Operação República: a Política de uma Crise
uma análise independente

Fernando Dil e Carlos Pina


4. Questões. Opiniões


capa

O caso “República” foi (é) um punhado de perguntas, de questões, de opiniões. Fizemos duas perguntas. Seleccionámos algumas opiniões.

JOSÉ REBELO GUINOT, CORRESPONDENTE EM PORTUGAL DO “MONDE”.

P: Como vê e que perspectivas traça sobre a Imprensa em Portugal?

R: Inicialmente, terei de invocar a minha experiência em Portugal, como jornalista da “República” e numa “República” diferente, mais precisamente em 1967.

Ser jornalista da “República” que tinha determinadas tradições antifascistas, na medida em que esse jornal não podia fazer qualquer espécie de crítica e com tão poucos recursos financeiros, era limitar-nos a manifestar a oposição a um regime existente através da negação.

Quer dizer, o trabalho nessa altura do jornalista consistia em fazer reportagens das inaugurações, das declarações das visitas, ou então notícias de acidentes.

Devido à sua posição e à impossibilidade de noticiar criticamente, o resultado era, que o jornal limitava-se a fazer o “fait divers”. Portanto, deficiências tanto técnicas, como impossibilidades políticas levavam um jornal como a “República” a ter um conteúdo muito restrito de informação. Os jornalistas, transformavam-se então, neste jornal, como em outros, simplesmente em funcionários burocratas, na medida em que eles dispunham de uma maleabilidade muito restrita em relação à censura.

A falta de informação, de condições técnicas e políticas fazia que o jornalismo em Portugal fosse uma função administrativa, quase uma espécie de escritório que se limitava a transcrever o que os outros jornais já tinham noticiado ou então colar os telegramas.

Esta falta de preparação, que não é culpa dos jornalistas, mas que é uma consequência do sistema em que nós estávamos, reflecte-se na Imprensa que sucedeu ao 25 de Abril de 1974. E como se produziu isso?

Basta analisar jornal por jornal em Portugal, para ver que há uma ausência de crítica e, uma inexistência de conteúdo, que ao nível de trabalho é fundamental.

Por exemplo, há uma manifestação, ou um comício de um partido, o trabalho do jornalista consiste em ir ao lugar em que se realiza o acontecimento e relatá-lo, incluindo os diversos textos das declarações.

Não há nenhum trabalho por parte do jornalista para integrar o comício num determinado contexto político, saber o que ele representa e quais podem ser as suas causas e quais podem ser as suas consequências. Esta atitude do jornalista é falsamente descritiva, feita perfeitamente em termos formais, com uma ausência interpretativa e crítica, em resumo nada jornalística.

Esta é a característica fundamental da actual Imprensa em Portugal.

P: E nessa mesma linha de raciocínio como analisa o caso “República”?

R: Na minha opinião o Partido Socialista fez uma confusão bastante grande entre um jornal livre e um jornal de partido.

Quando se sucedeu esta crise, afigurou-se-me bastante interessante que somente um partido tivesse mostrado o seu desagrado, a sua reprovação em relação à crise dos trabalhadores do jornal.

Portanto, na medida em que houve apenas um partido, neste caso o PS, que manifestou o seu desagrado por o que se passa no jornal, parece-me a mim, que não se trata de pôr em questão a liberdade deste, mas sim de ser contestada a ligação deste jornal com determinado partido.

Parece-me ser extraordinariamente simplista, é o menos que se pode dizer, atribuir ao PC uma influência fundamental e decisiva na luta que se desencadeou no jornal.

O problema é muito mais complexo. Isto é mais uma reacção a um jornal que tinha sempre assumido uma atitude e que depois, por várias circunstâncias, se tornou o porta-voz de um único partido.

Isto gerou uma reacção dentro do jornal. No entanto, quero ressaltar que o PS não protestou pelo que estava a acontecer no jornal, mas sim porque pensava que a sua influência estava em jogo.

COMISSÃO POLÍTICA NACIONAL DO MES, DEPARTAMENTO DE INFORMAÇÃO E PROPAGANDA

P: Como vê e que perspectivas traça quanto ao problema da liberdade de Imprensa em Portugal?

R: O que caracteriza a situação da Imprensa não partidária em Portugal é sobretudo a sua actuação contraditória (que atinge praticamente todos os órgãos de Imprensa) de defesa duma revolução socialista que não está feita. Esta actuação contraditória revela-se da seguinte forma:

Seguidismo quase completo em relação aos centros de poder: qualquer momento da vida nesses centros, as pequenas como grandes decisões da acção governativa são objecto de notícia apologética e acrítica.

Face às contradições e provas de força entre as diversas formações partidárias e o MFA, é adoptada uma perspectiva estática que reprova tudo o que ameaça a consolidação (mesmo aparente) de relação de forças existentes à “estatização”. Raramente essas contradições são vistas numa perspectiva dinâmica cuja resolução não cabe nos quadros institucionais duma democracia burguesa “controlada” (pelos órgãos do MFA).

Esta atitude da Imprensa face ao poder, subordina estreitamente o tratamento noticioso acerca das lutas operárias e quaisquer movimentações populares — de que apreende sobretudo os estímulos à estabilização política (apoio às palavras de ordem oficiais como a batalha de produção) e raramente, os conteúdos anti-capitalistas e revolucionários (afirmação do poder dos explorados e oprimidos). Isto é, o relevo dado a tudo o que diga respeito ao movimento operário e popular é superior ao de qualquer Imprensa em país capitalista: mas o seu conteúdo passa por uma manipulação clara do que são essas lutas na realidade. Previlegia-se assim as dádivas dos trabalhadores ao Ministério do Trabalho (no passado), as afirmações de apoio ao MFA, ao Governo Provisório ou às suas palavras de ordem (mais recentemente) não se dando relevo algum às formas organizativas adoptadas (sobretudo as que ultrapassam o aparelho sindical), aos objectivos mais avançados (como controlo da produção) e às formas mais radicalizadas de luta e menos legalistas — as ocupações de terras, por exemplo, são apresentadas na Imprensa como espaço de aumentar a produtividade.

Esses traços genéricos, a que se podem apontar casos de excepção, como veremos adiante, tornam-se particularmente claros se nos recordamos do papel assumido pela Imprensa e, de modo geral, pelos órgãos de comunicação social, no período que imediatamente se seguiu ao 25 de Abril. Durante um certo período eles foram agentes activos importantes na denúncia do regime fascista, no fortalecimento do consenso democrático, no apoio às movimentações das massas que decisivamente aprofundaram e deram um carácter popular ao processo aberto em 25 de Abril. A consolidação duma aliança defensiva, de conciliação de classes, com expressão principal na coligação governamental (e que ainda não está definitiva, liquidada apenas do 28 de Setembro e 11 de Março) liquidou este trabalho de importância fundamental da Imprensa e, mercê dos controlos partidários atribuiu o papel atrás caracterizado de estabilização (“notável” na actuação da Imprensa acerca das lutas mais avançadas do operariado português — TAP, Lisnave, etc).

A crise desta aliança defensiva (que está na base da coligação governamental, mas também da realização das eleições e de criação de instituições democrático-burguesas (Constituinte) precipita a crise da Imprensa na função de defesa da revolução “por fazer”.

Ou seja, a tomada de importantes medidas de ataque ao poder económico de grupos financeiros e a afirmação da opção socialista do MFA abrem caminho a avanços decisivos para o socialismo. Mas tal entra em contradição com a criação das instituições de democracia burguesa, com a expressão da vontade popular nas eleições burguesas, com a conciliação de classes que a coligação governamental sustenta.

A Imprensa vive, pois, esta contradição da seguinte forma:

Onde a influência das forças políticas que estão interessadas no avanço do processo revolucionário é predominante, esta contradição reflecte-se em toda a sua extensão: a hegemonia cabe dentro destas forças quase sempre às tendências hesitantes e reformistas e estas não são mais capazes do que definir uma atitude defensiva em relação a conteúdos avançados (claramente anti-capitalistas) mas que carecem de concretização. (“A Capital” é a única excepção neste caso).

Onde a influência das forças políticas irremediavelmente comprometidas com a institucionalização da democracia burguesa predomina esta contradição assume a forma de oposição declarada ao avanço revolucionário do processo: é o caso da “República", do “Jornal Novo” e do “Expresso”.

Neste quadro, pensamos que se trata de falsas opções as que colocam os oportunistas de todos os matizes entre “liberdade de Imprensa” e “censura” ou “monolitismo de Imprensa”.

Essa opção é a capa de diversas ambições de controlo partidário e escondem a perspectiva de assalto aos órgãos de Imprensa dos social-democratas (em particular as posições do PS neste campo são transparentes).

A opção revolucionária que se põe à Imprensa portuguesa é colocar-se claramente ao serviço das classes trabalhadoras, tornando a Informação numa arma na construção do poder dos explorados e oprimidos.

Numa Imprensa realmente ao serviço do avanço do processo revolucionário não há lugar ao “fait divers” da política e dos políticos burgueses e toda a actividade jornalística tem de se colocar sob o controlo dos trabalhadores para que nela se reflictam os avanços do movimento operário e popular.

P: Nesta linha de raciocínio como analisa o caso República”?

R: O caso “República” coloca as opções enunciadas com particular clareza: posto em causa o controlo partidário do P.S. (“confundido” com “liberdade” de Imprensa pelos seus dirigentes) a luta de que é pretexto acaba por colocar opções globais claras que inteiramente subordinam a situação e as perspectivas da Imprensa portuguesa. O caso “República” tem como ponto de partida uma luta dos seus trabalhadores contra a orientação contra-revolucionária (enfeudada ao PS), imprimida pela direcção do jornal.

A intervenção da direcção do PS no conflito desmascara qualquer pretenso apartidarismo de orientação da “República”, mas é sobretudo a reacção violenta de todos os oportunistas e contra-revolucionários que pretendem manter uma Imprensa ao serviço e consolidação da democracia burguesa,^bloqueando o avanço do processo revolucionário.

JUAN PLA, JORNALISTA ESPANHOL, ACTUAL- MENTE CORRESPONDENTE EM LISBOA DO “PUEBLO”

P: Como vê e que perspectivas traça quanto ao problema da liberdade de Imprensa em Portugal?

R: Estou profundamente interessado no trabalho dos jornalistas portugueses, porque os vejo, a todos, inteiramente “sacramentados” pela Revolução. A Revolução seleccionou de uma forma drástica os profissionais da Imprensa. Em menos de um ano a Imprensa passou para a mão de um grupo de pessoas muito específicas. Por uma reacção biológica e natural, os jornalistas, sem excepção, proclamaram suas as virtudes revolucionárias. Há muito pouco tempo, quase todos os que hoje sobressaem com o estilo marxista nas suas prosas, não tinham a Revolução para além do seu próprio sangue subjugado. Eram uns pobres infelizes — como eu em tantas ocasiões — ao serviço do medo e da precaução. A inércia perante o servilismo é o defeito principal que pode ter criado raízes na alma dos jornalistas portugueses. Não existe uma fundamental diferença entre o escritor que dizia “amém” ao salazarismo e outro que diz “amém” ao Conselho da Revolução ou Esta claríssima frase que diz — “Ou Revolução ou reacção” — é uma palavra de ordem para o povo desordenado. Toda a inteligência supõe-se organizada nos seus fundamentos: o jornalista inteligente não se regerá na sua complexa tarefa de analisar e referir o complexo, que é a vida toda, por frases tão simples, tão elementares, tão pobres de matiz e conceito. Ao jornalista deve-se supor uma grande dose de crítica, uma grande clarividência do futuro. Quando vejo e leio o “amém” diário da Imprensa portuguesa, penso que ainda não saímos de uma pobre Península subdesenvolvida nas áreas da inteligência crítica. Creio que o grande serviço dos jornalistas portugueses à sua Revolução consistiria em oferecer:

E especialmente, valentes, para não ter medo de parecer reaccionários, visto que “a vitória” foi difícil, mas é “nossa”. Se se alcançou a vitória, porquê os rancores, os resquícios, os insultos, as preocupações pelo que se diz no exterior, o mau humor ou pequenez mental dos que em todas as partes preveem perigos que não são verdadeiros?

Em relação à ideia de que a Imprensa está dominada pelos comunistas, parece-me que é necessário ter uma visão mais serena: se assim é, pior para o PC. Porque a Imprensa, em nível qualitativo, não espelha a qualidade desse grande partido internacional. Eu creio que está nas mãos de alguns “lobos”. Os lobos filtraram-se no rebanho, mas conhecem-se pela sua forma de “comer” e “uivar”. Isto não é precisamente o marxismo. Nem sequer o fascismo. É a inércia profissional. Mas eu sou optimista, porque a liberdade está chegando de verdade a esta terra. Quero sublinhar, que supondo o caso de que sejam os comunistas quem dominam a Imprensa, o povo português não deveria considerar este possível fenómeno como um defeito, senão como uma reacção da própria lógica política. O fundamental e o grave não é que os jornalistas sejam comunistas. O fundamental é que sejam “porreiros”. O grave é que sejam tristes, chorões, covardes, ditatoriais, doutrinários, subjectivos e submissos a um partido, que é só uma parte da Informação total que eles devem manejar. E termino, tão grave como ser do PC., na hora de escrever, seria ser do MFA. A morte do jornalista sobrevêm sempre que o jornalista se esconde à sombra do poder. Conheço esta história na própria carne e como conheço o povo ibérico de ambos os lados, parece-me que estas declarações não sejam agradáveis. Porque eu optei, há muitos anos, por uma profissão, que me torna independente ou me fulmina, torna-me livre ou me inutiliza no essencial E aqui estou, tão franco atirador como Otelo... Ou um pouquinho mais se me permitem.

Eu queria perguntar: quem sabe suficientemente russo neste país, entre os colegas da Imprensa, para me garantir que o que se diz no “Pravda” é a melhor análise de Portugal realizada no exterior?

Estou farto de ler Staline na terminologia da língua camoniana.

P: Nesta linha de raciocínio como analisa o caso “República”?

R: Desde o princípio, pareceu-me estupenda a ideia de que um jornal fosse uma gestão, comum e unânime, de todos os que trabalham.

Quando a Comissão de Trabalhadores do diário “República” organizou o conflito pensei que tudo se iria resolver entre camaradas em liberdade...e no bom critério revolucionário e fraternal.

Quando vi que afastavam Rêgo, pensei que a inoperância e a ineficácia — a todos os níveis — animavam esta “comissão” maioritária e, imediatamente, coloquei-me a favor dos que pediram, que eram os trabalhadores da redacção.

O caso “República” nunca foi para mim, o caso Soares-Cunhal. A nenhum dos dois lhes concedo maior importância do que aos meus colegas, na sua função de fazer um jornal, (compreendo que sou muito optimista, mas entendo que ser jornalista ou ser trabalhador é muito mais importante que ser ministro).

Interromper o andamento de um jornal, por culpa do andamento de um partido, é para mim quebrar a voz e a alma de todo um povo.

Foi uma triste história. Responsabilizo a quem a engendrou e justifico, politicamente, a quem tenha querido emendá-la. “República” deve seguir a linha que outrora seguia.

RAUL RÊGO, DIRECTOR DA “REPÚBLICA”

PComo vê e que perspectivas traça para a Imprensa em Portugal?

R — Veio a Imprensa portuguesa tomar-se cada vez mais monolítica com uma mentalidade sectária da parte de alguns órgãos de Imprensa, que para a função que exercem e pela sua posição junto do povo português deveriam ser órgãos de concórdia.

A nacionalização prática de quase todos os jornais não correspondeu a uma mentalidade pluralista, mentalidade esta que era a única que correspondia aos interesses e às opiniões de todos os portugueses.

Não vale a pena citar nomes, mas a esta tendência monocórdica só fazem excepção dois ou três jornais diários. Quer dizer que se vive, à parte essas raras excepções, num ambiente de auto-censura e falta de objectividade nos meios de comunicação.

Naturalmente espero que se arrepie caminho neste sentido, porque temos de caminhar. Se assim não for, as perspectivas são as mais sombrias.

P — Nessa mesma linha de raciocínio como analisa o casoRepública”?

R — O caso “República” surgiu na evolução do processo para o monolitismo da Imprensa. Como outros jornais antes, usaram processos menos correctos, acusando o jornal de partidário e sectário, exactamente por ele remar contra o sectarismo e procurar manter a objectividade na sua informação.

O caso “República” é, assim, uma luta em prol da liberdade de Imprensa em Portugal e em prol da verdadeira democracia pluralista.

DEPOIMENTO DE ÁLVARO BELO MARQUES, DIRECTOR INTERINO DA EDIÇÃO DO “REPUBLICA” DO DIA 19 DE MAIO DE 1975.

"Eles necessitavam de um “bode expiatório”. Fui eu”. Assim reagiu Álvaro Belo Marques, na sua única explicação dirigida à opinião pública, após os acontecimentos do dia 19 no “República”, data esta em que o seu nome apareceu no cabeçalho do jornal, no lugar do até então seu director, Raul Rêgo.

Tratava-se de uma exigência da Comissão Coordenadora dos Trabalhadores, de cujo núcleo partiu a decisão de exigir a exoneração da direcção do jornal.

Belo Marques, ex-director comercial da “República”, de cujo cargo, dias antes da crise, pedira a sua demissão, foi, de facto, alvo de acusações de todos os quadrantes do Partido Socialista.

Uma única entrevista concedeu à Imprensa sobre o assunto. Ao “Expresso” (Inácio Teigão), do dia 31 de assunto. Ao “Expresso” (Inácio Teigão), do dia 31 de Maio de 1975. E dela que nos valemos para deixar aqui algumas das suas passagens:

“Espero, sinceramente, que o jornal seja entregue aos trabalhadores. Pois, ou nós acreditamos que se está vivendo um processo revolucionário (...) ou, ao invés, desconfiamos que esse processo não é tão profundo como o povo pensa e teremos de rever juízos opinativos sobre ele. Quanto a mim esta última hipótese já a afastei de quaisquer conjecturas”.

“Se a meia centena e tal de trabalhadores do jornal forem obrigados a retroceder não serão só eles que perdem uma batalha muito importante mas de igual modo a perderão mais de dois milhões e meio de trabalhadores deste país”.

(...) “Todos sabíamos que aquela feição de jornal anti-fascista e patriótico desde sempre representada pela “República” ao longo dos 48 anos da ditadura sálazar-marcelista se estava inexoravelmente a quebrar. De jornal para o povo havia-se transformado em jornal para o PS. E isso era mau. Tanto do ponto de vista económico como do ponto de vista político. A “República passara a constituir um órgão de densa propaganda partidária em desfavor duma informação correcta, impoluta e objectiva direccionada a todas as classes mais desfavorecidas do povo português.

(...) Quantos tal afirmam, outros intuitos não perseguem, a meu ver, do que desviar das massas o verdadeiro cerne do problema, lançando em toda esta luta que opôs os trabalhadores da “República” à sua administração e direcção uma enorme confusão. Na verdade especulou-se muito com os acontecimentos, havendo quem, malevolamente, aventasse que se estava perante um assalto do PC a um jornal que lhe era hostil. Para desmentir tal atoarda posso afirmar que a CCT é composta por elementos das mais variadas colorações políticas. E que nenhum partido goza, dentro dela, de uma maioria absoluta. O que os trabalhadores conseguiram, e no meu entender notavelmente, foi ultrapassar as divergências ideológicas a fim de se irmanarem numa luta que visava — e visa — um objectivo muito concreto: não permitir que a “República”, por mor do seu enfeudamento ao PS caminhasse a passos rápidos para a ruína económica.

Depoimento do Dr. Piteira Santos, numa mesa-redonda publicada pela revista “Flama”, edição de 30/5/1975:

“Eu penso que a Lei de Imprensa tem omissões. Se nós tivermos em conta a cronologia, verificamos que a Lei de Imprensa é planeada, concebida, redigida e, salvo erro, promulgada antes da nacionalização da Imprensa. Digamos que temos uma Lei de Imprensa pré-histórica. Isto é, a Lei de Imprensa não corresponde à história real, concreta, que estamos fazendo, no curso do processo de transformação do País e na situação actual da Imprensa. É uma lei que foi redigida antes das nacionalizações dos jornais, portanto antes de o Estado ter o domínio e a responsabilidade moral no sector da Imprensa, com duas excepções no que respeita à Imprensa diária. Se não tenho nada a opor à existência de um estatuto em que houvesse uma certa dimensão participativa dos vários componentes do processo de produção do jornal, todavia isso só me leva a uma ideia: a de que é preciso criar um Conselho de Redacção mais amplo. Agora, para mim não oferece dúvidas que quem determina o que o jornal é, deve ser o Conselho de Redacção. Se a esse Conselho de Redacção têm acesso, por problemas de cooperação interna do jornal, outros sectores não literários, é apenas uma questão de critério na formação do Conselho. O Conselho ou é um Conselho de Redacção ou um Conselho Político do jornal. Agora, o que não se concebe é que o pessoal de oficina se reúna para dizer: “Não imprimimos isto que nos deram para imprimir.” Isto não é liberdade: é violência contra o direito à liberdade. Porque, transponhamos o problema para o “Diário do Governo”. Eu há bocado perguntei, e perguntei um tanto insidiosamente, o que aconteceria se a dactilógrafa do primeiro-ministro, ou do comandante do COPCON ou do representante do Conselho da Revolução recusasse o inquérito às actividades contra-revolucionárias. Agora, ponho a questão do “Diário do Governo”. Os gráficos da Imprensa Nacional reúnem-se e dizem: “Não imprimimos isto. Não publicamos este “Diário do Governo”, porque há aqui uma lei que é contra o nosso ponto de vista de classe operária.” Isto é legítimo? No dia em que isto acontecer, alguma coisa de grave se passou neste País. Um sector da classe operária passou a uma actividade contra-revolucionária. Porque, no fundo, entrou na lógica da oposição ao poder revolucionário. Ou, então, é esse sector da classe operária que tem razão e o Poder passou a ser reaccionário. Quem quiser que escolha. O que não há possibilidade é que o Poder dito revolucionário seja contrariado pelos seus gráficos (...)

(...) Não pode existir uma lei que obrigue os gráficos a serem do partido A ou do partido B. E até poderíamos pensar por que razões, claras ou obscuras (no caso da “República” é por razões claras), a tipografia da “República” é a tipografia mais à esquerda, homogeneamente mais à esquerda, no conjunto dos jornais diários de Lisboa. Talvez porque a “República” foi, no tempo do fascismo, o único jornal onde era possível, sem ser objecto de repressão, a um gráfico ser antifascista ou ser mesmo um comunista que saía da prisão. Isto é o jornal “República”, pela função que desempenhou durante os anos da mordaça, tem uma oficina constituída por homens que vieram de um certo tipo de resistência ao fascismo. Quer dizer que estes homens podem ser dirigidos contra o jornal “República”? Não: estes homens puderam ser divididos e iludidos numa reivindicação contra a redacção do jornal “República”, por razões que não vale a pena aqui explicitar, mas que são muito pouco dignificantes para quem manipulou a questão. E que talvez não tenha sido — eu creio que não foi — nenhum partido político. O problema que eu penso ser importante neste ponto da discussão é respondermos a esta pergunta: quem são os trabalhadores da Imprensa? E uma pergunta impertinente e pertinente. Impertinente, porque é incómoda. Pertinente, porque é necessário que cada um lhe responda. Porque, se eu estivesse num hospital, também perguntaria: quem são os trabalhadores da Saúde? E se estivesse numa escola perguntaria quem são os trabalhadores do Ensino? E, se não há que negar aos estudantes uma participação no Ensino, se não há que negar aos trabalhadores dos hospitais uma participação na vida sindical dos hospitais, nem a todos os trabalhadores da indústria da Imprensa um papel na sua organização como trabalhadores, há que perguntar quem são os trabalhadores da Imprensa no sentido de saber quem são os trabalhadores de um meio de comunicação social chamado Imprensa. Não vale a pena fazermos demagogia. Os trabalhadores da Imprensa são os que produzem a Imprensa como produção literária. Não são os que produzem a Imprensa materialmente. Uns são solidários dos outros. Não existe produção da Imprensa sem produção tipográfica da Imprensa, ou sem produção “offset” da Imprensa. Mas, o papel fundamental na comunicação social é o de quem escreve o jornal. Se negamos a quem escreve o jornal a sua responsabilidade, nós teremos traduções em estilografia da “linotype”. Temos pessoas que escrevem à máquina ou com uma estilográfica como outras escrevem em “linotype”. Mas o que se pede ao trabalhador da Imprensa é uma outra tomada de posição em relação ao País. Quando falamos de trabalhador da Imprensa falamos de um militante. Pode ser um militante de um partido político, o que é perfeitamente legítimo. E seria absurdo pensarmos que os tipógrafos do “Avante” contestassem o artigo de fundo que lhes é dado para imprimir sem estarem em ruptura com o seu jornal. Não é o jornal a entrar em ruptura com eles, são eles a entrar em ruptura com o seu jornal. Não é o jornal a agredir o tipógrafo, é este a recusar-se a veicular a produção política do seu jornal. E isto parece-me ser um problema muito grave. Se nós transportamos desta Imprensa diária nacionalizada para a Imprensa política um igual tipo de “controle” do trabalhador, é toda a informação ideológica das camadas políticas maioritárias (e o que me parece mais grave, das camadas políticas minoritárias), que está contestada. Pensem, por exemplo, o que seria a atitude dos tipógrafos não partidários de um partido político ao recusarem-se a publicar os materiais desse partido. No que isso teria representado na história do socialismo. No que isso teria representado na história do movimento progressista internacional (...)

(...) Eu volto a insistir que a Lei de Imprensa é uma lei pré-histórica. É uma lei anterior ao 11 de Março e é tal a velocidade do curso — que eu considero revolucionário — de transformação da sociedade portuguesa e das relações interpolíticas e inter-ideológicas e das relações de força na sociedade portuguesa, que, do 11 de Março até hoje, modificou-se muita coisa.

Ainda outra coisa: eu sou partidário das comissões de trabalhadores. Sou partidário das comissões de moradores. Sou apologista de uma democracia de base, duma prática política de base, duma síntese política na base. Mas isso não me impede de ver as consequências que podem advir aos trabalhadores a um nível que não é o da sua afirmação profissional como categoria interveniente no processo de produção, o direito de interferirem na produção de outra categoria sócio-profissional. É que, no fundo, quando os trabalhadores dizem “Não imprimimos”, estão a fazer censura e estão a agredir política e ideologicamente, outra classe sócio-profissional. Eu pergunto ao gráfico comunista que aderiu à reivindicação que levou a paralisar o “República” se ele está certo de que os impressores e os compositores da primeira edição de “O Capital” de Karl Marx eram comunistas ou se não seriam operários capazes da abertura de espírito que os levou a achar que aquele livro, independentemente da adesão a uma obra que ainda não tinham lido, que ainda não tinham estudado, que ainda não tinham meditado, devia ser veiculado, porque a verdade nunca pode ser contra-revolucionária e porque — até vale a pena afirmá-lo mais uma vez — só a verdade é revolucionária?

Depoimento do dr. Marcelo Rebelo de Sousa, publicado pelo “Jornal Novo” (edição de 21.5.75).

“Mal ou bem, pensou-se que seria impossível, dentro do próprio sistema montado pela lei, que um organismo representativo dos trabalhadores não-jornalistas pudesse vir a intervir na direcção ideológica do jornal, de forma tão abertamente contrária às disposições nela contidas.

É curioso sublinhar que, não obstante o caso não ser previsto na lei, eu próprio intervi, durante os trabalhos preparatórios, no sentido de ver consagrada na lei, para além do Conselho de Redacção, a instituição de uma comissão mais ampla, que integrasse trabalhadores não-jornalistas, e que participasse na própria definição da orientação ideológica do jornal. Infelizmente, essa orientação não vingou, especialmente por oposição frontal dos jornalistas que faziam parte da comissão, e o máximo que se conseguiu foi a inclusão de um número 6.º no Art.° 10.°, que pretende defender os trabalhadores não-jornalistas contra pressões de terceiros.

A situação criada pela Comissão de Trabalhadores é claramente ilegal. (...) A lei de Imprensa é bem explícita, a este propósito: a designação do director é de livre escolha da administração embora ratificada pelo Conselho de Redacção, nos termos do Art.° 18.°, n.° 2; e o mesmo acontece em relação ao chefe de redacção, cuja nomeação cabe ao director do jornal; por outro lado, só a administração tem competência, nos termos do Art.0. n.° 3, para demitir o director; e, no caso específico do “República”, aplica-se até o disposto no Art.° 57, que diz que estas formalidades não são aplicáveis, no caso em que o director já o era ao tempo de entrada em vigor da Lei de Imprensa — caso do dr. Raul Rêgo

O Ministério da Comunicação Social limitou-se a actuar como medianeiro, única função que efectivamente lhe compete, já que a lei exclui a possibilidade de qualquer intervenção administrativa. Só que, havendo clara violação do disposto no Art.° 6.° da Lei, configurado como crime de violação da liberdade de Imprensa, o mínimo que se esperaria era que as autoridades, no exercício das suas funções de tutela de direitos, tivessem intervido, protegendo os legítimos direitos da direcção e da redacção do jornal. O Ministério da Comunicação Social, esse, limitou-se a cumprir a sua obrigação.

(...) Em primeiro lugar, há que sublinhar que se uma lei existe, ela tem de ser cumprida. Não faz sentido que tendo a lei sido participada, discutida, até elogiada, assistamos agora a constantes violações frontais do que ela dispõe. Mas esse não é talvez o aspecto mais importante, no plano político, da questão. A esse segundo nível, o caso “República” insere-se dentro do problema do assalto aos órgãos de Informação, intensificado com rara violência, a partir do princípio deste ano. Acredito que haja, na comissão de trabalhadores da “República”, pessoas bem intencionadas. Porém, se o argumento é o de o jornal se ter transformado num órgão claramente partidário, apoiando incondicionalmente as posições do Partido Socialista, eu pergunto: que dizer dos outros 80% da Imprensa, onde a parcialidade existe, só que a favor de outros partidos? Qual a autoridade moral para levantar essa questão a propósito da “República”? Enfim, na minha observação pessoal, a conclusão mais importante a tirar é a de que o PS não tirou, pelo menos até ao momento, quaisquer dividendos das eleições. O PS reage a acontecimentos como este, em termos legalistas, aceitáveis se vivêssemos num regime democrático perfeitamente estável, mas desfasados duma situação revolucionária como a nossa. Por isso, o PS, ao contrário de colher frutos da sua alta votação, acaba por ir perdendo os poucos sectores onde a sua influência ainda era dominante. O seu comportamento é assim, o de um partido democrático numa democracia burguesa, e não, como se impunha, o de um partido revolucionário”.

Carta aberta subsequente de Armando Bacelar, secretário de Estado da Justiça, publicada no “Jornal Novo” (edição de 22.5.75):

“Em meu entender o que aconteceu com o caso da “República” constitui, em face daquela lei, um claro e expressamente previsto crime de Imprensa.

Não me refiro à contrafacção, uso de falsa qualidade do director interino, usurpação e demais actuações que consubstanciam a publicação de um número apócrifo daquele jornal, o que constitui actuação criminosa grave e que salta aos olhos consubstanciar, em acumulação, diversos crimes previstos e punidos pela Lei Penal.

Refiro-me, sim, a que, ainda que tal publicação criminosa se não tivesse feito, haveria sempre, na actuação que levou à interrupção da publicação da “República”, claro delito de Imprensa.

O art.° 6.° do mencionado diploma, que estranho ainda não ter visto citado, é terminante: “Ninguém poderá, sob qualquer pretexto ou razão, apreender ou por outra forma embaraçar, por meios ilegais, a composição, a impressão, distribuição e a livre circulação de quaisquer publicações".

Sendo a orientação do jornal “República” de exclusiva competência do director nomeado pela empresa proprietária através da sua administração, coadjuvado pelo director-adjunto e Conselho de Redacção, nos precisos termos dos artigos 18.° a 23.° daquele decreto- -lei, afigura-se-me evidente que a simples recusa de elaboração do jornal pelo pessoal que tinha obrigação de o imprimir e distribuir, com a invocação de um ilegal direito de intromissão na orientação, assunto inteiramente estranho às atribuições desse pessoal, integra a conduta que o citado art.° 6.° expressamente proíbe.

O art.° 35.° pune tal conduta como crime, nestes termos: “1:— Que violar quaisquer direitos, liberdades ou garantias da Imprensa consagrados na presente Lei, será condenado na pena de multa até 500 000$00. 2 — A responsabilidade prevista no número anterior é cumulável com a responsabilidade pelos danos causados às empresas jornalísticas”.

A comissão deste crime, em relação a todos os seus autores cabe, nos termos do art.° 37.° daquele diploma, acção penal nos termos do respectivo Código de Processo (artigos 37.° e seguintes).

Quando as autoridades do Ministério da Comunicação Social e demais compareceram nas instalações do jornal “República” e lhes foi solicitada a sua intervenção no sentido de restabelecerem a Lei e porem cobro aos embaraços criminosos que impediram a publicação desse jornal, cabia-lhes, como dever irrecusável, usar dos meios de que dispunham para imediatamente restabelecer essa normalidade e repor o cumprimento da lei violada, nos claros e precisos termos do art.° 166.° do Código do Processo Penal e demais disposições que obrigam os agentes da autoridade a fazer cessar as infracções em execução que presenciem, estando a ser cometidas, e levantar auto de notícia, remetendo-o, para efeitos criminais, à entidade competente, pois se trata de crime público.

Foi isto, em meu entender o que não foi e devia ter sido feito.

Era isto o que, sempre em meu entender, se impunha elementarmente que fosse esclarecido pela Imprensa, mas creio não o ter sido até agora.

Depoimento de José Silva Pinto, jornalista, que participou na elaboração do projecto da Lei de Imprensa.

“ Se a situação agora verificada no jornal “República” está contemplada na Lei de Imprensa e daí não foram tiradas todas as ilações apropriadas, o menos que se pode dizer é que a liberdade de expressão neste país corre riscos que não se sabe aonde poderão conduzir.

Trabalhadores lançados contra trabalhadores, divididas as fileiras dos que lutaram e lutam pela liberdade, enquanto o inimigo aproveita para reagrupar as suas hostes — eis a paradigmática situação que, sem dificuldade, se pode extrapolar da “República” um pouco para todo o país.

Para o caso vertente, só se vê uma solução: aplicar a lei. Doa a quem doer. Revolucionariamente. Em nome da verdade e da justiça. A não ser que se considere que o diploma legal não exprime já como na altura em que foi preparado, a “realidade política que se vive actualmente em Portugal”, para recordar a expressão do saudoso dr. Pedro Soares, que a comissão elaboradora do projecto adoptou sem reservas.

Parece oportuno recordar, ainda, outras palavras que Pedro Soares escreveu também para o preâmbulo do decreto-lei: “A presente lei põe termo à fase transitória em que tem vivido a Imprensa portuguesa, dando plena consagração à liberdade de expressão do pensamento pela Imprensa, que se integra no direito à informação”.

Pergunta-se: é a situação criada na “República” um atentado à “liberdade de expressão pela Imprensa”? Está, assim em perigo o “direito à informação”?

Por mim, respondo que sim, que estão em perigo essa liberdade e esse direito. Se a lei não for cumprida, que garantias restam de que mais alguma vez venha à sê-lo?

Ora, a lei diz, claramente, que “o director será designado pela empresa proprietária, com voto favorável do Conselho da Redacção, quando existir, cabendo recurso para o Conselho de Imprensa”.

Durante os trabalhos da comissão elaboradora da Lei de Imprensa sustentei que o voto favorável ao director do jornal deveria ser dado pelo Conselho de Redacção e não por qualquer outro órgão, porventura existente na empresa, atendendo a razões de eficácia e ao facto de ser sobretudo no plano eleitoral que o papel do director se revela fundamental. Do mesmo modo não vejo que para a escolha dos dirigentes dos sectores não jornalísticos haja alguma vantagem em se auscultar a opinião dos redactores ou repórteres. E esses sectores não os consideram menos importante do que a redacção...

Reconhecida como está, mesmo ao mais alto nível, que a lei foi violada, resta perguntar: quem violou a lei?

A essa pergunta vai o Conselho de Imprensa responder, certamente, pois já prometeu aprofundar todos os aspectos da questão. O mais certo, porém, é que a questão se arraste até aos tribunais, pois ao Governo estão vedadas quaisquer medidas administrativas no campo da Imprensa, e não sou tão inocente que acredite que um vento de bom senso, sopre em breve, para os lados da Rua da Misericórdia, refrescando as cabeças, agora demasiado aquecidas pelo arder das lamentáveis cenas que, nas últimas noites, se têm registado à porta do jornal e, de ainda pela chantagem que os dirigentes do P. S. estão a exercer, não comparecendo em Conselho de Ministros, enquanto o caso não estiver resolvido.

Não é preciso ser profeta para prever graves consequências para este caso. Mas não haverá mesmo maneira de a Esquerda se encontrar no essencial, fazendo reduzir a nada as hipóteses de a reacção se levantar do túmulo sempre que uma crise rebente em qualquer “República” deste país?

Álvaro Cunhal:

O caso “República” é um pequeno problema que foi agigantado. Ele insere-se num programa de luta, que põe os trabalhadores ao lado da defesa da liberdade de Imprensa. Esta luta permitiu passar-se de uma Imprensa dominado pelos banqueiros a uma Imprensa livre, que Portugal actualmente conhece.

Os trabalhadores reivindicam o direito de participarem na orientação do jornal. Eu penso que a liberdade de opinião, é também a do tipógrafo que se interroga: devo participar na publicação de material ideológico anti-revolucionário? Mas o caso do “República” é um incidente como o ocorrido no “Jornal do Comércio” ou na Rádio Renascença...

Ao regressar a Lisboa, após a reunião da NATO, disse Vasco Gonçalves sobre as repercussões que ouviu do caso “República”:

“Se o caso “República” entre nós foi exagerado com fins a que viesse a ter repercussões no momento em que íamos à cimeira da NATO, e que daí viesse a distorção dos acontecimentos que se passam em Portugal, se assim se terá passado, esses objectivos foram conseguidos, porque nós tivemos de nos esforçar por explicar claramente aos nossos interlocutores e a toda a gente, numa conferência de Imprensa e aos nossos emigrantes, que as liberdades não estão em perigo em Portugal.”

O secretário-geral do Partido Socialista e ministro sem pasta, Mário Soares, sobre o conflito da “República” perspectivou o caso como sendo um problema que toca o PS num ponto sensível: é extremamente importante por significar para o partido “a luta pela liberdade de informação e de Imprensa em Portugal.”

Considero apenas o “Jornal Novo” e a “República” como órgãos independentes — disse ainda. Os meios de comunicação social continuam a ser manipulados por um partido político. Não posso permitir essa situação, porque não está de acordo com a expressão do povo português.

Em última análise o PS não aceita uma “República” com características de órgão de Informação monótono.

Se o caso “República” não for satisfatoriamente resolvido os socialistas abandonarão o Governo.

(...) Considero difícil fazer prognósticos numa situação revolucionária. No entanto sou optimista. Combati em condições mais dramáticas do que aquelas que conhecemos. Permanecemos fiéis aos nossos ideais e aos nossos princípios e bater-nos-emos por eles dentro do Governo ou na oposição e se fosse preciso, até na clandestinidade. Contudo, estamos longe de uma situação de ditadura, pois se o MFA quisesse transformar-se em Governo ditatorial não teria associado os partidos políticos ao Governo.

A liberdade de Imprensa e o caso “República” foram assim analisados num comunicado que o Partido Popular Democrático emitiu no dia 23.5.75:

“A crise de informação em Portugal tornou-se patente quando, na segunda-feira, a “República” foi ocupada e a Lei de Imprensa, em cuja elaboração colaboraram os principais partidos, violada”.

(...) “a invasão das redacções, as censuras internas, a actuação dirigida de grupos de trabalhadores, diferentes das próprias redacções, tinham gerado um monopolitismo de orientações e um clima de coacção, em que o monólogo se substituiu ao diálogo e a ortodoxia dominante era a única voz possível...

“Importa defender a informação livre. Ela é condição de democracia pluralista e de liberdade”

“(...) O problema do “República” é nacional e ultrapassa posições e até divergências partidárias.”

O Partido Comunista Português, num comunicado difundido no dia 22.5.75, define a sua posição:

“1. Hoje, dia 22 de Maio, o PCP foi surpreendido pela decisão dos dirigentes do PS de deixarem de participar no Conselho de Ministros enquanto não forem aceites determinadas condições.

“Esta decisão aparece inserida numa vasta e histérica acção do PS contra a política e as medidas progressistas do Conselho da Revolução e do Governo Provisório, contra o processo democrático, contra as forças revolucionárias, contra o MFA.

“De momento, o PS toma como pretexto o conflito dos trabalhadores com a direcção da “República”. Mas essa acção vem de trás, intensificara-se depois do 11 de Março e das medidas progressistas tomadas pelo Conselho da Revolução, tendo sido tentada uma grande operação divisionista no 1.° de Maio.

“O PS está actuando, não como um partido do Governo, mas como um partido da oposição, polarizando à sua volta forças reaccionárias e conservadoras, incluindo grupos esquerdistas pseudo-revolucionários.

2. Com as suas atitudes e actividades, o PS falta ao compromisso que antes das eleições tomou ao assinar, tal como o PCP e outros partidos, o pacto com o MFA. Põe, assim, em causa o sistema de Poder existente, designadamente o Governo de Coligação. A direcção do PS toma uma pesada responsabilidade pelas consequências de uma tal orientação e actividade.

3. As atitudes e actividades do PS, secundado pelo PPD e por grupos provocatórios pseudo-revolucionários, estão servindo e animando as forças da reacção.

“O PCP chama a atenção do povo português para a coincidência desta actividade, com as provocações contra-revolucionárias do MRPP, as tentativas de deterioração da situação económica e social, os apelos a greves que não servem os trabalhadores nem o processo democrático, o anúncio de manifestações e concentrações com carácter reaccionário.

4. A acção do PS está fomentando no estrangeiro a campanha caluniosa contra a jovem democracia portuguesa e alimentando com falsos pretextos e argumentos tendenciosos a reacção internacional e os círculos mais agressivos do imperialismo.

5. O PCP tem lutado infatigavelmente pela unidade do povo, pela cooperação das forças democráticas, por um Governo de coligação, pela fraternal aliança com o MFA.

Apesar do violento anticomunismo do PS, o PCP tem insistido no exame comum das relações e da possível cooperação entre os dois partidos. ,

“As posições e actividades do PS podem porém conduzir à impossibilidade do Governo de coligação e de todo o actual sistema de Poder.

“Se o PS destruir com a sua acção o sistema de coligação, tira qualquer razão de ser à própria Assembleia Constituinte, eleita na base do pacto dos partidos com o MFA.

“O povo português não permitirá quê seja posto em causa o processo revolucionário e as grandes conquistas democráticas alcançadas desde o 25 de Abril, e mais particularmente desde o 11 de Março. Não permitirá que seja posta em causa a construção de um regime democrático, a caminho do socialismo.

“O PCP apela para a vigilância do povo português. O PCP apela para a unidade da classe operária, das massas populares e de todas as forças democráticas e progressistas, para o reforço da aliança do movimento popular com o MFA na defesa da liberdade e da revolução portuguesa.”

Na edição de 23.5.75 do “Luta Popular”, o MRPP dá também a sua achega.

“Os social-fascistas têm em relação à Imprensa e aos demais órgãos de “informação”, um plano bem definido: conquistar, o monopólio dos órgãos de “informação”, transformá-los no veículo submisso e uniforme da sua propaganda reaccionária, usá-los para justificar por todas as formas, o seu assalto ao aparelho de Estado. O resultado de tudo isto é que dispõem de fortes posições na maioria dos jornais, transformaram bom número de diários nos seus órgãos oficiosos e têm o monopólio da rádio e da televisão.

Tal monopólio não pôde ser obtido sem vencer a forte resistência dos seus rivais e comparsas “socialistas”. Pouco depois do 25 de Abril estes não hesitaram em fazer com os social-fascistas um pacto para dividir os jornais, a rádio e a televisão em zonas de influência. Segundo os termos desse acordo a rádio, a televisão e os jornais seriam partilhados igualmente entre os partidos “socialistas” e “comunistas”, que colocariam nos vários lugares-chave número sensivelmente igual de fiéis. E para concretizar tal acordo os “socialistas” não recuaram perante nada: despedimento de jornalistas com posições progressistas, provocações constantes ao nosso Movimento e tudo o mais. Nos tempos que se seguiram imediatamente ao 25 de Abril, nada era mais frequente do que ver nos órgãos dominados pelos “socialistas” mas onde os revisionistas dispunham de posições, as mais fortes provocações ao nosso Movimento: feitas normalmente pelos social-fascistas com o beneplácito dos “socialistas”. E era também aí que a cortina de silêncio sobre as actividades do nosso Movimento era mais densa e profunda.

Os resultados de tal política não tardariam a ver-se. Fazer acordos com os social-fascistas é uma daquelas ingenuidades que só aos partidos dominados até aos ossos pelo espírito conciliador e oportunista da pequena-burguesia pode ocorrer. Os revisionistas foram desenvolvendo as suas habituais actividades de sapa, fazendo virar contra os seus sócios as armas que o seu oportunismo lhes tinha colocado nas mãos e agora vemos os “socialistas” lamentarem-se e carpirem-se do facto dos revisionistas terem transformado o “Diário de Lisboa” numa espécie de seus órgãos oficiosos.

No caso da “República”, o que devemos salientar como particularidade, é os revisionistas se servirem da má informação de um certo número de trabalhadores para desencadearem o seu ataque. Certos camaradas da “República” têm na verdade como intenção imporem no seu jornal o controlo operário e desencadearam a luta contra a direcção por nutrirem uma sincera aversão às posições oportunistas e reaccionárias dos seus patrões “socialistas”. Não se dão conta que substituírem Raul Rêgo por um social-fascista, um reles oportunista dos muitos que acorreram nos últimos tempos às fileiras do P“C”P é contribuírem para dar força aos social-fascistas num dos últimos diários de Lisboa que eles não dominavam.

Mas se isto não estava claro para eles ao desencadearem a sua luta, foi sendo clarificado pela que se seguiu: quando a luta foi desencadeada e a direcção afastada, à convocação de uma manifestação pelo PS, seguiu-se o envio de um enorme aparato militar para diante da “República”. Aparato este, que se destilava não, como seria normal a reprimir trabalhadores em luta, mas sim a “defendê-los”. Tal solicitude por parte dos altos comandos militares tinha um significado muito simples: como os social-fascistas manobravam por detrás da luta dos trabalhadores e procuravam servir-se das justas aspirações dos trabalhadores para levarem por diante os seus intentos, as forças armadas não tomavam a sua posição normal e carregavam desta vez, não sobre os trabalhadores em luta, mas sobre os que contra eles se manifestavam. E ao mesmo tempo que isto se dava os dirigentes do partido dito socialista davam o triste espectáculo de procurar opor-se ao assalto social-fascista com a invocação dos termos da lei, procurando que a tropa passasse a intervir a seu favor, fazendo valer os seus “legítimos” direitos.

A posição dos trabalhadores perante tudo isto é denunciar a manobra que transforma trabalhadores em luta em joguetes do partido social-fascista. Os revisionistas estão interessados, não em defender os justos direitos dos trabalhadores, mas sim em transformar a “República” em mais um órgão do social-fascismo, ou, em alternativa em evocar o seu encerramento. A substituição de directores é um bom exemplo do que pode suceder aos trabalhadores que se deixam transformar em seus joguetes: por menos respeito que nos possa merecer a figura de um Raul Rêgo, que quando da sua passagem pelo governo na pasta da Comunicação Social, cobriu com a sua figura muito pouco respeitável, as piores arbitrariedades do fascista Spínola em relação à Imprensa, como a lei fascista da informação, em especial quanto ao nosso jornal, pôr um crápula social-fascista, não é uma mudança que possa ser considerada como uma vitória dos trabalhadores.

A posição que os trabalhadores da “República” devem tomar, através da sua Comissão, é lutarem pela imposição do controlo operário, em especial no que diz respeito ao controlo da informação publicada no seu jornal. Cabe-lhes tomar posição quanto ao conteúdo do seu jornal, lutando porque nele seja dado igual tratamento a todas as posições consequentemente anti-fascistas. Permitir que os social-fascistas se sirvam das suas justas aspirações para impor o seu controlo ainda mais feroz, sobre o jornal seria um erro que pagariam por um preço muito elevado. Até porque aos revisionistas não faltam jornais diários e por isso mesmo, estão acima de tudo interessados em impedir que os seus rivais os tenham, mesmo que isso resulte no encerramento do jornal em causa.”

O Partido Revolucionário do Proletariado — Brigadas Revolucionárias, analisou os acontecimentos na “República” num comunicado logo após o encerramento deste vespertino:

“Manifestações tem-nas havido frequentemente nas ruas de Lisboa, e nessa matéria se tem distinguido um Partido Socialista cuja direcção, alarmada pelo perigo que corre o capitalismo, trás para a rua uma pequena e média burguesias enraivecidas e canalizadas assim para a contra-revolução, uma massa de descontentes extremamente perigosa. As frases de conteúdo abertamente fascista que se ouviam na noite do dia 22 junto às instalações do jornal “República” e dirigidas contra soldados presentes, são bem elucidativas acerca do paralelismo destas manifestações com aquelas a que se assistiu no Chile antes do golpe de Pinochet.

“O PS, que tem uma direcção de direita, faz aqui o jogo que a democracia cristã desempenhou no Chile: mobilizar a pequena e média burguesias, sair com elas para a rua e desencadear, através de manifestações e greves manipuladas, o clima de instabilidade e de caos propício ao golpe reaccionário. As declarações de Raul Rêgo a um jornal brasileiro contra o MFA, são bem elucidativas acerca das intenções do PS quando, ao longo de todo o ano, se desfazia em amabilidades para com esse mesmo MFA.

“Talvez que a explicação para a alteração do comportamento, resida no facto de o MFA de então contar com gente que o 28 de Setembro e o 11 de Março levaram à prisão ou ao exílio...

(...) “A luta dentro do jornal “República” vem na sequência das lutas de galo entre PS e PC, que nada têm a ver com os interesses dos trabalhadores portugueses. Que a “República”, o PS e o Raul Rêgo são sociais-democratas e que o seu antifascismo nunca foi anti-capitalismo é uma verdade que para nós tem longa data.

(...) “O que seria justo não era pôr em causa a Redacção da “República”, mas pôr em causa a Redacção de quase todos os jornais portugueses. Porque a quase totalidade deles são jornais partidários, que disso não avisam o leitor”.

Através de um comunicado emitido no dia 24.5.75 a LUAR marcou também posição:

“Um conflito grave estalou no jornal a “República” entre a direcção, de um lado, e os trabalhadores, do outro. Atrás da redacção e da direcção estão os que detêm a maioria do capital, portanto os patrões do jornal. Há pois aqui um conflito entre o capital e o trabalho, onde os trabalhadores de uma empresa acusam o patronato e a respectiva equipa de quadros (a redacção e o director) de incapacidade profissional e de manipulação ideológica.

A questão é grave porque põe em confronto um partido político, o PS (patrão da “República”) e os trabalhadores, aquele partido acusando estes de serem pró-PC ou por ele manipulados.

Este “caso” da “República” não pode ser apreciado fora da análise dás relações entre esses dois partidos, PS e PC, e do panorama geral da nossa Imprensa diária. Ás lutas partidárias pelo poder têm atingido os níveis mais baixos e sujos enjoando profundamente a classe operária e os elementos progressistas deste país.

Tais “partidarices” sempre as denunciámos como contrárias aos reais interesses de classe e a Imprensa nacional não tem sido mais que um osso disputado asperamente... No caso da “República” não é verdade que os trabalhadores se deixaram estupidamente manipular, eles demonstram sim a sua capacidade de luta autónoma fora do dirigismo cupulista, recusando aí precisamente uma manipulação PS nas colunas do jornal.

A luta dos trabalhadores da “República” é revolucionária, não partidário-cupulista.

Um pormenor picante pode ser observado na manifestação encabeçada por Mário Soares em frente às instalações da “República”: alguns indivíduos com o emblema da “LUAR” na lapela...

Nós podemos esclarecer que a LUAR não se associou a tal manifestice e os indivíduos que aí apareceram emblemados LUAR não são militantes da nossa organização.

A Comissão Política Nacional do CDS emitia um comunicado onde expõe a sua posição:

Após “reconhecer razões para que o Movimento das Forças Armadas se sinta desgostado pelo desenvolvimento de incidentes políticos que ponham frente a frente partidos que fazem parte da coligação governamental”

(...) “nem todas as lutas partidárias são estéreis”, “a tensão inter-partidária é um fruto da liberdade e da democracia, resultante natural que é a rejeição da existência de verdades únicas em política”. (...) “O que está hoje em causa parece ser, a julgar pelo comportamento de múltiplos órgãos de informação e de declarações de responsáveis, o seguinte novo dilema: socialismo sim, mas com ou sem liberdades democráticas”.

(...)“O caso da “República” tem algo a ver com as contínuas referências e críticas que vários partidos democráticos — entre os quais o CDS — têm praticado relativamente a uma correcta perspectiva da opinião pública democrática”. “O caso da “República” não teria porventura sucedido se antes não se tivessem dado o caso da RTP, o caso da Rádio Renascença e outros paralelos.”

O caso “República" tem sido amplamente comentado pela Imprensa estrangeira. Aqui ficam alguns extractos.

Les Echos (órgão de informação económica): “Portugal encontra-se, efectivamente, numa encruzilhada em que a progressiva direcção para uma ditadura militar deixou de constituir hipótese que se possa deliberadamente pôr de parte”.

Quotidien de Paris (diário francês): “O MFA impacienta-se e, enquanto o jornal socialista “República” está ocupado pelos seus operários, o MFA interroga-se sobre a acção a empreender para remediar as divisões dos partidos.”

Cambio 16 (semanário político espanhol): “Lamentamos o encerramento do prestigioso diário, que lutou tenazmente contra a ditadura e confiamos em que a resolução judicial devolverá ao povo português este instrumento.”

New York Times-' “O encerramento do jornal socialista “República” obriga Portugal a dar novo e importante passo para a ditadura marxista e uma possível guerra civil. Só uma rápida inversão de direcção pelo MFA, poderá evitar uma catástrofe. Mas até agora, intervindo ostensivamente para evitar a violência entre os partidos políticos, os militares têm, invariavelmente, tomado decisões que dão aos comunistas exactamente o que estes procuravam ao provocar desordens.”

L’Aurore (órgão da Direita radical): “Por causa dos comunistas, os socialistas perderam o seu jornal e, caso as decisões dos militares revolucionários sejam aplicadas à letra, correm o risco de perderam o seu papel e influência como partido político. Os militares foram muito claros neste aspecto; desejam suprimir os partidos e substituí-los por organismos de massa.

“Assim o fosso aprofunda-se entre os que desejam uma democracia socialista e liberal e os que preconizam um regime revolucionário puro e duro, de modelo para toda a Europa. As posições estão hoje bem definidas, portanto, o povo português assiste impotente a esta disputa, de que depende o seu futuro e que ameaça a paz civil.”

Le Fígaro (diário francês de direita moderada): “Encontra-se aberto em Portugal o caminho para uma ditadura. Passando por cima da vontade popular, manifestada em 25 de Abril passado, alguns militares, apoiados pelos comunistas, parece meterem-se pela ilegalidade, e o paradoxo consiste em ver-se o partido vencedor das eleições obrigado hoje a exprimir-se através de meios quase clandestinos.

“Em Lisboa, o jornal socialista “República” está ocupado pelos operários comunistas, que sequestraram o director e vários jornalistas. Mário Soares, líder do PS, lançou um apelo à população para protestar contra esta nova forma de censura. Vários milhares de pessoas manifestaram-se em frente da sede do jornal para obterem a libertação dos jornalistas”

...“MFA se reuniu em assembleia à porta fechada, enquanto “em Portugal se acumulam os sinais de agravamento das disparidades no seio das Forças Armadas e que o futuro dos partidos políticos está em jogo”.

...“se atribui à facção extremista da esquerda do MFA a intenção de propor a criação de um movimento popular de massas e de obter o afastamento do general Costa Gomes ou então a redução da sua força pela eliminação dos seus aliados a tal ponto que ele seria rapidamente forçado a demitir-se da Presidência.”

L'Humanité”, (órgão central do Partido Comunista Francês) relata as declarações de Álvaro Cunhal: “Uma condenação global dos partidos políticos seria um erro extremamente grave”. Aborda, igualmente, as últimas prisões efectuadas em Portugal e anunciadas oficialmente pelo 1.° Regimento da Artilharia Ligeira. Cita o artigo do “Diário de Notícias”, que perguntava: “Quem detém a autoridade em Portugal?”

“Os trabalhadores reclamam a saída do director Raul Rêgo, antigo ministro da Informação, bem como de outros membros da redacção... Mário Soares, secretário-geral do PS que participava numa manifestação, não foi autorizado a penetrar na sede do jornal, tanto pelos militares, como pela polícia, que impediram a sua entrada”.

REVOLUÇÃO E LIBERDADE (Editorial de "Le Monde , de 21 de Junho de 1975)

O interesse do conflito que opõe os trabalhadores da “Republica” aos jornalistas apoiados pelo Partido Socialista, de Mário Soares, ultrapassa bastante o quadro português. Temos novamente em questão a informação, a sua utilização e o seu monopólio. Entre o “simples conflito de trabalho” e o “atentado à liberdade” de que se lamentam os socialistas, a verdade é menos exclusiva do que se supõe.

Indubitavelmente, os socialistas tem algumas razões para temer que o Partido Comunista Português ou os grupos esquerdistas controlem o conjunto dos meios de informação. Mas, ao reclamar um direito de “controle” dos trabalhadores na orientação dos jornais que eles fabricam, a extrema-esquerda levanta pelo menos dois problemas de fundo, à qual nenhuma revolução poderá esquivar-se. A informação é neutra? Relativamente clara em períodos tranquilos e em sistema democrático é mais ambígua desde que se trate — pelo canal da revolução — de substituir uma “ideologia predominante” por outra.

O atraso cultural de um país, com um longo passado de ditadura obscurantista, toma difícil a aplicação imediata e sem “nuance” de uma liberdade de expressão, que tem muitas vezes tendência para exercer-se em proveito de nostalgias passadas ainda instaladas no “aparelho”. Em Portugal a “liberdade de Imprensa” que defendem os socialistas não tem ainda dois anos e os seus “utilizadores” ainda não estão livres de pensamentos reservados. A tentação é pois grande de sujeitar prioritariamente a informação a uma “missão educadora” sem a qual a revolução ficaria condenada a marcar passo ou impor-se pela torça. A “liberdade” nem sempre é invocada inocentemente.

Mas a experiência ensina-nos também que nem a verdade, nem a informação que que a serve, a favor ou contra, pode ficar muito tempo ao serviço de uma causa sem se degradar ao nível propagandístico. Ora no que respeita à Imprensa, mais do que noutro ramo, é mais difícil reconquistar uma liberdade perdida que defender a existente.

Fanfani, acusa hoje os jornalistas italianos de terem permitido a vitória comunista, denunciando a corrupção do governo cristão-democrata. A Casa Branca irrita-se uma vez mais depois da história do Watergate pelas revelações feitas pela Imprensa norte-americana sobre a C.I.A.. Em França, a união da esquerda pediu um reequilíbrio das informações difundidas pela ORTF. Estes exemplos, se é preciso provam-nos, que a Imprensa não pode ser ela própria sem desagradar aos poderes, sejam eles quais forem. É aí que reside a grandeza e os riscos da sua missão. É também tema de um debate que está longe de se concluir.

Mas os grandes princípios e as declarações solenes não devem esquecer que a liberdade de informar — e de se informar — não significa coisa alguma se não colocarem os meios materiais ao seu serviço. Ora, os que a Imprensa exige são enormes. Se cada cidadão pode publicar como quiser um quotidiano numa sociedade democrática, basta observar a situação da Imprensa ocidental para medir o que essa liberdade tem de formal. Seria justo que os socialistas portugueses tenham a possibilidade jurídica de possuir um quotidiano mas é justo observar-se que os socialistas franceses não tem a possibilidade económica de o ter.

A verdadeira pergunta não seria de saber se permitindo a todos a liberdade de expressão não se permite na realidade a alguns abusar dela?


Inclusão 31/07/2019