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Primeira edição: ....
Fonte: Stálin, Emil Ludwig, Editorial Calvino, 1943
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo
Que espécie de homem vem a ser Joseph Stalin? Sua serenidade e afabilidade foram as qualidades que, desde logo, despertaram minha atenção. Acima de tudo, possui ele um alto sentimento de dignidade nacional, dando a impressão de possuir uma enorme reserva de energia. Naturalmente, em suas relações com os outros homens, Stalin sempre demonstrou qualidades dominadoras; mas a verdade é que ele representa o tipo perfeito do "chefe amável". Pareceu-me ser, ainda, generoso e paciente. Conversa em voz baixa, mantendo-se muito apegado à verdade e tendo sempre, nos seus olhos castanhos, uma centelha de humor. Gosta de ouvir o que se diz, prestando grande atenção ao interlocutor. Por vezes, seus olhos tomam-se brilhantes como ônix.
Alguns dias depois de ter conversado com ele no Kremlin, por mais de duas horas, escrevi o seguinte a minha filha:
"Gozamos, realmente, uma verdadeira festa intelectual. Ele possui um fino humor e, por vezes, gracejamos e rimos. É uma forte mentalidade: um espírito penetrante, sagaz e sábio".
Apesar de havermos conversado através de um intérprete, saí nutrindo por ele um forte sentimento de simpatia. E, pelo que soube, Stalin nutre também uma grande afeição pelos homens em geral.
Aparentemente, Stalin não é nem tão robusto nem tão alto como, em geral, o descrevem: É mais baixo do que alto, dando-nos a impressão de uma índole bondosa e quase tímida. É uma personalidade radiosa que impõe respeito, naturalmente, àqueles que o rodeiam.
O que mais me impressionou na figura de Stalin foi sua extrema e natural modéstia. Esta constitui, para mim, um dos mais seguros indícios da sua estatura moral. Isso porque, na verdade, os grandes homens são modestos.
Stalin goza da reputação de manter um modo de vida corretíssimo, caracterizando-se como o tipo perfeito do "chefe de família". É, atualmente, viúvo. Quando sua mulher faleceu, não foi cremada, nem suas cinzas depositadas no Kremlin, como é costume fazer-se com os restos mortais dos comunistas eminentes.
Em seu leito de morte, pediu ela para ser enterrada num lugar sagrado, tendo Stalin satisfeito seu último desejo.
Sendo um dos mais incansáveis trabalhadores da União Soviética, Stalin exerce sua atividade quase exclusivamente no recinto do Kremlin, onde vive e mantém contacto com os círculos governamentais e com os camaradas do Partido. Por vezes, comparece à Ópera, única diversão que o seduz, segundo me informaram. Senta-se com alguns amigos ao fundo de um camarote e nunca a assistência tem conhecimento de sua presença a não ser no fim da representação, quando ele se levanta e aplaude, deixando aparecer apenas os braços.
Tal como os demais Comissários do Povo, Stalin vive confortavelmente. Todos possuíam o seu apartamento próprio no Kremlin, aqueles mesmos que eram ocupados pelo Czar e seus ministros imperiais. Possuem também residências de campo. Stalin tem — ou teve — uma residência de inverno na Criméia, próximo às fontes de Sochi, consideradas de grande eficácia na afecção cardíaca de que ele sofre.
Todos os Comissários, ao que parece, vivem modestamente ou, pelo menos, sem ostentação. Seus gabinetes no Kremlin são montados com simplicidade, mas com mobílias modernas, sendo providos de aparelhos e instrumentos da maior eficiência.
O subsídio de Stalin anda por cerca de $160 (Cr.$3.200,00) por mês, pagando, porém, o Estado, todas as suas despesas. Dentro da relatividade das cousas, Stalin vive da mesma forma que o Presidente dos Estados Unidos.
O seu sucesso na organização política, na produção industrial e realizações no terreno militar é devido, em grande parte, ao seu admirável vigor físico. É capaz de trabalhar muitas horas sem se fatigar, possuindo um grande poder de concentração. Sem dúvida nenhuma ele possui um sistema nervoso também muito forte, pois seu espírito, ao que parece, é admiravelmente equilibrado. Sua personalidade não é agressiva, nem seu espírito intolerante.
Stalin é o tipo do homem que sabe conceber e executar um plano de vastas proporções, preferindo atingir os seus objetivos por meio de pacientes avanços e recuos. Gosta de examinar os problemas nos seus mínimos detalhes. De um modo geral, o seu sucesso pode ser atribuído a três fatores: ao seu vigor físico, ao seu sistema nervoso esplendidamente equilibrado e ao seu caráter fortalecido pela sua sabedoria, pelo seu conhecimento da natureza humana, seu bom senso e honestidade de propósitos.
Conversando comigo, Stalin demonstrou grande orgulho pelo sucesso dos Planos Quinquenais. Não atribui, entretanto, a si mesmo, essas realizações, mas sim aos milhares de técnicos soviéticos e aos milhões de cidadãos que realizam o trabalho necessário.
Se Stalin tivesse nascido na América do Norte, teria uma posição de relevo em qualquer atividade: como político, como líder trabalhista, como homem de negócio, como operário, ou em qualquer profissão liberal. Minha impressão é a de que Stalin ingressou na vida pública em razão das simpatias que nutre pelos deserdados da fortuna e pelo seu desejo de proporcionar uma vida melhor à massa do seu povo.
Na minha opinião, Stalin está conquistando, rapidamente, o lugar de Lenine na imaginação do povo russo. Efetivamente, no terreno material, Stalin contribuiu, como era natural, mais do que Lenine, para o bem estar das massas populares na Rússia. Na verdade, a União Soviética deve a maior parte de seu poderio ao gênio e ao espírito prático de Stalin.
Quando ele subiu ao poder, em 1926, o país estava ameaçado de um desastre econômico. Mas a sua energia reabilitou as finanças governamentais, organizou a exploração de matérias primas, a indústria e a força de trabalho da nação, lançando assim as bases para a imensa realização militar que hoje conhecemos.
Tem-me sido perguntado muitas vezes se Stalin possui o mesmo poder pessoal de Hitler. Trata-se de dois tipos de homem diametralmente opostos. Hitler é um gênio paranóico. Possui idéias exageradas a respeito das cousas e tem a mania da grandeza, acreditando-se um grande homem. Afirma ser guiado por uma voz interior.
Stalin é um gênio que usa a razão para examinar os problemas. Deixa-se conduzir mais pelo cérebro do que pelas suas emoções.
Há, entretanto, uma qualidade que tanto Hitler como Stalin compartilham: ambos têm uma notável capacidade para executar seus planos, dominando ou controlando outros homens.
Uma diferença essencial: Hitler considera uma glória as depurações sangrentas por ele realizadas no seio do seu partido; Stalin, na minha opinião, procura justificá-las e deplora-as, explicando-as como senão uma necessidade humanitária.
De maneira geral, dir-se-ia que Stalin possui maior poder pessoal do que Hitler. Stalin sente um grande prazer e tem grande orgulho de cumprir seus compromissos. Hitler não somente os desrespeita, como se jacta de o fazer. É natural, portanto, que o poder de Stalin sobre os homens tenda a crescer, enquanto que o de Hitler tende a declinar.
Muito embora o Governo Soviético professe a ideologia comunista e tenha grande devoção pelas teorias de Marx e Lenine, Stalin e seus colaboradores afastaram-se, na prática, dos princípios essenciais do Comunismo. Stalin defende o ponto de vista de que já é uma tarefa suficientemente grande realizar o socialismo na Rússia. Alem do mais, ele chegou à conclusão de que o melhor meio de demonstrar as excelências do Comunismo seria melhorar as condições materiais do povo russo.
Stalin teve ocasião de manifestar-me, por várias vezes, uma grande admiração pelo Presidente Roosevelt, a quem ele,considera um grande homem. E o que talvez mais tenha concorrido para isso foi a perfeita compreensão que o Presidente revelou a respeito da situação do mundo e os pressentimentos por ele revelados, já em 1937, a respeito da grave ameaça que pairava sobre a paz mundial.
Tal como todo o povo russo, Stalin alimenta uma grande simpatia pelo povo e pelo Governo dos Estados Unidos. Isso porque, na verdade, nada temos que possa despertar a cobiça dos russos, assim como nada possuem eles que possa despertar a nossa.
Todos os líderes soviéticos, desde Stalin até o mais modesto, não vêem, pois, razão alguma que justifique jamais um choque armado entre as duas grandes potências.
Stalin, alem de tudo mais, possui uma excelente visão da história da Europa contemporânea. Ele conhece profundamente as forças que atuam na moderna Europa e os acontecimentos atuais demonstraram quanto eram acertadas as apreensões e previsões por ele demonstradas anteriormente. Foi ele um dos poucos estadistas, fora dos países agressores, que previram a presente conflagração mundial, mas talvez o único a tomar extraordinárias precauções para proteger o seu país.
Stalin dá-nos a mesma impressão de grandeza e de energia que se tem diante das figuras de Churchill ou de Roosevelt. Mas faz-nos lembrar também certas figuras de homens públicos tais como Cordell Hull e o Secretário da Guerra Henry Stimson ou ainda industriais e políticos tais como Gerard Swope e Jessé Jones.
Tenho visto e falado com muitas personalidades proeminentes de vários países do mundo. Mas, se tivesse de fazer uma classificação dos homens mais capazes com quem me foi dado entrar em contacto, Joseph Stalin haveria de estar colocado, sem dúvida nenhuma, num dos primeiros lugares de minha lista.
Notas:
(1) Ex-Embaixador dos EE. UU. na URSS e autor do livro "Missão em Moscou"
Inclusão | 19/04/2011 |