Os expropriadores são expropriados”.
Esta é a revolução socialista. Para Marx, o problema de reconstituira sociedade não surge de nenhuma prescrição motivada por suas predileções pessoais; é uma conseqüência — como uma necessidade histórica rigorosa — do potente amadurecimento das forças produtivas por um lado; da ulterior impossibilidade de fomentar essas forças à mercê da lei do valor, por outro lado.
As elucubrações de certos intelectuais, que prescindem da teoria de Marx, sobre o socialismo não ser inevitável mas unicamente possível, são desprovidas de qualquer conteúdo. Evidentemente, Marx não quis dizer que o socialismo viria sem a vontade e a ação do homem: tal idéia é simplesmente absurda. Marx previu que a socialização dos meios de produção seria a única solução para o colapso econômico — colapso este que temos diante de nossos olhos — no qual deve culminar, inevitavelmente, o desenvolvimento do capitalismo. As forças produtivas precisam de um novo organizador e um novo amo, e dado que a existência determina a consciência, Marx não teve dúvida de que a classe trabalhadora, à custa de erros e derrotas, chegaria a compreender a verdadeira situação e, mais cedo ou mais tarde, tiraria as conclusões práticas necessárias.
Que a socialização dos meios de produção cria dos pelos capitalistas representa uma tremenda vantagem econômica, pode se demonstrar hoje em dia não só teoricamente mas também com a experiência da União dos Sovietes, apesar das limitações desta experiência. É verdade que os reacionários capitalistas, não sem artificio, utilizam o regime de Stalin como um espantalho contra as idéias socialistas. Na realidade, Marx nunca disse que o socialismo pudesse ser alcançado num só pais e, além disso, num país atrasado. As contínuas privações das massas na União Soviética, a onipotência da casta privilegiada que se ergueu sobre a nação e sua miséria e, finalmente, a desenfreada lei do porrete dos burocratas, não são conseqüência do método econômico socialista, mas do isolamento e do atraso da Rússia Soviética cercada pelos países capitalistas. O admiravel é que, nessas circunstâncias excepcionalmente desfavoráveis, a economia planificada tenha conseguido demonstrar suas insuperáveis vantagens.
Todos os salvadores do capitalismo, tanto os democratas quanto os fascistas, pretendem limitar, ou pelo menos dissimular, o poder dos magnatas do capital para impedir “a expropriação dos expropriadores”. Todos eles reconhecem, e muitos deles admitem abertamente, que o fracasso de suas tentativas reformistas deve levar inevitavelmente à revolução socialista. Todos eles encontraram uma maneira de não deixar evidente que seus métodos para salvar o capitalismo não passam de charlatanismo reacionário e inútil. O prognóstico de Marx sobre a inevitabilidade do socialismo confirma-se assim plenamente diante de uma prova negativa.
O programa da “Tecnocracia”, que floresceu no período da grande crise de 1929-1932, fundou se na premissa correta de que a economia deve ser racionalizada unicamente por meio da união da técnica, conjugada à ciência, e do governo a serviço da sociedade, Tal união é possível sempre que a técnica e o governo se libertem da escravidão da propriedade privada, É aqui que começa a grande tarefa revolucionária, Para libertar a técnica do imbróglio dos interesses privados e pôr o governo a serviço da sociedade é preciso “expropriar os expropriadores”, Só uma classe poderosa, interessada em sua própria libertação e oposta aos expropriadores monopolistas é capaz de realizar essa tarefa. Somente unida a um governo proletário a classe qualificada dos técnicos poderá construir uma economia verdadeiramente científica e verdadeiramente nacional, quer dizer, uma economia socialista.
É claro que seria melhor alcançar esse objetivo de forma pacífica, gradual e democrática. Mas a ordem social que sobreviveu a si mesma não cede nunca seu lugar sem resistência a seu sucessor. Se, no seu tempo, a democracia jovem e forte demonstrou ser incapaz de impedir que a plutocracia se apoderasse da riqueza e do poder, é possível esperar que uma democracia senil e devastada se mostre capaz de transformar uma ordem social baseada no domínio desenfreado de sessenta famílias? A teoria e a história ensinam que uma sucessão de regimes sociais pressupõe a forma mais alta da luta de classes, quer dizer, a revolução. Nem mesmo a escravidão pôde ser abolida nos Estados Unidos sem uma guerra civil. “A força é a parteira de toda sociedade velha prenhe de uma nova”. Ninguém foi capaz até agora de refutar esse dogma básico de Marx na sociologia da sociedade de classes. Somente urna revolução socialista pode abrir caminho para o socialismo.
A república norte-americana foi mais longe que outros países na esfera da técnica e da organização da produção. Não só os estadunidenses, mas a humanidade inteira contribuiu para isso. No entanto, as diversas fases do processo social numa e mesma nação têm ritmos diferentes que dependem de condições hist6ricas especiais. Enquanto os Estados Unidos gozam de uma tremenda superioridade tecno16gica, seu pensamento econômico se encontra extremamente atrasado tanto à direita como à esquerda. John L. Lewis tem quase as mesmas opiniões que Franklin D. Roosevelt. Se levarmos em conta a natureza de sua missão, a função social de Lewis é incomparavelmente mais conservadora, para não dizer reacionária, que a de Roosevelt. Em certos círculos estadunidenses existe uma tendência a repudiar esta ou aquela teoria radical sem o menor indício de crítica científica, com a simples afirmação de que é “antiamericana”. Mas onde se pode encontrar o critério diferenciador? O cristianismo foi importado pelos Estados Unidos juntamente com os logaritmos, a poesia de Shakespeare, as noções de direitos humanos e do cidadão e outros produtos não menos importantes do pensamento humano. O marxismo se encontra hoje na mesma categoria.
O secretário da Agricultura estadunidense, Henry A. Wallace, imputou ao autor destas linhas “...uma estreiteza dogmática asperamente antiamericana” e contrapôs ao dogmatismo russo o espírito oportunista de Jefferson, que sabia como se ajeitar com seus opositores. Ao que parece, nunca ocorreu a Mr. Wallace que uma política de compromissos não é uma função de algum espírito nacional imaterial, e sim um produto das condições materiais. Uma nação que se fez rica rapidamente tem reservas suficientes para conciliar as classes e os partidos hostis. Quando, por outro lado, se agudizam as contradições sociais, desaparece o terreno para os compromissos. A América só estava livre de “estreiteza dogmática” porque tinha uma pletora de áreas virgens, fontes de riqueza natural inesgotáveis e, de acordo com o que se pode ver, oportunidades ilimitadas para enriquecer. A verdade é que, apesar dessas condições, o espírito de compromisso não prevaleceu na Guerra Civil quando soou a hora para ele. De qualquer modo, as condições materiais que constituem a base do “americanismo” estão hoje em dia cada vez mais relegadas ao passado. Daqui deriva a crise profunda da ideologia americana tradicional.
O pensamento empírico, limitado à solução das tarefas imediatas de tempo em tempo, parecia bastante adequado tanto nos círculos operários como nos burgueses, enquanto a lei do valor de Marx era o pensamento de todos. Mas hoje em dia essa lei produz efeitos opostos. Ao invés de impulsionar a economia, socava seus fundamentos. O pensamento eclético conciliatório, que mantém uma atitude desfavorável ou desdenhosa com respeito ao marxismo como um “dogma”, e seu apogeu filosófico, o pragmatismo, mostra-se completamente inadequado, cada vez mais insubstancial, reacionário e completamente ridículo.
Ao contrário, são as idéias tradicionais do “americanismo” que perderam sua vitalidade e se converteram num “dogma petrificado”, sem dar lugar a outra coisa senão a erros e confusões.
Ao mesmo tempo, a doutrina econômica de Marx adquiriu uma viabilidade peculiar, especialmente no que diz respeito aos Estados Unidos, embora O Capital se apóie num material internacional, preponderantemente inglês em seus fundamentos teóricos, numa análise do capitalismo puro, do capitalismo em geral, do capitalismo como tal. Indubitavelmente, o capitalismo que se desenvolveu nas terras virgens já históricas da América é o que mais se aproxima desse tipo ideal de capitalismo.
A não ser pela presença de Wallace, a América se desenvolveu economicamente não de acordo com os princípios de Jefferson, e sim de acordo com as leis de Marx. Ao se reconhecer isso se ofende tão pouco o amor-próprio nacional tanto como ao reconhecer que a América gira em torno do sol segundo as leis de Copérnico. O Capital oferece uma diagnose exata da doença e um prognóstico insubstituível. Neste sentido, a teoria de Marx está muito mais impregnada do novo “americanismo” que as idéias de Hoover e Roosevelt, de Green e de Lewis.
É verdade que existe uma literatura original muito difundida nos Estados Unidos, consagrada à crise da economia americana. Quando esses economistas conscienciosos oferecem uma descrição objetiva das tendências destrutivas do capitalismo estadunidense, suas pesquisas, prescindindo das suas premissas teóricas, parecem ilustrações diretas da teoria de Marx. No entanto, a tradição conservadora fica evidente quando esses autores se empenham obstinadamente em não tirar conclusões precisas, limitando-se a tristes predições ou a vulgaridades tão edificantes como “o país deve compreender”, “a opinião pública deve considerar seriamente” etc. Esses livros assemelham-se a uma faca sem gume.
É certo que no passado houve marxistas nos Estados Unidos, mas era um estranho tipo de marxistas, ou melhor, três tipos estranhos de marxistas. Em primeiro lugar, encontrava-se a casta de emigrados europeus, que fizeram tudo o que puderam, mas não encontraram resposta; em segundo lugar, os grupos de estadunidenses isolados, como os Leonistas, que no curso dos acontecimentos e em conseqüência de seus próprios erros, converteram-se em seitas; em terceiro lugar, os aficcionados atraídos pela Revolução de Outubro e que simpatizavam com o marxismo como uma teoria exótica que tinha muito pouco a ver com os Estados Unidos. Seu tempo jâ passou. Agora, amanhece a nova época de um movimento de classe independente a cargo do proletariado e ao mesmo tempo de um marxismo verdadeiro. Nisso também, os Estados Unidos, em pouco tempo, alcançarão a Europa e a deixarão para trâs. A técnica progressista e a estrutura social progressista preparam o caminho na esfera doutrinâria.
Os melhores teóricos do marxismo aparecerão em solo americano. Marx será o mentor dos trabalhadores estadunidenses avançados. Para eles esta exposição abreviada do primeiro volume constituirâ apenas o primeiro passo para o Marx completo.
Na época em que foi publicado o primeiro volume de O Capital, a dominação mundial da burguesia britânica ainda não tinha rival. As leis abstratas da mercadoria e da economia encontraram, naturalmente, sua completa encarnação — quer dizer, a menor dependência das influências do passado — no país em que o capitalismo tinha atingido seu maior desenvolvimento. Ao basear sua anâlise principalmente na Inglaterra, Marx tinha em vista não somente a Inglaterra, mas todo o mundo capitalista. Usou a Inglaterra de sua época como o melhor modelo contemporâneo do capitalismo.
Agora só restou a lembrança da hegemonia britânica. As vantagens da primogenitura capitalista transformaram-se em desvantagens. A estrutura técnica e econômica da Inglaterra desgastou-se. O país continua dependendo, em sua posição mundial, mais do Império colonial, herança do passado, do que de um potencial econômico ativo. Isto explica incidentalmente a caridade cristã de Chamberlain com respeito ao gangsterismo internacional dos fascistas, que tanto surpreendeu o mundo inteiro. A burguesia inglesa não pode deixar de reconhecer que sua decadência econômica se tomou totalmente incompatível com sua posição no mundo e que uma nova guerra ameaça derrubar o Império Britânico. Similar é, na sua essência, a base econômica do “pacifismo” francês.
A Alemanha, pelo contrário, utilizou, na sua rápida ascensão capitalista, as vantagens do atraso histórico, armando-se a si mesma com a técnica mais completa da Europa. Tendo uma base nacional estreita e recursos naturais insuficientes, o capitalismo dinâmico da Alemanha, surgido da necessidade, transformou-se no fator mais explosivo do chamado equilíbrio das potências mundiais. A ideologia epilética de Hitler nada mais é que uma imagem refletida da epilepsia do capitalismo alemão.
Além das numerosas e inestimáveis vantagens de caráter histórico, o desenvolvimento dos Estados Unidos gozou da preeminência de um território imensamente grande e de uma riqueza natural incomparavelmente maior que os da Alemanha. Tendo suplantado consideravelmente a Grã-Bretanha, a república norte-americana chegou a ser, no início deste século, a praça forte da burguesia mundial. Todas as potencialidades do capitalismo encontraram nesse país sua mais alta expressão. Em nenhum lugar do nosso planeta a burguesia pôde realizar empreendimentos superiores aos da República do Dólar, que se transformou, no século XX, no modelo mais perfeito do capitalismo. Pelas mesmas razões que levaram Marx a basear sua exposição nas estatísticas inglesas, nos informes parlamentares ingleses, nos registros diplomáticos ingleses etc, nós recorremos, em nossa modesta introdução, à experiência econômica e política dos Estados Unidos. É desnecessário dizer que não seria difícil citar fatos e cifras análogos, tomando-os da vida de qualquer outro país capitalista. Mas isso não acrescentaria nada de essencial. As conclusões continuariam sendo as mesmas e os exemplos seriam apenas menos surpreendentes.
A política econômica da Frente Popular na França era, como assinalou perspicazmente um de seus financiadores, uma adaptação do New Deal “para liliputianos”. É perfeitamente evidente que numa anâlise teórica é muito mais conveniente tratar com grandezas ciclópicas do que com grandezas liliputianas. A própria imensidão do experimento de Roosevelt nos demonstra que só um milagre pode salvar o sistema capitalista mundial. Mas acontece que o desenvolvimento da produção capitalista acabou com a produção de milagres. Abundam os encantamentos e as deprecações, mas não se produzem os milagres. No entanto, é evidente que, se se pudesse produzir o milagre do rejuvenescimento do capitalismo, esse milagre só poderia se produzir nos Estados Unidos. Mas esse rejuvenescimento não se realizou. O que os cíclopes não podem conseguir, menos ainda o podem conseguir os liliputianos. Assentar os fundamentos desta simples conclusão é o objetivo de nossa excursão pelo campo da economia norte-americana.
“O país mais desenvolvido industrialmente — escreveu Marx no prefâcio da primeira edição de seu Capital — não faz mais que mostrar em si ao de menor desenvolvimento a imagem de seu próprio futuro”.
Este pensamento não pode ser entendido literalmente em hip6tese alguma. O crescimento das forças produtivas e o aprofundamento das inconsistências sociais são indubitavelmente o lote que corresponde a todos os países que tomaram o caminho da evolução burguesa.
No entanto, a desproporção nos “tempos” e medidas, que sempre se dâ na evolução da humanidade, não somente se faz especialmente aguda sob o capitalismo, como também dâ origem à completa interdependência da subordinação, da exploração e da opressão entre os países de tipo econômico diferente.
Somente uma minoria de países realizou completamente essa evolução sistemâtica e lógica da mão-de-obra, passando pela manufatura doméstica, até a fâbrica, que Marx submeteu a uma anâlise tão detalhada. O capital comercial, industrial e financeiro invadiu de fora os países atrasados, destruindo, em parte, as formas primitivas da economia nativa e, em parte, sujeitando-os ao sistema industrial e bancârio do Oeste. Sob o açoite do imperialismo, as colônias e semicolônias se viram obrigadas a prescindir das etapas intermediârias, apoiando-se ao mesmo tempo artificialmente num nível ou no outro. O desenvolvimento da Índia não duplicou o desenvolvimento da Inglaterra; não foi para ela senão um suplemento. No entanto, para poder compreender o tipo combinado de desenvolvimento dos países atrasados e dependentes como a Índia é preciso esquecer o esquema clássico de Marx, derivado do desenvolvimento da Inglaterra. A teoria operária do valor guia igualmente os cálculos dos especuladores da City de Londres e as transações monetárias nos rincões mais remotos de Haidebarad, com a diferença que no último caso adquire formas mais simples e menos astutas.
A desproporção no desenvolvimento trouxe consigo tremendos lucros para os países avançados que, embora em graus diversos, continuaram se desenvolvendo às custas dos atrasados, explorando-os, transformando-os em colônias ou, pelo menos, tornando impossível para eles figurar entre a aristocracia capitalista. As fortunas da Espanha, da Holanda, da Inglaterra, da França foram obtidas, não somente com o trabalho excedente de seu proletariado, não somente destroçando sua pequena burguesia, mas também com a pilhagem sistemática de suas possessões de ultramar. A exploração de classes foi complementada e sua potencialidade aumentada com a exploração das nações.
A burguesia das metrópoles se viu em situação de assegurar uma posição privilegiada para seu próprio proletariado, especialmente para as camadas superiores, mediante o pagamento com lucros excedentes obtidos nas colônias. Sem isso, teria sido completamente impossível qualquer tipo de regime democrático estável. Em sua manifestação mais desenvolvida a democracia burguesa foi, e continua sendo, uma forma de governo unicamente acessível às nações mais aristocráticas e mais exploradoras. A antiga democracia baseava se na escravidão; a democracia imperialista baseia-se na exploração. das colônias.
Os Estados Unidos, que na forma quase não têm colônias, são, no entanto, a nação mais privilegiada da história. Os ativos imigrantes chegados da Europa tomaram posse de um continente excessivamente rico, exterminaram a população nativa, ficaram com a melhor parte do México e embolsaram a parte do leão da riqueza mundial. Os depósitos de gordura que acumularam então continua lhes sendo útil ainda na época da decadência, pois lhes serve para azeitar as engrenagens e as rodas da democracia.
Tanto a recente experiência histórica quanto a análise teórica testemunham que a velocidade do desenvolvimento de uma democracia e sua estabilidade estão na proporção inversa da tensão das contradições de classe. Nos países capitalistas menos privilegiados (Rússia, por um lado, Alemanha, Itália etc., por outro) incapazes de engendrar uma aristocracia do trabalho numerosa e estável, a democracia nunca se desenvolveu em toda sua extensão e sucumbiu à ditadura com relativa facilidade. Não obstante, a contínua paralisia progressiva do capitalismo prepara a própria sorte das democracias privilegiadas e mais ricas. A única diferença está na data. A incofitida deterioração nas condições de vida dos trabalhadores torna cada vez menos possível para a burguesia conceder às massas o direito de participar na vida política, mesmo dentro do limitado quadro do parlamentarismo burguês. Qualquer outra explicação do processo manifesto do desalojamento da democracia pelo fascismo é uma falsificação idealista das coisas tais como elas são, quer seja engano ou auto-engano.
Enquanto destrói a democracia nas velhas metrópoles do capital, o imperialismo impede ao mesmo tempo a ascensão da democracia nos países atrasados. O fato de que na nova época nem uma única das colônias ou semicolônias tenha realizado uma revolução democrática — principalmente no campo das relações agrárias — deve-se inteiramente ao imperialismo, que se converteu no principal obstáculo para o progresso econômico e político. Espoliando a riqueza natural dos países atrasados e restringindo deliberadamente seu desenvolvimento industrial independente, os magnatas monopolistas e seus governos concedem simultaneamente seu apoio financeiro, político e militar aos grupos semifeudais mais reacionários e parasitas de exploradores nativos. A barbárie agrária artificialmente conservada é, hoje em dia, a praga mais sinistra da economia mundial contemporânea. A luta dos povos coloniais por sua libertação, passando por cima das etapas intermediárias, transforma-se na necessidade da luta contra o imperialismo e, desse modo, está em consonância com a luta do proletariado nas metrópoles. Os levantes e as guerras coloniais, por sua vez, fazem tremer, mais que nunca, as bases fundamentais do mundo capitalista e tornam menos possível que nunca o milagre de sua regeneração.
O capitalismo tem o duplo mérito histórico de ter elevado a técnica a um alto nível e de ter ligado todas as partes do mundo com os laços econômicos. Desse modo, forneceu os pré-requisitos materiais para a utilização sistemática de todos os recursos de nosso planeta. No entanto, o capitalismo não tem condição de cumprir essa tarefa urgente. O núcleo de sua expansão continua sendo os estados nacionais circunscritos com suas aduanas e seus exércitos. Não obstante, as forças produtivas superaram faz tempo os limites do estado nacional, transformando conseqüentemente o que era antes um fator histórico progressista numa restrição insuportável. As guerras imperialistas não são mais que explosões das forças produtoras contra os limites estatais, que se tornaram limitados demais para elas. O programa da chamada autarquia não tem nada que ver com a marcha à ré de uma economia auto-suficiente e circunscrita. Significa apenas que a base nacional se prepara para uma nova guerra.
Depois de assinado o tratado de Versailles acreditou-se, de forma geral, que se tinha dividido bem o globo terrestre. Mas os acontecimentos mais recentes serviram para lembrar-nos que nosso planeta continua contendo terras que ainda não foram exploradas ou, pelo menos, suficientemente exploradas. A luta pelas colônias continua sendo uma parte da política do capitalismo imperialista. Por mais que o mundo seja dividido, o processo nunca termina, mas coloca uma e outra vez na ordem do dia a questão da nova divisão do mundo, de acordo com as novas relações entre as forças imperialistas. Tal é, hoje em dia, a verdadeira razão dos rearmamentos, das convulsões diplomáticas e da guerra.
Todas as tentativas de apresentar a guerra atual como um choque entre as idéias de democracia e de fascismo pertencem ao reino do charlatanismo e da estupidez. As formas políticas mudam; mas subsistem os apetites capitalistas. Se de cada lado do Canal da Mancha se estabelecesse amanhã um regime fascista — e mal poderia alguém atrever-se a negar essa possibilidade —, os ditadores de Paris e Londres seriam tão incapazes de renunciar a suas possessões coloniais como Mussolini e Hitler de renunciar a suas reivindicações a esse respeito. A luta furiosa e desesperada por uma nova divisão do mundo é uma conseqüência irresistivel da crise mortal do sistema capitalista.
As reformas parciais e os remendos de nada servirão. A evolução histórica chegou a uma de suas etapas decisivas, na qual somente a intervenção direta das massas é capaz de varrer os obstáculos reacionários e de assentar as bases de um novo regime. A abolição da propriedade privada dos meios de produção é o principal pré-requisito para a economia planificada, quer dizer, para a introdução da razão na esfera das relações humanas, primeiro numa escala nacional e, finalmente, numa escala mundial. Uma vez iniciada, a revolução socialista se estenderá de país em país com uma força imensamente maior daquela com que se estende hoje em dia o fascismo. Com o exemplo e a ajuda das nações adiantadas, as nações atrasadas também serão arrastadas pela corrente do socialismo. Cairão as barreiras alfandegárias completamente carcomidas. As contradições que despedaçam a Europa e o mundo inteiro encontrarão sua solução natural e pacífica no marco dos Estados Unidos Socialistas da Europa, assim como de outras partes do mundo. A humanidade libertada chegará a seu mais alto cume.
Notas:
[1] NdA - O resumo do primeiro volume de O Capital — base de todos os sistemas econômicos de Marx — foi feito por Otto Rühle com uma compreensão profunda da sua tarefa. A primeira coisa que ele eliminou foiram os exemplos antiquados, as anotações de escritos que hoje têm um interesse puramente histórico, as polêmicas com escritores já esquecidos e, finalmente, numerosos documentos que, apesar de sua importância para a compreensão de uma determinada época, não cabem numa exposição concisa que tem objetivos mais teóricos que históricos. Ao mesmo tempo, o Sr. Rühle fez todo o possível para conservar a continuidade no desenvolvimento da análise cientiífica. As deduções lógicas e as transições dialética do pensamento não foram infringidadas em nenhum ponto. Por tudo isso, esse extrato merece uma leitura cuidadosa. (retornar ao texto)
[2] NdA - “A concorrência com uma influência controladora — queixa-se o primeiro fiscal geral dos Estados Unidos, M. Hommer S. Cummings — é gradualmente substituída e, em muitos lugares, só subsiste como uma pálida lembrança das condições existentes. (retornar ao texto)
[3] NdA - Uma comissão do Senado dos Estados Unidos comprovou, em fevereiro de 1937 que, nos vinte anos anteriores, as decisões de uma dúzia de grandes corporações tinham servido de contrapeso às diretivas da maior parte da indústria estadunidense. O número de vogais das juntas diretivas dessas corporações é quase o mesmo número de membros do Gabinete do presidente dos Estados Unidos, o setor executivo do governo republicano. Mas essas voais das juntas diretivas são imensamente mais poderesos que os membros do Gabinete. (retornar ao texto)
[4] NdA - O escritor estadunidense Ferdinand Lundberg, que sua eqüidade didática é um economista conservador, escreveu um livro que produziu comoção: “Os Estados Unidos são, hoje, propriedade e domínio de uma hierarquia de sessenta famílias mais ricas apoiadas por não mais que que noventa famílias de irquesa menor”. A isso poderia-se acrescentar uma terceira ala de talvez ouras 350 famílias com renda superior a cem mil dólares por ano. A posição predominante corresponde não só o mercado, mas também os postos chave do governo. Elas são o verdadeiro governo, “o governo do dinheiro, numa democracia do dólar”. (retornar ao texto)
Inclusão | 14/04/2009 |
Última alteração | 07/04/2016 |