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Fonte: Luiz Bernardo Pericás, "Os Cangaceiros - ensaio de interpretação histórica", Boitempo Editorial, 2010, págs: 220-231.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
Enorme simpatia e apoio da massa popular às lutas revolucionárias de novembro, especialmente em Pernambuco, no Rio Grande do Norte e demais estados do Nordeste demonstraram até que ponto o povo está resolvido a não mais tolerar o regime de opressão, de fome e de miséria que representa para ele a dominação imperialista e feudal do país.
Esta dominação esfomeadora e opressora ainda é mais clara e hedionda no Nordeste, onde a contrarrevolução chefiada por Nilton Cavalcanti e Malvino Reis excedeu aos bárbaros crimes de Filinto Muller e seus asseclas, fuzilando e matando a paulada centenas de revolucionários libertadores, operários, soldados e populares.
Com a decretação do estado de guerra — verdadeira declaração de guerra de Getúlio e dos imperialistas contra o povo brasileiro —, milhares de revolucionários viram-se obrigados a passar a uma vida completamente ilegal: não podem mais arranjar serviço, são perseguidos em todas as localidades onde procuram refúgio. Ao mesmo tempo, a situação da maioria do povo, tanto das cidades como dos campos torna-se cada vez mais precária diante do encarecimento da vida, do aumento dos impostos escorchantes, do aumento das tabelas das companhias imperialistas.
Nessas condições objetivas que agravam a situação revolucionária do país ainda mais, surgem naturalmente os grupos de guerrilheiros. Cada dia em maior número, em todo o país e especialmente no Nordeste, heroicos brasileiros — operários, camponeses, soldados, populares levantam, de armas na mão, o cartel do desafio lançado à Nação por Getúlio e seus amos imperialistas. Tais grupos de guerrilheiros, ainda pequenos, esparsos, com ação política ainda débil, asseguram sua subsistência à custa do inimigo, que são os elementos contrarrevolucionários ligados ao aparelho policial e os exploradores do povo. Este fenômeno, resultante da agravação da crise revolucionária brasileira é apresentado por toda a imprensa vendida aos interesses dos opressores sob títulos berrantes, como banditismo, “cangaceirismo recrudescente”, “atrocidades dos bandidos fanáticos” etc.
Todos esses artigos da imprensa visam desnortear a opinião pública, apresentando os guerrilheiros como elementos repulsivos, assassinos, bandidos etc. Procuram afastar dessa forma a solidariedade espontânea e bem orientada da maioria da população oprimida, pela luta heroica que se desenvolve e se alastra desde as portas de Recife a todo o interior do Nordeste. Tanto que continuam a guerra de morte contra os agentes imperialistas e seu aparelho reacionário, com o denodo e a coragem que já foram demonstrados desde muito, na marcha lendária da Coluna Prestes, nas arrancadas do 5 de Julho, em 1930 e nas heroicas lutas de novembro.
O fato de que esses grupos de guerrilheiros são obrigados a assegurar sua manutenção à custa dos grandes proprietários de terras mais reacionários, dos agentes imperialistas, dos grandes açambarcadores e dos apaniguados destes exploradores e opressores do povo é utilizado pela imprensa reacionária para encobrir o conteúdo de revolta e de luta contra a opressão do povo; “gente honesta”, são os tubarões imperialistas, os grandes latifundiários e feudais acostumados a expulsar os agregados de suas terras e apropriar-se, pela força dos capangas, de suas plantações e benfeitorias; “gente honesta” são os que roubam a maior parte do dinheiro dos impostos pagos pelo povo e que empregam o resto desse dinheiro para oprimi-lo; “gente honesta” são os que pagam salários de fome aos operários e assalariados agrícolas, são os responsáveis pela tremenda mortalidade infantil que se registra no Brasil, são os responsáveis pelas centenas de milhares de casos de tuberculose, opilação, sífilis etc., que dizimam anualmente a população subalimentada e abandonada do país. É para dizer tais mentiras que os Assis Chateaubriand, Geraldo Rocha, Macedo Soares e Cia., recebem das grandes empresas imperialistas, do governo e dos magnatas nacionais, gordas gorjetas.
Mas o povo da cidade e do campo compreende a verdade, não se deixa mais enganar e o demonstra apoiando e participando cada dia mais intensamente na luta contra a dominação imperialista e feudal e contra a reação bárbara do governo de Getúlio. Nesses grupos de guerrilheiros tanto participam revolucionários conscientes como também outros elementos, especialmente camponeses, revoltados contra as injustiças de que são constantemente vítimas, que estão resolvidos a levar a luta, desde já, pelas armas. Tanto uns como outros refletem e representam o descontentamento do povo contra o estado de opressão, de miséria esfomeada e da falta completa de garantias constitucionais em que vivem. As lutas de guerrilheiros representam, como as greves, protestos, demonstrações nas cidades, nos quartéis e nos campos a continuação da revolução nacional libertadora iniciada em novembro de 1935, visando a derrubada do governo de traição nacional de Getúlio e a implantação do Governo Popular Nacional Revolucionário, chefiado por Luiz Carlos Prestes. E necessário que todos compreendam que a ação dos grupos de guerrilheiros, mesmo em sua forma primitiva, não significa uma aventura apenas, e portanto um fato sem importância para o grande movimento revolucionário que empolga cada vez mais o país. Evidentemente, se faltar uma direção política, se um grupo de guerrilheiros ficar apenas no terreno das expropriações e pequenas ações, sem organizar o apoio do povo e levá-lo a lutas mais amplas, sem progredir numérica e politicamente, a sua importância será diminuta, poderá mesmo ser esmagado pela reação. Mas é justamente isso que queremos e devemos evitar.
Tomando o rumo das lutas organizadas, dirigidas e com o programa da Aliança Nacional Libertadora, passando a um nível superior e progressivo, as guerrilhas, desde já, representarão um papel importantíssimo na Revolução Brasileira. Aumentarão a desagregação do regime, dispersarão a reação, levantarão mais alto ainda o entusiasmo revolucionário das massas, cimentarão a aliança entre os operários, camponeses, soldados e populares. Formarão e treinarão novos quadros de combatentes anti-imperialistas, se transformarão rapidamente em componentes do grande Exército Popular Nacional Libertador. Despertarão, com seu exemplo e sua audácia, novas camadas para a luta. Levarão por todos os sertões o programa da ANL, as palavras da Revolução e mostrarão na prática, com a aplicação deste programa, o que pode fazer pelo povo o Governo Popular.
A insurreição de novembro foi o início dos grandes combates. As guerrilhas são uma das formas de seu prosseguimento.
A Aliança Nacional Libertadora tem, pois, grandes tarefas, visando fortalecer, coordenar e organizar novos grupos e o apoio e solidariedade da população oprimida aos valentes guerrilheiros. Seguem-se algumas instruções e explicações que devem ser estudadas e realizadas por todos os núcleos.
E necessário levantar desde já uma grande campanha de agitação que desmascare as manobras da reação e sua campanha de imprensa, editando-se volantes, manifestos e se propagando constantemente, verbalmente, a finalidade verdadeira dos guerrilheiros e o conteúdo revolucionário das guerrilhas. Esse apoio moral é indispensável, mas pouco servirá se não for acompanhado de todas as formas de iniciativa no sentido de arranjar armas e especialmente munições e medicamentos destinados aos combatentes e sobretudo fustigando o inimigo pela retaguarda, interrompendo suas comunicações, causando-lhe prejuízos de toda espécie e por todas as formas. Cada núcleo da ANL deverá escolher uma comissão especialmente encarregada de coordenar essa ação concreta e de canalizar os recursos obtidos para os grupos com que tiverem ligação ou com o Diretório estadual para que os faça seguir. Todo esse trabalho deve ser levado adiante com a aplicação caprichosa das formas de trabalho ilegal, resguardando o aparelho da penetração de provocadores.
Também devem ser canalizadas todas as informações que for possível obter sobre movimentos e intenções das tropas e “volantes” da reação. Todos os aliancistas e simpatizantes devem esforçar-se para fazer entender aos soldados, graduados e oficiais o verdadeiro significado das guerrilhas e lutar para que passem para seu lado, em vez de combatê-las.
Não podemos, com relação ao campo, falar apenas em apoio e solidariedade das populações aos grupos guerrilheiros. E tal a situação de miséria e opressão em que vivem os assalariados agrícolas e camponeses, empobrecem-se tão rapidamente os fazendeiros pequenos e médios, os donos de banguês e o pequeno comércio que sempre que os grupos de guerrilheiros agirem com uma perspectiva política justa, esse apoio e solidariedade se transformará rapidamente em participação cada vez mais ativa e direta.
A situação objetiva torna também evidente que a preparação da defesa armada de lutas parciais no campo — que todo camponês de há muito sente necessária significa também, na realidade, a preparação de guerrilhas, pois que os elementos que mais se destacarem terão que passar à vida ilegal.
Todo nosso trabalho no campo deve ser concentrado para a preparação dessas lutas, fazendo campanhas de agitação e propaganda da luta contra os impostos e fretes caros, contra a execução de hipotecas, pela moratória das dívidas dos lavradores e dos donos de banguês, pela rebaixa de arrendamentos, pelo aumento de salários, contra o despejo de agregados etc. etc.
As guerrilhas que surgirem como resultado de lutas de massa no campo terão asseguradas a solidariedade ativa de quase toda a população e crescerão muito rapidamente. Sobre como preparar essas lutas e melhorar a agitação e propaganda no campo, enviaremos brevemente explicações e instruções detalhadas, mas contamos desde já com toda iniciativa dos aliancistas do interior, organizando desde já a agitação ligada à explicação do conteúdo revolucionário das guerrilhas. Desde já, também, é necessário criar uma ampla rede de informações, preparar esconderijos para os grupos muito acossados etc., e tratar da organização de novos grupos com os elementos mais dispostos.
Não se deve encarar essa questão da formação de grupos segundo esquemas. Os grupos em movimento mais ou menos constante surgem da necessidade da própria luta. Mas, em geral, começam com a realização de ações isoladas, mantendo-as os seus membros ainda na legalidade ou na semilegalidade. Este processo serve para treinar os grupos para que fiquem conhecidas as qualidades e defeitos de seus membros. Aliás, tais grupos não permanentes e que combinam a vida semilegal ou legal com a ação revolucionária deverão sempre existir, para manter uma constante hostilidade na retaguarda das forças reacionárias. A medida que esses grupos resolverem ou forem forçados a passar a grupos guerrilheiros permanentes, deverão ser substituídos por novos, compostos de elementos ainda não queimados.
Toda sorte de iniciativas de agitação e ação revolucionária deve ser tomada com estudo acurado e detalhado do trabalho e com audácia na realização. Desde a distribuição de manifestos e colocação de bandeiras com autodefesa armada até as emboscadas às volantes reacionárias há uma variedade enorme de ações revolucionárias que as próprias condições locais indicarão.
Apontamos a conveniência de atuar em zona suficientemente afastada do local de residência; a importância do itinerário escolhido, diminuindo ao mínimo o risco de encontros ocasionais com moradores; insistimos sobre a máxima vigilância contra a penetração de provocadores e a máxima energia contra os mesmos quando descobertos; a necessidade de disciplina e de segredo.
A discussão das ações só deve ser feita depois de realizadas. O plano deve ser elaborado pelo chefe e seu imediato, que ficarão responsáveis perante todo o grupo pela sua boa realização. Desde o princípio cada grupo deve preparar-se para se tornar permanente e móvel logo que assim [ilegível] ou que a reação a isso o obrigue. Para tanto, deve ligar-se com [ilegível] simpatizantes de confiança, estabelecer pequenos depósitos de alimento, munições e armas, preparar uma corrente de ligações com simpatizantes do local de origem e outros pontos convenientes.
Foram os guerrilheiros espanhóis que tornaram possível a primeira derrota de Napoleão. Interrompiam constantemente as comunicações, [ilegível] e desmoralizavam, com as constantes emboscadas e golpes de mão o bem organizado e eficiente exército regular, até que se juntassem às formações de linha inglesas às espanholas e portuguesas em Torres Vedas. O [ilegível] Duque de Ferro não teria vencido se tivesse encontrado pela frente [ilegível] de exército de Napoleão descansado e concentrado. Vivo na consciência de todos está o exemplo dos guerrilheiros chineses que, partindo de grupos esparsos e pouco numerosos, depois da derrota de Cantão, com a traição de Chan Kai-Chek e do Kuomintang, transformaram-se, hoje em dia, num formidável e [ilegível] exército de cerca de um milhão de homens, abrangendo em torno de si mais de 800 mil guerrilheiros, inclusive os da Manchúria, [ilegível] uma zona habitada por mais de cem milhões de habitantes e influindo decisivamente na política externa da China frente ao imperialismo.
A guerrilha é uma tática dos que veem pela frente um inimigo superior em armamento e equipamento técnico. É a tática que permite às populações oprimidas levarem avante com sucesso a luta contra o opressor ou [ilegível] tomando-lhes as próprias armas e munições de que necessitem. Atacando sempre de surpresa, utilizando seu profundo conhecimento do terreno (em cada grupo, pelo menos dois de seus membros precisam conhecer o terreno de ação como as palmas das mãos), para atacar e esquivar-se aos ataques, utilizando o apoio da população para acoitar-se quando acossado, ter sempre informações dos movimentos do inimigo e deixar este sempre mal informado e andando às apalpadelas, os guerrilheiros são invencíveis.
No próximo capítulo explicaremos como assegurar cada vez maior apoio de massas. Aqui vamos transmitir algumas indicações, baseadas na vasta experiência das lutas atuais e anteriores.
Cada grupo deve criar a rede mais ampla possível de ligações na região de sua atuação. Quanto mais bem informado sobre os movimentos e intenções do inimigo (volantes de polícia e bandos de capangas) melhor poderão esquivar seus golpes e pegá-los de surpresa.
Utilizar para isso os simpatizantes e amigos, descobrir formas de transmissão de toda espécie: a cavalo, por tropeiros, a pé, pelas mulheres que vão à feira. Combinar encontros em dias fixos, pontos para [ilegível] etc.
À medida que forem adquirindo experiência compreenderão a importância de controlar a verdade das informações, comparando as de diversas fontes. São especialmente úteis os pequenos comerciantes, médicos, [ilegível], choferes e ajudantes, para este trabalho.
Em toda parte onde andaram os guerrilheiros devem ensinar à população a não prestar informações ao inimigo e a desnorteá-los com informações falsas, punindo os que os traíram.
Cada núcleo da ANL deverá encarregar um dos membros mais ativos para organizar a rede de informações em cada zona e de remetê-las regularmente, tanto aos grupos de guerrilheiros mais próximo como também ao Diretório estadual.
E preciso empregar nesse serviço todas as regras de conspiração e o maior segredo.
Em geral esse problema tem que ser resolvido à custa das forças da reação (volantes e capangas). Nem um só fuzil deve ser abandonado, senão quando for humanamente impossível conduzi-lo. Organizar depósitos (no máximo 10 armas e 500 balas cada um) para esconder o que não é imediatamente necessário, tomando a precaução de engraxar as armas e resguardar da umidade tanto estas como as munições.
À medida que os grupos forem aumentando, devem planejar cuidadosamente e realizar com audácia golpes de mão contra os depósitos de armamento e contra os caminhões de abastecimento e remuniciamento, estudando previamente como transportar o que conquistarem para lugares seguros.
Mesmo nos princípios, quando o guerrilheiro combina a vida semilegal com a de luta, ele deve estar disposto a cobrir grandes distâncias a pé ou a cavalo, a pernoitar no mato, às vezes andando no escuro a noite inteira, a não respeitar sol nem chuva. Mesmo nos períodos de descanso, constantemente, o grupo tem que estabelecer o serviço de vigilância, colocando sentinelas de acordo com as necessidades do terreno. O chefe do grupo deve sentir-se pessoalmente responsável pela verificação da vigilância. Chova ou faça sol, esteja ou não caindo de cansaço, é tal a importância de assegurar não poder ser surpreendido pelo inimigo que o próprio chefe deve pessoalmente controlar a distribuição e vigilância das sentinelas.
Assim como é importante não ser surpreendido, é necessário utilizar ao máximo o fator surpresa contra o inimigo. E para surpreender é preciso: conhecer muito bem o terreno, rapidez de movimento e ter bons serviços de informações. Com esses dados pode estudar detalhados planos de ação rápida e audaz.
A medida que forem crescendo e adquirindo experiência, os grupos ampliarão seus efetivos de ação Porém, desde o princípio e sempre, os guerrilheiros devem recusar combate toda vez que o procurarem as forças da reação. Recuar, para mais tarde tomá-los de surpresa. Ceder terreno, mas economizar os homens. Essa é a tática central dos guerrilheiros. Empregar sempre as forças para surpreender o inimigo por partes, cansá-lo, mantê-lo sobressaltado para desmoralizá-lo.
A maior ou menor eficiência da tropa inimiga depende em grande parte do seu serviço de comunicações. A perseguição a um grupo de guerrilheiros por forças volantes é ineficiente desde que essas forças não disponham de meios de transporte e comunicação rápidos.
Compreende-se bem, portanto, a importância que tem prejudicar constantemente e o mais possível o serviço de comunicações do inimigo. Não só os grupos guerrilheiros devem sistematicamente cortar os fios telefônicos e telegráficos (de preferência inutilizar as estações), como — à medida que for necessário derrubar postes e fazer cair barreira nas estradas de rodagem e de ferro. E preciso tomar as precauções necessárias para evitar desastres à população e para explicar-lhe a necessidade dessa sabotagem.
A vida dura dos guerrilheiros torna necessário conseguir médico ou enfermeiro para cada grupo maior. Desapropriando aos reacionários ou comprando aos pobres os remédios necessários, asseguraremos aos guerrilheiros uma maior resistência física e um mínimo de perdas.
Refúgios onde encostar os feridos devem ser preparados de antemão e estes devem ser levados pelo grupo que deve fazer um ponto de honra de nunca abandoná-lo quando humanamente possível evitá-lo.
Na introdução deste documento já explicamos por que surgem, muitas vezes quase espontaneamente, os grupos guerrilheiros. Neste capítulo queremos deixar bem claras as tarefas dos revolucionários nacional libertadores dentro desses grupos para lhes dar perspectivas políticas claras e canalizar sua ação cada dia mais para a luta revolucionária consciente.
Intimamente ligada com esta questão está outra que é necessário esclarecer mais uma vez, isto é: a nossa posição frente aos cangaceiros. Sobre isso ainda há muitas confusões que é preciso esclarecer. Uns, conhecendo as origens do cangaço na revolta contra a opressão feudal, conhecendo sua grande coragem, audácia e resistência física, tendem a idealizá-los como revolucionários; outros, infelizmente mais numerosos, sobretudo entre as camadas intelectuais, deixando de parte a análise objetiva e as causas do cangaço, seguem inconscientemente nas pegadas da reação e de seus escribas e enxergam somente no cangaço as barbaridades que às vezes são cometidas por elementos isolados contra inimigos pessoais, ou mais frequentemente, contra os que os perseguem ou que os atraiçoam.
O cangaço é uma forma primitiva e espontânea de revolta de elementos camponeses. Os seus mais ferozes inimigos são obrigados a reconhecer que a injustiça e a opressão feudal são a causa da existência de 90% dos cangaceiros. Quase todos esses elementos que ofendidos e prejudicados pelo senhor feudal (um parente assassinado, uma irmã deflorada, uma roça invadida pela boiada do proprietário vizinho, uma terrinha roubada de conluio com a “Justiça” e a polícia locais etc.), fizeram justiça por suas próprias mãos e viram-se dessa forma obrigados a cair no cangaço para manter sua liberdade. É preciso compreender que a “justiça”, suas leis, são feitas e aplicadas para os interesses dos opressores pelo aparelho de Estado, que está a serviço dos que vendem ao imperialismo estrangeiro o sangue e o suor de nosso povo. Portanto, os que se revoltam contra tal estado de coisas e que lutam contra o aparelho da reação, mesmo que o façam sem perspectiva política, são objetivamente, de fato, revolucionários, enquanto assim procedem.
Compreendido isso, é preciso também esclarecer os que idealizam o cangaço e que não percebem o caminho que estes têm que seguir para transformar-se em guerrilheiros. Tais companheiros enxergam apenas a semelhança quase completa dos métodos e táticas de luta empregados pelos cangaceiros e pelos grupos de guerrilha já existentes, e que é determinada apenas pela questão da correlação de forças com a reação e pela natureza do terreno e as condições de existência no interior do país. Tal forma de encarar a questão não é justa, porque o critério adotado também não é político. Expliquemos.
O cangaceiro é um elemento revoltado contra a ordem das coisas existente, é de fato revolucionário porque luta contra o aparelho de estado e sua reação. Porém, a vitória para o cangaceiro está em subsistir livre. Para esse fim é que luta contra a reação quando é necessário e vive de armas na mão. O cangaceiro, portanto, não tem finalidade política definida.
Já o guerrilheiro, mesmo que comece somente como revoltado, aprende rapidamente dos companheiros revolucionários nacional libertadores como lutar consequentemente para transformar o estado de coisas existente. A vitória para o guerrilheiro é não somente subsistir à custa dos reacionários, cansar e dispersar a reação, como — ao lado dos operários, soldados, camponeses, populares e nacional libertadores de todas as camadas sociais lutar até derrubar o governo de traição nacional de Getúlio, implantar o Governo Popular Nacional Revolucionário que dará PÃO, TERRA E LIBERDADE, prosseguindo na luta dentro do Exército Nacional Libertador até o esmagamento da contrarrevolução dos imperialistas. O guerrilheiro tem portanto uma finalidade política clara.
É preciso também não ver isto esquematicamente, pois não existem barreiras entre o grau de desenvolvimento político dos diversos grupos de lutadores sertanejos, havendo desde o elemento mais atrasado, capaz de ser utilizado até mesmo pelos chefes políticos reacionários, como certos antigos cangaceiros, até os elementos com consciência política esclarecida, como os revolucionários remanescentes das lutas de novembro. O que é necessário é compreender que uma propaganda bem feita, que esclareça os elementos mais atrasados, nos abre a perspectiva de dar um cunho cada vez mais político à grande maioria dos grupos de lutadores existentes. Pode-se e deve-se convencer pacientemente os cangaceiros de que seu lugar é ao lado dos revolucionários contra a reação que sempre os oprimiu. Mostrar-lhes a perspectiva de voltar, depois de vitoriosa a Revolução, para o seio de suas famílias, obtendo, como todos os soldados do grande Exército Nacional Revolucionário, o direito à posse da terra. O cangaceiro é, por todas as razões acima enumeradas, um aliado natural dos guerrilheiros e isso devemos aproveitar todas as oportunidades para fazer-lhes compreender.
Queremos agora dar uma ideia de como conduzir os atos em perspectiva política. E sempre possível dar um cunho político às ações dos grupos guerrilheiros. Mesmo no princípio. Na escolha dos objetivos de ataque deve-se ter sempre um critério político: visar elementos reconhecidamente reacionários e odiados pelo povo. Visar, de preferência, os grandes proprietários mais reacionários, conhecidos na sua ferocidade na exploração dos assalariados, agregados e camponeses das redondezas. Os atos, inclusive os de expropriação, realizados contra tais elementos terão o apoio da massa, serão encarados como atos de justiça.
Preparar de antemão o trabalho de propaganda e agitação a ser desenvolvido logo que conquistado o objetivo. Realizar comício explicando por que atacam tal elemento reacionário, lendo e explicando o programa do Governo Popular e franqueando a palavra para ouvir as queixas e opiniões de todos os que queiram falar. E preciso aprender a romper o retraimento das populações com paciência, pois estas em geral retraem-se à aproximação de qualquer grupo armado, com receios de levar alguma sobra. E preciso saber tratá-las com toda a consideração, publicar e demonstrar na prática que lhe asseguram todas as garantias, dando assim um primeiro passo para conseguir sua simpatia e mais tarde atraí-la a participar diretamente da luta.
Para conseguir romper o receio natural da população é muito indicado anunciar e convocá-la para participar da distribuição dos gêneros e mercadorias dos armazéns e depósitos pertencentes aos reacionários. Assim consegue-se facilmente um auditório para o comício, estabelece-se uma ponte viva para o trabalho nacional libertador. Os nossos companheiros devem preparar de antemão o discurso, abordando as reivindicações sentidas pelos presentes, mostrando-lhes como unir-se para lutar por elas, quais as formas de luta etc. É também necessário responder claramente às perguntas sobre como responder e evitar a reação, como organizar seu próprio grupo de guerrilha etc.
Os nossos companheiros devem ter a preocupação não somente de recrutar elementos novos para ingressar no grupo, como de criar núcleos da ANL e estabelecer ligações conspirativas para enviar-lhes material da ANL e receber informações. É muito conveniente que os grupos sempre conduzam material de propaganda impressa, especialmente cópias do programa do GPNR.
É de muito interesse proceder ao julgamento público dos reacionários, forçar o casamento de pessoas que tenham faltado com respeito às filhas dos camponeses, restituir terras roubadas aos pobres, obrigar à indenização por prejuízos causados pelos ricaços às lavouras dos pobres etc. Aproveitar esse ensejo para fazer compreender a autodefesa e a formação do grupo de guerrilheiros local e para demonstrar como já podiam ter feito essa justiça por sua própria conta etc.
A questão da divisão das terras será levantada em muitos pontos. Devemos explicar aos camponeses que estamos de pleno acordo com a tomada da terra dos grandes proprietários reacionários, dos imperialistas e dos contrarrevolucionários, mas que apoiamos eles nessa luta, os ajudamos, mas não podemos ficar ali parados para garantir-lhes a posse. É preciso compreender, e os camponeses o compreenderão muito facilmente, que uma coluna reacionária chegando num lugar onde se dividiram as terras exerce represálias contra os camponeses e que estes devem então ou esperar para o desenvolvimento maior da influência dos guerrilheiros e engrossar suas fileiras, ou então organizar desde logo a defesa da posse da terra com suas próprias forças.
Os grupos maiores poderão também desde já ter a perspectiva de ocupar arraiais e vilas do interior. Tais ações oferecem maior campo para o trabalho político, pois há maior concentração de massa e mais possibilidade de propaganda. Aqui não abordaremos a questão da ação militar propriamente. Apenas lembramos a importância do estudo de um plano minucioso de ataque às forças reacionárias existentes (destacamentos, integralistas, capangas etc.), e o corte prévio das comunicações telegráficas e telefônicas, bem como o estudo prévio do terreno por membros do grupo desconhecidos no local. Aqui tratamos do trabalho político. Os guerrilheiros devem demonstrar sua consciência revolucionária portando-se com o maior respeito para com todas as famílias, não molestando o pequeno comércio e sim requisitando e pagando a este tudo do que necessitar e que não encontre para desapropriar nas lojas dos grandes açambarcadores reacionários. Repetir, nestes casos, a mesma tática já indicada de organizar a distribuição à pobreza dos gêneros e mercadorias expropriadas, aproveitando-se do ajuntamento para realizar o comício de propaganda e a distribuição do material escrito. Se a prática dos guerrilheiros já realiza o programa da ANL é muito fácil convencer-se a população de sua sinceridade e daí a importância de educar todos os guerrilheiros para observar uma estrita disciplina e agirem organizadamente. Quando a massa vir que os guerrilheiros respeitam a propriedade e que só desapropriam aos grandes reacionários e tomam medidas contra os seus lacaios, que queimam a papelada das coletorias ao mesmo tempo que fazem a propaganda contra o pagamento de impostos; que propagando a luta pela liberdade abrem as portas das cadeias e queimam os autos dos processos existentes em juízo e nas delegacias, será muito fácil convencê-la de nossa sinceridade, conseguir seu apoio e conquistar muitos novos lutadores entre eles.
Por pequena que seja a localidade, os guerrilheiros deverão propor no fim do comício a constituição de um governo local nos moldes do governo popular, consultando para esse fim a própria massa que é quem deve eleger os seus representantes. Nem que seja por poucas horas de duração, esse ato político tem muita importância para despertar a consciência da população. Não se deve impor candidatos nossos, ao contrário, deixar o povo escolher e indicar de preferência elementos populares com prestígio, sejam ou não simpatizantes da ANL. O que é importante é que eles tenham que realizar o programa votado pelo povo. Sobre esse assunto, mais adiante enviaremos diretivas detalhadas.
Há ainda uma questão bastante importante a esclarecer; a posição do inimigo vencido. Os guerrilheiros, se bem que lutarão impiedosamente contra o inimigo, devem saber diferenciar entre os chefes e os comandados. É necessário destinar sempre muita propaganda aos soldados e graduados das volantes, sob forma de cartazes e bandeiras deixados em pontos bem visíveis. Terminada a refrega deve-se fazer propaganda entre os vencidos, procurando ganhar elementos para a luta. Somente tomar medidas extremas contra os que encabeçam a reação. A luta contra os chefes reacionários é que deve ser sem quartel, mas os seus homens — os soldados, os camponeses, mobilizados por eles devem ser bem tratados e alvo de intensa propaganda política. Esses também são oprimidos, mas em muitos casos não o sabem. O que é preciso é desarmar imediatamente e fazer jurar em público não mais pegar em armas contra o povo. Mesmo que um soldado aprisionado e mandado posteriormente em paz desarmado, volte a lutar contra os guerrilheiros e contra o povo, o que ele contar a seus companheiros será, sem querer, propaganda favorável aos guerrilheiros, fará pensar e abrirá caminho a muitos para simpatizarem conosco. Sendo pegado de novo, já então o caso é diferente e o próprio povo o condenará. Quanto aos oficiais, também só se deve agir severamente desde logo com elementos reconhecidamente reacionários, carrascos do povo e detestados pelo mesmo. O próprio povo os condenará logo. Quanto aos que são queridos da tropa e de quem a população não tenha queixa, é preciso agir com discernimento, fazer propaganda junto a ele e lutar para ganhá-lo para a Revolução.
Em geral os guerrilheiros, nessa questão, devem apoiar-se na massa e seguir seus desejos. Nossa finalidade não é uma vingança qualquer e sim ganhar a massa para a Revolução.
São essas, companheiros, algumas indicações para facilitar e coordenar o importantíssimo trabalho que já está sendo feito no sentido de alastrar por todo o interior do país a luta de guerrilhas. E necessário tocarmos para frente, levantando novos grupos, reforçando os existentes, juntando-os em colunas, desencadeando lutas por toda parte e tornando conhecido em todo o interior o programa do GPNR formando dessa forma o grande Exército Nacional Libertador nos campos, com vistas à implantação do Governo Popular Nacional Revolucionário sob a chefia do maior dos brasileiros, nosso grande LUIZ CARLOS PRESTES.
Inclusão | 23/10/2013 |