MIA> Biblioteca> Temática > Novidades
CADERNOS PORTUGÁLIA — Falando ainda do 28 de Setembro, como há pouco foi dito, foram soltos alguns indivíduos sobre os quais não pesava qualquer culpabilidade de maior, mas ainda se encontram presos pelo menos alguns elementos das Forças Armadas, como, por exemplo, o general Kaulza de Arriaga. Neste momento, já será possível divulgar alguma coisa que permita avaliar da culpabilidade imediata quanto ao 28 de Setembro ou em relação a qualquer outra manobra reaccionária? Ou eles estão presos e continuam presos pelo seu passado no regime fascista?
OTELO SARAIVA DE CARVALHO — Há entre eles elementos que estão presos apenas como medida preventiva e devido ao seu passado no regime anterior e outros que estão realmente implicados nos acontecimentos ocorridos no 28 de Setembro. Entre os militares, por exemplo, o coronel Fernando Cavaleiro, que é um oficial de Cavalaria, com um bom nome entre os oficiais da sua Arma, está envolvido na questão do 28 de Setembro, porque fazia parte da comissão organizadora da manifestação da «maioria silenciosa». Presume-se que o general Kaulza de Arriaga tinha superiores possibilidades de intervenção na organização da manifestação. Creio existir a convicção nos nossos investigadores, através da análise documental que têm efectuado, que seria o general Kaulza de Arriaga que viria possivelmente a assumir mais tarde a presidência da República se o golpe resultasse. Infelizmente, dispomos apenas apenas de uma meia dúzia de jovens licenciados em Direito para os trabalhos de investigação e os processos têm vindo a aguentar-se mais do que o previsto.
CADERNOS PORTUGÁLIA — Havia intenções de liquidar elementos destacados do Governo, mas há quem diga que os elementos que foram vistos na tal casa perto do Palácio de São Bento, não estavam ali para liquidar o primeiro-ministro Vasco Gonçalves, mas antes para o defenderem. Até que ponto isto é verdade?
OTELO SARAIVA DE CARVALHO — Não, senhor. Essa casa da qual era vista a escadaria de acesso à residência oficial do primeiro-ministro era a casa de um tal Rui Alvim, que por acaso é amigo pessoal do general Kaulza de Arriaga e que estaria também implicado no processo do 27 de Setembro.
CADERNOS PORTUGÁLIA — Gostávamos ainda de fazer outra pergunta, que nos parece ser importante, que o senhor brigadeiro não abordou, mas que estava na sequência de outra pergunta já feita: que papel teve na situação actual de o «habeas corpus» não ter sido aplicado aos militares? Pensamos que isto vem na sequência do que há pouco estava a dizer.
OTELO SARAIVA DE CARVALHO — Exactamente. Isso foi resultante de uma preocupação nossa ao ver o Silva Cunha, o Moreira Baptista, o Casal Ribeiro, serem postos em liberdade (não por minha ordem, embora na minha posição de governador militar de Lisboa, eu seja o administrador de justiça no âmbito da Região Militar), sendo eu ultrapassado por ordens dadas pelo general Silvério Marques com base no direito ao «habeas corpus», como no caso do Casal Ribeiro, que, aliás, saiu sob a responsabilidade do general Galvão de Melo. Motivou-se assim a decisão governamental para obstar a casos futuros e possíveis.
CADERNOS PORTUGÁLIA — E Casal Ribeiro está preso outra vez, não?
OTELO SARAIVA DE CARVALHO — Não, não está. O general Galvão de Melo responsabilizou-se pela libertação de Casal Ribeiro, mas a verdade é que Casal Ribeiro desapareceu de circulação. Julgo, portanto, que estaria em condições de mandar prender agora o general Galvão de Melo, em substituição daquele, visto que Galvão de Melo era realmente o responsável. Consideramos que, nas circunstâncias actuais, embora aparentemente não apareçam provas nenhumas contra indivíduos detidos sob a alçada do foro militar, a verdade é que eles têm culpas enormes, por certo, que é preciso descobrir e desmascarar. Pô-los em liberdade ao abrigo da lei do «habeas corpus» é um contra-senso, pois não faz sentido que tenhamos presas algumas centenas de elementos» da DGS e que o Moreira Baptista, que como ministro do Interior era o primeiro responsável, esteja em liberdade. Isto faz-nos pensar que cada um dos elementos da ex-DGS encarcerados podia também beneficiar de um pedido de «habeas corpus». Onde iríamos parar?...
Inclusão | 06/06/2019 |