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A base econômica do modo de produção feudal era a de uma reduzida produção dos camponeses e dos pequenos artesãos livres. A produção, em conjunto, tinha um caráter essencialmente natural(15), pois os objetos produzidos não se destinavam à troca.
A exploração feudal do campesinato assumia duas formas principais:
Embora não pudessem libertar-se da dependência feudal, os camponeses tinham o direito de mudar de senhor.
Os artesãos independentes, que habitavam as cidades e produziam para vender, satisfaziam parte considerável de suas necessidades com o fruto de seu próprio trabalho, pois possuíam rezes, horta e, às vezes, campo. A troca era, principalmente, local, entre a cidade e as aldeias vizinhas. Havia, também, o comércio de produtos importados de outros países, entre os quais se encontravam, sobretudo, artigos de luxo, especiarias, etc. Não existia, porém, comércio entre as diferentes regiões de cada país. Devido ao "caráter natural" e pouco organizado da produção, baseada apenas na exploração agrícola, e, também, ao desenvolvimento raquítico das trocas, à deficiência das estradas e a toda a espécie de vias de comunicação, estavam os países divididos em províncias e regiões autônomas.
As cidades, habitadas principalmente por artesãos e comerciantes, tinham de sustentar luta violenta e prolongada pela conquista da própria autonomia. Para isso, possuíam guarnições militares próprias e mantinham fortificações. Os artesãos agrupavam-se dentro das cidades, em corporações profissionais. Essas organizações eram necessárias à manutenção dos depósitos comuns, ao controle dos preços e da qualidade dos produtos e também ao fim de evitar a concorrência entre os produtores. Os comerciantes, por seu lado, tinham suas próprias organizações de defesa de classe, as guildes. O que favorecia a conservação e o fortalecimento dessas diversas organizações urbanas era a necessidade de defenderem sua independência contra os senhores feudais. O regime feudal na agricultura era completado, portanto, pelo regime corporativo nas cidades.
Pouco a pouco, com o desenvolvimento do comércio, foi se acentuando a exploração dos camponeses. À medida que o comércio se ia generalizando, o senhor feudal podia adquirir maior quantidade de objetos de luxo e de armas para seus guerreiros e, em consequência, era levado a espoliar cada vez mais os camponeses que dele dependiam. Os tributos aumentaram e o trabalho gratuito (corveia) foi acentuado.
A exploração camponesa agravou-se, além disso, com a formação dos Estados centralizados, que foram substituindo os numerosos feudos. A fragmentação dos países em províncias independentes/impunha obstáculos ao comércio, pois os senhores feudais estabeleciam tributos para o trânsito das mercadorias por seus feudos. Cada um deles tinha também o poder de cunhar sua própria moeda, além de muitos outros direitos. Por outro lado, o comércio era uma atividade sujeita a grandes perigos por causa das frequentes agressões das tropas feudais aos comboios de. mercadorias. Por consequência, os comerciantes lutavam pela abolição da autonomia dos senhores feudais e para isso, se aproveitavam das guerras entre eles, tomando o partido dos mais fortes para ajudá-los a submeter os demais.
Com a formação dos poderes centralizados, as tropas feudais foram dissolvidas e substituídas pelos exércitos monárquicos. Além dos tributos que os camponeses pagavam aos senhores, foram criados outros, destinados a manter os Estados feudais. A tributação em dinheiro foi se tornando cada vez mais frequente até que, finalmente, os tributos em espécie oneraram produtos dos campos, se converteram em tributos monetários, o que favoreceu o desenvolvimento da produção mercantil, pois os camponeses eram obrigados a vender seus produtos nos mercado afim de conseguir o dinheiro necessário para pagamento de impostos. Os camponeses foram submetidos, dessa forma, a uma nova servidão, desta vez em benefício do "açambarcador" e do "usurário".
O recrudescimento da exploração fez com que os camponeses abandonassem as terras. Para impedir essa tendência, foram eles obrigatoriamente ligados à terra, à gleba, transformando-se em "servos". Sua dependência para com o feudo acentuou-se ainda mais tomando a forma de "servidão".
A exploração cada vez maior dos camponeses e o estabelecimento da servidão provocaram grandes revoltas no campo (a Jacqucrie, na França, durante o século XIV, a Guerra dos Camponeses, na Alemanha, no século XVI, as revoltas de Bazin e Pugachev, na Rússia), tendo todas elas fracassado porque os camponeses não encontravam aliados nas massas urbanas, que não tinham ainda entre seus componentes o proletariado.
Nas cidades, deram-se mudanças consideráveis. As relações entre os artesãos entraram em crise e bem assim as deles próprios com os comerciantes. Durante o primeiro estágio do feudalismo, os camponeses fugiam, frequentemente, em direção às cidades autônomas, cujos habitantes desfrutavam de liberdade pessoal.
Assim foi, sobretudo, que cresceu a população urbana. Ao iniciar-se esse fenômeno, as cidades tiveram vantagens, pois a força numérica que elas já possuíam se reforçou para a luta contra os senhores feudais.
Com o crescimento da população urbana, os artesãos sofreram a ameaça da concorrência entre produtores de artigos semelhantes, razão pela qual as corporações procuraram limitar a admissão de novos membros. Foram aumentados os prazos para a aprendizagem e os "companheiros", de dia para dia foram sendo mais explorados, tornando-se-lhes mais difícil a conquista do título de "mestre". Além disso, as corporações tomaram medidas destinadas a impedir a introdução de novos métodos de produção e a combater o comércio dos produtos importados. Por isso, entre os comerciantes, geralmente importadores, e as corporações artesanais declarou-se luta aberta.
A organização corporativa dos artesãos transformara-se em obstáculo ao desenvolvimento da produção mercantil, que progredia com o comércio internacional. Os grandes descobrimentos geográficos do século XVI (o da rota marítima para as Índias e o da América) imprimiram vigoroso impulso ao comércio.
"O comércio extraeuropeu, que até então só se estendia da Itália até os portos do Levante, foi levado também à América e às Índias. Para logo, seu volume ultrapassou em importância o intercâmbio entre os países europeus e o comércio interno de cada país. O ouro e a prata americana inundaram a Europa e penetraram, como ácido corrosivo, por todos os poros, todas as brechas e vazios da sociedade feudal. A produção arte sanai não bastava mais para cobrir as crescentes. necessidades do consumo: nas indústrias mais importantes dos países adiantados o artesanato foi substituído pela manufatura fabril"(16).
Eis a gênese da industria manufatureira capitalista. As profissões menores estavam monopolizadas, nas cidades, pelas corporações. O capital comercial, interessado no desenvolvimento da produção, procurou, em contraposição, estender suas atividades para fora dos centros urbanos, estimulando, assim, o desenvolvimento da produção artesanal, principalmente a indústria têxtil, nos campos. Os artesãos, localizados no meio rural e, portanto, distanciados do mercado, caíram sob a dependência dos empresários capitalistas. Essa dependência toma, uma a uma, as seguintes formas: primeiro, os artesãos são obrigados a vender seus produtos a baixos preços; em seguida, recebem dos empresários empréstimos em moeda e em matérias primas; e, por fim, se transformam em operários. Os operários são apenas os encarregados de transformar em produtos as matérias primas fornecidas pelos empresários, os quais, para isso, lhes fornecem as ferramentas de trabalho e lhes dão a ganhar apenas o suficiente para poderem viver.
Mais tarde, os empresários foram agrupando, num só local, os artesãos, até então esparramados, e estes passaram, daí por diante, para a categoria de operários assalariados, não mais possuindo meios de produção. O capital comercial transformou-se, assim, em capital industrial. Ao lado da pequena produção, apareceu a grande produção capitalista: "a manufatureira".
A manufatura industrial era uma força produtiva completamente nova, superior, em tudo, a dos pequenos produtores. Empregava muitos operários e cada um destes executava uma parte determinada da obra. O trabalho em, conjunto alcançava um rendimento proporcionalmente bastante superior ao do trabalho disperso dos pequenos produtores. Antes do aparecimento da manufatura, só existia divisão social ou trabalho entre os pequenos produtores independentes, ligados entre si pelo mercado. Desde o aparecimento da manufatura, a divisão do trabalho realizou-se no interior mesmo de cada fábrica.
A essa forma de produção corresponderam novas relações sociais de produção. O capital existia, até então, apenas sob a forma de capital usurário e comercial. O comerciante e o usurário exploravam os pequenos produtores, que tinham seus produtos para vender. Desde que apareceu a manufatura, o operário já não vende seus produtos, mas "sua força de trabalho". Os meios de produção pertencem ao capitalista, que é proprietário das mercadorias fabricadas pelo operário. Este recebe um salário em pagamento da força de trabalho gasta e produz "mais-valia" para o capitalista.
Nessa nova forma, o modo de produção é capitalista. Com o crescimento das forças produtivas, aparecem e desenvolvem-se novas relações de produção, chamadas, também capitalistas.
Mas o regime ainda feudal impedia o desenvolvimento das novas forças produtivas e das correspondentes relações de produção. Nas cidades, o obstáculo era constituído pelo sistema corporativo, parte integrante do regime feudal, enquanto que, no campo, a dependência dos servos privava os capitalistas de mão de obra barata, embora não servil.
O feudalismo, que, ao nascer, correspondera ao nível de evolução das forças produtivas da sociedade de então, pôs-se depois em contradição com as novas forças produtivas que se criavam com a evolução do capitalismo comercial e usurário para capitalismo industrial e sua supressão tornou-se uma necessidade histórica.
Quando a operação dos camponeses e das massas urbanas pequeno-burguesas e operárias pelo Estado feudal adquiriu forma demasiado aguda, irromperam as revoluções burguesas, pretendendo atingir dois objetivos fundamentais: abolir o regime feudal e abrir caminho para o desenvolvimento do capitalismo. Estas revoluções irromperam, na Inglaterra, no século XVII e, na França, nos fins do século XVIII(17).
"... as novas forças produtivas postas em movimento pela burguesia — em primeiro lugar, a divisão do trabalho e o agrupamento numa só fábrica de grande número de operários — assim como as novas condições e necessidades de comércio criadas por tais forças, tornaram-se incompatíveis com o regime de produção existente até então, que fora transmitido pela história e consagrado pela lei, isto é, tornaram-se incompatíveis com os privilégios corporativos e os inúmeros privilégios pessoais e locais da organização social do feudalismo (que constituíam os muitos obstáculos para as ordens ou classes não privilegiadas). As forças produtivas, representadas pela burguesia, rebelaram-se contra o regime de produção representado pelos proprietários dos latifúndios feudais e pelos donos de corporações"(18).
Notas de rodapé:
(15) A expressão economia natural é empregada muitas vezes no decorrer deste livro. Para tornar clara a expressão, lembramos seu significado: é o sistema de produção em que a técnica é rudimentar e os produtos se destinam ao consumo dos próprios produtores, não havendo mercado organizado. (N.T.) (retornar ao texto)
(16) Engels — Anti-Dühring — Editorial Calvino Limitada — Rio. (retornar ao texto)
(17) Nos países onde o capitalismo se desenvolveu só muito mais tarde e nos quais a revolução teve lugar quando o proletariado já estava formado, como. por exemplo, na Alemanha, em 1848, e, principalmente, na Rússia, em 1905, a burguesia aliou-se ao Estado feudal, contra a revolução, que também a ela beneficiava! (retornar ao texto)
(18) Marx-Engel-Lewis — Introduccion a la Filosofia y Materialismo Dialético — Ediciones Frente Cultural — Pág. 209. (retornar ao texto)
Inclusão | 10/03/2016 |