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A vida de Engels abrange três quartos do século XIX. A sua atividade, como dirigente do movimento operário internacional, se estende àquele período do século passado em que se desenvolveram violentamente as lutas políticas, nacionais e de classes, e a grande parte do período ulterior do desenvolvimento pacífico. Desde a Revolução de fevereiro de 1848, quando a classe operária surgiu pela primeira vez na arena da História com as suas reivindicações específicas, até a Comuna de Paris, onde se levantou a bandeira da ditadura do proletariado diante da Europa capitalista cheia de espanto; desde a Revolução, burguesa alemã, que estava condenada ao fracasso pela traição da burguesia e pela indecisão política e a morosidade da pequena burguesia democrática, até o levante espanhol de 1873, caracterizado pelo ignominioso massacre dos anarquistas, pseudo-revolucionários pequeno-burgueses; desde os primeiros esforços para criar uma organização da II Internacional e os primeiros êxitos do partido legal de massas do proletariado, em todos os grandes acontecimentos revolucionários deste período, tomou parte este grande lutador de vanguarda da classe trabalhadora e do comunismo.
As condições em que se desenvolveu este período do movimento, eram extraordinariamente difíceis. Na maioria dos países da Europa, procurava-se levar até o fim a Revolução burguesa ainda não terminada, porém, em quase toda a Europa a burguesia atingira um grau de desenvolvimento em que percebia que o proletariado colocava-se sobre as suas espáduas, «o que não podiam permitir aos seus sócios proletários»(1) e por isso, para conservar o poder, procurava a união até com as forças reacionárias.
O proletariado, formado, concentrado e fortalecido pelo desenvolvimento da indústria, já não se dirigia contra «os inimigos de seus inimigos», senão contra seus imediatos adversários de classe. Não só do ponto de vista da ideologia e do programa, como também do ponto de vista político e de organização, o movimento operário ainda não se tinha libertado da influência da burguesia e das formas exteriores da pequena burguesia, que dificultavam ao proletariado a consciência de sua existência, de sua força e de sua missão histórica e social. Introduzir o socialismo no movimento operário, levar à classe trabalhadora o conhecimento científico da verdade, a contradição do desenvolvimento efetivo da sociedade e seu próprio crescimento, com toda a sociedade anterior, que tem de lutar por sua destruição revolucionária; o fortalecimento desta consciência pelas experiências colhidas nas lutas econômicas e políticas, dirigir os trabalhadores de uma forma tão concreta que eles mesmos, no decurso destas lutas, formem a sua própria ideologia, programa e tática — estas eram as grandiosas tarefas que se apresentavam aos fundadores do socialismo científico. Para cumprir estas tarefas era necessário responder no terreno das investigações teóricas — como escreveu Lênin — as questões que haviam delineado os espíritos mais progressistas da humanidade, era indispensável abrir novos caminhos que até o momento não tinham sido palmilhados. Era necessário avançar na luta, na luta de idéias e na luta política e de classes. Era indispensável apoderar-se de todas as armas da filosofia e da ciência, e empregá-las com segurança, e por sua vez também as armas da organização e da direção política do movimento de massas.
Era preciso ser um gigante do pensamento e um gigante da ação. E assim era Frederico Engels.
Unido a Marx pelo desenvolvimento espiritual comum, pela amizade que «obscurece as mais comovedoras lendas da antigüidade sobre a amizade humanas(2), Engels deu o exemplo daquela modéstia que é o ornamento dos revolucionários, assegurando que ao lado de Marx ele não era mais do que um «segundo violino»(3). É indiscutível que Marx em profundidade e coerência da análise cientifica, e em poder de síntese, alcançou os pináculos da inteligência humana, porém, como ele, Engels foi um gênio do pensamento. Os chamados «homens de ciência», os «filósofos» da burguesia, os revisionistas e oportunistas nas fileiras da social-democracia, são os que se esforçam inutilmente para diminuir o papel e o tamanho do grande companheiro de armas de Marx. Na realidade, as grandes figuras de sábios «universais», como os que produziram o Renascimento, empalidecem diante da imagem deste homem, que não somente dominou e deixou marcas de sua passagem em todos os campos da ciência — desde a Filosofia à História, da Economia à Química e à Física, da Literatura à Arte Militar - como também uniu a investigação científica e a atividade literária com a ação prática revolucionária, para o que a ciência é um meio de conhecer o mundo e uma arma para transformá-lo.
Profundamente penetrado da verdade de que a luta do proletariado não se limita ao terreno econômico e político, senão que abarca o campo da teoria. Engels ensinou que um dirigente do movimento operário tem também que estar à frente da luta neste setor.
É interessante observar como no curso do progresso da cultura humana, as classes que se elevam, enquanto têm um papel revolucionário no desenvolvimento da sociedade, têm a aspiração de ver o mundo tal como é na realidade, inclinando-se para uma concepção materialista do mundo. E as classes que declinam — antes de desaparecer do marco da história — procuram como último refúgio as nevoas do idealismo, da religião e do misticismo. Os grandes sábios italianos que, como Galileu, criaram as bases da moderna ciência experimental, eram filhos da jovem burguesia que nas cidades recém-fundadas dirigiam a luta contra o campo feudal. Os filósofos materialistas ingleses e franceses dos séculos XVII e XVIII eram, no terreno teórico, os representantes de uma burguesia ainda mais revolucionária. Como dirigente e representante do moderno proletariado industrial, da única classe que é conseqüentemente revolucionária e que chega a atingir o seu objetivo, Frederico Engels, segundo as linhas gerais estabelecidas em união com Marx, elaborou e desenvolveu a conseqüente concepção materialista do mundo, que se converteu na filosofia da classe operária.
A ele deve a ciência os primeiros e decisivos resultados da investigação sobre a origem da sociedade, do Estado e da família. A descoberta do caráter histórico do Estado, como dominação de uma classe, a que chegou Engels depois de profundas investigações, é um dos fundamentos teóricos da doutrina da ditadura do proletariado, do Estado da classe trabalhadora vitoriosa e o instrumento para a abolição das classes. Foi ele quem, no «Anti-Dühring», numa linguagem popular e de combate, deu à classe operária a primeira exposição de conjunto dos fundamentos filosóficos do marxismo. Ao pertinaz e paciente trabalho do velho Engels sobre os manuscritos e as notas incompletas deixadas por Marx, devemos os tomos II e III de «O Capital», a terminação da obra que representa uma etapa decisiva na descoberta das leis da evolução da sociedade. Foi Engels quem, depois da morte de Marx, numa série de obras fundamentais e grande número de artigos e de obras fundamentais e grande número de artigos e de cartas, expôs, defendeu, precisou e enriqueceu a concepção materialista da história, lutando contra os inimigos declarados, contra a incompreensão e contra todas as tentativas de falsear esta doutrina e convertê-la em «economismo» e sociologia vulgar, obra dos oportunistas que queriam silenciar na doutrina marxista o convite à ação e à luta revolucionária. E, finalmente, foi Engels quem se incumbiu da missão de dar uma síntese do pensamento científico de seu tempo, do ponto de vista da filosofia Materialista. No cumprimento desta tarefa — em sua «Dialética da Natureza» — atingiu o ponto culminante do pensamento humano. Penetrando com olhar de lince nos mais complicados processos científicos, resumindo com fria e severa dialética, aprofunda-se sem receio, na «Introdução» deste livro, nos maiores problemas da origem do desenvolvimento e das perspectivas, não só das raças humanas e da sociedade humana, como também de todo o universo, dando a cada um deles uma resposta. A audácia de seu pensamento, a lógica rigorosamente científica de sua concepção, são dignas de um pensador que personifica no terreno da teoria as qualidades e a missão revolucionária da classe que está fadada a transformar e reeducar a humanidade de acordo com o espírito do materialismo.
A mesma clareza de objetivos, o mesmo valor e a mesma capacidade para extrair de um princípio todas as conseqüências possíveis a capacidade de lutar, inflexivelmente, por sua realização prática, aparecem em todos os setores aos quais Engels estendeu sua atividade.
Teórico e homem de ação, convencido do papel que representa a força material nos momentos decisivos do desenvolvimento histórico pertence a Engels o mérito de ter empregado e elaborado na ciência militar os fundamentos e métodos do marxismo. No presente, quando o pacifismo se desvanece e vem a primeiro plano a força armada, no momento em que a vanguarda da classe operária foi convocada mais de uma vez para cumprir seu dever, como dirigente do povo, no fogo da guerra, este aspecto da atividade de Engels ganha um valor extraordinário. Na família de Marx o chamavam, por gracejo, «o General», porém há muitos generais com galões que podiam assistir às aulas daquele dirigente da classe trabalhadora. Conhecia perfeitamente a história militar e o mapa militar da Europa, explicava e aprofundava os problemas da arte militar por meio do emprego conseqüente da concepção materialista da história. A sua genialidade para compreender e prever os acontecimentos da guerra era tão grande, que o permitiu, no curso da guerra de 1870-71, prever com exatidão o lugar onde o exército francês seria derrotado, e até predizer, com vários anos de antecipação, em que local e por meio de que manobra, o exército italiano seria desbaratado em 1917, durante a guerra mundial. Esta genialidade conduz aos especialistas militares do presente a estudar Engels como um clássico de sua arte.
No terreno da política concreta, do programa e da ação imediata da classe trabalhadora, é a participação do proletariado na luta política como força independente, assim como a criação simultânea de uma organização operária independente e de sua vanguarda, o ponto central da atividade dos imortais fundadores do comunismo científico.
Numa fase em que todos os comunistas, com exceção do proletariado, estavam sob a influência da evolução geral ideal, como disse Lênin, em que a palavra socialismo muitas vezes servia para encobrir as negociatas mais reacionárias, somente era possível realizar esta dupla tarefa por meio de incansável e tenaz luta contra toda espécie de inimigos e por meio de uma crítica inexorável não só dos amigos duvidosos, como também dos que estavam unidos há tempos — como os pequenos burgueses democráticos no curso da Revolução alemã de 1848 — ao lado dos quais tinha que marchar a classe operária, para decidir os problemas colocados pela história na ordem do dia.
O jovem Engels viu de modo claro, em 1846, que não se tratava somente de «encarar os interesses do proletariado em oposição aos da burguesia», senão que era necessário incutir na classe trabalhadora a consciência de que a sua finalidade é «a supressão da propriedade privada e a substituição desta pela comunidade de bens» e que este objetivo só pode ser alcançado por meio da «Revolução Democrática Violenta»(4).
Nos «Fundamentos do Comunismo» deu ele, nos anos seguintes, o primeiro projeto do «Manifesto do Partido Comunista», em cuja redação trabalhou ao lado de Marx. As exigências lançadas por Engels nos «Fundamentos do Comunismo», foram comparadas por Stálin, na XV Conferência do PC (b) da URSS no ano de 1926, com as conquistas da Revolução de Outubro e afirmou que «nove décimos deste programa já haviam sido realizados por nossa Revolução».
O programa revolucionário que em 1848 foi fixado com as imortais palavras do «Manifesto do Partido Comunista», teve que suportar a prova de fogo e seu desenvolvimento contínuo na luta de classes. Sobre a base das experiências destas lutas precisaram Marx e Engels sua concepção do aparelho estatal burguês e do estabelecimento da ditadura revolucionária da classe trabalhadora, genial pensamento científico cuja primeira confirmação foi a Comuna de Paris e cuja magnífica realização foi posta em prática em outubro de 1917, pela vitória do proletariado na Rússia, conduzido pelo partido de Lênin e de Stálin.
Este programa tinha de ser concretizado dia a dia, adaptado a cada situação e a cada país, tinha de ser popularizado e defendido a todo momento. Neste terreno coube a Engels o papel principal ainda no período em que Marx vivia.
«... Coube-me, escrevia Engels em 1887, representar as nossas concepções perante a imprensa, portanto, nominalmente, na luta contra as concepções antagônicas, para que Marx pudesse dispor de tempo para a elaboração de sua grande obra fundamental».(5)
E a luta foi empreendida com maestria, foi realizada de tal modo que todas as correntes inimigas do marxismo foram eliminadas e preparou-se o momento em que este havia de triunfar como ideologia dominante da classe trabalhadora.
Seria um erro, porém, considerar esta luta como exemplo de brilhante e efetiva polêmica ideológica e política. Serviu sobretudo para levantar o Partido revolucionário do proletariado.
«O primeiro grande passo que dá cada novo país que entra no Movimento, é sempre a organização dos trabalhadores em partido político independente, e, ao mesmo tempo, um Partido especificamente operário».(6)
Estas palavras foram escritas por Engels em 1886, quando mostrava que a debilidade, «o ponto fraco» do movimento operário americano era sua «neutralidade política». Disto já estava convencido o jovem lutador, impregnado do espírito do Partido, quando ele, 40 anos antes em Paris, entre um grupo de imigrantes que se reunira para discutir as idéias socialistas, colocou em votação o problema de saber se se tratava de uma reunião comunista, e, depois de grande luta, obteve a maioria.
O pensamento principal era o seguinte:
«... TODO partido operário de um grande pais somente pode desenvolver-se na luta interna, como o que em geral está fundamentado nas leis dialéticas do desenvolvimento».(7)
Além disso, Engels não temia as altercações, discussões e lutas durante os trabalhos preparatórios para a formação de uma organização política operária, nem dentro do partido já existente. Considerava-as pelo contrário, como o caminho necessário para atingir uma unidade profunda. Recebia bem as cisões, que eram necessárias; declarava que era profundo erro querer manter a unidade do Partido às custas da confusão ideológica e política.
«O Partido alemão tem sido o que é pela luta entre os eisenaquianos e lassalianos, onde a própria disputa tem o papel principal. A unificação somente seria possível se houvesse desaparecido o bando de aventureiros que Lassale preparou intencionalmente como instrumento, e, ainda assim seria de nossa parte uma excessiva precipitação. Na França, aqueles que sacrificaram realmente a teoria bakuninista, porém que continuam com os meios de luta bakuninistas e que simultaneamente querem sacrificar o caráter de classe do movimento a fins particulares deveriam desaparecer antes que a união se torne possível. Seria tolice aconselhar união em tais condições».(8)
O fogo da inexorável crítica de Engels se dirigia contra o utopismo reacionário dos proudhonianos, contra os pseudo-santos predicadores que falavam de processos maravilhosos para resolver a questão social sem perturbar «a paz entre as classes». Diante deles colocava a doutrina marxista da luta de classes como a pedra de toque da história, como o único caminho que, por meio da ditadura do proletariado, conduz à abolição das classes. A sua crítica se dirigia contra os democratas pequeno-burgueses, aos que não só acusava de irresolução política, senão que lhes advertia
«que também o proletariado, para apossar-se do poder, necessita das formas democráticas, as quais representam para ele, como todas as formas políticas, somente meios».(9)
Abriu uma brecha na confusão ideológica e no oportunismo político dos lassaleanos, que desejavam vestir-se com a libré dos servidores do Estado reacionário, assim como acusou aos possibilistas franceses que se haviam vendido ao governo. Engels desmascarou as marionetes dos tenebrosos e impotentes anarquistas, esses «inimigos da autoridade», que ousavam declarar-se revolucionários, aos quais lembrou que uma revolução é, sem dúvida, a situação mais autoritária possível. Dizia a estes negagores da necessidade da luta política do proletariado:
«... a massa dos trabalhadores nunca se deixará persuadir de que as condições públicas de seu país não são, por sua vez, suas próprias condições, e são por sua natureza POLÍTICAS e terminará abandonando àqueles que lhes convida a deixar de lado a política».(10)
A sua energia e tenacidade incansável, sua ausência absoluta de objetivos pessoais que pudessem perturbar a inevitável luta fundamental seu ódio ao filisteismo e o desprezo que mantinha pela «respeitabilidade» burguesa, que os oportunistas se esforçavam em difundir entre as fileiras do Partido, sua inflexível convicção de que é revolucionário o dizer a verdade — estas são as qualidades que proporcionaram a Engels o título honorífico de «ser o maior grosseiro da Europa».
O oportunismo em todas as suas formas era o maior inimigo que assinalava aos dirigentes operários de seu tempo. Já em 1850 chegara à conclusão que:
«O proletariado inglês se aburguesa ele fato cada vez mais, se é que esta nação, a mais burguesa de todas, pretende possuir uma aristocracia burguesa e um proletariado burguês AO LADO da burguesia. Para uma nação que explora todo o mundo, isto é sem dúvida, até certo ponto, verossímil».(11)
Esta afirmação continha a essência da análise das raízes do oportunismo no movimento operário, que foi mais tarde completamente elaborado por Lênin e que havia de constituir um dos fundamentos da política revolucionária dos bolcheviques dentro do movimento operário internacional.
Assim como Marx estava convencido que «o sectarismo torna-se reacionário-» no momento em que a classe operária «está amadurecida para o movimento, historicamente consciente», e ao mesmo tempo lutava tanto contra o oportunismo de direita quanto contra todas as tendências sectárias, contra toda a incompreensão e toda subestimação das leis e necessidades da expansão do movimento operário, contra aqueles que queriam «deixar que comece a revolução pelo «último ato»(12), que não sabem ligar a propaganda com a ação, que querem condenar o movimento operário à inatividade e impotência, esperando a «revolução social pura».
A tática empregada e defendida pelos fundadores do socialismo científico durante todas as etapas do movimento operário e dos acontecimentos revolucionários de seu tempo estava de acordo com estes objetivos e com os princípios gerais de sua ação em duas tarefas fundamentais. A primeira consistia em alicerçar a política independente da classe operária e de sua vanguarda. A segunda consistia em abranger as mais amplas massas de trabalhadores, mantendo e restabelecendo de maneira duradoura a ligação da vanguarda do proletariado com essas massas. Pela ofensiva e a luta dessas massas que defendem seus interesses e reivindicações, serão resolvidas as questões que surgem com o desenvolvimento da sociedade humana e de suas contradições objetivas. Ai do Partido da classe operária que não fôr capaz, desde o início e em toda a sua atividade, de ligar-se às massas; que nas horas decisivas da história não for capaz de tomar posição e apresentar as soluções de acordo com a verdadeira situação e grau de consciência das massas, facilitando até a mais ampla concentração de forças revolucionárias e abrindo ao movimento o caminho para que adquira a maior expansão possível!
O movimento operário — como nos ensina Engels — não pode ser a conseqüência de pregações, senão da ação política. O movimento operário toma seu caráter dos acontecimentos vivos e no curso destes acontecimentos pela experiência que neles adquirem as massas.
As doutrinas táticas de Engels se dirigiam contra a passividade oportunista, que se ocultava por trás dos discursos pseudo-revolucionários, mas que renunciava à verdadeira atividade política; por sua vez também se dirigiam contra aqueles oportunistas que abandonam o caminho da luta revolucionária para desaparecer na colaboração das classes. Certas pessoas pensam que uma situação revolucionária se forma da seguinte maneira:
«todos os partidos oficiais unidos num montão AQUI, e os socialistas numa coluna ALÉM; grande combate decisivo, vitória em toda a frente com um só golpe»(13).
Engels ria desta concepção infantil, que de modo algum coincide com a realidade. As forças que se enfrentam com a classe operária não estão agrupadas numa única aglomeração reacionária.
«A burguesia — salienta no artigo «A CAMPANHA PELA FORMAÇÃO DO IMPÉRIO ALEMÃO» — nunca domina em sua totalidade... a fração progressista oposicionista da grande e média burguesia de então, diante da fração dominante, tem interesses comuns com a pequena burguesia e alia-se com ela para as lutas comuns».(14)
Além disso, o proletariado de nenhuma forma deve ser espectador inativo destas contradições, deve aparecer em todas as situações com o seu próprio programa e suas próprias reivindicações, para tirar proveito das contradições existentes entre os diferentes grupos sociais e seus partidos políticos, para com isso obter aliados, para manter em cada situação o papel de representante e defensor dos interesses de todo o povo. Em casos concretos, o partido da classe trabalhadora pode
«apoiar outros partidos e tomar medidas que beneficiem ao proletariado de maneira imediata ou que signifiquem um passo à frente em direção do desenvolvimento econômico ou da liberdade política», mas isto somente «com a condição de que não entre em questão o caráter de classe do Partido. Isto é para mim uma fronteira absoluta».(15)
O próprio Engels, que durante toda a vida lutou obstinadamente contra as tentativas de dar unidade ao Partido de um modo falso e artificial, mantendo compromissos nos princípios, declarava com a mesma energia a necessidade de seguir uma tática cuja essência será facilitar a realização da unidade de luta de todos os elementos revolucionários.
Escrevia em 1887:
«se em 1864-1873 tivéssemos estabelecido trabalhar somente com aqueles que tinham reconhecido abertamente o nosso programa, onde estaríamos agora?»(16)
E ao constituir a Internacional, Marx estabeleceu os estatutos da organização de tal maneira que todos os socialistas de então, que provinham da classe trabalhadora, tivessem a possibilidade de ingressar em suas fileiras.
«... somente por esta amplitude a Internacional chegou a ser o que foi; o meio para dissolução e absorção daquelas pequenas seitas...»(17)
Este esforço contínuo pela criação, para a luta e na luta, de um movimento de conjunto da classe trabalhadora, com firmeza de princípios, foi a linha diretriz da conduta de Engels em toda a sua atividade política, assim como em todos os conselhos, instruções e orientações que deu, tanto aos revolucionários profissionais de todos os paises quanto aos dirigentes e partidos socialistas; incansavelmente lhes advertia e pressionava para que utilizassem, nas mais diferentes situações, todas as formas de organização e de luta, desde a agitação econômica e a greve sindical, até a participação nas eleições e a utilização da tribuna parlamentar, assim como a luta aberta nas ruas, quando as circunstâncias o exigissem.
Estava convencido que não é possível fazer o movimento operário «somente com prédicas». «Os fatos têm que doutrinar as pessoas»(18)
«As massas aprendem exclusivamente pelas; conseqüências de seus próprios erros, pelas experiências em sua própria carne»(19).
Com a sua peculiar capacidade de análise dialética das relações de classe, investigou os acontecimentos políticos internos de cada país, assim como as relações entre os Estados no terreno da política internacional. Estudou o problema dos camponeses, suas necessidades e seu papel na revolução; concentrou-se sobre questões como a da opressão nacional na Irlanda, o domínio britânico sobre a Índia. Com isso Engels criou os fundamentos da estratégia e da tática da revolução proletária, que mais tarde foram elaborados e completados por Lênin e Stálin. Já no primeiro período de sua atividade científica e política, unido a Marx, tratou especialmente dos problemas do desenvolvimento social e político da Rússia e das perspectivas do movimento operário e da revolução neste país. Lutou contra as concepções reacionárias dos nacionalistas, reconheceu a necessidade histórica e objetiva da expansão do capitalismo na Rússia, porem, partindo do fato de que a «Rússia é o último país que foi atingido pela grande indústria capitalista e, simultaneamente, o país que tem a maior população camponesa» — chegou à conclusão de que
«as circunstâncias são de tal categoria, que as comoções que produzirão esta transformação econômica serão mais violentas do que em qualquer outra parte»(20).
A análise das perspectivas da situação da Rússia, feita por Engels em união com Marx, continha a essência da doutrina das forças em movimento da Revolução russa, que mais tarde Lênin conduziu até o fim. A certeza de um movimento revolucionário que havia de partir da Rússia,
«dando ao movimento operário do Ocidente novo impulso e novas e melhores condições de luta, acelerando com isto a vitória do moderno proletariado industrial»(21)
é uma das mais importantes partes integrantes das perspectivas que deu Engels, nos últimos anos de sua vida, para o movimento operário internacional.
Fundamentava a sua previsão do desenvolvimento histórico nas leis objetivas que determinam o papel revolucionário da classe trabalhadora e tinha plena confiança na capacidade do proletariado de cumprir sua missão de enterrar o capitalismo e criar um mundo novo, e que depois de cada etapa da luta se enriquece com novas experiências, avançando em seu caminho com maior clareza em seus objetivos. Além disso, Engels ensinou aos partidos operários que cada vitória da reação traz dentro de si os elementos de sua decadência e que não pode conduzir a sua estabilidade durante um longo período.
Engels, que vivia numa época em que o capitalismo não atingira ao imperialismo, como é natural, não podia prever em todos os seus detalhes a direção que tomaria, posteriormente, o desenvolvimento do movimento operário. Mas, é indiscutível que, nos últimos anos de sua vida, no período em que os dirigentes de todo o mundo recorriam a ele, escreviam-lhe solicitando auxílio, conselhos e instruções, pressentiu o papel de traição do revisionismo e do oportunismo no movimento operário. Isto explica a sua desconfiança instintiva diante de indivíduos como Bernstein e Kautsky, isto explica a energia com que criticava as flutuações oportunistas, até mesmo no velho Liebknecht, isto explica a clarividência com que advertiu aos socialistas italianos sobre a tática da colaboração com o Governo da burguesia radical e da pequena burguesia democrática, isto explica a violência com que atacou o «pacifismo oportunista» de «Vorwarts» e zombava «do alegre crescimento da antiga imundice, na sociedade socialista»(22). Estava entusiasmado com o magnífico impulso que havia adquirido o movimento operário legal, porém, referia-se com preocupação e desdém sobre a concessão de princípios diante da burguesia, para negociar concessões isoladas, e sobretudo para negociar rendosos postos para os dirigentes.
A tensão das relações entre os dirigentes da social-democracia alemã e os velhos lutadores que se produziu nos últimos anos, chegou tão longe, que ele ameaçou a imprensa alemã do Partido a não voltar a utilizá-la para suas publicações, o que indica em que sentido se movimentavam as preocupações.
Pela experiência de 1848, 1870-71 e da Internacional, Engels chegou à conclusão que a Internacional devia tornar a levantar-se e viver sobre a base do marxismo.
«A Internacional reinou durante dez anos da história européia, no sentido onde se encontra o futuro — e pode voltar o olhar com orgulho para seu trabalho. Mas, não sobreviveu em sua antiga forma. Se se organizar mais tarde uma nova Internacional à semelhança da antiga, a aliança de todos os partidos proletários de todos os países, corresponderia a uma derrota geral do movimento operário, como o que ocorreu em 1849-64. Para isso o mundo proletário já é muito grande e demasiado complexo. Acredito que a próxima internacional será — depois da influência dos escritos de Marx durante alguns anos — comunista e implantará diretamente nossos princípios»(23).
A II internacional havia de decompor-se apodrecida pelo oportunismo, desfeita pela traição dos dirigentes social-democratas. Mas a internacional «comunista pura», prevista por Engels, havia de ser fundada por homens que eram os herdeiros do espírito revolucionário e do pensamento revolucionário dos fundadores do comunismo científico que aplicaram sua doutrina nas novas condições do imperialismo e da luta de classe, e, sob cuja direção a classe trabalhadora alcançou o poder e estabeleceu a ditadura do proletariado na sexta parte do mundo — por Lênin e Stálin, os dirigentes do Partido Bolchevique, os dirigentes do movimento comunista internacional.
Os dirigentes da social democracia lançaram por terra os ensinamentos de Engels e traíram ignominiosamente a causa do marxismo.
Lênin e Stálin foram os que aprofundaram e desenvolveram a doutrina marxista do Estado e da revolução proletária, e deram ao proletariado as armas teóricas que necessitava para alcançar a vitória no período do imperialismo, tomar o poder e construir a sociedade socialista em um país. Foi especialmente Stálin quem elaborou definitivamente os problemas teóricos criados pelo desenvolvimento da crise geral do capitalismo, pelas novas formas da reação, nas quais a burguesia procurou refúgio devido ao amadurecimento de uma crise revolucionária mundial. Foi Stálin quem elaborou os problemas teóricos que se relacionam com a edificação da sociedade socialista sem classes, com a luta e a expansão do Partido sob as condições da ditadura do proletariado, com o estabelecimento e o desenvolvimento do Estado socialista, com o florescimento da mais ampla democracia socialista de todo o povo sobre a base da ditadura do proletariado, com a passagem à fase superior do comunismo, cuja necessidade foi assinalada por Marx e Engels como o ponto culminante da história da humanidade.
Foram Lênin e Stálin os que criaram o partido mundial do proletariado nas condições atuais, na luta implacável contra, o oportunismo e o sectarismo, contra qualquer infiltração nas fileiras da classe trabalhadora de ideologias não proletárias ou contra-revolucionárias.
«Não há, nem pode haver, nenhuma linha «intermediária» nas questões de princípio. O trabalho do Partido deve ser estabelecido sobre as bases destes ou daqueles princípios. Uma linha «intermediária» nas questões de princípio é uma «linha» de nevoeiro nas cabeças, uma «linha» de degradação espiritual do Partido, uma «linha» de morte espiritual do Partido. A prática da social-democracia consiste em velar e dissimular estas contradições e diferenças de opinião. A política de princípios «intermediários» não é nossa política. A política da linha de princípios «intermediária» é a política dos partidos degradados e em decadência»(24).
Todo o pensamento revolucionário, toda a ardente energia de Engels como dirigente do Partido, voltam a ter vida nessas palavras de Stálin, com as quais ele, no mais alto posto da Internacional comunista, conduz a luta por uma vanguarda bolchevique do movimento operário Internacional.
O próprio Engels nos mostrou que, para ocupar postos de responsabilidade no Partido, não bastam o talento literário e o conhecimento das condições de luta do Partido; ele tinha ainda o completo domínio de suas formas, a bem provada confiança pessoal e sua força de caráter e voluntária participação nas fileiras dos lutadores.
O que admiramos em Engels e o que pretendemos salientar como exemplo aos militantes proletários, é o modo como personificava em sua vida diária, esse ideal de dirigente de um Partido. Para ele a luta não era uma palavra sem sentido. Desde a juventude até os últimos dias antes de sua morte, colocou toda a sua vida, esteve sempre na primeira linha, sempre vigilante, sempre cheio de atividade. Nos momentos críticos era ele quem elaborava os planos concretos para o movimento de insurreição, e quando em 1848, teve início a luta armada, esteve em seu posto, como soldado. Conhecia quase todos os idiomas europeus; ligado pessoalmente aos dirigentes do movimento socialista dos principais países, secretário da Internacional, encarregado da correspondência com cinco países, era a personificação do internacionalismo militante. As perseguições policiais não podiam arrefecer a sua vontade.
Nunca se impressionou com os ataques de seus adversários. Quando tinha mais de 60 anos de idade, tomou parte, em Londres, em atos públicos e marchava à frente das manifestações de rua, exemplo vivo da inseparável unidade entre a teoria e a prática, entre o pensamento e a vontade.
Pelos caminhos que previu, indicou e iniciou com passo seguro, seguiu a classe trabalhadora, até que, em outubro de 1917, alcançou a grande vitória decisiva. Por esses caminhos continua marchando o movimento operário internacional e prosseguirá marchando até o coroamento da obra à qual Engels consagrou todo o seu pensamento, toda a sua atividade e toda a sua vida.
Notas:
(1) F. Engels — Prefácio de «As Guerras Camponesas na Alemanha». — Editorial Vitória Ltda., 1947, Rio. (retornar ao texto)
(2) V. I. Lênin — Marx, Engels, Marxismo. (retornar ao texto)
(3) Idem, Idem. (retornar ao texto)
(4) Marx-Engels — Cartas Escolhidas. Carta ao Comitê Comunista, Correspondência de 23-10-1846. (retornar ao texto)
(5) F. Engels — Prólogo da 2.» edição de «A questão da habitação». (retornar ao texto)
(6) Marx-Engels — Cartas Escolhidas, Carta a Sorge, 29-11-1886. (retornar ao texto)
(7) Cartas de F. Engels a E. Bernstein (20-10-1882). (retornar ao texto)
(8) Idem (20-10-1882). (retornar ao texto)
(9) Cartas de F. Engels a E. Bernstein (24-3-1884). (retornar ao texto)
(10) Marx-Engels, Cartas Escolhidas. Carta a Cuno, de 24-1-1872. (retornar ao texto)
(11) Marx-Engels — Cartas Escolhidas. Cartas a Marx, de 7-10-1858. (retornar ao texto)
(12) Idem, carta a Bebel, de 28-10-1882. (retornar ao texto)
(13) Idem. (retornar ao texto)
(14) Dos documentos literários póstumos de Marx-Engels. (retornar ao texto)
(15) Cartas de Engels a Trier, de 18-12-1889. (retornar ao texto)
(16) Marx-Engels — Cartas Escolhidas, carta à senhora Wischnewetzki, 27-1-1887. (retornar ao texto)
(17) Idem da mesma carta. (retornar ao texto)
(18) Marx-Engels — Cartas Escolhidas, carta a Sorge, 8-2-1880. (retornar ao texto)
(19) Idem, carta a Schmidt, 5-8-1830. (retornar ao texto)
(20) Idem, carta a Danielson, 24-2-1893. (retornar ao texto)
(21) Engels — Internacionales aus der Volkstaat (1871-1875). Epilogo. (retornar ao texto)
(22) Marx-Engels — Cartas Escolhidas, carta a Sorge, 12-9-1874. (retornar ao texto)
(23) Idem, Idem, carta a Kautsky, 29-6-1891. (retornar ao texto)
(24) J. Stálin — «O bloco de oposição e os problemas da revolução na URSS». (retornar ao texto)
Inclusão | 07/09/2009 |