MIA> Arquivos Temáticos> Imprensa Proletária > Revista Problemas nº 1 > Novidades
Quando — em relação ao que se passou logo após a libertação da Polônia —, se empregou pela primeira vez em público a palavra "revolução", uma onda imensa de pasmo e incredulidade se levantou na imprensa e na opinião pública.
Lembro-me do, dia ainda em que na redação do jornal para onde colaborava me foi entregue uma carta com estes simples dizeres —: "Tudo estava previsto e ordenado. Falta apenas a guilhotina para os burgueses. Queira aceitar as nossas felicitações mais revolucionárias. Assinado: Marat, Danton, Robespierre".
Tratava-se precisamente da ausência da guilhotina. Essa ausência impedia os amigos e inimigos da revolução polonesa de acreditar que ela se tivesse dado. Uma revolução sem guilhotina, sem prisões bem repletas, sem pelotões de execução nem jorros de sangue nas valetas, sem que um povo encolerizado dançasse a Carmagnole sobre os cornos dos chefes anteriores, onde estava então? Onde estava a revolução polonesa?
Se há quem julgue que uma revolução deve obrigatoriamente comportar os dramas de Saint Sulpice e do Thermidor, — que o seu cenário é, necessariamente, constituído por casamatas e metralhadoras limpando as prisões com o pipocar das descargas — nesse caso a revolução polonesa não passa de uma decepção. É uma revolução bem incolor e pouco teatral. Mas se, pelo contrário, a concepção de revolução corresponde ao nosso espírito a transformações fundamentais, profundas e salutares, à substituição de velhas fórmulas de vida política, social e econômica, por fórmulas novas, impregnadas de espírito moderno — então será possível traçarmos um esquema da revolução pacífica como a que se efetuou na Polônia. Porque é bem duma revolução que se trata. A revolução mais profunda, a mais cheia de conseqüências que a história polonesa conheceu. Só que se desenrolou tão pacificamente que quase se não deu por ela.
Era necessária? A dizer a verdade, esta pergunta comporta duas outras:
Liberta depois de cinco anos de ocupação alemã, a Polônia poderia escolher entre estes dois caminhos: voltar ao estado de coisas de antes da guerra, ou obedecer ao desejo duma transformação progressista.
Voltar ao estado de coisas anterior a setembro de 1939 era relativamente fácil. Bastava repor o poder nas mãos dos homens ou dos elementos que o detinham então. Esses homens se esforçariam por repor a Polônia no estado em que estava antes e aí mantê-la. Por que escolhemos, pois, a transformação? Por que preferimos uma Polônia diferente da que existira antes de 1939?
A Polônia daquele tempo possuía um serviço postal de funcionamento perfeito, uma circulação ferroviária sem falhas, um aparelho administrativo e policial forte e centralizado. Mas a estrutura econômica e social do país, em relação ao resto da Europa, era quase feudal. Desde 1926, isto é, depois do golpe de estado de Pilsudski, todo o progresso natural para uma revolução social, toda a democratização das instituições públicas foram paralisados pelo governo de uma facção que apenas se considerava responsável perante Deus e a História.
A Constituição decalcada sobre o modelo fascista — pela qual o grupo dos coronéis substituiu a Constituição democrática de 1921 — afastara praticamente a nação dos negócios públicos. Os partidos políticos não tinham mais do que uma atividade extra-parlamentar. O camponês e o operário não estavam mais representados no Parlamento, não exerciam qualquer influência na vida pública do país. Seu único meio de expressão era a greve.
A esse estado de coisas tinha necessariamente de corresponder uma política estrangeira apropriada. A facção dos governantes compunha-se de homens que haviam, resolutamente adotado uma atitude anti-russa e anti-soviética. Simultaneamente, a progressão do fascismo nos quadros da vida interna do país afastava, sensivelmente, a Polônia das democracias ocidentais. A conseqüência lógica dessa situação tinha de ser a aproximação com a Alemanha hitlerista e o fascismo dá Itália mussolínica. O fascismo e o hitlerismo estavam mais perto das concepções dos discípulos de Pilsudski do que as idéias de progresso social. Os senhores feudais, os potentados dos "trusts" e dos cartéis, os agentes do grande capital e os coronéis da elite militar, tinham duas preocupações: a democracia política do ocidente e a democracia econômica do Leste. Só lhes restava um aliado inevitável: o fascismo.
Eis porque a Polônia foi o primeiro Estado a reconhecer a conquista da Abissínia. Essa a razão porque as espingardas e granadas polonesas foram em auxílio dos falangistas de Franco, contra os democratas poloneses que se batiam nas fileiras das Brigadas internacionais. A Polônia participou, ao lado de Hitler, do desmembramento da Checoslováquia. A Polônia foi o rochedo contra o qual se despedaçaram as tentativas de entendimento com a Rússia às vésperas da segunda guerra.
A política de hostilidade para com a Rússia soviética, a política de "cordão sanitário" do Báltico ao Mar Negro, a política de opressão das minorias ucranianas e bielo russas, tendiam fatalmente a colaborar com a Alemanha ou a aceitar a derrota. Contra a política insensata de Beck, a honra da Nação escolheu a derrota. E teve de sofrê-la porque o próprio governo do país tornara impossível todo o apelo ao auxílio do vizinho eslavo do leste.
Esta política, cuja ponta de lança foi constantemente dirigida para o Oriente, constituiu a desgraça da Polônia desde a época dos Jagellons. Os poloneses recuavam cada vez mais diante da "Drang nach Osten", a marcha para o leste. De cada vez, menos vigilantes se tornavam diante do perigo alemão. Mas, em contrapartida, haviam conquistado ao Leste, pela espada, grandes propriedades territoriais destinadas aos magnatas poloneses.
A luta contra a Rússia tornava-se uma tradição nacional que se desejava manter, mesmo quando a Rússia tzarista deu lugar, nas nossas fronteiras orientais, a uma Rússia nova: a Rússia de Lenin, aquela que, em 1917, declarara caducas as anexações do tzarismo e reconhecera a independência da Polônia. Até em 1939 se pretendeu ignorar na Polônia o perigo alemão, mobilizando-se tudo contra um imaginário perigo do Leste.
Mas o que era essa Polônia que se entregava a uma tal política aventureira nos imensos territórios da Ucrânia e da Bielo-russia? Era uma Polônia de "conquistadores", de comerciantes imperialistas, uma Polônia em busca de expansão, de produtos alimentares ou de fontes de matérias primas?
A Polônia tem sido, e continua sendo, um país cuja população compreende 65% de camponeses. E o interesse destes era que o senhor feudal da Ucrânia não levasse seus filhos à guerra com o intuito de defender as suas propriedades, enquanto nas suas terras propriamente polonesas o problema agrário continuava por regularizar. Se se desejava ir em busca de territórios novos, bastava descobri-los no interior do país onde grandes proprietários feudais possuíam bens imensos, cultivados com o suor do trabalhador rural polonês.
Na Polônia, 56% do solo pertencia aos camponeses e 44% aos grandes proprietários, o que quer dizer que 3 milhões e meio de famílias camponesas não possuíam muito mais terras cultiváveis do que as 1.900 famílias morgadias. 34% da população campesina exploravam minúsculas propriedades de solo pouco fértil, de maneira que o nível material de vida de 7 milhões de seres humanos atingia a extrema miséria. Essa gente que tão pouco produzia, consumia quase nada, o que punha a indústria polonesa na impossibilidade de se desenvolver, e os 8 a 10 milhões de desempregados agrícolas, que não podiam ser empregados em explorações muito importantes, aguardavam inutilmente que a indústria se desenvolvesse a fim de encontrarem trabalho. Círculo vicioso...
A quase totalidade da grande e média indústria estava nas mãos dos "trusts" e dos cartéis. O grande capital era, na sua maioria, estrangeiro. O petróleo, a eletricidade, a indústria química, certas redes de estrada de ferro, as minas de carvão e as usinas têxteis, eram exploradas por capitais alemães, franceses, belgas, ingleses, etc. A mais valia do trabalho da maioria dos operários, os lucros da maior parte das minas e das fábricas, deixavam o pais em vez de enriquecê-lo. Eis porque a Polônia continuava um país pobre, como o são as colônias exploradas pelo capital internacional. De fato, nós não fomos nunca um país capitalista, mas um tipo modelo de país de capital estrangeiro. O nosso capitalismo autóctone residia no solo. O capitalismo polonês, eram os grandes proprietários feudais.
Essa classe social gozava de extensos privilégios que pesavam de maneira mais significativa, são só na política exterior e na estrutura política do país, mas ainda na organização do exército e do regime escolar.
Parece, portanto, demonstrado que a revolução polonesa era justificada pela situação do país. Resta agora examinar o que a revolução trouxe à Polônia.
A pacífica revolução polonesa atacou os alicerces do regime da Polônia de antes de 1939. Vibrou o machado nas próprias raízes do mal. Cometeu faltas, mas reparou-as; conheceu períodos de crise, como todas as revoluções, mas cumpriu o seu papel: transformou os fatores reais que regem a vida e dirigem os destinos do país.
Começou-se por uma revolução de ordem psicológica. Pela primeira vez na História, os russos marchavam sobre o Vístula não como inimigos e agressores, mas como aliados e libertadores. Pela primeira vez se realizava a aliança dos países eslavos contra o inimigo secular.
Uma oportunidade única se apresentava: de invertermos a nossa política de hostilidade com a Rússia. A necessidade absoluta desta reviravolta é claramente demonstrada pela história da Polônia. Jamais poderíamos ter dois inimigos poderosos nas nossas fronteiras. Não habitamos nós uma grande encruzilhada da Europa? Na realidade, sempre tivemos de escolher a aliança com um dos nossos vizinhos. Mas não podemos — e muito menos hoje do que ontem — contar com a amizade dos alemães: por que o nosso país constitui um dos próximos objetivos da sua expansão para a conquista do "espaço vital".
Todos os dados da situação eram a favor duma aliança com o vizinho do Leste. Havia apenas que dominar os ressentimentos históricos.
Efetuamos uma reviravolta revolucionaria nas nossas relações de vizinhança com a Rússia a troco de sérias renúncias territoriais ao Leste. Afastamos do caminho um foco de fricções e mal entendidos. Mas em troca ganhamos um amigo e um aliado ao Leste, e recuperamos antigos territórios poloneses ao Oeste.
Para realizar tudo isso houve que violentar a opinião e expormo-nos à impopularidade de patriotas de vista curta. Mas não há ninguém hoje na Polônia que negue o caráter sagrado da nossa nova fronteira sobre o Oder e Nissa de Lusace. E por isso mesmo, ninguém que não aceite, em suma, nossas fronteiras com a União Soviética. Porque nós não poderíamos defender uma Polônia que fosse do Oder até às antigas fronteiras polono-soviéticas senão por razões demográficas.
A partir da libertação da primeira parcela de território polonês, a Constituição democrática de 1921 foi restabelecida. Mas esse regresso à democracia não passaria de teórico se não tivesse sido apoiado por uma mudança real das condições sociais e econômicas que impediam praticamente toda a democratização da Polônia desde 1918.
Trata-se, em primeiro lugar, da reforma agrária. A revolução ia atacar o fundo do problema. Por decreto de 6 do setembro de 1944 foi criado na Polônia o Fundo Nacional Agrícola. Todas as propriedades feudais que haviam pertencido aos alemães e aos traidores, assim como todas aquelas cuja superfície passava de 50 hectares, quando situadas na Polônia central, e de 100 hectares na Polônia ocidental foram tomadas pelo Fundo Nacional Agrícola e divididas. As terras assim recuperadas foram distribuídas pelos camponeses não proprietários, pelos proprietários de fazendas pequenas e médias e pelos trabalhadores agrícolas. Dos dois milhões de hectares aproximadamente que caíram sob o golpe da reforma agrária, 1.350.000 já foram distribuídos. Os antigos proprietários foram indenizados sob a forma de uma renda vitalícia; o montante dessa renda, que corresponde à pensão dum capitão reformado, é reversível aos filhos até à maioridade. Os bens da Igreja foram excluídos da reforma agrária.
Esta transformação efetuou-se sem incêndios de solares, sem massacres de grandes proprietários, sem motins nem violências. E todavia a Polônia conheceu a revolução de 1846 em que o campesinato exasperado se lançou contra os castelos, incendiou e degolou. Mas a pacífica revolução agrária dos anos 1944-1945 tem repercussões importantes na vida política. Deu azo ao nascimento de uma camada camponesa economicamente independente. A indústria alcançou consumidores no mercado interno, porque o poder de compra de milhões de agricultores aumentou consideravelmente. A classe dos grandes proprietários de terras foi substituída na arena política por uma nova classe de agricultores de independência econômica.
O camponês tornou-se proprietário de todo o solo da Polônia. A terra pertence, desta forma, aos que cultivam. A democracia polonesa nasce do seu solo.
Após este esplêndido início no caminho do progresso social e econômico, o Parlamento Provisório Polonês aprovou por unanimidade a lei sobre a nacionalização da grande e média indústria. Essa indústria achava-se, então, na sua maior parte, sem dono. Os alemães haviam comprado quase todas as usinas e as minas que tinham pertencido antes da guerra ao capital estrangeiro. Haviam expropriado também os proprietários poloneses e judeus. A lei sobre a nacionalização da grande e média indústria não fez, portanto, mais do que ratificar um estado de fato: a administração efetiva pelo Estado da indústria tomada aos alemães ou abandonada. Esta lei, por outro lado, não fez senão obedecer à necessidade de colocar nas mãos do Estado um poderoso instrumento de reconstrução. Em virtude dessa lei todas as indústrias-chave, isto é: as minas, as estradas de ferro, a indústria pesada, as centrais elétricas, os grandes bancos, assim como as empresas industriais que empregavam mais de cinqüenta operários por equipe, tornaram-se propriedade do Estado a 3 de janeiro de 1946. Praticamente, 40% das empresas industriais na Polônia acham-se assim nacionalizadas. Os cidadãos poloneses ou originários dos países aliados, proprietários de empresas nacionalizadas, têm, nos termos da lei, direito e indenização. Deste modo, 30% dos proprietários de empresas nacionalizadas serão indenizados.
Estas duas reformas capitais, a reforma agrária e a nacionalização da grande e média indústria, não significam a socialização da Polônia. Idênticas reformas se efetuaram já em muitos Estados capitalistas. Alguns realizaram, há muito tempo já, a reforma agrária. E muitos outros efetuam hoje a nacionalização das indústrias-chave. Se nos adiantamos ao Ocidente, não foi senão depois de séculos de vida retrógrada.
A Polônia baseou o seu regime econômico na propriedade agrícola privada, não numa economia coletivista. Mesmo depois de ter nacionalizado a grande e média indústria, a Polônia continua sendo um país onde 60% dos operários da indústria trabalham em empresas particulares. O desenvolvimento destas não é de forma alguma entravado, porque a lei admite a extensão da empresa privada, tanto do ponto de vista da produção como do número de operários empregados, sem que por isso essa empresa possa ser ameaçada de nacionalização. Paralelamente à lei de nacionalização, foi aprovada uma lei de proteção e encorajamento à iniciativa privada, à qual é reconhecido um lugar importante na economia polonesa e garantido o livre desenvolvimento.
Se é portanto duma revolução que se trata, é apenas em relação ao estado retrógrado em que se achava a economia da Polônia antes de setembro de 1939.
A nossa revolução sem violência abrange ainda dois outros domínios de grande importância para a vida do país: ensino e o exército.
No que diz respeito ao ensino, graças ao aumento do número de escolas e a extensão do auxilio do Estado, foi assegurado a igualdade à juventude operária e camponesa. O sistema de subvenções e bolsas de estudo franqueou largamente as portas das escolas e das universidades aos filhos das classes sociais até então deserdadas.
Possuímos hoje mais escolas e universidades do que antes da guerra, apesar das terríveis perdas sofridas tanto em edifícios, instituições e laboratórios, como no pessoal de ensino. Existem hoje nas nossas escolas e universidade mais filhos de operários e camponeses do que existiram durante os vinte anos que precederam a guerra.
O mesmo se dá com o exército. O grau de oficial tornou-se acessível aos filhos dos camponeses e dos operários. O exército deixou de ser uma casta. O corpo de oficiais é largamente aberto a todas as camadas sociais do país. Ao lado dos antigos quadros, encontramos hoje oficiais da ativa de origem camponesa ou operária. Pela sua estrutura social, o exército representa realmente a Nação. O critério da admissão nas escolas militares é a capacidade, e não a origem social e o grau de instrução.
Tal é, em resumo, o aspecto da Revolução Polonesa. É possível que, para os outros, ela represente pouca coisa. Para nós, é enorme. Enveredamos pela estrada do progresso. Seguimo-la ao lado das Nações que, mais felizes do que nós, a trilham muito tempo. Sob nenhum pretexto, nem por qualquer preço, consentiremos em desviar-nos dela. Todos os países, todas as Nações passaram, cedo ou tarde, no curso da sua história, por uma revolução mais ou menos grande. As fórmulas da vida envelhecem como a moda. Uma roupa "démodé" deve ser renovada. A revolução é o despojamento brutal de uma roupa antiquada, incomoda que impede os movimentos. Essa roupa, trouxemo-la demasiado tempo. E só a revolução podia fazer verdadeiramente de nós homens da nossa época. O nosso orgulho e a nossa alegria estão em termos sabido realizá-la nas condições mais difíceis. E ainda em termos feito a mais pacífica das grandes revoluções.
Inclusão | 26/05/2007 |