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É IMENSA e dolorosa, a lista do longo martirológio dos heróis do Partido Comunista Francês, tombados no solo nacional pela libertação dia pátria do jugo do invasor hitlerista. Mas é também uma lista radiosa de glória e impressionante de valentia e grandeza, lista de exemplos notáveis de tenacidade e paciência, de nobreza e dedicação, que nos exortam a manter o nosso ânimo à altura de suas virtudes cívicas.
Quantos, entre os mártires da causa francesa, eram nossos amigos muito queridos, aos quais estávamos ligados há muitos anos (para alguns, há meio século) pelas fibras as mais sensíveis, por um inalterável afeto, forjada no âmago das lutas e das provações em comum!
Um pouco de nossa vida se foi com a vida deles, e nossa carne fremiu quando, nas celas de nossas sucessivas prisões, tivemos a triste notícia da execução de nossos valentes camaradas pela soldadesca boche. Já haviam sido iniquamente condenados a pesadas penas de prisão, pelos tribunais militares e suas seções especiais em serviço de comando, ou então injustamente detidos, há meses e mesmo anos, nos campos ditos de "habitação vigiada", e já haviam sido, na maioria, entregues pelos usurpadores de Vichy à guilhotina, ao cadafalso e às balas dos pelotões de execução dos exércitos invasores.
É porque eles muito mereciam da França ferida e de seu povo oprimido, é porque eles lutavam pela libertação de seu território e pela independência nacional, é porque eram ao mesmo tempo ardentes patriotas e comunistas convictos, que os nossos foram presos, detidos, torturados, condenados e executados.
Haviam cometido o crime dc preconizar e defender a única política justa; capaz de salvar o país do desastre e da desesperança. Haviam cometido o crime de reclamar, como garantia da independência total para a França, como garantia de paz equitativa e duradoura, uma aliança indissolúvel com a grande União Soviética, que faria a demonstração de sua força gigantesca e de sua esmagadora superioridade sobre o nazismo bárbaro. Haviam cometido o crime de manifestar o seu amor indefectível ao mais nobre ideal que jamais o ser humano pôde conceber: ao Comunismo.
Juízes mercenários e bárbaros, dóceis às injunções do fascismo, não lhes perdoaram, e carrascos lúgubres fizeram-nos pagar com o sacrifício de sua vida.
Mas os nossos não hesitaram.
Conduziram-se, todos eles, como bravos e morreram de alma serena, com sublime coragem.
Morreram com a firme esperança, a absoluta certeza de que a sua obra seria continuada, que ela viveria e duraria, aumentando e desenvolvendo-se sem cessar, até aos mais gloriosos triunfos. Morreram com a satisfação de haver elevado ao mesmo tempo a honra, o prestígio, a autoridade de seu Partido e de seu país. E se morreram antes de haver visto abater-se o que a Marselhesa chama o "estandarte sangrento da tirania", na lama sangrenta, da capitulação incondicional e antes de ter vivido as horas inebriantes da vitória final cantada nas estrofes da Internacional, tiveram eles, pelo menos, o consolo de havê-la pressentido e de havê-la preparado com toda a energia do seu ser.
ENTRE eles, entre os maiores. — Gabriel Péri. É preciso um esforço sobre nós mesmos para admitirmos que Péri haja desaparecido para sempre de nossas fileiras, tão viva e penetrante era a impressão que ele exercia e deixava em nós. Parece-nos vê-lo ainda ir e vir, entre nós, com o seu inalterável bom humor, sua delicadeza, sua fina ironia, sua naturalidade distinta e sua natural elegância. Poucos são os homens dc sua envergadura que demonstraram, com tantos dons e méritos, tão grande reserva e tão simples modéstia. Ele unia em si dons extremamente raros numa só pessoa, a verve brilhante do verdadeiro jornalista e a cálida eloqüência do grande orador.
Ele elevou, — pelo vigor de sua pena livre, sempre alerta e disposta, sempre pronta à réplica decisiva, pelo relevo impressionante e o brilho original de seu estilo claro e preciso, por sua competência erudita e sua documentação que jamais falhava — o renome de nosso jornal L'Humanté, através de todos os continentes, até os países os mais longínquos. Seu artigo diário era um arsenal de irrefutáveis argumentos, onde bebiam os militantes mais destacados, bem como os mais humildes. O artigo era, com o editorial, o que atraía em primeiro lugar a atenção constante do órgão central do Partido Comunista Francês. Péri tinha a faculdade de deslindar os problemas mais complicados da política internacional, os quais se tornavam límpidos no seu cérebro lúcido, e de iluminar as situações mais confusas e mais obscuras.
Porta-voz autorizado do grupo parlamentar do Partido Comunista Francês na Câmara dos Deputados, senhor absoluto de si, dominando o assunto, sempre bem disposto, sabia, pelo atrativo de sua voz, persuasiva, patética, pela ordenação magistral de seus discursos, pelo rigor de sua dialética, forçar os inimigos mais obstinados a que o ouvissem atenta e respeitosamente, para além do cenário parlamentar, era ao povo francês que ele se dirigia com seu coração e sua razão, e quando ele falava em reuniões públicas, o seu tom comovia os corações, abalava as entranhas, impressionava as inteligências, cativava os espíritos e arrebatava as multidões com pungente entusiasmo. Suas palavras, seus atos, se confundem com as palavras e os atos do Partido Comunista Francês. Sua ação se confunde com a política comunista em prol do pão, da liberdade e da paz, em prol da França e da República. Sua Pátria e seu Partido. Ah! como Gabriel Péri os amava!
Toda a sua vida é feita de devotamento, de abnegação para com eles. Jovem liceano de 16 anos, já lhes ouvira o apelo; quer a sua pátria grande e generosa. Eis porque aderira às Juventudes Socialistas, ao Partido Socialista o qual, após o congresso de Tours, em 1920, se tornou, pela maioria de dois terços, o Partido Comunista. Na primavera de 1921, é preso e condenado à cadeia pela primeira vez. Em 1923, é encarcerado na Prisão da Santé, onde faz a greve da fome durante onze dias, ao fim dos quais é transportado ao Hospital Cochin, para ser alimentado à força. Gabriel Péri torna-se em 1924, membro do Comitê Central do Partido Comunista Francês e chefe do serviço de política exterior em L'Humanité, e até à sua morte gloriosa ele estará a serviço de seu país e de seu Partido.
Chegamos então aos períodos movimentados.
1933 É o advento do fascismo na Alemanha. É o monstro Hitler e seus malditos asseclas no poder. O maior perigo que a humanidade jamais conheceu está lá. Gabriel Péri sabe que os bandidos nazistas vão passar à ação no plano internacional, para dominar o mundo e assegurar a dominação dos trustes. Sabe que, antes de desencadear o ataque geral, o autor de Mein Kampf, bíblia de canibais, buscará aliados entre os outros gangsters do fascismo, tentará dividir as grandes potências, aterrorizar as pequenas nações, corromper os futuros quislings e espalhar em todos os países as sementes da provocação e da traição.
Com força e extraordinária clareza, Gabriel Péri prepara o libelo de acusação impiedoso do nazismo, — regime de ódio, de ferocidade e de guerra. A França jamais poderia fazer face sozinha, com os seus 40 milhões de habitantes, às pretensões expansionistas do imperialismo alemão; é preciso portanto uma política de segurança coletiva, é preciso organizar, segundo a expressão de Maurice Thorez, a "ronda da paz", é preciso uma política de amizade sólida com a União Soviética, nossa natural aliada. Defende então a França-, como sempre fizera, desde o início de sua atividade de comunista francês, como o fizera convidando o povo francês a dar ajuda e assistência à China republicana, covardemente agredida pela clique militarista do Japão imperialista.
Que acerbo vigor nas suas palavras proféticas, alguns anos mais tarde, quando a Itália de Mussolini invadiu a Etiópia. Flandin, presidente do Conselho, e Laval, ministro das Relações Exteriores, vão a Roma e assinam um pacto de abandono com o ditador fascista, autorizando o roubo, o rapto, a violência. Na tribuna da Câmara dos Deputados, os discursos se sucedem. Eles aprovam Laval e seus acordos de Roma.
Gabriel Péri é mandatário do Partido Comunista Francês. Sobe à tribuna. Fala discretamente. Diz a verdade. Dá o alarma. Não, o pacto franco-Italiano não porá fim aos insaciáveis apetites do ogre fascista. Não, o pacto franco-italiano não porá fim às pretensões mussolinescas sobre Nice e a Savoia, sobre a Tunísia e a Córsega. Não, ele não afastará o César de fancaria da sua amizade com o ditador nazista. A segurança da França exige, não a concessão de prêmios à agressão, e sim torna necessárias as sanções. Infelizmente, serão sabotadas. A segurança da França nos impõe sustentarmos os países que tenham interesses idênticos aos nossos e de tudo fazer para preservar ao mesmo tempo a integridade territorial e a sua independência nacional.
Sozinhos, os deputados comunistas, conscientes de sua responsabilidade, defensores dos verdadeiros interesses da Nação, votam contra os acordos de Roma. E Gabriel Péri, fazendo eco às palavras de Maurice Thorez, conclama os franceses e as francesas, todos os homens e mulheres do mundo a que organizem a ronda da paz, a ronda da paz para impedir o isolamento da França, a ronda da paz para pôr termo à abominável chantagem da guerra do fascismo internacional, a ronda da paz para impedir as capitulações diante do fascismo, com as suas perigosas conseqüências, tanto no plano social quanto no plano da segurança do país.
Mas o espírito de servidão já habita o cérebro dos homens de Estado franceses.
O fascismo, no plano interno, é a escravidão, o aniquilamento do indivíduo num rebanho submetido ao ditador, instrumento das oligarquias financeiras. O fascismo é o sangue e a lama, é o horror e a vergonha. O fascismo, no plano externo, é a política de aventuras e de provocações. O fascismo é a guerra.
Pois bem, desgraçadamente, os homens de Estado franceses vão deixar que Hitler lhes dite a lei, vão deixar que Hitler e Mussolini realizem o plano deles na Espanha e cerquem a França. Fascismo a leste, do outro lado do Reno; fascismo ao Sudoeste, do outro lado dos Alpes; não tremem à idéia de que haverá outro fascismo do outro lado dos Pirineus.
Mas Gabriel Péri se ergue para estigmatizar o cruel engodo da política dita de não-intervenção, a qual permitirá à Alemanha hitlerista e à Itália fascista assassinar a República espanhola, amiga da França, permitirá reforçar em cada país uma quinta-coluna às ordens e às expensas delas, permitirá ocupar posições estratégicas, tendo em vista a guerra que elas preparam.
Como não evocar emocionado as duas sessões memoráveis e dramáticas da Câmara dos Deputados e os discursos pronunciados na tribuna, a 4 de dezembro de 1936, por Gabriel Péri, e a 5 de dezembro de 1935, por Maurice Thorez e Jacques Duclos. Gabriel Péri sobe à tribuna e, ao iniciar as observações que o grupo comunista o encarregara de apresentar, declara:
"O problema central da nossa discussão é daqueles a respeito do qual criticamos a política do governo, a respeito do qual não dissimulamos o nosso desacordo. Eu me proponho a dizer os motivos da nossa crítica e do nosso desacordo, persuadido de que, em semelhante matéria, a franqueza é a forma mais segura de lealdade.
Senhores, essa circunstância bastaria para conferir ao nosso debate o seu característico de gravidade, porém, ainda mais, a Câmara francesa delibera quando a paz jamais conheceu tantos perigos reais. Para além de uma fronteira próxima, processa-se uma prova de força, já precedida de outras, sem dúvida, porém cuja importância sobrepuja as demais. Em face dessa prova, a atitude da Europa, a atitude da França em particular, fará jurisprudência. O destino da paz ou da guerra depende disso. A Europa inclinar-se-á, ou dirá "não". Segundo ela se incline ou diga "não", isso significará que ela estará ou não pronta a se submeter aos empreendimentos de domínio, de expansão e de guerra. Segundo ela se incline ou diga "não", isso significa que ela se resigna à guerra ou que está resolvida a impor a paz" .
É no quadro geral que ele aprecia a política vergonhosa praticada pelo governo francês não pode admitir que a independência da Espanha nem tam-[FALHA NO TEXTO ORIGINAL]
mentos da Espanha. Ele situa o aspecto jurídico e o aspecto político do problema.
Exclama:
"A 18 de julho, na Espanha, um governo regular, vindo de eleições recentes, dirigidas e controladas, aliás, por um gabinete da direita, eleições não contestadas, eleições confirmadas por escrutínios ulteriores, um governo republicano vê erguer-se contra si militares que traíram as suas funções e violaram o juramento de fidelidade que eles haviam voluntariamente renovado depois das eleições de 16 de fevereiro.
Eis o aspecto jurídico do problema e eis o seu aspecto político.
A rebelião, surgida na Espanha, foi inspirada e preparada fora da Espanha, preparada há muito tempo, com grandes despesas, como testemunham notadamente os documentos tão pertinentes, descobertos em Barcelona, no domicílio dos chefes e das organizações rebeldes.
A Espanha não é senão o biombo duma tentativa de expansão do estrangeiro".
Gabriel Péri faz, em seguida, a luminosa demonstração de que o que se passa na Espanha a partir de 18 de julho não é apenas a democracia que se defende contra o fascismo, é a Espanha que defende a sua independência nacional contra uma tentativa de dominação e de conquista, e explica que o governo francês não pode admitir que a independência da Espanha nem tão pouco a sua dominação pelo hitlerismo não estejam ligados diretamente à paz da Europa e à segurança da França.
"Ora, a França", constata ele, "cessou, por decisão unilateral, de reconhecer como válidos os compromissos tomados por ela ao assinar, em dezembro de 1935, um tratado comercial que regulava as relações entre os dois países no que diz respeito notadamente ao fornecimento de armas. Tal decisão é, pois, uma forma de intervenção, já que o governo francês modificou, de início, a correlação de forças no campo de batalha espanhol e o modificou em detrimento da República".
Aplausos vigorosos crepitam nas fileiras comunistas.
E eis que, numa espécie de visão profética, Gabriel Péri, depois de enumerar as desastrosas conseqüências da "neutralidade num sentido único", faz prever que, em futuro próximo, a Tchecoslováquia, a Rumânia, a Bélgica podem transformar-se em nova Espanha. Escutemo-lo dirigir-se aos partidários da nefasta política dita de não-intervenção:
"Ser-nos-á interdito falar de lei internacional, falar de segurança coletiva, falar de Sociedade das Nações, se nos recusarmos a paralisar essa nova forma de agressão. Deveremos resignar-nos a dobrar o joelho diante dos culpados de guerra, se não pusermos os povos pacíficos ao abrigo de nova forma de agressão; ou, melhor, senhores, se não o fizermos, só nos restará lançar os olhos para os países da Europa balcânica e danubiana, pensar na agitação dos guardas de ferro da Rumânia, olhar a Suíça, olhar a Bélgica e perguntai a nós mesmos qual será a próxima Espanha.
Por outro lado, o perigo de guerra, não é evidente que ele se agrava na medida mesma em que o cerco da França suscita todas as ambições e aviva todos os apetites? A obra da paz nada terá ganho no dia em que França tiver três fronteiras a defender, em que as suas comunicações marítimas estiverem comprometidas.
Vós bem sabeis que não são apenas hipóteses fantasistas, que um estatuto de autonomia já foi, de fato, concedido à zona espanhola de Marrocos onde, desde o dia 18 de julho, a influência alemã prepondera. Vós bem sabeis que, a despeito de vossas démarches e das garantias do sr. Mussolini, a Itália se instalou nas ilhas Baleares.
Aos que nos dizem: "Não nos ocupemos a não ser com os interesses da França", tenho bem o direito de responder: Não estão aí os interesses da França? Não são esses interesses tão legítimos quanto os das grandes companhias bancárias, financeiras ou industriais, que, desde há muito, sugam a Espanha?"
Por certo, Gabriel Péri conhecia bem o argumento supremo que tentavam opor-lhe. A política de não-intervenção é a única, diziam-lhe, que permitiu a aliança franco-britânica.
E Péri replica, severo, decisivo:
"Mas porque a aliança franco-britânica teria como contrapartida obrigatória e necessária a nossa aceitação da aventura dos generais rebeldes, a nossa aceitação da hitlerização da Espanha?"
Acrescentava:
"Que valeria, afinal de contas, uma aliança franco-britânica que, em vez de organizar a barragem frente aos aventureiros, harmonizasse a sua desistência?"
E terminava a magnífica exposição com este apelo patético:
"Ainda pedimos ao governo francês que restabeleça a normalidade de suas relações com a Espanha. Que não se diga, que num mundo onde a paz e a liberdade são bens indivisíveis, a França preferiu fazer vergar o direito, a trazer, no interesse mesmo da sua própria segurança, sua colaboração à salvaguarda dum povo amigo, na defesa de uma democracia corajosa, na salvação da grande paz humana".
No dia seguinte, 5 de dezembro de 1936. Maurice Thorez intervinha no grande debate, no curso do qual teve de enfrentar vitoriosamente as interrupções dos Felipe Henriot, dos Tixier Vignancourt, dos lbarnegaray, dos Wiedeman Goiran e dos Pierre-Etienne Flandin. Dizia ele:
"O fascismo é a guerra. Ninguém, de boa fé, pode negá-lo, depois da agressão de Mussolini ao povo etíope, membro da Sociedade das Nações, depois dos golpes de força repetidos de Hitler contra os tratados que deviam garantir a paz do mundo e a segurança de nosso país, e, enfim, depois da intervenção dos dois ditadores em favor dos rebeldes espanhóis. A intervenção dos fascismos italiano e alemão, na Espanha, é contra a França e a Inglaterra, é a ocupação de posições estratégicas tendo em vista a guerra que Roma e Berlim preparam".
Maurice Thorez insistia nestes termos:
"Quase direi que isso é o começo da guerra. Hitler e Mussolini querem a França e a África do Norte, assegurar-se o domínio das comunicações no Mediterrâneo. Querem ameaçar-nos diretamente pelo Sul.
"Aqui tornamos a encontrar a política da velha Alemanha imperial. Os arquivos do Ministério dos Negócios Exteriores, em Madri, permitiram revelar as conversas que tiveram lugar, de um lado, em Madri, nos dias 5 e 10 de outubro de 1915 e 11 de março de 1916, entre o marquês de Lema, Ministro dos Negócios Exteriores da Espanha, e o embaixador alemão, e, do outro lado, em Berlim, nos dias 17 e 18 de novembro de 1915, entre os serviços alemães e o embaixador espanhol. A Alemanha propunha à Espanha entrar na guerra ao lado dos impérios centrais, garantindo-lhe a posse de Gibraltar e Portugal. "Isolar a França para aniquilá-la", é o objetivo proclamado por Hitler em seu livro Mein Kampf".
Foi então que, do alto da tribuna da Câmara, Maurice Thorez, que tinha à mão o texto original, em língua alemã, do livro de Hitler, leu as passagens mais características, onde estão claramente expostos os objetivos da política do III Reich, política de provocação e de aventura, de que se podia ver precisamente o desenvolvimento na Espanha.
A política que Maurice Thorez defendia, que Gabriel Péri defendia, era uma política francesa. Era, antes de mais nada, para salvaguardar a paz ameaçada pelo fascismo, era, antes de mais nada, para garantir a segurança de nosso país, não favorecendo o plano hitlerista de isolar e aniquilar a França, que o Partido Comunista Francês pedia ao governo que cessasse enfim de tratar a Espanha republicana desprezando os princípios elementares do direito internacional.
"Sim, para nossa honra, pela honra de nosso país", exclamava Maurice Thorez, "para sua própria salvação, a França deve fazer cessar o bloqueio que assassina a República”.
Thorez trazia a prova de que não havia neutralidade na Espanha, o que havia era intervenção contra a República espanhola. Eis o que declarava:
"Recusar armas a um governo legítimo, é aplicar-lhe uma sanção. É bem assim que a Sociedade das Nações compreendia quando decretava, no ano passado, o embargo de armas contra a Itália, culpada de agressão. Mas as sanções, mesmo votadas unanimemente, não foram aplicadas à Itália; no entanto, devido à iniciativa do governo francês saído da vitória da Frente Popular, foram aplicadas à Frente Popular espanhola, culpada de resistir ao assalto do fascismo internacional".
Em Genebra, Alvarez del Vayo pôde dizer com razão que, na prática, o que se chamava de não-intervenção, se traduzia por uma intervenção efetiva, direta e positiva, a favor dos rebeldes.
A União Soviética se recusava a tornar-se cúmplice da agressão, e sua atitude enérgica era saudada com entusiasmo pelo mundo dos trabalhadores e dos democratas. O jornal do Partido Trabalhista, o Daily Herald, escrevia no dia 8 de outubro de 1936:
“A declaração soviética será recebida com misto de alívio e vergonha; alivio porque um governo teve a coragem de tomar essa iniciativa, vergonha porque esse governo não é o nosso".
Porém os apelos de Maurice Thorez, como os de Gabriel Péri na véspera saudados pelos aplausos comunistas, esbarraram na acentuada hostilidade de toda a Câmara dos Deputados.
Jacques Duclos, nas declarações de voto, mostrava que a Espanha era a pedra de toque da tentativa generalizada de escravidão.
"Se, por desgraça", dizia Jacques Duclos, "o que nós não queremos acreditar, a Espanha republicana perecesse, seria a vez da França, da França da grande Revolução, da França dos direitos do homem, da França de passado de luta em defesa da liberdade, ser vítima dos golpes dos modernos bárbaros. O povo francês sente isso. Ele compreende instintivamente que deixar que os inimigos do nosso país se instalem, desprezando o direito internacional, do outro lado dos Pirineus, não é servir à causa da paz. Livremo-nos de encorajar os provocadores de guerra".
Contudo, à exceção dos comunistas, todos os outros deputados aprovaram a política de não-intervenção e deixaram o campo livre aos agressores nazistas e fascistas. Não ouviram as palavras saídas das entranhas da França popular. Fecharam os olhos às duas realidades internacionais, e abriram o caminho aos monstros hitleristas, cujo sonho era dominar a humanidade lançando-a ensangüentada aos seus pés.
EFETIVAMENTE, enquanto o Partido Comunista Francês multiplicava os avisos e as objurgações, os governos franceses iam de concessão em concessão, de capitulação em capitulação, até à humilhação e à desonra de Munique.
Munique, continuação da política de covardia inaugurada por Laval; Munique, continuação dos Acordos de Roma, que somente os comunistas não ratificaram na Câmara; Munique, continuação da capitulação de Flandin a 7 de março de 1936, diante de Hitler; Munique, continuação da nefasta iniciativa da não-intervenção; Munique, continuação da anexação da Áustria pelo III Reich, realizada com o consentimento da França e da Inglaterra, embora fossem garantidoras da independência da Áustria. Era, de cada vez, um golpe contra a França, um golpe contra as democracias, um golpe contra a paz.
Hoje em dia, reconhece-se que havíamos visto certo e que tínhamos razão.
Mas não é o próprio Léon Blum que escrevia em Le Populaire de 13 de outubro de 1938 o seguinte?
"Não há uma mulher, um homem em França para recusar ao sr. Neville Chamberlain e a Edouard Daladier seu justo tributo de gratidão. A guerra foi afastada, afastado o flagelo. A vida retornou à normalidade. Pode-se voltar ao trabalho e encontrar o sono. Pode-se gozar da beleza de um sol de outono.
E nós lembramos que Séverac escrevia que "sua alegria era sem sombras e que Paul Faure intitulava um dos seus artigos em Le Populaire:
"A vitoria da paz" onde ele indicava que estivera ao lado governo Daladier—Bonnet e que aplaudira Chamberlain.
Porém, no mesmo dia, 1.º de outubro de 1938, Gabriel Péri escrevia na primeira página de L'Humanité:
"Não participamos da brigada dos aplausos. Não escrevemos que o acordo de Munique salvou a paz. Nós registramos que o sr. Daladier acaba de subscrever o espedaçamento de um povo livre. Estamos convencidos de que a ameaça que milhões de homens correm na França e na Europa é mais grave hoje do que era ontem.
"Não aplaudimos, porque não é da tradição francesa aplaudir violações do direito. Não aplaudimos, porque estamos convictos de que a segurança francesa foi enfraquecida e que o acordo de Munique é um Sédan diplomático. Os que retornam de Munique com tal bagagem podem experimentar ser perdoados. Falta-lhes porém pudor, quando contaminados, tomam poses de Primeiro Cônsul, de pé em seus carros. Não! Nós não aplaudimos! Escutamos, envergonhados, o comovedor e patético protesto do general Syrovy".
É honroso para o. Partido Comunista Francês ter tido, — nessas horas pesadas de angústia, onde se decidiam, não apenas a existência de um povo amigo, a existência da Tchecoslováquia como nação livre e independente, como também o destino de nosso país, o futuro da França, como também o destino da humanidade inteira, — a coragem de designar a data de 29 de setembro de 1938 como a maior traição jamais perpetrada por um governo republicano contra a França, contra o povo, contra a democracia.
No dia 21 de setembro de 1938, oito dias antes da capitulação de Munique, perante o Comitê Central do Partido Comunista, Maurice Thorez já dera o balanço da situação criada pela primeira capitulação de Berchtesgaden, já denunciara o monstruoso projeto Chamberlaín-Daladier-Hitler e já expusera a nossa palavra de ordem de sempre: União da Nação francesa, para salvar nosso povo, para salvar a paz.
Na terça feira, 4 de outubro de 1938, foi a vez de Gabriel Péri se levantar, na Câmara dos Deputados, contra o escandaloso acordo de Munique, que comprometia a causa da grande paz humana e que sacrificava a segurança da França. Ele dispunha apenas de um quarto de hora para exprimir a opinião do Partido Comunista Francês, e soube utilizá-lo com a maestria costumeira e magnífico talento.
"Não tendes o direito de tomar esses ares de triunfadores" dizia ele a Daladier, cujo arrazoado havia sido difícil e embaraçado.
"A barreira da Tchecoslováquia protegia a Pequena Entente e a Entente balcânica, guardava as estradas para a bacia do Danúbio, para os Bálcãs e para a Ásia Menor. Essa barreira não protegia somente vidas tchecoslovacas, protegia também vidas francesas. Vós a jogastes por terra em três conferências. Condenastes a Tchecoslováquia à asfixia econômica. Vós a condenastes a entregar, intacta, à Alemanha a sua linha Maginot, até então guardada ciumentamente em segredo, construída pelo modelo da nossa, construída a pedido e sob o controle da França, com um capital de 20 milhões".
"Fizestes algo de mais grave ainda, matastes esse elemento da força das democracias: a confiança dos povos. Acabastes de demonstrar ao mundo que era imprudente e perigoso ser amigo da França".
Gabriel Péri estigmatizava então o antigo presidente do Conselho Flandin, cujos cartazes, pregados nos muros de Paris, justificavam a capitulação. Mostrava que o campo das reivindicações estava aberto à Alemanha hitlerista e que iria se alargando sempre.
E tais reivindicações, onde seriam doravante formuladas?
Gabriel Péri o esclarecia;
"Numa Europa onde tereis ainda alianças e amigos? Não, depois de Munique, essa Europa não mais existe. Elas serão formuladas no clube dos "quatro" (donde afastastes a URSS), sob calorosos aplausos da Alemanha hitlerista e dos inimigos do pacto franco-soviético, os quais vos aconselham voltar à política do arame farpado".
Gabriel Péri mostrava em seguida que o clube dos "quatro", que o diretório europeu — cujo primeiro ato fora o sacrifício da Tchecoslováquia, cujo segundo ato seria a Espanha — se inscreveria na História como uma:
"Santa Aliança anti-proletária e antidemocrática daqueles que sonham com um Seis de Fevereiro internacional".
E novamente, apontando para o signatário da capitulação de Munique, fitando Daladier, o nosso Gabriel Péri dizia-lhe:
"Não batizeis a isso com o nome de paz. A paz nada tem a ver com o triunfo do egoísmo de classe. A paz, é necessário tornar a ganhá-la. Tornar a ganhar a paz, isso significa fazer esquecer a página sombria que acabastes de escrever, significa parar o plano inclinado, afrouxar a pressão sobre a Europa central e sobre os Pirineus, significa entregar de novo aos povos, que a perderam, a confiança na assinatura da França.
É a tal esforço que nós nos vamos consagrar.
Não é a primeira vez que, na sua história, nosso povo terá corrigido os desfalecimentos dos governos.
Assinastes a derrota sobre o corpo mutilado dum povo livre. É contra vós que ganharemos a batalha da paz".
Depois desse discurso acolhido por longos aplausos nas fileiras comunistas, todos os chefes dos outros partidos, — Luís Marin, Léon Blum, Baréty, Frossard, Bergery, Guesnier e Sandubray, democratas populares, manifestaram a confiança de seus partidos no governo dos muniquistas.
Passou-se à votação, que foi muito disputada, e às vinte e duas horas, o presidente da Câmara dos Deputados deu a conhecer o resultado do escrutínio sobre a política externa. A confiança no governo foi votada por 535 votos, contra 75. Votaram contra Munique apenas os 73 deputados comunistas, Bouly deputado socialista da Costa de Ouro e Henri de Kerilis.
Atlee, o chefe da oposição trabalhista, declarara na Câmara dos Comuns:
"Os acontecimentos dos últimos dias constituem uma das maiores derrotas diplomáticas que a Inglaterra e a França jamais sofreram. É, certamente, uma vitória formidável para o sr. Hitler".
Atlee acrescentava:
"A França tem grave responsabilidade nesse desastre; ela se encontra jogada na categoria de potência de segunda ordem".
Enquanto que Churchill proclamava:
"Estamos presenciando um desastre de primeira grandeza para a França e a Grã-Bretanha. O sistema de alianças na Europa central, com que a França contava para sua segurança, foi literalmente varrido".
Mas, na França, somente Maurice Thorez e Gabriel Péri mantinham, em nome do Partido Comunista Francês, uma linguagem de patriota clarividente.
Releio o magistral discurso de Maurice Thorez no Velódromo de Inverno, local das nossas grandes reuniões políticas, no dia 29-9-1948. Depois de dizer ao governo de capitulação Daladier—Bonnet que se retirasse, que deixasse o lugar para um governo digno da França, depois de haver denunciado o novo crime que se preparava contra a Espanha, da qual se queria fazer uma segunda Tchecoslováquia, ele apontava a linha de resistência, através da qual era necessária, dali por diante, quebrar os esforços criminosos dos fazedores de guerra e de seus cúmplices.
Maurice Thorez tinha razão, Gabriel Péri tinha razão. O Partido Comunista Francês tinha razão. Os fatos o demonstraram.
QUAL o francês, digno desse nome, que não se sentiria impregnado de confiança e fé no grande Partido Comunista Francês que deu prova de tanta perspicácia, clarividência e sabedoria? Por ocasião do aniversário da execução de Gabriel Péri, nós insistimos particularmente sobre a não-intervenção e sobre Munique, porque datam dali as desgraças da Pátria.
É um título autêntico de glória para Gabriel Péri ter sabido interpretar, com fidelidade, a linha do Comitê Central do Partido Comunista em política externa.
E durante todo o ano, de setembro de 1938 a agosto de 1939, — enquanto o povo francês tremia de inquietação e horror diante da política de rapinagem e terror dos malfeitores de Berchtesgaden, enquanto o povo francês estremecia de angústia e de receio em face da política de concessão a Hitler e de provocações e calúnias anti-soviéticas, — Gabriel Péri, em seus artigos diários de L'Humanité, em seus estudos dos Cahiers du Comunisme, em seus discursos na Câmara, em suas intervenções nas sessões do Comitê Central, em dezenas de comícios através da França, conclamava o povo francês, conclamava os democratas à vigilância e à união na ação anti-fascista.
Gabriel Péri defendia a França.
Mas os serviçais do III Reich velavam. Mas os agentes estipendiados de Abetz agiam. Queriam impedir, a qualquer preço, que a ronda da paz se organizasse e que as grandes democracias, — a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e a URSS — pudessem, de comum acordo, dispor os seus recursos econômicos e militares para esmagar, no nascedouro, toda tentativa de agressão hitlerista.
Vieram então as campanhas de ódio contra a União Soviética. Todos os jornais franceses, com raras exceções, como L'Humanité, faziam pouco no seu poder industrial, agrícola e militar; desprezavam-na, ridicularizavam-na, injuriavam-na. A União Soviética propunha compromissos preciosos entre a França, a Grã-Bretanha e ela própria; davam de ombros, tergiversavam; recusavam passagem às tropas soviéticas pelo território polonês; excluía-se a União Soviética. Favorecia-se a Hitler.
Gabriel Péri continuava a defender a França.
Ainda o vejo sentado perto de mim no bureau n. 9 da Câmara dos Deputados, defendendo a política justa do Partido, justificando brilhantemente a nossa carta de 1º de outubro de 1939 ao presidente da Câmara dos deputados, reclamando a convocação do Parlamento e insistindo, com energia, sobre a imperiosa necessidade de uma aliança total, sólida e leal, sem reservas, entre a França e a União Soviética.
Mas houve a "guerra de mentira".
Péri é perseguido, cercado, procurado por aqueles mesmos que não fazem a guerra a Hitler, mas preparam a guerra na Finlândia e na Síria contra a União Soviética, aqueles que desejam uma bala para a nuca dos comunistas e que fazem a guerra contra o povo francês. Porém Péri é Péri, é um comunista, é um francês. Ele continua no seu posto de combate, na clandestinidade.
Depois, é o desastre, é a traição, é o solo pátrio conspurcado pela invasão: nossos direitos e nossas liberdades são esmagadas. O frio, a fome, as trevas, da opressão se abatem sobre a França.
Mas a idéia da libertação, da independência, do renascimento da França não abandona Gabriel Péri. Ele continua a luta. Continua a ser um símbolo de fé patriótica e de flama comunista.
É preciso reconquistar tudo que estava perdido, tudo que foi entregue pela traição de Vichy. Gabriel Péri multiplica os seus estudos e artigos sobre a situação na França e no exterior, os quais aparecem nas numerosas publicações clandestinas do Partido Comunista Francês. Tais estudos e artigos contribuem poderosamente para a mobilização da opinião pública contra Hitler.
O nazismo se enrola nos ouropéis socialistas. Peri, no seu livro “O nazismo não é o socialismo", esclarece, até nos seus pontos mais recendidos, a gigantesca mistificação do regime da escravidão moral e física do homem.
Enfim, a 18 de maio de 1941 desabou sobre nós a terrível notícia da prisão de Gabriel Péri, levada a efeito pela polícia de Vichy.
É a prisão da Santé, a cela estreita que ele reparte com seu companheiro de luta, nosso herói Jean Catelas, o qual será guilhotinado no pátio da Santé.
A Santé regurgita de patriotas franceses, na grande maioria comunistas, jovens e velhos, todos militantes experimentados, alguns crianças mesmo. Comungam todos no mesmo fervor. Poder-se-ia crer estarmos no tempo dos primeiros cristãos, diziam às vezes os guardas.
Gabriel Péri conserva-se calmo e lúcido. Diz adeus pela última vez a seu camarada Jean Catelas, que vai morrer, murmurando a Marselhesa. Nada o pode abater. Sabe que o mesmo destino o espera. Redige notas autobiográficas e um projeto de defesa, inspirado pela única preocupação de justificar e manter a política do seu Partido a serviço da França.
Escreve, a certa altura, no seu diário da prisão:
"Meu maior contentamento: não reneguei as coisas nas quais acreditei e que amei quando era estudante pobre... Nessa incessante confusão em prol um futuro melhor, fiquei do bom lado. E semelhante sentimento basta para embelezar uma vida humana, para torná-la feliz".
Porém aqueles que ele desmascarara tão completamente e que continuava a desmascarar no dia mesmo de seu processo, tinham resolvido fazer calar para sempre a sua voz. Não são juízes que preparam para ele, são assassinos. Abetz quer a morte de Gabriel Péri porque esse foi o mais temido acusador da agressão hitlerista, porque, desde a invasão, ele conclamou energicamente seu país à luta pela independência nacional. Pétain e Pucheu querem a morte de Gabriel Péri porque temem, no futuro, um dos mais competentes e autorizados vingadores da Pátria traída e entregue ao inimigo nazista.
Mas Péri rejeita enojado as propostas dos que lhe trazem, na cela, vida salva em troco da desonra.
O véu do terror fascista condensava-se em volta da França, em volta de Paris. O terror torna-se mais sangrento, mais feroz que nunca.
Depois, num dia de novembro, 19, a Gestapo interroga Gabriel Péri; promessas, ameaças, torturas, nada o pode fazer mudar de linha de conduta. Ele é e continua francês. Ele é e continua comunista.
A. 15 de dezembro de 1941, consuma-se o crime.
No Monte Valérien, o pelotão hitlerista apontou para o coração, e bastou o tempo de um relâmpago para pôr fim, de maneira sangrenta, a uma vida feita do dom de si mesmo, de coragem e de tenacidade, de probidade moral e intelectual.
Gabriel Péri morre como bravo, como herói.
Porém ele conheceu as primeiras claridades que iluminariam nosso horizonte sombrio, as primeiras vitórias dos exércitos titânicos da União Soviética na ofensiva de inverno, os feitos altivos dos franco-atiradores e guerrilheiros franceses.
Péri aproveita a última noite, na sua cela, para meditar sobre sua vida e para que os seus amigos, a França, o mundo, conhecessem o resultado do seu último exame de consciência.
Redige a sua carta de despedida:
"Domingo, às 20 horas, o padre de Cherche-Midi vem anunciar-me que eu serei, daqui a pouco, fuzilado como refém.
Peço-lhes que reclamem, a Cherche-Midi, os objetos que deixo. Talvez alguns de meus papéis sirvam à minha memória, que os meus amigos saibam que me mantive fiel ao ideal de toda a minha vida: que meus compatriotas saibam que vou morrer para que a França viva. Fiz, pela última vez, meu exame de consciência: ele é assaz positivo. É isso que desejo que vocês repitam no meio dos seus. Retomaria o mesmo caminho se tivesse de recomeçar.
Pensei várias vezes, nesta noite, no que dizia o meu prezado Paul Vaillant-Couturier, com tanta razão, que o comunismo é a juventude do mundo e que ele prepara os amanhãs que cantam.
Vou preparar, daqui a pouco, amanhãs que cantam.
Foi sem dúvida porque Marcel Cachin foi um bom professor que eu me sinto forte para afrontar a morte.
Adeus e viva a França!
Gabriel".
Quantos jovens, quantas mulheres, quantos homens, quantos franceses e francesas tiveram nos lábios estas mesmas palavras sagradas no momento do sacrifício supremo.
Gabriel Péri não mais existe. Seus lábios não mais pronunciarão palavras de fé e de esperança. Porém seu grito derradeiro: “Morro para que a França viva” ficará eternamente na memória dos homens.
Sim, a França viverá. Viverá livre, forte e feliz. Viverá independente e democrática.
A França viverá.
E a Gabriel Péri que consagrou os impulsos do seu coração magnânimo à defesa da pátria, nos repetiríamos se ele ainda nos pudesse ouvir, os versos do ilustre poeta Puchkin, endereçados ao célebre escritor Tchedaren, cirador da oposição liberal contra a autocracia russa, adaptando-os à França:
"Crê, a estrela da radiosa felicidade se erguerá,
A França despertará,
E por sobre as ruínas da tirania
O teu nome escreverá".
Sim, por mais feroz, por mais poderoso que fosse o crime hitlerista, a morte de Gabriel Péri, a morte dos nossos foi mais forte que o crime. A maldição dos séculos perseguirá os nomes odiados dos bandidos assassinos.
Os nomes dos nossos atravessarão a história, aureolados de fervor popular, porque os nossos são dignos de viver eternamente na memória dos homens, porque o sangue deles espalhado formou, por sobre a velha terra da França e da Europa, um longo rio de coragem, de fé, honra e dedicação.
Quanto a nós, comunistas franceses, seus companheiros, nós nos esforçaremos para sermos dignos do heroísmo deles. Se a sua vida foi abrasada de ação e sua morte resplandecente de coragem, é porque encontraram no comunismo as fontes vivas e inesgotáveis para a sua prudência e audácia.
Nós, também, beberemos no comunismo a força para continuar a obra que eles tiveram de interromper. Vingaremos os nossos mortos chamando os vivos para a obra difícil, porém grandiosa, da reconstrução de uma França que queremos ver radiosa de glória e beleza, no primeiro plano das nações livres.
Notas:
(1) Veja biografia de Florimond Bonte. (retornar ao texto)
"Com o aparecimento dos partidos revolucionários marxistas-leninistas, o aspecto do movimento revolucionário mundial modificou-se e a modificação foi tão profunda que o mundo foi abalado de uma forma que jamais os nossos antepassados poderiam imaginar".
MAO TSE-TUNG.
Inclusão | 22/11/2009 |
Última alteração | 30/12/2010 |