1923: Uma Oportunidade Perdida?
A Lenda do "Outubro Alemão" e a Verdadeira História de 1923

August Thalheimer


I. A Lenda de 1923


1. Porque as questões de 1923 têm que ser esclarecidas?

Porque é preciso ainda esclarecer a tática e a estratégia do partido daquele tempo? Em primeiro lugar, não é para justificar e defender a liderança de então do Partido. Isso não seria um objetivo importante. Não vale a pena se engajar numa longa discussão em torno disso. Não é uma questão de grande importância apurar as qualidades de liderança de Brandler, Talhaimer e outros, os quais participaram da direção do Partido de então. O objetivo principal da discussão só pode ser extrair dos verdadeiros erros cometidos pelo Partido em 1923, as verdadeiras lições para a revolução proletária.

Repete-se muitas vezes que nós, a direção do Partido de então, não queremos admitir que em 1923 foram cometidos erros importantes. Isto absolutamente não é verdade. Tal opinião se formou somente porque uma série de avaliações, até detalhadas, endereçadas ao CC do Partido nos anos de 1923 a 1926 e até mais tarde, nem mesmo chegaram ao conhecimento dos membros do Partido, de modo que eles não possuem informações a respeito e devem pensar que não admitimos erro nenhum. Assim não é. Entretanto, trata-se de constatar de que espécie foram os erros e quais ensinamentos poderemos tirar deles. Esta é a importância da questão. Os acontecimentos de 1923 têm importância geral na medida em que as questões da tática e da estratégia de então não são problemas apenas daquele momento, mas sim que questões gerais de tática e estratégia da revolução proletária estão incluídas neles.

Segue-se disso que não se chegará a esclarecer as questões do movimento comunista na Alemanha antes de ter esclarecido tais questões, que não são somente questões do passado. A discussão levada até agora não as explicaram, nem formalmente nem factualmente, o que é melhor ilustrado pelo fato de que, ultimamente na Alemanha, as lições que foram tiradas dos acontecimentos daquele ano, foram de fato as conclusões de Ruth Fisher e Maslow — e estas representam a linha ultra-esquerdista que quase conduziiu o Partido à ruína.

A primeira carta aberta, endereçada ao Partido pela Executiva do Comintern em 1925, constatou os fracassos da linha ultra-esquerdista de Ruth Fisher e Maslow, mas evitou esclarecer e liquidar a lenda que tinha sido inventada sobre 1923. Declarava-se naquela oportunidade que não era a esquerda não tinha falido, mas sim alguns líderes dela. Conseguiu-se quebrar alguns líderes da linha e liquidar algumas dos piores aspectos da prática. Mas, depois disso, ocorreu uma nova recaída, exagerada, da linha ultra-esquerdista.

Esta segunda recaída, na qual nos encontramos ainda hoje, é a prova experimental de que não se pode encontrar um caminho seguro, claro e firme para o Partido, sem um esclarecimento a fundo dos acontecimentos de 1923, quer dizer, das questões do caminho da revolução proletária na Alemanha. A história não se deixa enganar. Não é possível evitar um ajuste de contas definitivo e claro, com a ajuda de pequenos truques e lendas. A conta tem que ser liquidada por completo.

2. Em que consiste a lenda esquerdista de outubro?

Perguntamos agora: em que consistiu a linha esquerdista de outubro, na qual se baseou o curso ultra-esquerdista depois de 1923? Ela ainda hoje serve para sustentar o curso ultra- esquerdista e para dissuadir os membros do Partido em acreditar em nossos argumentos, lembrando sempre e sempre 1923.

O conteúdo desta lenda pode ser resumido em poucas palavras. O cerne é a afirmação de que o ano de 1923 na Alemanha corresponde ao ano de 1917 na URSS, quer dizer, a afirmação de que em 1923, na Alemanha, as condições objetivas para a revolução proletária eram tão maduras como em 1917 na URSS. Se na Rússia a revolução venceu, então foi graças à liderança do Partido pelo CC com Lênin à frente. Se na Alemanha, em 1923, a vitória não foi alcançada, foi porque naquela época não existia nenhum partido semelhante e nenhuma liderança semelhante, que a liderança teria cometido graves erros, que a situação revolucionária teria sido perdida dormindo, ou até que houve traição.

Assim soa a lenda esquerdista. Alem disso, acrescenta-se que em 1923 a direção daquele período teria cometido traição, omissões e asneiras, e com isso impedido a revolução, a qual objetivamente estava madura. Isso porque a direção era oportunista, que a tática da direção em 1923 fora a consequência natural e necessária da linha oportunista que tinham demonstrado também nos anos anteriores.

Como pontos centrais dessa "linha oportunista" destacam-se:

Primeiro, a tática de frente única, como foi aplicada pelos líderes do Partido e pelo Partido. Essa tática foi declarada errada e oportunista. Isto, em parte, foi feito diretamente, rejeitando-se de forma absoluta a tática de frente única; mas, afirmava-se que a "frente única por baixo" - seja lá o que se entenda por isso — era permitida, enquanto que a "frente única por cima" era proibida, por ser oportunista.

Segundo, acrescentou-se que a direção do Partido daquele tempo imaginou que seria possível conquistar o poder numa coligação com a Social-democracia. A evidencia disto eram as coalizões que haviam sido realizadas na Saxônia e na Turíngia.

O terceiro crime "oportunista", de acordo com a "lenda" foi a noção de que seria possível conquistar os sindicatos por dentro, pelas idéias comunistas. A palavra de ordem de conquistar os sindicatos foi considerada errada em toda parte, depois da derrota, na primavera de 1924. Chegou-se a tal ponto que em Moscou, numa conferência em janeiro de 1924 Maslow declarou que a palavra de ordem de conquista dos sindicatos tinha que ser abandonada e substituída pela "destruição dos sindicatos".

As consequências práticas, que Maslow e os outros ultra-esquerdistas tiraram desta avaliação da linha "oportunista" da direção anterior são as seguintes: Primeiro, a lição de que a tática da frente única deveria ser abandonada. Isto se deu sob o título "Frente Única por baixo". Sob a máscara da frente única de baixo para cima na verdade desistiu-se mesmo da frente única. Pois se entendeu por isso que não convinha mais se aproximar de organizações proletárias, de sindicatos ou de organizações de base dos social-democratas. De acordo com essa concepção, o esforço deveria ser voltado para mobilizar social-democratas, cristãos e outros trabalhadores a entrar diretamente em ações comuns com o Partido, sem considerar suas filiações organizacionais. Se isto é frente única, seria muito simples. Mas a situação especial nas tarefas do Partido Comunista na Alemanha e numa série de outros países em que existem duas direções no movimento operário, é que se torna necessário solucionar praticamente a questão: como desenvolver ações comuns do operariado apesar das contradições básicas? Como juntar os operários nas suas lutas parciais? Numa situação em que existe somente um movimento político do operariado, como antes da guerra, tal problema não existe de todo. Esse é um problema específico do pós-guerra, que não se pode afastar simplesmente, ignorando-o.

Alem disso, tirou-se a conclusão de que somente palavras de ordem finais teriam que ser estabelecidas. Para o período depois de 1924 estabeleceu-se a palavra de ordem geral de "organização da revolução", o que também foi interpretado de maneira totalmente errada.

Estas conclusões ultra-esquerdistas tiradas do ano de 1923 tiveram o mais desastroso efeito no trabalho nos sindicatos. Já mencionei que Maslow em janeiro de 1924, numa conferência em Moscou, propôs a destruição dos sindicatos. É muito característico que um homem como Tomsky, que durante muitos anos foi dirigente dos sindicatos russos, no começo aceitou tal orientação. Isto mostrou que não tinha noção exata das condições de luta dos sindicatos do Ocidente. Essa formulação grosseira foi corrigida em seguida, mas nas formulações sobre o problema dos sindicatos ainda persistiram esconderijos permitindo, durante bastante tempo, uma linha ultra-esquerdista junto aos sindicatos, que visava a fundação de sindicatos novos. Um motivo foi fornecido pela palavra de ordem "organização dos não organizados". A consequência foi que a influência do Partido nos sindicatos, que teve o seu auge de 1923, declinou continuamente e quase foi destruída.

Outra consequência tirada de 1923 foi a de que a "bolchevização" teria começado somente no ano de 1924, com o aparecimento de Maslow e Ruth Fisher. Tudo o que o Partido teria feito, especialmente nos anos turbulentos da revolução 1918/1923 e durante a guerra seria, segundo a lenda esquerdista, mais ou menos oportunismo. Somente agora teria começado a verdadeira "bolchevização". Disso foi tirada outra consequência, a de que seria preciso afastar os velhos militantes do Partido, que o Partido deveria se apoiar principalmente nos grupos mais jovens que não haviam ainda tido a infelicidade de passar pela escola do "Spartacusbund". Essa "bolchevização" ocasionou um regime de força dentro do Partido, o esmagamento de qualquer discussão livre e do controle da direção pelos membros. Isso foi tido como "bolchevista" até que a carta aberta da Executiva da IC de 1924 pediu a "normalização da vida partidária, designando o regime partidário introduzido por Maslow e Ruth Fisher com a ajuda e tolerância da Executiva, como uma verdadeira caricatura do caráter e das necessidades de um Partido Comunista.

São estes os efeitos práticos da lenda esquerdista sobre os acontecimentos de 1923, sobre a política da direção do Partido de então e os pecados oportunistas conduzidos por esta política. Vendo-se estas consequências práticas, pode-se concluir que não é sólida a base teórica destas conclusões.

3. A origem da lenda esquerdista de outubro

Como se originou esta lenda esquerdista? Quero trazer ao debate uma documentação a respeito, alguns fatos que elucidam os métodos da Internacional Comunista. Tais fatos até hoje não chegaram ao conhecimento da maioria dos camaradas ou, em parte, foram esquecidos. Por isso precisam ser mencionados outra vez.

Primeiro quero mencionar o fato de que até dezembro de 1923 — mesmo depois da retirada de outubro de 1923 — Zinoviev, o então líder da IC, declarou repetidas vezes, oralmente e por escrito, que a tática seguida pelo PCA em 1923 era certa em princípio. Esta opinião foi ainda externada expressamente numa série de artigos do Pravda, publicados depois de outubro sob o título "Problem der Deutschen Revolution" (Problemas da Revolução Alemã), em língua alemã e distribuído na Alemanha. Quero aqui citar um trecho, onde Zinoviev diz o seguinte sobre a tática seguida pela direção do Partido alemão em 1923:

"Não existe a menor dúvida de que o Partido Comunista empregou a tática da Frente Única em geral com grade êxito. Peio emprego certo desta tática o Partido Comunista conquistou a maioria dos operários alemães — um êxito que dificilmente poderia ser imaginado dois ou três anos antes". (pg. 68)

Mediante a tática da Frente Única não foi conseguido, durante o ano de 1923, a conquista da maioria dos operários alemães para a luta pelo poder. Mas uma coisa é certa: sem os êxitos alcançados pela tática da Frente Única, a questão da conquista do poder nem poderia ser levantada em 1923. Ninguém poderia ter arriscado isso, se tivéssemos nos sindicatos e nas associações dos metalúrgicos e outras somente a influência que o Partido tinha nos sindicatos no tempo de Ruth Fisher ou que tem hoje. Somente devido aos enormes êxitos alcançados por essa tática, a questão podia ser posta mesmo.

Alem disso, quero trazer uma segunda testemunha que afirmou — também ainda depois de outubro — que a tática e a estratégia seguida pelo partido de então era inteiramente certa. Essa testemunha é Hermann Remmele. O trecho que citarei a seguir foi tirado da intervenção feita por Remmele numa reunião dos camaradas alemães com o Comitê Executivo (da CI) em 11 de janeiro de 1924:

"Quero ressaltar que no tempo do movimento fascista não somente em Stuttgart, mas também na Alemanha do centro, do norte, oeste e leste do país, em toda a parte surgiram demonstrações, apesar das proibições. Tivemos então na Alemanha Central, na Turingia, nos dias de julho e agosto, uma situação em que os operários se encarregaram inteiramente do abastecimento, requisitaram caminhões, foram ao interior para buscar víveres diretamente dos lavradores, de modo que ninguém tinha mais dúvida que grandes acontecimentos estavam por vir. Sem dúvida a greve de Cuno foi o auge do movimento, mas é minha convicção que foi também o ponto de virada do movimento. Com a entrada do Partido Social-democrata na coalisão, os operários social-democratas encheram-se outra vez de ilusões".

"Em meados de agosto aconteceu, de outra maneira, uma diminuição da maré revolucionária, pela participação dos social-democratas no governo."

"Quando nós discutíamos com os social-democratas, descobrimos que eles alimentavam grandes esperanças na entrada de Hilferding no governo. Social-democratas que estavam ao nosso lado, espontaneamente, em todas as lutas, que tinham participado da greve de Cuno, todas estas massas prestavam-se a novas ilusões.."

"A resolução de que nossos camaradas da Saxônia deviam estar no governo, foi tomada, é verdade, à base de relatos e descrições sem fundamento. Essa resolução foi tomada segundo a opinião de que o armamento e mobilização do Partido e das massas haviam chagado a tal ponto que se podia arriscar tal coisa. Presumia-se que o desmoronamento do adversário estava muito mais adiantado do que estava na verdade... Está certo que no estado em que nos encontrávamos poderíamos nos preparar para uma luta decisiva e fixar os termos da batalha final? Respondemos pela negativa: Considerando a estrutura especial da Alemanha e as relações e forças de classes específicas da Alemanha, constatamos que ainda não nos encontrávamos num estado de poder determinar o momento de uma luta decisiva. Dizíamos: antes de chegarem essas lutas, teremos que passar por um período de violentas lutas armadas parciais..."

Este trecho encontra-se na brochura "Os Ensinamentos dos Acontecimentos Alemães", pg. 40/44. Isso foi dito por Hermann Remmele em janeiro de 1924, face às experiências de 1923.

Uma mudança na apreciação total da tática do partido alemão pela Executiva só se deu em dezembro de 1923 — como se pode provar por documentos. Só mais tarde tivemos a possibilidade de constatar a data exata e as causas dessa virada.

Como se deu esta mudança? Como foi possível que Zinoviev e a Executiva, que até então, em princípio, tinham aprovado as táticas, fizessem uma reviravolta de 180°? A situação era a seguinte: em 13 de dezembro, se não estou errado, o camarada Radeck fez um discurso num grande evento do partido russo, onde se referiu ao debate sobre Trotsky, declarando: se a maioria do Comitê Central russo se colocar contra Trotsky então não somente ele, mas também a direção dos partidos alemão e francês, quer dizer, dos principais partidos do Oeste, se colocarão contra a maioria do Comitê Central do partido russo. Isto foi em 13 de dezembro.

Alguns dias mais tarde Zinoviev mandou uma carta para a então direção do partido alemão, onde ele mudou completamente a linha, fazendo um ataque violentíssimo contra o partido alemão, com o que começou a perseguição geral contra a direção de então. A verdadeira causa da virada foi um pânico que se estabeleceu entre os dirigentes do partido russo, especialmente Zinoviev, pois acreditaram literalmente na afirmação de Radeck segundo a qual a direção do partido alemão alinharia com Trotsky e contra a maioria da direção do partido russo. Essa foi a causa da virada. Com qualquer acontecimento na Alemanha ou na França ou mesmo no Comintern essa história não teve nada a ver. Foi simplesmente a consequência de uma manobra na luta de facções internas da Rússia. Desse discurso de Radeck, soubemos somente muito mais tarde. A campanha, o fogo cerrado, estava em pleno andamento, Maslow e companhia haviam sido soltos, quando nós soubemos em Moscou — no período do V Congresso — da verdadeira causa da virada. O fato singular é que essa afirmação de Radeck era invenção. Ninguém o tinha autorizado a dizer que nós lutaríamos ao lado de Trotsky caso ele fosse atacado. Quando tivemos notícias das discussões com Trotsky, falamos: antes de julgar precisamos primeiro conhecer os fatos que causaram a briga. Logo que se soube alguma coisa a respeito, escrevi um artigo no "Internacionale" voltando-me contra as opiniões de Trotsky. Assim, não foi a nossa verdadeira posição na luta de frações interna da Rússia que provocou a virada, mas somente a ficção de tal posição.

4. O auge da lenda de outubro

Foi a desleal carta de Zinoviev, acima mencionada, que iniciou a virada após do discurso de Radeck. Alem disso, é característico que nos debates em Moscou, Clara Zetkin e Wilhelm Pieck, ambos, perguntaram qual a posição a respeito da retirada em outubro de 1923, se isso tinha sido certo ou não. Anteriormente, a Executiva sempre havia declarado que fora certo. Agora Zinoviev começou a furtar-se. Ele recusou, apesar de repetidas interpelações, de se fixar por escrito a respeito. Naturalmente, a consequência disso foi que se abriu um caminho para as lendas ultra-esquerdistas. Agora Maslow podia sustentar, sem entrar em conflito com as resoluções oficiais, que a retirada fora errada, que era traição, que levou a revolução à perdição. Aliás, essa conclusão foi tirada de maneira a mais grosseira e absurda por Maslow e Ruth Fischer.

Uma resolução de 6 de março de 1924, proposta na presença de Ruth Fischer no Congresso Distrital do Partido, em Rhindand Wastphalia, expressa:

"A Conferência declara que em outubro do ano passado a luta decisiva revolucionaria era historicamente necessária. Não era admissível se esquivar da luta nem a substituição da luta final pelos assim chamados combates de retirada, ações parciais ou semelhantes".

Lendo tais coisas com sangue frio, é de se admirar como a maioria do Partido, como uma Executiva, pôde aceitar tais absurdos. Diz-se aqui: a luta, a luta final não estava de maneira alguma preparada e, apesar disso, a decisão tinha que ser encontrada em outubro. Tal afirmação é realmente contraditória, mas foi aceita sem nada mais.

Esse foi o auge da lenda de outubro na Alemanha. Na Rússia, o auge se deu numa série de discursos de Trotsky. Um desses discursos, por ex., ele fez em Tiflis. A intenção não era a de atingir a maioria da direção do partido alemão de então, mas ele quis provar o seguinte: em 1923 a revolução na Alemanha não foi vitoriosa, porque o Comintern não era dirigido por Lênin, mas pelo oportunista Zinoviev. Ele quis, assim, acertar Zinoviev, então o seu adversário mais violento que estava conduzindo a luta interna juntamente com Kamenev e Stalin. Nessa luta, Trotsky publicou mais tarde uma brochura, "As Lições de Outubro", explicando detalhadamente suas opiniões, primeiro sobre o outubro em 1917 na Rússia e depois também sobre o outubro de 1923 na Alemanha. E aqui se pode encontrar a lenda de outubro na sua forma mais radical e, se quiser, clássica. As sentenças que importam são:

"ponto 2, Alemanha. Mais interessante ainda é a questão do revês do proletariado alemão em outubro do ano passado. Lá se viu na segunda metade do ano passado uma demonstração clássica do fato de que uma situação revolucionária extremamente favorável, de importância histórica mundial, pode ser perdida".

Esta, portanto, foi a lição: uma situação revolucionária extremamente favorável tinha sido perdida pela liderança e, para Trotsky, isto se refere em primeiro lugar a liderança do Comintern.

5. O começo da revisão da lenda de outubro

Mas, nesse ponto, começa então uma virada na opinião e nas afirmações das instancias oficiais, tanto na Rússia como na Alemanha. Porque agora se tratava de provar, em relação a Trotsky, que tanto suas opiniões a respeito de outubro de 1917 na Rússia como sobre outubro de 1923 na Alemanha, tal como por ele apresentadas, eram erradas. Só então é que começaram a se interessar pela questão de quais eram as condições objetivas na Alemanha de 1923: se realmente era certa a afirmação espalhada por Maslow, tolerada por Zinoviev e aguçada por Trotsky, de que, em 1923, objetivamente, a Alemanha tinha todas as condições para uma revolução, da mesma maneira como tinha a Rússia em outubro de 1917. E assim começou, agora do lado oficial, a revisão dessa opinião, a revisão da lenda do outubro esquerdista.

Quero mencionar agora alguns textos muito característicos, embora não para todos. Primeiro, quero citar algumas considerações do camarada Bukarin, tiradas dum artigo publicado no Pravda sobre "As Lições de Outubro":

"De acordo com a concepção do camarada Trotsky, o erro consistiu na perda da oportunidade. Teria sido necessário entrar na luta decisiva a qualquer preço e a vitória teria sido nossa. O camarada Trotsky faz uma análise e comparação completa com o outubro na Rússia. Aqui como lá havia regras. Lá decidiram- se pela ação — segundo a pressão de Lênin — e venceram. Sem a pressão de Lênin — não houve decisão e o momento foi perdido. Agora porem, sob influencia da revolução russa de outubro, dedara-se que as forças não eram suficientes para uma luta decisiva. Isto, de acordo com o camarada Trotsky, é o esquema dos acontecimentos alemães."

"Mas também aqui, pela avaliação de 1924, tivemos o reino do esquerdismo e o reino mais triste de cinzenta abstração. O camarada Trotsky descreve como teria sido escrita a história, se no CC russo os opositores da insurreição tivessem sido a maioria. Falar-se-ia então que as forças eram poucas, que o inimigo era terrível, etc".

"Tudo isso convence somente superficialmente; provavelmente a história seria escrita dessa maneira, mas isso não prova de maneira nenhuma, que as forças da revolução alemã em outubro de 1923 foram mal avaliadas. É especialmente errado afirmar que o momento era clássico. Pois a Social-democracia mostrou-se muito mais forte do que nós pensávamos. Uma analogia com o outubro russo é pouco adequada. Na Alemanha não havia soldados armados a favor da revolução. Não podíamos lançar como rein vi dicação a bandeira da paz. Não existia um movimento dos camponeses. Não existia um partido tal como o nosso. E alem disso mostrou-se que a Social-democracia ainda não estava superada. Estes fatos concretos então tinham de ser refutados. No período dos acontecimentos decisivos o Comitê Executivo da IC se declarou a favor da Unha de outubro (sublinhado por Bucharin). Agora que esta sofreu um revés graças às circunstâncias objetivas e que o insucesso graças à linha direitista era maior do que necessário, o camarada Trotsky, que apóia precisamente a ala direita oportunista que tenderam à capitulação e o qual combate repetidamente os "esquerdistas" dá à sua concepção uma base teórica "profunda", desferindo golpes nos círculos dirigentes da IC."

"Porem é totalmente inadmissível manter alguns dos erros que o camarada Trotsky mantem ainda hoje. Entre as Hções (as verdadeiras Hções) do outubro alemão está aquela de que antes da ação é preciso por em movimento as massas. Esta tarefa, porem, ficou muito para trás. Em Hamburgo, por exemplo, durante a insurreição, não existiam Conselhos e nossa organização partidária não era capaz de engajar as dezenas de milhares de grevistas na luta. Na Alemanha toda faltavam os Sovietes. Na opinião do camarada Trotsky era certo que os Sovietes foram substituídos por Conselhos de Empresas. Na realidade esses Conselhos não eram uma compensação, sendo que não representavam a massa toda, incluindo a mais atrasada e mais indiferente, como fizeram os Sovietes em momentos críticos e tensos da luta de classes."

Assim escreveu Bukarin contra Trotsky em 1925 e, bem entendido, era o Bukarin que naquele tempo conduziu a luta contra Trotsky com a maioria do Politburo, com a maioria do CC do partido russo.

Nesse debate sobre a revisão da lenda de outubro, também interviu Kuusinen, o secretário do Comintern de hoje. Também interviu Krupskaya, a esposa do camarada Lênin e, finalmente, participou também Stalin.

Kuusinen, num artigo contra Trotsky, disse:

"Precisa-se acrescentar que momentos como a existência ou não existência de um exercito de milhões ao lado da revolução foram negligenciados não somente por Trotsky, mas também por Maslow e outros camaradas"

Krupskaya disse contra Trotsky:

"O camarada Trotsky quer que se estude o outubro. Ele querporem estudar o papel dos indivíduos e das correntes no Comitê Central. Mas não é isso que se deve estudar, e sim a situação internacional nos dias de outubro, como era a relação das forças de classe de então. Essa questão Trotsky não reparou. Por isso ele subestima o papel dos camponeses. Também, precisa ser estudado a situação do partido em outubro. Trotsky escreveu muito sobre o partido, porem troca o partido pelos dirigentes. A direção do partido, separada do partido quanto à organização, não havia conseguido vencer".

"O camarada Trotsky não entende o papel do partido no seu todo e tampouco o papel da unidade do partido. Para ele o partido significa o conjunto da direção (liderança). Também agora o camarada Trotsky é de opinião que a bolchevização consiste na escolha dum conjunto de dirigentes adequados. Tal ponto de vista puramente administrativo é errado. Mais certo seria a avaliação do papel e da importância das massas, como os bolcheviques fizeram em outubro. Trotsky esquece este lado da questão."

"Na avaliação dos acontecimentos alemães o camarada Trotsky negligenciou a passividade das massas"

A camarada Krupskaya ressalta também as circunstâncias objetivas, a situação das forças da classe em outubro de 1923 e diz que é decisivo se investigar e esclarecer estas forças e não os fatores subjetivos em que Trotsky se baseia.

Por fim quero citar ainda uma constatação de Stalin, não diretamente ligada, mas de referência próxima, numa manifestação frente ao camarada Wilhelm Hertzog que o interrogou a respeito. As palavras do Stalin de então elucidam (claramente) a maneira como a questão sobre o ano de 1923 tem de ser colocado acertadamente, as quais são as condições para a vitória da revolução proletária num país como a Alemanha em princípio.

Disse Stalin:

"Esta circunstância não é a única condição própria da revolução alemã. Para a vitória da revolução alem disso é absolutamente necessário que o Partido Comunista represente a maioria da classe operária, que o Partido Comunista se torne a força decisiva da classe operaria".

É absolutamente necessário que a Social-democracia seja destruída e desmascarada, que seja diminuída a uma minoria insignificante da classe operária. Sem isso a ditadura do proletariado é impensável. Para que os operários possam vencer eles precisam ter uma vontade que os entusiasme, as massas dos operários têm que ser conduzidas por um partido que possua a confiança irrestrita da classe operária. Quando existem dois partidos em concorrência no seio da classe operária, e da mesma força, então uma vitória duradoura e firme, até em condições propícias, é impossível. Lênin, especialmente no período anterior à revolução de Outubro, insistiu nesta prioridade, considerando-a a pré-condição essencialparaa vitória do proletariado."

O que diz Stalin aqui significa que uma vitória duradoura e firme do Partido Comunista e da revolução proletária somente é possível quando o Partido Social-democrata já esteja reduzido a uma minoria insignificante, quando a grande massa dos operários já seguirá unida a liderança comunista. Pondo esta questão em relação ao ano de 1923, indagando-se se em 1923 a influência do Partido Social-democrata já era reduzida a um fator insignificante, isto tem de ser negado absolutamente. Isto absolutamente não era o caso.

Com isso a revisão da lenda esquerdista de outubro era iniciada. Porem não foi levada até o fim e, por isso, temos que tratar da questão que foi colocada corretamente pela camarada Krupskaya: a questão das forças objetivas de classe, a questão das relações de forças diretas entre a KPD (PCA) e a SPD (PSA), a questão dos verdadeiros fatores de poder.


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Inclusão 10/04/2013