Problemas Econômicos do Socialismo na URSS

J. V. Stálin


2. A Produção Mercantil no Socialismo


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Alguns camaradas afirmam que o Partido agiu incorretamente, ao conservar a produção mercantil depois que tomou o poder e nacionalizou os meios de produção em nosso país. Acham que o Partido deveria já naquela época eliminar a produção mercantil. Invocam, para isso, Engels, que diz:

"Uma vez que a sociedade tome posse dos meios de produção, será eliminada a produção mercantil e simultaneamente o domínio dos produtos sobre os produtores" (ver "Anti-Dühring").

Estes camaradas se equivocam profundamente.

Vamos analisar a fórmula de Engels. Não se pode considerar a fórmula de Engels como inteiramente clara e precisa, pois ela não indica se se trata da posse por parte da sociedade de todos os meios de produção ou de apenas uma parte deles, isto é, se todos os meios de produção passam a ser patrimônio do povo ou apenas uma parte deles. Portanto, esta fórmula de Engels pode ser compreendida de duas maneiras.

Noutra passagem do "Anti-Dühring", Engels fala sobre a posse de "todo o conjunto de meios de produção”. Assim, Engels, na sua fórmula, tem em vista a nacionalização, não de uma parte dos meios de produção, mas de todos os meios de produção, isto é, a passagem para o patrimônio do povo dos meios de produção, não apenas da indústria, mas também da agricultura.

Daí se conclui que Engels tinha em vista os países em que o capitalismo e a concentração da produção estivessem suficientemente desenvolvidos, não somente na indústria, mas também na agricultura, para tornar possível a expropriação de todos os bens de produção do paíse passá-los à propriedade do povo. Engels considera, por conseguinte, que nesses países se realizaria, ao lado da socialização de todos os meios de produção, a liquidação da produção mercantil. E isto, naturalmente, está certo.

No fim do século passado, no momento da saída do prelo do "Anti-Dühring", a Inglaterra era o único país em que o desenvolvimento do capitalismo e a concentração da produção, tanto na indústria como na agricultura, tinham-se elevado a tal ponto que seria possível, no caso da tomada do poder pelo proletariado, passar todos os meios de produção do país ao patrimônio do povo, assim como eliminar a produção mercantil.

Faço abstração, neste caso, da importância que tem para a Inglaterra o comércio exterior, com seu enorme peso específico na economia nacional. Penso que somente depois do estudo desta questão se poderia resolver definitivamente o problema do destino da produção mercantil na Inglaterra, após a tomada do poder pelo proletariado e a nacionalização de todos os meios de produção.

Aliás, não somente no fim do último século, mas também no presente, nenhum país ainda alcançou o grau de desenvolvimento capitalista e de concentração da produção na agricultura que observamos na Inglaterra. No que se refere aos demais países, apesar do desenvolvimento do capitalismo no campo, existe ainda uma classe bastante numerosa de pequenos e médios proprietários-produtores no campo, cujo destino se deveria determinar em caso da tomada do poder pelo proletariado.

Eis, porém, a questão: como deveria agir o proletariado e seu partido, se neste ou naquele país, inclusive no nosso, existissem condições favoráveis para a tomada do poder pelo proletariado e derrubada do capitalismo; se o capitalismo na indústria tivesse concentrado a tal ponto os meios de produção que fosse possível expropriá-los e passá-los às mãos da sociedade, mas se a agricultura, apesar do crescimento do capitalismo, estivesse ainda a tal ponto fracionada entre inúmeros pequenos e médios proprietários-produtores, que não fosse possível levantar o problema da expropriação desses produtores?

A esta pergunta a fórmula de Engels não dá resposta. Aliás, ela não deve responder a esta pergunta porque surgiu à base de outra, que é justamente a seguinte: qual deveria ser o destino da produção mercantil depois de socializados todos os meios de produção?

Assim, como agir se nem todos os meios de produção podem ser socializados, mas somente parte deles, apesar de existirem condições favoráveis para a tomada do poder pelo proletariado? Deveria o proletariado tomar o poder e, logo depois, precisaria eliminar de um golpe a produção mercantil?

Não se pode, certamente, chamar de resposta as opiniões de alguns pseudo-marxistas, que consideram que em semelhantes condições se deveria renunciar à tomada do poder e esperar até que o capitalismo consiga arruinar os milhões de pequenos e médios produtores, transformando-os em operários agrícolas, e concentrar os meios de produção na agricultura; e que somente depois disso seria possível colocar a questão da tomada do poder pelo proletariado, e a da socialização de todos os meios de produção. É compreensível que com tal "saída" não podem os marxistas estar de acordo, se não querem, por fim, cobrir-se de vergonha.

Não se pode, tampouco, considerar como resposta a opinião de outros pseudo-marxistas, que pensam talvez fosse preciso tomar o poder e promover a expropriação dos pequenos e médios produtores rurais e socializar cs seus meios de produção. Mas este insensato e criminoso caminho tampouco pode ser seguido pelos marxistas, pois tal caminho anularia qualquer possibilidade de vitória da revolução proletária, e jogaria o campesinato, por muito tempo, no campo dos inimigos do proletariado.

Lênin respondeu a esta questão em seus trabalhos sobre o "imposto em espécie" e no seu famoso "plano de cooperativas".

Á resposta de Lênin resume-se no seguinte:

a) Não se devem perder as condições favoráveis para a tomada do poder; o proletariado deve tomar o poder sem esperar o momento em que o capitalismo arruinará os muitos milhões de pequenos e médios produtores individuais;

b) expropriar os meios de produção na indústria e passá-los ao patrimônio do povo;

c) quanto aos pequenos e médios produtores individuais, uni-los gradualmente em cooperativas de produção, isto é, em grandes empresas agrícolas — os kolkhoses;

d) desenvolver por todos os meios a indústria e dar aos kolkhoses a base técnica atual da grande produção; entretanto, não expropriá-los, mas, ao contrário, supri-los intensamente de tratores e outras máquinas de primeira qualidade;

e) para unidade econômica da cidade e do campo, da indústria e da agricultura, conservar por certo tempo a produção mercantil (a troca através da compra e venda), como a única forma aceitável, para os camponeses, de relações econômicas com a cidade e desenvolver amplamente o comércio soviético, estatal, e cooperativo-kolkhosiano, expulsando da circulação de mercadorias todos e quaisquer capitalistas.

A história da nossa construção socialista mostra que este caminho de desenvolvimento, traçado por Lênin, era inteiramente justo.

Não pode haver dúvida alguma de que para todos os países capitalistas onde há uma classe mais ou menos numerosa de pequenos e médios produtores, este caminho de desenvolvimento é o único possível e racional para a vitória do socialismo.

Diz-se que a produção mercantil sempre e em todas as condições, deve conduzir, e obrigatoriamente conduzirá, ao capitalismo. Isto não é certo. Nem sempre e tampouco em quaisquer condições! Não se pode identificar a produção mercantil com a produção capitalista. São duas coisas diferentes. A produção capitalista é a forma superior de produção mercantil. A produção mercantil leva ao capitalismo apenas neste caso: se existe propriedade privada dos meios de produção, se a força de trabalho se apresenta no mercado como mercadoria que pode ser comprada e explorada pelo capitalista no processo da produção; se, conseqüentemente, existe no país o sistema de exploração dos operários assalariados pelos capitalistas. A produção capitalista começa onde os meios de produção estão concentrados em mãos de particulares e os operários, privados dos meios de produção, são obrigados a vender sua força de trabalho, como mercadoria. Sem isto, não há produção capitalista.

Bem, e se não existirem estas condições que transformam a produção mercantil em produção capitalista; se os meios de produção já não forem de propriedade privada mas de propriedade socialista; se o sistema de trabalho assalariado não existir e a força de trabalho não for mais uma mercadoria; se o sistema de exploração já há muito tempo tiver sido liquidado — que pensar então? É possível admitir que a produção mercantil sempre leva ao capitalismo? Não, não se pode pensar assim. Ora, nossa sociedade é justamente uma sociedade em que a propriedade privada sobre os meios de produção, o sistema de trabalho assalariado, o sistema de exploração, já há muito não existem.

Não se pode considerar a produção mercantil como algo que se basta a si mesmo, independente das condições econômicas que a cercam. A produção mercantil é mais antiga que a produção capitalista. Ela já existia durante o regime escravagista e o servia, embora sem levá-lo ao capitalismo. Ela existiu no feudalismo, e o servia, mas, não obstante preparar algumas condições para a produção capitalista, não o levou ao capitalismo. Pergunta-se, por que não pode a produção mercantil servir também, num certo período, à nossa sociedade socialista, sem levá-la ao capitalismo, se se considera que a produção mercantil não tem em nosso país tão vasta e ilimitada expansão, como nas condições capitalistas; que a produção mercantil, em nosso país, é rigorosamente circunscrita, graças a decisivas condições econômicas, como a propriedade social sobre os meios de produção, a liquidação do sistema do trabalho assalariado, a liquidação do sistema de exploração?

Diz-se que depois de estabelecer-se em nosso país o domínio da propriedade social sobre os meios de produção, e depois que o sistema de trabalho assalariado e o da exploração foram liquidados, a existência da produção mercantil não tem mais sentido, que seria preciso, em vista disso, suprimi-la.

Isso tampouco é certo. Atualmente, em nosso país, existem duas formas fundamentais de produção socialista: a estatal, que é de todo o povo e a kolkhosiana, que não se pode dizer que é de todo o povo. Nas empresas estatais, os meios de produção e a produção são de propriedade de todo o povo. Nas empresas kolkhosianas, porém, embora os meios de produção (a terra e as máquinas) também pertençam ao Estado, os produtos obtidos, contudo, pertencem aos diversos kolkhoses, uma vez que o trabalho, como também as sementes, são de propriedade dos kolkhoses. Quanto à terra entregue aos kolkhoses em usufruto perpétuo, os kolkhosianos dispõem dela, de fato, como sua propriedade, apesar de não poderem vendê-la, comprá-la, arrendá-la ou hipotecá-la. Esta circunstância determina que o Estado pode dispor somente da produção das empresas estatais, enquanto os kolkhoses dispõem da produção kolkhosiana como de sua propriedade. Os kolkhoses, porém, não querem alienar seus produtos senão em forma de mercadorias, em cuja troca eles querem receber as mercadorias de que necessitam. Atualmente os kolkhoses não admitem outros vínculos econômicos com a cidade que não sejam os vínculos mercantis, o intercâmbio através da compra e venda. Por isso, a produção mercantil e sua circulação, em nosso país, são hoje da mesma forma necessárias, como o foram, digamos, há trinta anos passados, quando Lênin proclamou a necessidade de desenvolver, por todos os meios, a troca de mercadorias. Naturalmente, quando, ao invés de dois setores fundamentais de produção, estatal e kolkhosiano, surgir um único setor de produção, com o direito de dispor de toda a produção destinada ao consumo do país, a circulação das mercadorias com sua "economia monetária" desaparecerá, como elemento desnecessário da economia nacional. Mas, até que isso aconteça, enquanto existirem os dois setores fundamentais da produção, a produção mercantil e a circulação de mercadorias devem permanecer em vigor como elementos muito úteis e necessários no sistema de nossa economia nacional. De que maneira se chegará à criação de um só setor unificado? Por meio de uma simples absorção do setor kolkhosiano pelo setor estatal, o que é pouco provável (porque isto seria considerado uma expropriação dos kolkhoses) ou por meio da instituição de um único órgão econômico nacional (com representantes da indústria estatal e dos kolkhoses) com o direito, no começo, de controlar toda a produção destinada ao consumo do país e, depois de algum tempo, também com o de distribuir a produção, sob a forma, digamos, de troca dos produtos. Esta é uma questão especial, que exige um exame à parte.

Conseqüentemente, nossa produção mercantil não é uma produção mercantil no sentido corrente, mas uma produção mercantil de tipo especial, uma produção mercantil sem capitalistas, realizada, fundamentalmente, por produtores unidos, socialistas (o Estado, os kolkhoses, as cooperativas), cuja esfera de ação é limitada aos objetos de consumo pessoal, e que, evidentemente, de modo algum, pode transformar-se em uma produção capitalista, pois é destinada a servir, com sua "economia monetária", ao desenvolvimento e ao fortalecimento da produção socialista.

Por isso, absolutamente não têm razão os camaradas que declaram que, se a sociedade socialista não liquida as formas mercantis de produção, devem ser restabelecidas, em nosso país, segundo sua opinião, todas as categorias econômicas peculiares ao capitalismo: a força de trabalho, como mercadoria, a mais-valia, o capital; os lucros do capital, a taxa média do lucro, etc. Estes camaradas confundem a produção mercantil, com a produção capitalista e supõem que uma vez existindo a produção mercantil, também deveria existir a produção capitalista. Não compreendem que nossa produção de mercadorias distingue-se radicalmente da produção mercantil no capitalismo.
Além disso, penso que é necessário renunciar também a algumas outras idéias tiradas de "O Capital", de Marx, no qual este se ocupou com a análise do capitalismo, artificialmente aplicadas às nossas relações socialistas. Refiro-me, entre outras coisas, a conceitos como os de trabalho "necessário" e "suplementar", os de produto "necessário" e "suplementar", os de tempo "necessário" e "suplementar". Marx analisou o capitalismo para esclarecer a fonte da exploração da classe operária, a mais-valia, e dar à classe operária, privada dos meios de produção, uma arma espiritual para a derrubada do capitalismo. É compreensível que Marx se utilize, para isso, de conceitos (categorias) que correspondam plenamente às relações capitalistas. Mais do que estranho, porém, é se utilizarem, agora, esses conceitos, quando a classe operária não somente não está privada do poder e dos meios de produção, mas, pelo contrário, mantém em suas mãos o poder e possui os meios de produção. Torna-se bastante absurdo agora, em nosso regime, falar-se a respeito de força de trabalho como mercadoria, e de trabalho "assalariado", como se a classe operária, possuidora dos meios de produção, se empregasse a si própria e a si própria vendesse a sua força de trabalho. Do mesmo modo é estranho falar atualmente de trabalho "necessário" e "suplementar", como se o trabalho dos operários, em nossas condições, consagrado à sociedade para ampliar a produção, desenvolver a instrução, preservar a saúde pública, organizar a defesa, etc., não fosse tão necessário para a classe operária, que se encontra agora no poder, como o trabalho despendido para satisfazer as necessidades pessoais do operário e de sua família.

É preciso notar que no seu trabalho "Crítica ao Programa de Gotha", onde já analisa não só o capitalismo, mas, entre outras coisas, a primeira fase da sociedade comunista, Marx reconhece que o trabalho consagrado à sociedade, para ampliar a produção, desenvolver a instrução, preservar a saúde pública, para as despesas da administração, formação das reservas, etc., é do mesmo modo tão necessário quanto o trabalho despendido para a satisfação das necessidades de consumo da classe operária.

Penso que nossos economistas deveriam acabar com essa discrepância entre os velhos conceitos e o novo estado de coisas em nosso país socialista, substituindo os velhos conceitos por novos, correspondentes à nova situação.

Pudemos suportar estas discrepâncias até certo momento, mas agora já chegou o tempo em que devemos, finalmente, liquidá-las.


pcr
Inclusão 24/07/2009