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Faleceu o único herói brasileiro que não forjou o pedestal de sua gloria. Homem simples e franco no trato cotidiano, era um líder político (e militar) nato. Depois da célebre marcha, na qual sobrepujou em argúcia e espirito inventivo as Forças Armadas oficiais, poderia ter se tomado um dos "grandes da República", Getúlio Vargas tentou seduzi-lo, mas encontrou o repúdio a qualquer composição política pessoal. O rebelde não se despia de suas convicções antioligárquicas e democráticas, buscando servir a nação - e a sua independência — e submeter-se a uma vida de sacrifícios exemplares que o enobrecem como figura humana e como agente histórico.
Nem sempre estive ao seu lado e demorei para entender os desafios que ele enfrentava com desprendimento e grandeza. Foi a década de 1970 e principalmente a luta contra a ditadura militar que escancararam para todos os olhos o significado político de sua dedicação ao movimento operário e sindical. O prestismo deixara, então, de ser o dínamo de seu partido e uma realidade histórica. Privado de tudo, de sua condição de dirigente e confrontado por antagonismos antes imprevisíveis, ele apareceu na cena política na plenitude do seu ser real. Ao contrario de outros "comunistas" que renegaram e traíram seus compromissos e valores, ele procurou atualizar sua compreensão objetiva do Brasil, seu conhecimento do marxismo e sua atuação independente dentro do movimento operário e sindical. Algo surpreendente para uma pessoa de sua idade, alem do mais tida como "dogmática" e "autoritária".
Nesse momento, enquanto a esquerda se fragmentava e se delinearam novas opções partidárias socialistas, Luiz Carlos Prestes cresceu como homem e como personalidade política. Velhos militantes fieis somavam-se a jovens ardentes, que ouviam sua pregação moral. É neste terreno que trava a batalha final, até a morte. Ética e política não se dissociam. Uma constitui o avesso da outra. A luta de classes é uma realidade política. Contudo não seria nada se não fosse, acima de tudo, uma exigência moral. Nesse nível — do qual parte, aliás, o "jovem Marx" — Prestes empenha-se em sua "última etapa", impulsionado pelo dever incoercível de chegar a explicações e ações fundadas nas raízes dos processos sociais, econômicos e políticos. Corria o Brasil de um lado a outro, levando a toda parte o ardor de suas convicções.
O rebelde do começo não ressurge no radical da etapa derradeira. Surge um Prestes arquétipo, que infunde vitalidade à esperança dos trabalhadores livres e semilivres ou dos jovens e estudantes, todos desesperados e desorientados, que não viam esperança individual ou coletiva para si e para o Brasil. A revolução socialista formulada como a "única via" da liberdade, de igualdade e da democracia da maioria é posta no eixo da auto-emancipação das classes trabalhadoras e das massas populares excluídas. Esse discurso ultrarradical encontrou ressonância mesmo entre seus detratores e inimigos. E originou uma solida confiança nos de baixo em sua capacidade de ação — de criar uma sociedade nova, digna de inspirar os brasileiros a tomar em suas mãos a democratização do país e do Estado. Essa esperança transcendeu o seu percurso solitário, foi além das fronteiras dos militantes e simpatizantes de seu ideário político e representa a principal herança por ele deixada ao movimento operário, sindical e partidário de orientação firmemente socialista.
Inclusão | 06/05/2014 |