Textos Históricos da Revolução

Organização e introdução de Orlando Neves


DOCUMENTO DO COPCON


I — A SITUAÇÃO ACTUAL
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1. A situação a que o País chegou, em consequência da incapacidade verificada a todos os níveis em resolver os problemas concretos que se têm deparado aos órgãos de poder, desencadeou uma degradação económica geral com o inevitável acentuar do desequilíbrio entre zonas urbanas e zonas rurais e a zona industrial de Lisboa e outras zonas industriais menos desenvolvidas. O acentuado dirigismo e tentativas de controlo do aparelho de Estado por parte dos partidos, com especial realce do P.C.P., levou alguns militares com responsabilidade no processo revolucionário a apresentar documento que se afirma destinado a clarificar a actual conjuntura. Na prática resultou maior confusão, dadas as evidentes ambiguidades contidas no citado documento.

2. Em face disto, torna-se indispensável clarificar, de facto a situação actual, pelo que, deste modo, manifestamos ao País a nossa posição perante o assunto, por considerarmos que compete ao M.F.A. reconhecer os erros até agora cometidos, denunciando, sem tibiezas, as suas causas.

3. A degradação da situação económica, e respectivas implicações sociais e políticas, para amplas massas populares deve-se sobretudo, à falta de definição de uma linha política objectiva e de um programa governamental consequente; não se achou um conjunto de medidas económicas capaz de substituir o vazio criado pela desagregação da estrutura capitalista existente, e mantiveram-se por outro lado, todas as dependências em relação ao imperialismo, com todas as consequências, tais como fecho de fábricas, fuga de divisas, desemprego, pressões políticas descaradas sobre a nossa soberania.

4. O operariado das cidades e dos campos, bem como largos sectores de empregados de serviços, apoiados nas suas organizações de classe e numa rica tradição de luta têm conseguido uma defesa mais eficaz da sua situação económica contra o aumento de custo de vida, ainda que seja o sector mais afectado pelo alastramento do desemprego.

5. Embora amplamente divulgada a criação de estruturas e políticas de apoio a pequenos e médios comerciantes e industriais, constatou-se a sua total ineficácia, verificando-se que pelo contrário, a sua situação foi consideravelmente agravada devido ao aumento de impostos e outros encargos.

6. Os pequenos e médios agricultores do Norte e Centro do País têm visto a sua situação agravar-se constantemente desde o 25 de Abril, face ao aumento do custo de vida, dos materiais e produtos indispensáveis à lavoura, acrescido da dificuldade no escoamento e comercialização dos seus produtos. Não se organizou o Comércio Interno, eliminando a especulação; dos intermediários, e criando uma rede de distribuição que facilitasse a circulação do produtor ao consumidor, com benefícios para ambos. São, sem dúvida, os pequenos e médios agricultores quem presentemente sofrem os efeitos da degradação económica.

7. No campo da Assistência, não se fizeram chegar à província os meios materiais e humanos capazes de responder minimamente às mais prementes necessidades das populações.

8. No entanto desenvolveram-se entre as populações rurais campanhas de esclarecimento e dinamização, que por ausência de uma preparação prévia adequada, não respeitaram, muitas vezes as características sócio-culturais do meio onde se desenvolveram cometendo, em alguns casos, autênticas violentações à consequência e hábitos das pessoas. Estas campanhas, apoiadas em verbalismos despidos de significado para quem eram dirigidas, foram, na maioria dos casos, prejudiciais, pois não foram acompanhadas de quaisquer medidas concretas capazes de demonstrar ao povo que o objectivo era a real melhoria das suas condições de vida.

9. Verifica-se a existência de um clima de desânimo e descrença das populações, desmotivando-as para a Revolução de que são as principais e directas interessadas. As causas deste facto são, fundamentalmente, as seguintes:

  1. A substituição das administrações fascistas das autarquias locais foi feita, na maioria dos casos, por elementos da pequena e média burguesia local afectos ao P.C.P.--M.D.P. / C.D.E., que se revelaram incapazes de solucionar os principais problemas existentes;
  2. A concessão de benefícios pelas Ligas de Pequenos e Médios Agricultores, cuja criação foi ao encontro de um antigo anseio destas classes, foi alvo de um critério de favoritismo relativamente aos seguidores da linha política das pessoas que dominavam as referidas ligas;
  3. As comissões liquidatárias dos antigos Grémios de Lavoura foram totalmente incipientes, não tendo liquidado, até à presente data, coisa alguma, seguindo, no aspecto da concessão de benefícios, critérios idênticos aos referidos no caso das Ligas de Pequenos e Médios Agricultores.

A constatação desta realidade e o crescente descontentamento consequente tem sido explorado pela reacção que, manobrando e instrumentalizando este justíssimo desagrado, conseguiu provocar uma escalada de violência contestatária, levando as populações a uma oposição aberta ao M.F.A., por o identificarem com a linha política responsável por esta situação.

10. A realização das eleições nas condições em que se efectuaram, veio contribuir para confundir o povo quanto aos instrumentos que podia utilizar para controlo do aparelho de Estado e do Poder, dado que:

Tem de se reconhecer um forte grau de responsabilidade ao M.F.A., por ter feito das eleições um ponto de honra, aspecto este bem explorado por forças interessadas neste tipo de eleições.;

11. A inoperância de quatro governos provisórios não é só fruto do dirigismo que o P.C.P. tentou impor infiltrando-se no aparelho de Estado e nos órgãos de comunicação social, pois o P.S., P.P.D. e M.D.P./C.D.E., que neles estiveram presentes, compartilham das responsabilidades que, hoje, procuram despudoradamente escamotear. Dos partidos à direita do P.S., incluindo as cúpulas deste, não se pode esperar mais de que a tentativa de travar e inverter a marcha do processo revolucionário, por forma a garantir os privilégios da alta burguesia e a exploração desenfreada dos trabalhadores.

12. A insistência do M.F.A. em procurar resolver as contradições através de soluções de compromisso, negociadas com partidos burgueses e a cobertura que vem dando a manobras partidárias, provocam o descrédito dos militares perante os trabalhadores.

II —ANÁLISE DO «DOCUMENTO DOS NOVE»

1. Mas a solução da presente situação, pela qual é altamente responsável o M.F.A., não será encontrada com paliativos de direita, como propõe o documento que leva a esta tomada de posição. Não será certamente a manutenção de coligações no governo que permitirá avançar na construção do socialismo. Não é rejeitando conjuntamente a SOCIAL-DEMOCRACIA, O CAPITALISMO DE ESTADO, A DEMOCRACIA POPULAR, e as conquistas das classes trabalhadoras que se permitirá a estas vir a assumir a condução do processo, ou tão só, consolidar as posições já alcançadas. A proposta apresentada conduzirá à RECUPERAÇÃO PELA DIREITA abrindo a esta campo de manobra para a destruição da revolução, mau grado as intenções democráticas e patrióticas, na mente dos subscritores do documento.

2. A perspectiva económica apresentada de reforço de laços com a C.E.E. e a E.F.T.A., reforçará a sujeição do país a uma vergonhosa dependência ECONÓMICA-FINANCEIRA e POLÍTICA, pois quem ainda tivesse ilusões quanto aos seus desígnios, perdeu-as completamente com as últimas exigências apresentadas para a concretização da «AJUDA FINANCEIRA A PORTUGAL». Revitalizar a iniciativa privada através do investimento maciço de capital financeiro estrangeiro, traduz-se na pura e simples da INDEPENDÊNCIA NACIONAL. Não basta para mascarar tal desastre, dizer que também se deve comerciar com o Terceiro Mundo e os países de leste. Nem é abrindo as portas ao Imperialismo que se conseguirá levar a cabo uma descolonização correcta dos territórios ainda sob administração portuguesa e também vítimas de Exploração Imperialista.

3. Não é assumindo uma posição supra-partidária, sem demarcação em relação aos partidos de direita, que se recuperará a credibilidade pois afirma-se pretender construir o socialismo e não alcançar uma democracia burguesa mas ainda capitalista, o que obviamente acontecerá. Como pode um projecto denominar-se de esquerda quando escamoteia o papel das massas e recusa a acção das suas vanguardas?

Como se pode «criticar» o ritmo das nacionalizações?

Será mantendo nas mãos da burguesia a posse dos meios de produção que estes serão postos ao serviço do povo?

Como se pode ignorar o caciquismo e o papel da luta de classes na sua destruição?

Como se pode apelar para a concórdia sem distinguir exploradores de explorados?

4. Concretizando esta fase da análise crítica do documento refere-se o ponto fundamental, que não foi esquecido pelos seus subscritores. Trata-se do ponto fulcral da situação política actual e se refere ao crescendo da actuação do fascismo. Elementos concretos demonstram que o fascismo abandonou as cautelas defensivas para se lançar deliberada e claramente na ofensiva, através de actuações violentas aparecendo descaradamente à luz do dia. Historicamente está demonstrado que personalidades moderadas que pretendem despoletar acções violentas do fascismo por meio de posições conciliatórias, são as suas primeiras vítimas, ou, noutros casos, se transformam nos opressores das massas que pretendem libertar.

III — PROPOSTAS

1. Um programa revolucionário para solução da situação tem de passar, antes de tudo, pela realização do projecto de aliança M.F.A.—POVO, o qual garante a direcção dos trabalhadores na resolução dos seus problemas. Sem esta participação o socialismo é impossível. Há pois que pôr de pé uma estrutura de organização de massas populares, pela constituição e reconhecimento de conselhos de aldeias, de fábricas e de bairros, que sejam os órgãos através dos quais os trabalhadores possam tomar decisões no sentido de resolver os seus próprios problemas. Estes organismos de poder dos trabalhadores terão que ser um instrumento para as soluções económicas, para o planeamento social (escolas, hospitais, habitação, transportes), terão que ser, enfim, os verdadeiros órgãos do poder político, única barreira capaz de se opor vitoriosamente à agressão fascista e imperialista.

2. As soluções económicas para este país, têm de passar por uma alteração da estrutura, fazendo uma reconversão da economia no sentido de um total apoio efectivo à agricultura de modo a que rapidamente venha a produzir uma muito maior quantidade de bens alimentares, cuja compra no estrangeiro neste momento, é um dos factores do nosso défice na balança de pagamentos. Para tal é necessário planificar a agricultura, fazendo! uma revolução agrária, de acordo com a vontade expressa pelas Assembleias de Aldeia e outros órgãos de vontade dos pequenos e médios agricultores e, no sul, geridas pelos trabalhadores rurais, democraticamente eleitos, tendo umas e outras apoio financeiro e técnico que garanta a sua rentabilidade e condições de vida para os camponeses, que os aproximem cada vez mais dos operários da cidade.

3. Devem criar-se mecanismos que permitam o apoio efectivo e imediato aos pequenos e médios comerciantes e industriais, desenvolvendo ao mesmo tempo condições que fomentem o associativismo e cooperativismo.

4. Por outro lado Portugal tem de acabar com a dependência em relação ao imperialismo. Tem, pois, de deixar de depender financeira e tecnologicamente em relação aos países imperialistas, mesmo que para isso se tenha de suspender ou reconverter indústrias que foram implantadas no nosso País para explorarem a mão-de-obra barata dos trabalhadores portugueses.

Neste sentido há que cessar também com a sujeição à C.E.E. e E.F.T.A., que têm praticado uma política de chantagem em relação a Portugal. Enveredando por uma política económica de verdadeira independência nacional, o nosso País poderá então:

  1. Alinhar com os países do Terceiro Mundo, privilegiando a cooperação com as antigas colónias portuguesas, em termos novos de igualdade e fraternidade.
  2. Manter e estabelecer relações comerciais e de cooperação com todos os países do mundo numa base de reciprocidade e vantagens mútuas.

Nestas condições o nosso País ficará em posição de poder vencer o bloqueio do imperialismo, pelas contradições internas deste, uma das quais é a opinião pública dos respectivos países e, principalmente, a solidariedade das respectivas classes trabalhadoras e para os Povos do Terceiro Mundo, para quem o nosso processo revolucionário constitui enorme esperança e factor de unidade e luta.

5. O problema de centenas de milhares de desempregados deverá ser resolvido pela planificação económica, no sentido do pleno emprego. Para tal há que criar postos de trabalho nas agriculturas e na construção civil. Temos consciência que a reconversão da economia posta nestes termos, o início duma planificação socialista, a independência em relação ao imperialismo e a política de pleno emprego, trarão grandes dificuldades e grandes sacrifícios, mas estes têm de ser partilhados por toda a gente. Não se pode pedir que sejam só os trabalhadores a suportá-los. Neste sentido há que baixar muito o ordenado máximo nacional, o que vai tirar privilégios a estas camadas minoritárias da população.

6. Em relação à habitação há que definir uma política justa, que atacando frontalmente os grandes proprietários que fizeram da especulação o seu modo de vida, defenda os pequenos proprietários que através de rendimentos aceitáveis conseguem garantir a sua subsistência e dos seus familiares. Relativamente a este problema há que estabelecer um limite para rendas, entrando em linha a conta com a localização, tipo de construção, número de assoalhadas, etc. As comissões de moradores terão um papel decisivo no estabelecimento do critério adoptável.

7. Quanto ao problema da SAÚDE há que socializar a medicina, garantindo a prestação de serviços médicos na província, incluindo os meios técnicos e humanos das Forças Armadas. Como medida complementar terá igualmente de se proceder à nacionalização da indústria das especialidades farmacêuticas, regulando o seu fabrico de modo a condicionar o elevadíssimo número de medicamentos que apenas se diferenciam pela marca eliminando deste modo as grandes despesas publicitárias actualmente existentes que oneram extraordinariamente os seus custos.

8. Em relação ao ENSINO têm que ser garantidas condições para que haja realmente ensino básico para toda a gente, sendo o ensino secundário e superior subordinados desde já aos interesses das classes trabalhadoras.

9. Para além deste programa genérico, aplicável a médio prazo, que deverá ser discutido, corrigido e pormenorizado, com a colaboração de todos os órgãos de vontade popular e militar, entende-se que devem ser tomadas entre outras MEDIDAS URGENTES as seguintes:

10. Os meios de comunicação social deverão servir este programa, fomentando o debate franco, livre e total sem reservas de condicionalismos, destruindo, de uma vez por todas, qualquer forma de manipulação, dentro do princípio fundamental de que só desta forma se servem os interesses das classes trabalhadoras, e de que as contradições existentes só no seio do povo poderão ser resolvidas.

11. Para garantir a execução deste programa é necessária a definição do poder executivo que se responsabilizará por ele; que terá de ser um poder de transição. Este poder de transição será constituído pelo MFA e por todas as organizações políticas verdadeiramente revolucionárias, que reclamam e defendem o poder para os trabalhadores. Como tal terá de ser garantida como primeira medida e como fulcro do poder a constituir, a realização, de facto, da aliança MFA--POVO. Este poder será a direcção política deste período transitório até à realização da Assembleia Nacional Popular.

IV — ORGANIZAÇÃO INTERNA DAS FORCAS ARMADAS

1. A elaboração de uma proposta como esta que se pretende revolucionária, essencialmente apoiada na aliança MFA-POVO abordando apenas o sector popular, não tratando, ainda que superficialmente o aspecto interno das Forças Armadas constituiria um erro grave, cujas evidentes contradições poderiam assumir aspecto contra-revolucionários.

2. Assim, e de forma muito sucinta, considera-se indispensável que a estrutura interna das Forças Armadas necessita de se repensada a curto prazo visando, sobretudo, os aspectos seguintes:

a) Forma organizativa de classe

b) Regalias sociais

c) Reforço de disciplina

CONCLUSÃO

O presente projecto constitui a única proposta viável e realista que se oferece ao povo português para a sociedade socialista que se pretende alcançar, e constitui uma recusa firme e total ao FASCISMO, à SOC1AL-DEMOCRACIA e ao CAPITALISMO DE ESTADO, formas de exploração que negam a real emancipação das classes trabalhadoras.

VIVA A ALIANÇA ENTRE OPERÁRIOS E CAMPONESES!

VIVA A ALIANÇA INDESTRUTÍVEL ENTRE OS TRABALHADORES E AS FORÇAS ARMADAS REVOLUCIONÁRIAS!

VIVA A ALIANÇA MFA-POVO!

VIVA A REVOLUÇÃO SOCIALISTA!

VIVA PORTUGAL!

continua>>>
Inclusão 18/05/2019