O Futuro Era Agora
O movimento popular do 25 de Abril
Os 580 dias - Depoimentos orais e citações

Edições Dinossauro


Assobiámos o Spínola no 25 de Abril
Amílcar Sequeira, topógrafo, 45 anos


capa

No 25 de Abril, eu estava em casa, chumbado no curso de capitães, e com uma guia de marcha para Tancos para tirar um curso de minas e armadilhas. Como estava organizado politicamente, ia tendo conhecimento, mesmo antes do 25 de Abril, de comunicados e informações sobre reuniões e movimentações na tropa. Na Amadora, o PC estava organizado e eu tinha contacto com militantes deles, pelas tascas e zonas de trabalhadores. Pois nesse dia, às 5 e tal da manhã, telefonou um amigo a dizer que ligássemos o rádio e estivéssemos atentos, porque estava a haver qualquer coisa. Juntou-se um grupo lá em casa (foi assim que na Sorefame não se trabalhou) e viemos todos para o largo do Carmo. Aguentámos a pé firme até à rendição dos gajos. Lembro-me de batermos no chaimite que levava o Marcelo Caetano. Depois apareceu o Spínola num Mercedes e a malta começa a assobiar o tipo. Aí o povo começa a dizer “já não estou a perceber nada disto. Então estes também estão contra o Spínola?” Daí, a gente desceu a calçada do Carmo, atravessámos o Rossio e metemos para a Almirante Reis acima, um grupo grande. Ainda antes disso, um dos nossos tinha querido tirar uma G-3 a um soldado, para avançarmos para a António Maria Cardoso onde estavam os pides.

Fomos em manifestação pela Almirante Reis acima. Na zona do Intendente, começámos a atirar pedras a um banco. Estavam polícias a guardá-lo, um à porta e outro mais acima. Responderam a tiro. Um tipo perto de mim cai no chão junto ao chafariz do Desterro. Fui lá, vi que se mexia, mas os tiros continuavam. Pisguei-me e tentei meter-me na oficina de automóveis, ali ao lado, mas, coisa inédita, o tipo lá dentro fecha-me o portão na cara. Fiquei do lado de fora. Foi uma surpresa: antes do 25 de Abril nunca me aconteceu ficar na rua, sempre nos abriam a porta quando fugíamos da polícia!

Apresentei-me em Tancos a 27 ou 28 de Abril mas, com aquela confusão toda, mandaram-nos para casa uma semana. Calhou bem porque ainda deu para ir na manifestação do 1º de Maio. Gerou-se lá em Tancos um movimento para se acabar com o curso de minas e armadilhas, ligado à guerra colonial que nós rejeitávamos. Isso deu uma confusão séria que levou o então ainda desconhecido Vasco Gonçalves a ir lá para nos acalmar.

Depois disso fui colocado no batalhão dos Açores. Era para ir para a Guiné, mas como estava em curso o processo de independência, mandaram-nos para casa à espera de novas ordens. Fiquei aqui com licença paga. Resultado: era funcionário político com ordenado pago pela tropa; fui responsável pela organização de um núcleo do CARP em Santarém e Carregado. Começámos por fazer um VAF (grupo de vigilância antifascista) por alturas do 28 de Setembro, onde procurávamos juntar gente dos outros grupos. Também ia ao Alentejo organizar umas “pontas”. Havia ali malta toda prá-frentex; colavam cartazes de caçadeira a tiracolo.

Em Dezembro mandaram-nos para Angola render uns tipos que tinham acabado o tempo. Verifiquei que dentro da tropa de lá também havia a luta dos moderados contra os radicais. O capitão era pelo Grupo dos Nove, nós tomámos partido pelos grupos mais radicais. Criámos assembleias de soldados porque queríamos vir embora. Saí da tropa em princípio de Novembro de 1975, pouco antes da independência de Angola, e fomos rendidos por uma companhia de pára-quedistas no sul. Cheguei aqui na fase final antes do 25 de Novembro. Embora já desmobilizado, ainda fui a uma reunião de militares, mas já não deu para fazer nada.

★★★

SOLDADOS AO LADO DO POVO

Quando a burguesia lança
Os seus cães de fila contra o povo
Que se levanta e luta
Contra a exploração

Os generais da burguesia
Mandam batalhões de soldados
Trabalhadores fardados
P’ra massacrar a revolta
E então...

Refrão:

Que as armas empunhadas pelos soldados
Sejam armas para o povo
Que na luta que se forja dia a dia
Sejam armas contra a burguesia
Os soldados sempre, sempre ao lado do povo

Os soldados são operários e camponeses
E não se voltam contra camaradas
São p’ra servir o Povo
As suas mãos armadas

Se nos mandarem lutar contra aqueles
que são nossos irmãos
Em qualquer parte do mundo
Saberemos dizer não!

Refrão

Dentro dos quartéis como na rua
Com a farda ou sem ela lutaremos
Marinheiros e soldados
São também explorados!

E contra aqueles que nos roubam
Não poremos cravos na espingarda
Contra esses faremos fogo
E será vermelha a nossa farda!

Refrão

E as armas empunhadas pelos soldados
Serão armas para o povo
Na luta que se forja dia a dia
Serão armas contra a burguesia
Os soldados sempre, sempre ao lado do povo

continua>>>


Inclusão 23/11/2018