O Futuro Era Agora
O movimento popular do 25 de Abril
Os 580 dias - Depoimentos orais e citações

Edições Dinossauro


Passámos de caçados a caçadores
António José Vinhas, professor, 42 anos


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Na altura do 25 de Abril, andava eu a ver como escapar à PIDE. Eu era então membro dos Comités 1º de Maio Vermelho, ligados ao MRPP, e tínhamos andado a fazer propaganda para o 1º de Maio em Coimbra, o que deu origem à prisão do José Lamego e do Horácio Crespo. Como viemos depois a saber, a PIDE estava a preparar uma onda de prisões. O levantamento do 25 de Abril interrompeu-lhes os planos: em poucos dias, passámos nós de caçados a caçadores e os pides, que nos preparavam o cerco, viram-se cercados na sua sede da rua Antero de Quental. Com a protecção da polícia e dos pára-quedistas, lá escaparam sem dano de maior, a não ser alguns carros destruídos pela multidão.

Passado pouco tempo, em Junho, fui cumprir o serviço militar nas Caldas da Rainha e integrei-me na RPAC — Resistência Popular à Guerra Colonial, também ligada ao MRPP. Dominavam nas Caldas os oficiais spinolistas; o 25 de Abril ainda não tinha lá chegado. Pouco a pouco, apercebi-me de que havia na unidade núcleos clandestinos de quase todos os grupos “esquerdistas” — além do MRPP, havia o PRP, LCI, PUP, ORPC, FEC... Estava lá também o PC, claro, mas do lado dos oficiais, da Unidade com o MFA, e portanto, contra qualquer movimento para o regresso dos soldados das colónias ou para maiores direitos dos soldados. Nos três meses que lá estive houve um levantamento de rancho, com greve a todo o serviço (formaturas, faxinas, etc.). Passei depois para Coimbra. Denunciado por elementos do PC, fui chamado ao comando acusado de distribuir propaganda do Crito do Povo, o que até era falso, pois eu só distribuía propaganda do RPAC.

Em 1 de Maio de 75 fui transferido para o Hospital Militar Principal, em Lisboa. Aí já começámos a mudar algumas coisas: elegemos uma comissão de soldados e uma comissão de trabalhadores civis, ambas com elementos ligados à esquerda. Passavam-se filmes chineses, na sala dos soldados havia posters de Marx, Mao, Che Guevara, distribuíam-se livremente comunicados de todas as organizações revolucionárias, fazíamos reuniões com comissões de soldados de outros quartéis (Polícia Militar, Ralis, Trem-Auto, Administração Militar, etc.).

No 25 de Novembro, fomos apanhados de surpresa pelos acontecimentos. Lembro-me de os comandos rebentarem os portões das urgências para levarem dois mortos que lá estavam, um oficial e um furriel, caídos durante a luta.

★★★

O Regimento de Polícia Militar era uma espécie de tribunal onde tudo se decidia. A mulher que o marido tinha abandonado, com um filho que tinha ido à polícia e a quem a polícia dissera que não tinha nada a ver com isso ia parar à PM. E era a PM que averiguava, falava com as duas partes, discutia o assunto; se fosse caso de resolução difícil, ia à ADU [Assembleia Democrática de Unidade] para ser discutido. A repressão da criminalidade também era feita pela PM, já não era feita pela polícia”.

(A revolução num regimento — A PM em 75, Armazém das Letras, 1977, Lisboa)

continua>>>


Inclusão 23/11/2018