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Primeira Edição: Texto integral do informe enviado em 1933 ao Centro do Partido.
Fonte: http://www.gramsci.org.ar/8/53.htm
Tradução: anônimo
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.
Tendo passado dois anos desde o momento em que o companheiro [Gramsci] nos incitava a refletir sobre o tema do qual me disponho a falar, não poderia garantir a reprodução exata da multiplicidade de conceitos que ele utilizou para sustentar sua tese.
De qualquer maneira, admitindo que não me falta a objetividade necessária para o que planejei e o desenvolvimento do tema resultem deformados o mínimo possível, qualquer deficiência que possa haver nesta exposição me parece ser imputável, acima de tudo, ao tempo e aos demais pequenos problemas materiais que me impediram recordar seja por meio de algumas notas, ou mesmo que fossem as linhas gerais do pensamento de [Gramsci].
Estávamos no final de 1930, quando nas horas de passeio o companheiro nos apresentava o que ele tinha a satisfação de chamar como o "dedo na ferida", ou seja, o tema da "Constituinte".
A abordagem difícil, o tratamento esquemático e separado de uma série de problemas que, na minha opinião, não podiam omitir-se sem transformar um problema político delicado em uma argumentação formal e acadêmica, me produziu então a impressão de uma boutade, lançada propositalmente para alimentar nossas discussões diárias.
Mas, em seguida, adverti, contudo, que o pensamento de [Gramsci] havia sido fertilizado com sabedoria consciente o ... "dedo na ferida", e uma série de problemas políticos tratados antes por ele, em seguida apareceram juntos para o mesmo espírito, motivados pela mesma lei, apontando para o mesmo objetivo. No final, [Gramsci] nos dizia que ele havia pensado e estudado amplamente esta questão para a qual atribuía uma importância e um valor político de primeira ordem, pois, segundo ele, a tática do partido deve inspirar-se nestes critérios.
A apresentação feita por [Gramsci] sobre a "Constituinte" havia sido precedida por duas palestras sobre os temas: "Os intelectuais e o partido" e "O problema militar e o partido" cujos conceitos fundamentais tentarei reproduzir, porque me pareceram, depois da exposição em si, que estavam estreitamente vinculadas com esta, pelos menos, acreditei ter discernido nelas o fio condutor do seu pensamento.
Com respeito à "Os intelectuais e o partido" alegou o seguinte: os intelectuais representam para o proletariado uma necessidade absoluta, quer seja no momento histórico em que é uma classe em si ou quando é uma classe para si. Sem os intelectuais o proletariado intelectual não pode tomar o poder, consolidá-lo e desenvolvê-lo. Quem são aqueles que devem ser considerados como intelectuais? (e quais são os intelectuais em que o partido deve exercer a sua ação?)
Gramsci afirmou que os intelectuais da classe trabalhadora são os elementos que constituem a vanguarda do proletariado, ou seja, o partido. Para demonstrá-lo, serviu-se de um paralelo entre alguns ramos da organização estatal burguesa e do partido. Neste caso, utilizados para sua análise o lugar da produção e da organização militar.
Tanto na primeira como na segunda forma de organização, classificava entre os intelectuais e semintelectuais como elementos dos quais é requerida uma função particular, distinta da que é reservada para o executor material. Isto é, incluía entre os intelectuais todos aqueles a quem, no campo da produção, é atribuída a tarefa de concretizar o projeto estabelecido nas linhas gerais pelo estado maior ou pelo patrão da fábrica, tais como os engenheiros, diretores, etc.; entre os semintelectuais, aqueles a quem se atribui a supervisão técnica e administrativa para a execução adequada do trabalho, tais como os chefes seção, supervisores, capatazes e empregados conceitual e categorialmente inferiores.
No campo da organização militar considerava como intelectuais todos os oficiais de grau superior, os quais o estado-maior assegura a efetivação do plano tático e estratégico; entre os semintelectuais, a todos aqueles a quem se exige, muito especialmente, exercer a supervisão direta para que a tropa execute adequadamente o dito plano, isto é, oficiais subalternos e suboficiais.
A organização do partido, com seu CC no topo e suas organizações periféricas, oferecia a mesma imagem se é comparada com a forma de organização citada anteriormente e de acordo com a exposição de [Gramsci].
Com esta análise, que qualificava aos intelectuais partindo de determinada atividade, também pretendia fazer uma distinção nesta entre determinadas categorias sociais, com o fim de não confundir o tipo de intelectual que podia interessar ao partido com elementos burgueses propriamente ditos. Assim, segundo a análise de [Gramsci], o delegado administrador, o diretor geral de uma fábrica, os generais, o chefe espiritual de uma escola filosófica, etc., devem ser considerados como representantes puros da burguesia.
Com respeito ao "problema militar e o partido" [Gramsci] estabelecia os seguintes conceitos: a conquista violenta do poder exige do partido do proletariado a criação de uma organização de tipo militar que, apesar de sua forma molecular, se difunda em todas as ramificações da organização estatal burguesa e seja capaz de torná-la vulnerável e de acertá-la com golpes fortes no momento decisivo da luta. Mas o problema da organização militar deve entender-se como parte de uma ação mais ampla do partido, no sentido de que esta particular atividade pressupõe uma estreita interdependência com toda a ação do próprio partido e com o desenvolvimento ideológico deste. Esta forma particular de atividade não deve ser considerada como uma parte puramente técnica, sendo o fator político o elemento fundamental que determina seu nível de eficiência e sua capacidade.
Dos elementos encarregados de dirigir esta atividade se requerem sempre qualidades pouco comuns que, em certo sentido, estão em relação com o nível ideológico do partido.
A revolução proletária – dizia – implica, definitivamente, no deslocamento das relações de forças militares em favor da classe trabalhadora.
Mas por relações de forças militares não se deve entender exclusivamente o sistema constituído pela posse das armas ou dos continentes militares, mas a possibilidade para o partido de paralisar os setores principais do aparato estatal. Por exemplo: uma greve geral desloca a favor da classe trabalhadora as relações de força militares.
Como condição indispensável para a guerra civil considerava necessário ter um conhecimento exato das forças inimigas. A respeito das forças militares italianas, examinadas globalmente, enumerava os seguintes: o contingente militar e os corpos especiais, tais como os carabineiros, a milícia, a PS e os oficiais de reserva. A estes últimos corpos atribuía um grande valor como força militar e política. Catalogava os trens blindados como alguns dos mais importantes meios técnicos ofensivos do adversário, tendo em conta a conformação geográfica da Itália.
Um trem blindado – dizia – que percorre o litoral Adriático ou jônico imobiliza e pode semear o terror em populações inteiras, de onde o partido não criou uma organização militar capaz de opor a estes poderosos instrumentos da burguesia, toda uma ação que paralise parte de sua eficiência.
Disse também que a exposição sobre a "Constituinte" foi feita por [Gramsci], posto que ele próprio havia expressado seu desejo de conhecer nossa opinião sobre o tema.
Junto com os demais companheiros que assistiram a exposição citada, tive a impressão de que o companheiro [Gramsci] atribuía grande importância ao juízo que emitiriam os companheiros sobre este tema.
Com efeito, não se cansava de repetir que o partido estava afetado de maximalismo, e que o trabalho de educação política que ele realizava entre os companheiros devia conduzir, entre outras coisas, a criar um núcleo de elementos que deviam levar ao partido a uma contribuição ideológica mais sã. Dizia também que, muito freqüentemente, no partido se temem todas aquelas denominações que não formam parte do velho vocabulário maximalista. Pensa-se na revolução proletária como em uma coisa que em certo momento apareceria como uma coisa pronta. Cada ação tática que não concorde com o subjetivismo dos senadores se considerava, geralmente, como uma deformação da tática e da estratégia da revolução.
Assim, fala-se freqüentemente da revolução sem ter uma noção precisa do que é necessário para levá-la a cabo e os meios para alcançar este fim. Não se sabem adequar os meios às diversas situações históricas, e, em geral, se sente mais propensão a fazer discursos que a ação política, ou seja, se confunde uma coisa com outra. Por isso ele definia a questão da "Constituinte" como o "dedo na ferida".
A exposição sobre o tema da "Constituinte" estabelecia estes conceitos: 1) tática para a conquista dos aliados do proletariado; 2) tática para a conquista do poder. [Gramsci] os desenvolveu mais ou menos assim:
A reação italiana, ao privar o proletariado da atividade de seu partido, de suas organizações de classe, de sua imprensa, de toda possibilidade legal de reunião e de greves, cortou os meios de luta mais indispensáveis para a realização relativamente rápida de sua própria hegemonia de classe.
Em um país predominantemente agrícola como o nosso, em que e existe e subsiste uma demarcação nascida da estrutura econômica entre o norte e o sul e ainda entre os mesmos estratos sociais da classe trabalhadora; um país no qual o desenvolvimento industrial do sul está atrasado com respeito ao norte, ainda no período de concentração do capital e onde por razões históricas continua subsistindo uma certa subordinação ideológica dos estratos camponeses em respeito aos elementos pequeno burgueses – os quais constituem, por outro lado, o melhor meio do qual se serve a burguesia agrária para conter aos camponeses – a ação pela conquista dos aliados mostra para o proletariado algo extremamente delicado e difícil.
Por outro lado, sem a conquista destes aliados é impossível para o proletariado um autêntico movimento revolucionário. Se levarmos em conta as condições históricas particulares em cujos limites se vê o nível de desenvolvimento político das camadas camponesas e pequeno-burguesas, e se consideramos que atualmente na Itália, as possibilidades do partido de modificar através de uma ação em profundidade este atraso político e organizativo são relativas, é fácil compreender que a conquista destas camadas por parte do partido pressupõem uma ação particular que, desenvolvendo-se gradualmente, se torna compreensível e acessível aos estratos sociais citados.
O camponês e o pequeno burguês, acima de todos o rural, dadas as atuais condições de vida e de luta que existem na Itália, não estão em condições de ver no partido comunista e nas reivindicações finais que este propõe através de seus parceiros, o seu próprio partido. A luta pela conquista direta do poder é um passo em que estas camadas sociais somente poderiam ascender paulatinamente, isto é, na medida em que a tática do partido os conduza lentamente a comprovar a justiça de seu programa e a falsidade do programa demagógico dos demais partidos políticos, nos quais o camponês e o pequeno burguês, no entanto, acreditam.
Hoje seria fácil fazer o camponês do Mezzogiorno compreender ou de qualquer outra região da Itália, a inutilidade social do Rei. Mas não é tão fácil fazê-lo compreender que o trabalhador pode tomar seu lugar, da mesma maneira que não acredita ser possível substituir o patrão. O pequeno burguês ou o oficial subalterno do exército descontente porque não ascende, por causa das condições de vida precárias, etc., estará mais disposto a acreditar que suas condições de vida possam melhorar em um regime republicano que em um de tipo soviético. O primeiro passo através do qual temos de conduzir estes estratos sociais é aquele que os leva a definirem-se sobre o problema constitucional e institucional. Todos os trabalhadores, inclusive os camponeses mais atrasados da Basilicata ou da Cerdena, já compreendem a inutilidade da coroa.
Neste terreno, o partido pode desenvolver uma ação comum com os partidos que lutam contra o fascismo na Itália, mas não podem ser arrastados por eles.
O partido tem como objetivo a conquista violenta do poder, a ditadura do proletariado, mas deve realizá-lo usando a tática que melhor corresponda a uma determinada situação histórica e na realização das forças de classe existentes nos diversos momentos de luta.
Da aptidão do partido para manobrar nestas fases da luta e do nível de sua capacidade política, dependerão as possibilidades de superar as alianças intermediárias que assinalaram as etapas de desbloqueio dos estratos sociais a conquistar e a modificação das relações de força;
Pois bem, mesmo admitindo que a pressão reacionária na Itália diminua nos próximos anos, de todas as maneiras a ação do partido deverá desenvolver-se em meio a grandes dificuldades. O que nos leva a concluir, ainda que sob as condições mais favoráveis para nós, o partido somente poderá contar com um máximo de 6000 membros ativos.
Se dividirmos este número pelo número de províncias italianas, é evidente para todos nós que nossa eficiência é limitada. Nestas condições não é possível de conquista do poder sem atravessar um período de transição, mesmo que seja de duração relativa.
Na Itália as perspectivas revolucionárias devem fixar-se uma alternativa dupla, isto é, a mais provável e a menos provável. Neste momento, para mim, é mais provável a do período de transição, portanto, este objetivo deve ser o que guiará a tática do partido, sem o temor de parecer pouco revolucionário. Deve fazer como se fosse a sua, antes que os demais partidos em luta contra o fascismo, a aliança da "constituinte", não como fim em si mesmo, mas como meio.
A "constituinte" representa a forma de organização em cujo seio podem incluir-se as reivindicações mais imediatas para a classe trabalhadora e em cujo seio pode e deve desenvolver-se, através de seus próprios representantes, a ação do partido, que deve orientar-se para desvalorizar todos os projetos de reforma pacífica, demonstrando à classe trabalhadora italiana que a única solução possível na Itália é a revolução proletária.
A este respeito lhe agradava recordar da "Associação da jovem Cerdena" em Turín 1919, com o qual intentava demonstrar que a ação oportuna e politicamente justa do partido havia provocado a mobilização dos pobres contra os ricos e a inscrição daqueles no Círculo Educativo Socialista Sardo, no âmbito da Câmara do Trabalho. E como conseqüência direta, a mobilização dos militares da brigada Sassari em favor da classe trabalhadora turinesa.
Assim dizia: esta é, de certo modo, uma pequena “constituinte”. Por outro lado, acrescentava, na Rússia o artigo 1º do programa de governo do partido bolchevique incluía a "Constituinte".
É necessário que o partido faça sua esta aliança que fará possível o acordo com os partidos antifascistas, acordo que deve nos colocar em condições de ter independência política e supremacia frente a eles. Neste sentido nossa tática nos conduzirá, independentemente de qualquer preocupação sobre as denominações, a realizar os objetivos que o partido propõe.
Depois de uma discussão contraditória com o subscrito, o companheiro [Gramsci], que não disse em que momento da luta podia realizar-se a aliança da "constituinte", acrescentava: penso que com a piora das condições econômicas da Itália, teremos uma série de agitações populares de rua, de caráter esporádico, mas com uma certa continuidade. Esta fermentação da classe trabalhadora assinalará o momento em que a "constituinte" será realizável na Itália, mas o partido deve lançar esta aliança imediatamente. A análise do companheiro prescindia de toda avaliação sobre as relações de interdependência entre a economia italiana e a dos demais países capitalistas; sobre as conseqüências inerentes à acentuação da crise econômica mundial – tais como os fenômenos de radicalização da classe trabalhadora e o desmembramento das categorias sociais que constituem a base de alguns partidos políticos pseudo-proletários (Social Democracia) – e sobre a influência do desenvolvimento da economia soviética, etc., já que ele considerava que as condições objetivas para a revolução proletária existiam na Europa desde mais de 50 anos.
É necessário – dizia – ser mais políticos, saber usar o elemento político, ter menos medo de fazer política. E detendo-se incidentalmente no exame da aliança "governo operário e camponês" dizia que tal aliança estava historicamente superada e devia ser substituída por esta outra: "República dos soviets operários e camponeses na Itália".
O companheiro não desenvolveu mais o tema, e, pelo que posso recordar, me pareceu então que as razões históricas da superação desta aliança consistiam no fato de que partidos pseudo-proletários e democráticos já se apropriaram dela, o que atesta um deslocamento dos estratos sociais sobre os quais se apóiam estes mesmos partidos. Não podia dizer – posto que Gramsci não expressou sua opinião a este respeito – se ele queria dizer com isto que o citado deslocamento empurrou para a esquerda estes partidos ou se por causa dela os empurrava a usar uma terminologia mais demagógica.
Depois da exposição do companheiro, sobre a questão da "constituinte" pediu-se a opinião dos demais companheiros. Cada um dos presentes, dentro dos limites de sua própria preparação, disse o que pensava, e, em linhas gerais, todos estiveram de acordo com a tese de [Gramsci]. Estes companheiros foram Tulli, Lai, Placentini, Ceresia, Spadoni, o Sardo e algum outro cujo nome não recordo exatamente. Na exposição, isto é, contra a tese sustentada por [Gramsci], se manifestaram o subscrito e Scucchia de Roma. Com efeito, por expresso desejo do companheiro [Gramsci], todos os participantes da reunião foram convidados a reexaminar a questão para voltar a opinar uns quinze dias depois. Este reexame do problema não foi possível porque [Gramsci], influenciado por falsas informações, acreditou que as questões realizadas pelos companheiros em sessões separadas, deslizaram para um terreno fraccionista.
Houve uma breve reunião na qual [Gramsci] demonstrou que a causa da insuficiente educação política dos companheiros, suspenderia por seis meses as conversações, tal como se vinham desenvolvendo até aquele momento.
Assim nasceu e... morreu a questão da "constituinte" em Turi de Bari, mas permaneceu viva no pensamento do companheiro [Gramsci] até o momento que, em outubro de 1932, me falou dela com o mesmo convencimento profundo e o mesmo entusiasmo que em 1930.
No dia seguinte da exposição de [Gramsci] lhe propus que expressasse suas idéias sobre o fascismo, enumerando-nos quais seriam, segundo ele, as razões históricas que lhe haviam dado origem, que interesses representava e qual era sua composição social.
Pareceu-me então que as perspectivas sobre a situação italiana não poderiam ser analisadas objetivamente sem ter uma visão exata das questões que eu me propunha tratar.
O companheiro [Gramsci] esteve de acordo com minhas propostas, e no dia seguinte, fez a história retrospectiva do fascismo que tratarei de expor de maneira mais sucinta, para evitar que os detalhes possam deformar o pensamento do expositor. Eis o que disse: o fascismo, tal como nos é apresentado na Itália, é uma forma particular de reação burguesa que está em relação com as condições históricas particulares da classe burguesa em geral e de nosso país em particular.
Não é possível avaliar exatamente o fascismo na Itália sem enquadrá-lo dentro da história do povo italiano e da estrutura econômica e política da Itália.
Pelo menos devemos retomar as razões históricas que marcam as etapas da unificação do estado italiano, a influência nefasta da igreja, a ação da democracia e da Social Democracia, para termos uma explicação mais real dos caracteres particulares desta forma de reação, que na Itália se denomina fascismo.
A mesma falta de unidade política da burguesia italiana, que está em relação com a estrutura econômica de nosso país, e cujos sinais mais particulares se destacam durante o período da luta pela independência italiana, nos explica em parte a origem e o desenvolvimento do fascismo. A este é reservada a função histórica do reagrupamento das forças burguesas no momento em que existem todas as premissas históricas para realizá-lo.
Mais além, a ausência de uma revolução democrático-burguesa propriamente dita na Itália deixa sem resolver uma série de problemas que, se tivessem sido resolvidos, teriam facilitado uma maior coesão da burguesia italiana, tornando aguda e acelerada, por oposição, a luta de classes e o desenvolvimento da classe trabalhadora.
Por este motivo, se com a participação da Itália na guerra mundial, a burguesia italiana pareceu realizar aquela unidade que antes não conhecia, o pós-guerra reanimará todas as contradições que a guerra conseguia ocultar parcialmente e replantará, mais exasperados, todos os velhos problemas da sociedade italiana.
A característica do pós-guerra na Itália é um momento histórico peculiar que pode definir-se como o paralelismo das forças.
Por um lado, as forças burguesas que lutam sem uma unidade de ação política para descarregar sobre a classe trabalhadora o peso da guerra; por outro lado esta última que, guiada pelo partido socialista, luta pela conquista do poder sem realizar a unidade de classe.
Mas enquanto o proletariado italiano dilui, pela oposição historicamente errônea do PS, sua própria eficiência revolucionária em uma tática que não o leva à conquista do poder, a burguesia deseja consegue agrupar suas forças para lutar contra a classe trabalhadora.
O movimento fascista da primeira hora que se iniciou com os pistoleiros a soldo dos proprietários de algumas zonas agrícolas, particularmente no vale do Pó, é a manifestação da luta da burguesia contra os trabalhadores em geral, e em particular a burguesia rural contra as associações dos trabalhadores agrícolas temporários.(2)
A tática da burguesia italiana tem duas diretrizes: contra a Câmara do Trabalho e contra a Federterra. Mas o resultado destas duas diretrizes se origina no campo tendo como alvo os centros urbanos.
A conversão das forças rurais em direção aos centros urbanos repete a tática do estrangulamento da cidade pelo campo. Os grupos sociais que constituem os elementos operantes nos quadros das organizações fascistas provêm em um primeiro momento do submundo do crime e, em um segundo momento, isto é, depois do apoio do governo Gliotti, da pequena-burguesia rural e urbana que pensa ter chegado para ela o momento histórico de decidir o destino da Itália.
Este momento coincide com a retração das bases sociais do fascismo e com a diminuição do impulso revolucionário na Itália, cujo índice é o movimento de ocupação das fábricas.
Todas as fases anteriores da luta política na Itália refletem – através da ação tumultuosa e contraditória do partido fascista – por um lado, as fases da luta de classes e por outro, o processo de ação e reação dos estratos sociais que a burguesia italiana utiliza para sua luta contra o proletariado. Este processo se desenvolve quase simultaneamente com o da concentração do capital na Itália, que como conseqüência impõem o predomínio do capitalismo financeiro, a cujos interesses se subordina toda a política do fascismo.
Assim, em certo momento, o fascismo se converte na forma de organização destinada especialmente a defender os interesses desta parte da burguesia italiana conseguindo, ao [mesmo] tempo e por meio de formas particulares de organização, moderar, mesmo que de forma relativa, os interesses dispares da burguesia.
Este feito viu-se facilitado na Itália pelas formas institucionais da base antidemocrática, vinculadas a uma legislação que inibe toda possibilidade de reação contra o excesso do poder de reagrupamentos burgueses economicamente mais fortes. Por exemplo, o parlamento, cuja vida, definitivamente, está subordinado aos poderes discricionários do Rei, a Magistratura que não é eletiva, etc.
Paralelamente a este processo de centralização das forças burguesas, se assiste ao processo de radicalização da classe trabalhadora, à qual, com efeito, se desenvolve com um ritmo muito mais lento que o primeiro.
O partido comunista com seu nível de formação ideológica expressa em parte a extensão deste processo.
O fascismo, cujo pressuposto era resolver a crise econômica, se bem que não cumpriu totalmente o prometido, deu em troca à burguesia italiana algumas possibilidades de superar, sem muitos sobressaltos, a profunda crise do pós-guerra em um período de relativa estabilização.
Naturalmente, tudo isto resulta em prejuízo para a classe trabalhadora..
A crise econômica italiana, contida dentro de certos limites, não deixará de piorar e as repercussões desta acentuação já apontam no horizonte com a agitação proletária e camponesa que testemunham seu nível de impaciência econômica e política.
Hoje, para o proletariado italiano estão dadas todas as condições objetivas para a conquista do poder.
Mas isto não basta. O nível de maturidade política de vastos setores das massas, especialmente camponesas, está mais atrasado que o do proletariado e a influência dos partidos políticos pseudo-proletários, ainda não foi destruída.
O problema mais urgente do partido é conseguir a hegemonia do proletariado, sem o qual não podemos falar em conquista do poder.
É necessário que o partido se encontre preparado para a mais extrema defesa da burguesia, a qual pode chegar a ceder a terra aos camponeses.
O problema fundamental é, e segue sendo, o das relações de força de classe. A ação do partido deve tender a realizar rapidamente estas relações usando a tática que, tendo em conta a particularidade das forças em nosso país, seja mais adequada para deslocar rapidamente a favor da classe trabalhadora.
Estabeleci sumariamente, confiando na fidelidade da minha memória, os conceitos expostos por [Gramsci] separando destes os elementos sectários e tratando de não invalidá-los com meus próprios pontos de vista.
Não posso garantir que reproduzi com exatidão tudo o que foi exposto pelo companheiro [Gramsci] há dois anos. Deve tê-lo em conta quem leia e esteja interessado em discutir os elementos expostos neste informe.
Se algum dia o companheiro [Gramsci] ler meu informe, que fiz com prazer com a finalidade de fazer algo útil para o partido, me perdoará se não foi possível repetir com exatidão tudo o que ele expôs.
Porto
22 de março de 1933
Notas:
(1) Athos Lisa foi companheiro de Gramsci na prisão de Turi, mantendo com ele algumas discussões sobre os problemas militares de uma futura revolução na Itália. (retornar ao texto)
(2) Cotejamos esta tradução com o espanhol onde utilizou-se a palavra braceros, mais característica no México querendo se referir àqueles que trabalham mas não possuem, nem alugam a terra, semelhantes ao que ocorre no Brasil onde são subdivididos em mensalistas, diaristas, tarefeiros, para o caso de haverem vínculos e volantes ou "bóias-frias" que possuem contrato limitado ao período da colheita. (nota do tradutor). (retornar ao texto)
Inclusão | 20/07/2009 |