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(No fundamental, restringimo-nos nesta parte, como aliás em geral neste texto, aos pontos de vista do entendimento da história, sem entrar no tratamento detalhado do mesmo.)
Já acenei várias vezes à característica, pela qual as relações de produção da sociedade de classes se distinguem daquelas da sociedade sem classes. A oposição prende-se à distinta articulação da síntese social. Se uma sociedade obtém a forma de sua síntese no processo de produção - portanto deriva sua ordem determinante diretamente do processo de trabalho da atividade humana na natureza -, então ela é sem classes (ou pelo menos tem essa possibilidade). Uma tal sociedade pode-se denominar, de acordo com sua determinação estrutural, sociedade de produção. A alternativa a isso é uma forma de sociedade baseada na apropriação. Apropriação entende-se aqui, como aliás já acima, no sentido inter-humano ou intrasocial, ou seja como apropriação de produtos do trabalho por aqueles que não trabalham. Com isso, deve-se distinguir entre forma de apropriação unilateral e forma de apropriação recíproca. Apropriação unilateral do plus-produto leva à sociedade de classes nas várias formas de "relações diretas de senhoria e servidão", para usar essa expressão marxiana. Tal apropriação acontece na forma de entregas tributárias de tipo constritivo ou também livre, ou na forma de roubo e furto, pode estar baseada em sujeição ou em "direitos tradicionais", etc. As questões que nos interessam prendem-se, no entanto, predominantemente às formas da sociedade de apropriação baseada em apropriação recíproca ou troca, portanto às distintas formas da produção de mercadorias. A característica comum de todas as sociedades de apropriação é uma síntese social através de atividades, que por sua índole são distintas e temporalmente separadas do trabalho que produz os objetos de apropriação. Não é necessário sublinhar que nenhuma formação social (baseada na produção ou na apropriação) se pode compreender sem considerar o estado respectivo das forças de produção.
Na parte anterior, foi mostrado com fundamentação minuciosa, que uma síntese social nas formas de apropriação recíproca da troca de mercadorias leva ao surgimento de trabalho intelectual em nítida separação do trabalho manual. A unidade da síntese de tais formas sociais constitui a fundamentação genética direta das formas de pensamento e conhecimento características que lhe pertencem. Não pretendemos generalizar esse resultado e concluir daí que em todas as formações sociais sem excepção (que sejam sociedades de apropriação ou de produção) as formas de consciência socialmente necessárias sejam determinadas de forma deduzível das funções sócio-sintéticas, que são fundamentais para as formações. Por uma tal generalização tornam-se preciosas as pesquisas mencionadas realizadas para os interesses socialistas e comunistas, hoje estimulando realização. Nesta parte valorizaremos os novos conceitos e conclusões, que resultaram na matéria específica, como categorias e pontos de vista para o entendimento geral da história. A olhada sobre épocas passadas firmará e alargará o terreno para a consideração do futuro na parte a seguir.
Antes de mais nada, evidentemente não pode haver nenhum trabalho humano, sem que nele mão e cabeça operem conjuntamente. O trabalho não é nenhum agir animal, mas é atividade intencional, e a intenção deve guiar o esforço do corpo, de qualquer tipo que esse seja, com um mínimo de consequência lógica, rumo ao seu fim visado. "Supomos o trabalho naquela forma, na qual ele pertence somente ao homem. Uma aranha executa operações, semelhantes às do tecelão, e uma abelha envergonha certos mestres de obra com sua construção. Mas o que distingue o pior mestre de obras da melhor abelha é, que ele construiu a célula em sua cabeça antes de fazê-la de cera. No fim do processo de trabalho aparece um resultado, que no começo já estava na imaginação do trabalhador, portanto já estava à disposição idealmente."(30) Mas a nossa questão essencial é na cabeça de quem se encontra idealmente o resultado almejado do processo de trabalho. "Enquanto o processo de trabalho for individual, o mesmo trabalhador unifica todas as funções, que mais adiante se separam. Na apropriação individual de objetos naturais para suas finalidades vitais ele se controla a si mesmo Mais adiante vai ser controlado." É bem verdade que o processo individual de trabalho encontra-se, em um sentido bem determinado (ou seja como "trabalho do indivíduo isolado") no começo da produção desenvolvida de mercadorias, mas ele não se encontra no começo da história humana. Deve-se portanto distinguir, se o fim almejado de um processo de trabalho se encontra idealmente na cabeça daquele que leva adiante o trabalho, ou nas cabeças de vários, que realizam conjuntamente o trabalho, ou então em uma cabeça estranha, que envia aos trabalhadores só partes divididas do processo, as quais de forma alguma significam uma finalidade pretendida, porque para os executores elas são postas por outros. A depender disso, mudam as relações entre mão e cabeça para o trabalho. Mas as distinções essenciais estão em se o fim pretendido é a intenção daquele que de esforça corporalmente, ou a intenção de vários que se esforçam conjuntamente, ou então uma pura intenção parcial, que vem levada adiante pelo indivíduo, mas para ele não significa absolutamente nenhum fim almejado, porque lhe foi imposta por outros.
É importante para nós distinguir entre unidade (respectivamente: separação) pessoal e social de mão e cabeça. Unidade pessoal de mão e cabeça caracteriza essencialmente só o trabalho, que serve à produção individual. Isso não significa que também ao contrário toda produção individual pressupõe tal unidade pessoal; pensemos, por exemplo, à olaria ou à produção téxtil pelos escravos, que bem podem fabricar o produto com seu trabalho individual, mas não são donos do fim nem do modo do mesmo. Separação pessoal de cabeça e mão vale para todo trabalho, que ocorre sob fixação da finalidade por outrem. Unidade social de mão e cabeça, ao contrário, é característica da sociedade comunista, que ela seja de tipo primitivo ou tecnologicamente muito desenvolvida. Em contradição com isso, está a separação social entre o trabalho intelectual e corporal, que se estende por toda a história da exploração e assume as mais distintas formas.
Considerado muito a grosso modo, o desenvolvimento social passa do comunismo primitivo, onde a produção baseia-se em uma comunidade indissolúvel de trabalho, passo a passo chega à formação de produção individual em todos os territórios ocidentais e correspondentemente à formação da produção de mercadorias. Aqui chegamos, lado a lado, à utilização do dinheiro em sua forma reflexa como capital e à forma social do pensamento como intelecto puro separado. Em outras palavras, em rigorosa antítese ao isolamento da produção manual, chegamos à universalização da síntese social em sua causalidade colateral da linguagem econômica das mercadorias e da fundação da linguagem ideológica dos conceitos. Este estágio intermediário do desenvolvimento histórico alcançado na antiguidade clássica gera a sociedade de apropriação em sua manifestação absoluta ("clássica"), que exclui os escravos produtores da participação na socialização e que exatamente por este motivo não pode ter estabilidade. Mas com sua dissolução tem início um processo de desenvolvimento, no qual a socialização começa a capturar a produção e o próprio trabalho manual e com isso avança até o grau atual de desenvolvimento, onde dentro da sociedade capitalista de apropriação se criaram os pressupostos de uma moderna sociedade de produção e a humanidade, da acordo com a previsão de Marx e Engels, está colocada perante a alternativa inevitável entre os dois. Vale a pena seguir esse desenvolvimento geral através de suas fases principais, embora com brevidade forçada.
Sob este título entendemos, traduzida em nossa linguagem conceptual, a passagem da sociedade primitiva de produção às primeiras formas de sociedade de apropriação. Os começos da apropriação, no sentido aqui entendido, inerente à sociedade, pressupõem um aumento suficiente de produtividade ou desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social comunitário, para que se possam prever excedentes regulares de tamanho remunerativo sobre o mínimo da subsistência. Os primeiros começos da apropriação desenvolvem-se no interior da colectividade e trazem consigo alterações lentas, mas nem por isso menos marcantes, nas relações de produção que repousam na propriedade comum e no consumo comunitário. Marx vê a necessidade de formas mediadoras para tais mudanças, ou seja o começo de trocas com outras comunidades, que depois opera desagregando a ordem interna. Surge uma reação persistente quando aqueles elementos, que se avantajam da prática emergente de apropriação, tornam-se forças activas, as quais levam adiante o desenvolvimento na direcção que lhes serve, portanto se organizam como uma potência social à parte. Sob o influxo delas, surgem crescentes usurpações da propriedade comum, sobretudo do solo, e crescentes relações de dependência para os produtores. Pouco a pouco formam-se dentro da sociedade divisões de classes baseadas na herança e no patriarcado, em conexão com impulsos de conquistas externas e com uma atividade ampliada de roubo e de comércio.
Este bosquejo extremamente abstrato serve exclusivamente para sublinhar três momentos fundamentais:
Produção individual desenvolveu-se desde cedo na preparação de instrumentos e armas de pedra, mas depois sobretudo nos ramos artesanais de invenção do neolítico tardio, portanto na produção secundária como olaria, fiação e tecelagem, etc., sobretudo em trabalhos femininos, e no fim do neolítico nas indústrias dos metais, que eram ofícios de homens. As indústrias secundárias tornam-se o campo principal da troca de mercadorias, como por sua parte a troca de mercadorias se tornou base de promoção da difusão dos ofícios secundários. Pelo desenvolvimento e a reciprocidade de ambos, a produção de excedente e a formação classista de riqueza experimenta uma potente prosperidade, suficiente para colocar em movimento em períodos afins a enorme realização da cultivação dos grandes vales aluviais desde o Nilo até o Hoangho.
A abstração da troca pertence à troca de mercadorias, não a sua forma historicamente precedente, a troca de lembranças ou presentes. A troca de presentes caracteriza-se pela obrigação de reciprocidade do presente, enquanto a troca de mercadorias procede pelo postulado da equivalência dos objetos trocados. As diferenças e oposições necessitam de explicação.
A primeira pesquisa profunda sobre troca de dons foi desenvolvida por Marcel Mauss no começo do século; suas investigações de vinte anos chegaram em 1924 à publicação em Paris de seu famoso Essai sur le don ou O dom: forma e função da troca em sociedades arcaicas.(32) Seu método é, como ele mesmo diz, aquele da "comparação precisa"; ela é suficiente para proporcionar-lhe uma descrição rigorosa dos fenômenos em sua variedade estarrecedora; ele não pretendeu uma explicação histórica como tal do fenômeno da troca de dons. Contudo a análise descritiva dele foi uma realização meritória, que colocou em movimento fecundo a ambiciosa antropologia francesa. No entanto, na pesquisa de Mauss, sentimos a falta de uma definição material daquilo, que ele entendia por sociedade arcaica. Portanto eu acrescento uma tal definição, como ela me parece mais evidente: como arcaicas devem ser consideradas as sociedades, que não possuem outros instrumentos e ferramentas para o trabalho do solo senão aqueles da idade da pedra. Com tal aparelhamento não é possível nenhuma produção individual, nenhuma autosubsistência individual e portanto é necessário um modo de produção colectivo e uma propriedade comum de um tipo ou outro.
Ora, Marcel Mauss precisa seu projecto de pesquisa como segue:
"... assim, de todos esses princípios, nós pesquisamos porém no fundo somente um. Qual é a base do direito e do interesse, que faz com que nas sociedades atrasadas ou arcaicas o dom recebido obrigatoriamente é retribuído? Qual força está por trás da coisa doada, pela qual o recebedor a retribui?"(33)
Esta segunda questão assume desde já a perspectiva do próprio homem arcaico. Mas a retribuição prende-se tão pouco à coisa quanto ao momento ou ao lugar da troca: a retribuição prende-se à pessoa.(34)
Uma pessoa que deixar sem qualquer retribuição um dom que ela tenha recebido, o tratasse portanto como se fosse sua propriedade pessoal e definitiva, se colocaria em uma oposição insuportável contra sua comunidade e provocaria sua proscrição. Sem dúvida nenhuma, portanto, dentro de uma comunidade arcaica e colectiva a retribuição na troca de dons é bastante séria. Mas será assim também em outras sociedades, mesmo mais tarde?
A idade do bronze, que segue à idade da pedra, não traz ainda no essencial nenhuma reviravolta. O bronze é relativamente raro e precioso e é disponível somente para os reinantes, para armas e objetos de luxo. Os produtores primários, pelo contrário, ficam basicamente com seus instrumentos da idade da pedra. Na verdade, a construção de sistemas de irrigação nos grandes vales fluviais do Nilo ao Hoangho, proporciona aos dominadores na idade do bronze uma safra agrícola notavelmente aumentada.
A quebra decisiva nas tradições das sociedades arcaicas ocorre pela obtenção do ferro e sua elaboração, nas portas do último milênio antes de nossa era. R.J.Forbes explica a especificidade desta inovação técnica como segue:
"O estudo da metalurgia primitiva do ferro revela que a produção de ferro forjado (aqui entendido no sentido de ferro forjado superficialmente com carvão) comportou a introdução de um complexo inteiramente diferente de técnicas e de processos. O forjador da idade de bronze teve que reaprender seu ofício. As novas técnicas envolviam a total purificação dos materiais ferrosos, novos instrumentos e métodos para tratar a primeira "coloração" produzida pela primeira fusão do minério, e o domínio dos processos de carburação, de apagar e de temperar, os quais capacitavam o novo forjador a produzir aço a partir do ferro fundido. Pois somente o novo aço era superior ao bronze e ligas similares - o ferro fundido sozinho não teria produzido esta revolução técnica."(35)
Acresce que o minério de ferro na Ásia Menor e na Grécia se encontrou quase que por toda parte e os instrumentos de metal de ferro, respectivamente de aço, eram sem comparação mais baratos e mais fortes que aqueles de cobre e suas aleações. O uso de instrumento de ferro no trabalho do solo traz uma revolução econômica na produção agrícola. Ela pode agora ser explorada como economia individual com maior sucesso que no modo asiático de produção complicado e dispendioso. Com a passagem à técnica do ferro surge a economia da "produção do pequeno camponês e do artesão independente", que, de acordo com uma celebre nota de rodapé de Marx, formam "a base econômica da comunidade clássica em seus melhores tempos, depois que a propriedade comunal oriental original se dissolveu e antes de apoderar-se seriamente da escravização da produção"(MEW, v.23, p.354, rodapé).
Perante este fundo, porém, agora não se pode ter mais confiança na disposição a retribuir a troca de dons: a troca deve experimentar uma transformação profunda, sua própria transformação em troca de mercadorias. Isso significa que aquela reciprocidade que mais cedo ou mais tarde, em uma sucessão irregular no tempo, sucedia à doação, agora se acopla estritamente com a mesma em um pagamento pronto no mesmo lugar, de maneira que os dois atos da troca se tornam condições simultâneas e recíprocas e são interligados na unidade de um negócio de troca. Os parceiros dessa relação colocam-se agora reciprocamente um diante do outro como comprador e vendedor no pleno sentido da ação da troca (e de sua negociação), e sua separação das ações de uso dá origem à formação da abstração da troca.
Os primeiros dados típicos estruturais da nova metalurgia do ferro (que se difundiu por volta do ano 1000 antes de nossa era, ou algo antes) foram a civilização dos fenícios e, depois deles, a dos gregos e dos romanos. Em consequência da emancipação de sua produção primária da pesada economia de irrigação aluvial como precondição da necessária produção de excedente, as novas potências puderam satisfazer-se com espaços bem menores, colonizar terreno acidentado, estrias da costa e ilhas a tirar proveito de sua mobilidade. Nas legendas de suas origens heróicas (de Hércules, dos Argonautas, etc.) eles se mostram bastante fortes para empreender incursões com destruições, pilhagens, raptos, etc., no território das grandes culturas antigas do Oriente e de sua fabulosa riqueza, apropriando-se deste modo - junto com os tesouros pilhados - das técnicas avançadas e das artes do mundo antigo, e tornando-se pouco a pouco iguais a eles, sobretudo nos ramos secundários da produção, e superiores na produção de armas e de navios.
Ao isolamento da produção corresponde que esses aventureiros empreendem suas incursões de roubo e pilhagem no mundo circunstante por conta e risco próprio, não mais a serviço de dominadores teocráticos, sem poder estatal de apoio. Agem como heróis, indivíduos independentes, com os quais seu povo e sua cidade natal se identifica, para emular sua prática de apropriação autônoma de riqueza alheia encontrada. Com isso seu mundo imaginário mitológico é ainda semelhante àquele das culturas do bronze, mas de tal modo que os deuses se transformam de compromissos dos apropriadores com uma potência superior, em deuses do destino dos heróis. É a forma preliminar e primitiva da troca de mercadorias, antes que ela se prenda nas paridades ou disparidades da forma dinheiro. Esses anúncios de formas mais tardias foram reconhecidos com perspicácia por Horkheimer e Adorno em sua Dialética do esclarecimento.
É no entanto questão aberta, se e em que grau a movimentação mercantil e a circulação de moeda no mundo dos antigos realizaram de fato a produção de mercadorias. Engels responde afirmativamente à pergunta e fala em produção mercantil desenvolvida, que para ele data, conforme Lewis Morgan, do começo da fase da civilização. É claro que com a dissolução da produção primária pela produção individual na "pequena economia camponesa" (condicionada pelo desenvolvimento das forças produtivas) e com o desenvolvimento simultâneo do "pequeno estabelecimento artesanal" (para mencionar duas categorias que em Marx são interrelacionadas), uma difusão e aprofundamento da troca de mercadorias tornou-se necessidade econômica elementar. Para isso a introdução e difusão rápida de moeda no século sétimo e sexto a.C. pode servir de termômetro indubitável. Mas isso não chega a documentar uma formação social, na qual a troca de mercadorias já se tenha tornado nexus rerum interno determinante. "Precisa [...] pouco conhecimento [...] da história da república romana - diz Marx - para saber que a história da propriedade do solo forma sua história secreta." (MEW, 23, p.96) Enquanto o camponês possuía seus meios de trabalho, a subtração da propriedade da terra formava o meio principal para sua exploração (cf. também MEW, 25, p.798s.). Mas por quais processos mediadores se realizou a monopolização da propriedade da terra contra os camponeses? "A luta de classes do mundo antigo, por ex., move-se principalmente na forma de uma luta entre devedores e credores, e acaba em Roma com o declínio do devedor plebeu, que é substituído pelos escravos", diz Marx (MEW, 23, p.149-150). Também na Grécia a pequena produção camponesa e o artesanato autônomo formam "a base econômica da comunidade clássica em seu melhor tempo, depois de que a propriedade original oriental comum se dissolveu e antes que a escravatura se apoderasse seriamente da produção"(MEW, 23, p.354). As transformações acontecem como efeito da economia das mercadorias e do dinheiro. "No mundo antigo o efeito do comércio e o desenvolvimento do capital mercantil resulta sempre em economia escravocrática; [...] No mundo moderno ao contrário acaba no modo de produção capitalístico."(MEW, 25, p.344).
A distinção decisiva entre antigos e modernos é que só entre os modernos a produção de riqueza provem da produção de mais valia, e não da apropriação (portanto puro deslocamento de propriedade de valores existentes). Nos clássicos antigos a formação de riqueza era essencialmente de tipo extra e não intraeconômico, ou seja baseada no roubo e exploração de outras comunidades e de estrangeiros, portanto na submissão a dever tributário ou na transformação em escravos. Para isso as cidades-estado expoliadoras precisavam de uma constituição conforme a linhagem, pela qual eles podiam estar unidos e agir como poder comunitário. Mas esta condição estava em contradição com o desenvolvimento mercantil. Pois valia desde já que "somente produtos de trabalhos autônomos e reciprocamente independentes [defrontam-se] como mercadorias"(MEW, 23, p.57). Em seu reflexo sobre a economia interna, a relação tributária externa transforma-se dentro da polis em oposição de classes entre devedores e credores até o limite da venda de devedores como escravos. Essa transformação foi descrita classicamente por Engels com o exemplo de Atenas, e vale a pena repetir aqui os trechos mais decisivos.
Já "pelo final da fase superior da barbárie", "[...] pela compra e venda de propriedade do solo, pelo avanço da divisão do trabalho entre agricultura e artesanato, fabricação de navios e comércio [...] o jogo regulamentado dos órgãos da constituição [caiu] em tal desordem, que já no tempo dos heróis se procurou ajuda." Seguiu-se "a divisão de todo o povo, sem olhar para tribo, compadrio ou genealogia, em três classes: nobres, camponeses e artesãos. [...] O domínio do nobre subiu mais e mais, até que pelo ano seiscentos a.C. se tornou insuportável. E o meio principal da opressão da liberdade comum era exatamente o dinheiro, e o juro. A sede principal do nobre era em (e ao redor de) Atenas, onde o comércio marítimo, junto com a pirataria sempre eventualmente tolerada, o enriquecia e concentrava a riqueza monetária em suas mãos. Daqui a economia monetária em desenvolvimento penetrava como rio divisório no modo de existência das comunidades rurais baseado em economia natural. A constituição gentil é absolutamente incompatível com a economia monetária; a ruína dos pequenos camponeses áticos coincidiu com a desarticulação do vínculo antigo que os protegia abraçando-os. O título de dívida e a penhora dos bens (pois os atenienses tinham já inventado também a hipoteca) não respeitavam nem raça nem fraternidade. E a antiga constituição gentil não conhecia nem dinheiro, nem empréstimo, nem dívida monetária. Por isso o domínio monetário do nobre expandindo-se sempre mais exuberantemente formou também um novo direito consuetudinário para segurar o credor contra o devedor, para consagrar a exploração dos pequenos camponeses pelos possuidores de dinheiro. Os campos estavam cheios de marcos de hipotecas. [...] Os campos, que não estavam marcados destarte, tinham sido em grande parte já vendidos devido ao vencimento de hipotecas ou de juros, passando para a propriedade do nobre usurário. [...] Mais. Se o resultado da venda do pedaço se terra não era suficiente para cobrir a dívida [...], o devedor devia vender seus filhos em escravatura. [...] A propriedade privada, uma vez nascida, [...] levou à troca entre os indivíduos, à transformação dos produtos em mercadorias. E aqui está o cerne de toda a transformação que seguiu. [...] Os atenienses tiveram que experimentar quanto rapidamente, após o surgimento da troca entre indivíduos e a transformação dos produtos em mercadorias, o produto faz valer seu domínio sobre o produtor. Com a produção de mercadorias chegou a cultivação do solo por indivíduos por conta própria, e com isso logo a propriedade individual do solo. Chegou além disso o dinheiro, a mercadoria geral, contra a qual todas as outras se podiam trocar; mas enquanto os homens encontraram o dinheiro, não pensaram que eles com isso geravam uma nova potência social, a potência una comum, perante a qual toda a sociedade devia curvar-se. E foi esta potência nova, surgida de improviso, sem que seus próprios procriadores soubessem ou quisessem, foi ela que em toda brutalidade de sua juventude fez saborear seu domínio aos atenienses."
Não se pode duvidar do efeito transformador da economia mercantil e da circulação do dinheiro sobre a sociedade grega no período em questão. A descrição de Engels e sua apreciação é confirmada em todos os aspectos essenciais por George Thomson (The first philosophers, Londres, 1955, p.196). Ambos indicam a circunstância decisiva que a sociedade perdeu o domínio sobre sua produção e que por isso o comércio de mercadorias e o dinheiro "tornou-se a única potência comum, perante a qual toda a sociedade [devia] curvar-se". Lenta mas inevitavelmente a economia mercantil ganhou a prevalência sobre ligações de estirpe, que no decorrer do quarto século foram levadas à sua dissolução definitiva.
Mesmo sem que a produção antiga de mercadorias fosse produção de mais valia no sentido capitalista, ela era a base de uma "sociedade sintética" em meu sentido, ou seja de uma formação social, na qual a síntese social é mediada pelo processo de troca dos produtos como mercadorias, e não repousa mais sobre um modo de produção comunitário. E isso é tudo o que precisa para que a abstração real se torne elemento dominante para a forma de pensar e nos autoriza a reconduzir as características conceituais da filosofia e da matemática grega e a profunda separação entre trabalho intelectual e corporal, que com isso nasceu, reconduzi-las a esta raiz como sua origem determinante.
Eu traço uma linha de divisão essencial entre troca primitiva e a troca de mercadorias no sentido próprio. Troca primitiva, dar e receber doações, "potlach" cerimonial, alguns usos de dotes matrimoniais, etc., difundem-se em um processo diferenciador de comunidades gentis e na troca entre as mesmas. Elas conhecem uma reciprocidade dos oferecimentos, mas nenhuma equivalência dos objetos oferecidos em si e por si. Os objetos têm o caráter de excedentes, mas não surgem de relações de exploração, pelo menos não em sua origem, embora no desenvolvimento ulterior se formem fases de transição à exploração. Os mesmos contudo não apontam rumo à produção de mercadorias, mas levam ao surgimento de relações diretas de senhorio e servidão, como foram descritas no item anterior.
Mas lá, onde após a dissolução da idade do bronze pela idade do ferro a troca de mercadorias se difundiu e se introduziu mais e mais na estrutura interna da comunidade antiga, ela é troca de produtos equivalentes de trabalho explorado e é accionada para a finalidade da formação unilateral de riqueza. No impulso dessa troca de equivalentes já em épocas longínquas pré-capitalistas alguns tornam-se ricos, outros pobres. Ela tem como conteúdo e como base a exploração. Isso significa que ela tem o mesmo conteúdo que a apropriação unilateral nas ordens de dominação da idade do bronze. Mas o conteúdo muda de forma. Pelo fato de que ele assume a reciprocidade da forma da troca, completa-se a apropriação em uma relação auto-suficiente de circulação social, uma forma de circulação conforme com as normas puras e recíprocas da propriedade. Nesta capacidade autoreguladora e formadora de mercado a troca de mercadorias torna-se uma forma que suporta a socialização, na qual um ninho de puras relações de propriedade pode subsumir a si a produção e o consumo da sociedade, quer como produção com trabalho de escravos, quer mais adiante através do trabalho assalariado. Trabalho e socialização estão aqui de antemão em pólos separados.
Sob o influxo da troca de mercadorias desse conteúdo funcional desenvolveu-se o antigo estado-cidade em pura sociedade de proprietários ou em "sociedade de apropriação" em sua forma clássica, ou seja sem participação nela dos produtores, pois estes prestavam seu trabalho aos apropriadores como escravos no subterrâneo da sociedade. A circulação de mercadorias aqui dominante, desenvolvida, poder-se-ia distinguir como reflexa em comparação com a troca primitiva, simples. Só na forma reflexa ela tem o caráter de circulação privada com propriedade privada de mercadorias e na conta de privados, e só nesta determinação ela se torna forma de circulação interna à sociedade. Daqui compreende-se que toda a análise da forma da abstração da mercadoria e da troca, que foi desenvolvida na primeira parte, vale somente para a troca de mercadorias em sua forma reflexa, pois a análise da troca de mercadorias era dirigida como modo de socialização, como modo da síntese social. É uma síntese da apropriação e uma síntese falsa: nela a sociedade perde sua soberania sobre seu processo vital, e a potência produtiva humana, ou seja a potência da autoprodução dos homens, se cinde em trabalho unilateralmente manual dos explorados e em atividade intelectual (igualmente unilateral) a serviço inconsciente da exploração. "Valor", na significação deste conceito de riqueza acoplada com o dinheiro, é certamente produto do trabalho, ma não originado por motivos de subsistência, e sim produto do trabalho social e soberanamente forçado, poder-se-ia dizer: produto classista do trabalho. Esta significação de riqueza do valor das mercadorias e a significação classista do trabalho que a gera como trabalho explorado nunca voltaram a desaparecer da história ulterior, embora não faltaram estouros de crises nem estados de necessidade, nos quais essas significações foram temporariamente esquecidas e necessitaram de uma "Renascença" para ser revitalizadas.
A mais profunda dessas crises foi mesmo a dos clássicos antigos. A síntese da apropriação falhou na hora de se completar. Pelo fato de que o produtor está fora do nexo social, este nexo se rouba a possibilidade de sua reprodução econômica e é dependente das contingências da captura de produtores sempre precisando de ser renovada. Considerado ao nível da consciência, isso se mostra na falta dos problemas de sua constituição na filosofia grega, em contraste com a moderna. Com justeza observa George Thompson que na filosofia grega o desenvolvimento começa com o materialismo e depois tende em grau sempre maior ao idealismo, enquanto na filosofia moderna predomina a tendência contrária. O autodescobrimento do homem e de sua alienação da natureza, para o qual o nexo sintético da sociedade fornece a base, começam já no século sexto; na Iônia até um século antes. Desta experiência cresce a filosofia. Mas a formação do pensamento discursivo até sua plena autonomia conceptual estende-se de Tales a Aristóteles mais de trezentos anos e completa-se quando a base existencial da polis já está em questão, a própria polis começa a dissolver-se.
O que se segue à sociedade antiga de apropriação depois de sua dissolução (e também do Império Romano) segue na forma do feudalismo: é caracterizado (deixando de lado a transformação lenta da dependência do dinheiro em dependência do solo e da sua posse) sobretudo pela introdução dos produtores na sociedade, portanto pela introdução do trabalho na sociedade de apropriação. No resultado final desse desenvolvimento - e pulando por cima de tudo o que está de permeio, assunto que vamos ver no item seguinte - estamos hoje perante o resultado, que a sociedade de apropriação está captada sobretudo na saída da história e sua substituição pela moderna sociedade de produção tornou-se viável e está a caminho.
Para entender a ciência natural antiga em sua origem na Iônia por volta de 600 a.C., devemos ter diante dos olhos a função determinante da divisão da sociedade ocorrida pela troca de mercadorias, como ela chegou a expressar-se pela distinção entre a segunda natureza puramente social e a primeira natureza. A síntese social baseada na troca de mercadorias exclui qualquer contacto com a natureza, pois ela - a síntese social dos possuidores privados de mercadorias - funda-se unicamente na decisão deles nas tratativas para a conclusão de contratos de troca de mercadorias. O contraste com a praxis da sociedade arcaica - a qual em suas distintas formas (no final, na civilização micênica) dominava o passado e na qual o nexo social dos indivíduos ainda não independentes era ligado em unidade indivisível com o contacto com a natureza - não poderia ser mais flagrante. Para a sociedade sintética - nós contrapomos as expressões "natural" e "sintética" quase como borracha natural e sintética - não se poderia conseguir experiência e conhecimento da relação natural de modo nenhum, a não ser pelo caminho de um esforço conceptual: nele se eliminam as invenções mitológicas da era anterior deixando lugar ao rigoroso acertamento dos fatos e à reflexão metodológica e ao pensamento intelectual, com base na abstração da troca.
Ora, não seria em todo caso nada mais falso e enganoso que a idéia de que a troca de mercadorias já em sua primeira aparição tenha repentinamente dominado a polis grega em seu todo. A troca de mercadorias pode ter sido no começo somente um acontecimento casual e episódico. Aristóteles em sua Política dá a impressão, de que o dinheiro se tornou necessário desde o século sexto em transações ultramarinas, como por exemplo na aquisição de cereais de Naukratis ou do Ponto em troca de óleo de oliva ou de vinho da Ática. Além disso, o fator impulsionante do desenvolvimento do dinheiro (ou seja a manipulação do dinheiro em sua forma reflexa como capital) ocorreu entre os antigos clássicos (ou seja até fins do quarto século a.C.) somente dentro da esfera da circulação, sem usurpar a produção, portanto só como capital comercial e a juros, não como capital produtivo, que é o caso da idade moderna na Europa. Isso explica o distinto objeto de conhecimento dos antigos e da ciência natural moderna, ou seja que o conhecimento dos antigos era dirigido à qualidade da natureza como um todo e nos modernos visa a pesquisa de fenômenos individuais. Entre os camponeses e artesãos como produtores e como hoplitas(36) não dominava ainda o modo de pensar comercial; este entrou primeiramente sobretudo entre os Eupátridas, os nobres, que faziam elaborar seus bens pelos escravos-devedores camponeses e a seguir no século quinto a.C. pelos escravos artesãos (anthrápoda). Disso os produtores, pelo menos no tempo clássico, obtinham sua classificação. As polis gregas eram seu foro construído ao redor de seus templos. Pode ser que as formas tradicionais de relacionamento precisassem até de uma reactivação e recrudescimento das mitologias arcaicas, para compensar as condições contrárias a elas, sobretudo a crescente autonomia individual. A Epinomis, o pós-escrito de Platão a sua obra tardia As leis, em sua defesa da fé nos deuses e do culto das estrelas soa como um último exorcismo perante o perigo iminente de uma decadência da polis, que também se realizava bem naquele momento, nos finais do século quarto. Nesse escrito Platão fala só minimamente como filósofo. Pode-se perguntar: mas como foi mesmo que na Grécia se colocou a base da filosofia?
Não é na filosofia grega como fenômeno geral que devemos entrar aqui, mas em alguns conceitos chave, sobre os quais ela construiu. Visamos aqui à explicação genética da origem do conceito eleático do ser. Dentre os conceitos dos primeiros filósofos, o conceito de Perménides é o mais conciso, como também o mais rigoroso e teimoso, que determinou amplamente os caminhos e descaminhos do desenvolvimento da filosofia grega. Explicamos que os conceitos filosóficos puros ganharam forma historicamente no caminho pelo dinheiro, e vemos nesta opinião a alternativa histórico-materialista à tradição histórico-espiritualística do idealismo, que quer explicar a gênese dos conceitos pelo caminho do pensamento. Mas isso serviu somente para chegar no beco sem saída do "milagre grego"; finalmente o modo de pensar histórico-espiritual não dá conta da contradição de que ele deve pesquisar pela gênese de conceitos universais historicamente independentes do tempo.
Nosso ponto de partida histórico para a explicação é a passagem para a troca de mercadorias no sexto século e em sua consequência para a sociedade mercantil, portanto é o postulado de uma matéria não desgastável do dinheiro cunhado em moeda, que nela se torna efectivo. Que a troca de mercadorias tocou inicialmente a polis só marginalmente e de modo algum a penetra (de modo que a referência institucional ao mencionado postulado na emissão do dinheiro pode não ter ainda acontecido) não constitui objecção contra esse ponto de partida. O postulado reside internamente no dinheiro-moeda, independentemente desta referência explícita, e é bem perceptível a observadores atentos.
Deixemos porém por um átimo de lado a filosofia - grega ou outra - com seus conceitos e desafiemos o leitor a esforçar-se para encontrar uma determinação, descrição ou conceito, que se apliquem à matéria, e do qual deva ser constituído o dinheiro. Pois evidentemente o dinheiro deve bem ter uma matéria; comprar algo por uma peça de dinheiro, que não possua nenhuma realidade material, não ocorreu nem mesmo a um Till Eulenspiegel. A matéria deve pelo contrário ser real, existir no espaço e no tempo, corporificar complemente o valor do dinheiro. Mas como se pode pensar isso? A absolutamente nenhum material, do "catálogo de toda a populaça das mercadorias..., que a seu tempo jogou o papel de equivalente das mercadorias" (MEW, 23, p.72), aplica-se a determinação que caracteriza especificamente a matéria monetária perante todas as outras, ou seja que ela deve permanecer inalterável no tempo. Portanto o dinheiro deve consistir de uma matéria real, que não coincide com nenhuma matéria real que exista e possa existir, a qual não existe de acordo com nenhuma experiência sensível. Ela é, portanto, puro conceito, e na verdade não conceito empírico, mas conceito puro, uma abstração não empírica, para a qual pode existir somente a forma pensada do conceito. Nem por isso aquilo que nesse conceito é pensado, como dissemos, é puro pensamento, mas é uma realidade espaço temporal, que responde por cada matéria e contudo não é material. Também ninguém que pense esse conceito pode dizer de si mesmo que ele o formou do dado de uma experiência sensível por ascensão progressiva do específico ao geral. Ninguém o formou nunca, ele se encontra pronto sem dedução e sem pano de fundo. A abstração da qual ele provem teve lugar alhures e por outro caminho que aquele do pensar. Tudo o que o pensamento acrescenta é o esforço de dar um nome satisfatório à abstração dada pronta e de encontrar uma palavra apropriada para completar por sua parte a identificação. O primeiro a encontrar um conceito apropriado para este elemento da abstração real (decerto sem a mínima suspeita de para que seu conceito surgiu e daquilo que o tinha impingido a ele) foi Parménides com seu conceito ontológico do ser. Ele diz que o real das coisas não é a aparição sensível, mas unicamente e sobretudo a Uno, que é:
Do qual nada se pode dizer, senão que ele é todo e em si mesmo perfeito, enche complemente o espaço e o tempo, é imutável, indivisível e imóvel, que ele não passa e também não pode ter tido origem de nada. O pensamento deste conceito é uma evidente unilateralização e absolutização da natureza material do dinheiro que nele se identifica. Com isso excluem-se outras propriedades igualmente essenciais da abstração real como o movimento e a atomicidade, que tiveram que ser valorizadas mais tarde por outros pensadores.
Percebe-se neste exemplo, primeiro que se necessitava da forma dinheiro institucionalizada formalmente pela cunhagem, antes que a abstração real da troca (resp. seus distintos momentos) pudesse impor-se à consciência; segundo, que tal "imposição" não encontra sua expressão exacta em nenhum modo misterioso senão em identificar o momento pertinente da abstração real. Pois, como esta última outra coisa não é senão pura abstração formal, assim sua identificação não pode levar a outro resultado que aquele de uma formação pura de conceito. Tanto o poder da formação do conceito como seu papel como "sujeito" de conhecimento - "logos", "nous", "intellectus" - alcançaram primeiro aqui sua gênese histórica. Terceiro, esta identificação dissolve a origem e tudo o que se refere à origem do conceito formado. A representação correcta, identificadora da abstração real produz a consciência falsa. Pois a identificação no conceito transforma o caráter histórico da abstração real em forma de pensar histórica sem lugar e atemporal, pois seu caráter de abstrações não empíricas a tira da esfera do localizável no espaço e no tempo. Quarto, a função sócio-sintética da abstração real transforma-se naquela lógico-sintética do pensamento conceptual. Quinto, esta transformação separa de forma intransponível o pensamento que assim surge de todo trabalho e atividade corporal. Sexto, ele lhe empresta o conceito de verdade no sentido do conceito filosófico da verdade do pensamento, como surgiu aproximadamente primeiro e mais claramente em Parménides em seu town. A idéia da verdade surge no campo da consciência necessariamente falsa. E é precisamente para esse caráter da alienação necessariamente condicionada, que o modo de pensar lógico-conceitual surgido da produção mercantil desenvolvida preenche a função imprescindível da forma de socialização universal do pensamento.
O imperecível da filosofia grega, o fato de que ela ainda hoje é introduzida nos debates filosóficos como norma indispensável, explica-se a partir do fato de que ela trouxe, em seus conteúdos e conceitos essenciais, a abstração real, que conecta sinteticamente nossa sociedade. Esses são os conceitos da filosofia ou, se preferirmos, os conceitos filosóficos, que se estendem pelo tempo no qual esta sociedade dura.
Mas mesmo com a filosofia como seu céu espiritual, nossa sociedade é cega para si mesma como de costume. Martin Heidegger deu expressão a este fato em seu modo particular de ler alhqeia , verdade, e de acordo com isso teria sido bom para ele fundamentar o segredo afirmado da verdade, desentocá-la de seu abrigo (entherbergen), como ele diz, para pesquisar suas causas. Mas ele não o fez, nem o tentou. Somente ele entendeu escravizar-se a um estilo especial do filosofar, na luz crepuscular da alhqeia.
A pesquisa da filosofia grega primitiva e de seu surgimento no século VI e V a.C. esbarra no grave paradoxo, que se deve indagar a gênese histórica dos conceitos universais historicamente atemporais, sobre os quais a filosofia pré-socrática se fundamenta. Do ponto de vista da história tradicional do espírito do idealismo não há solução para esse paradoxo: assim o resultado do esforço na história do espírito corre sempre novamente para a capitulação perante o muito mencionado veredicto do "milagre grego", que hoje francamente não goza mais de menção alguma. É demasiado claro que com tal veredicto a filosofia grega não se torna mais gloriosa, e sim somente o modo de considerá-la é reconhecido como errado.
Mas não me parece menos duvidoso o resultado do novo método analítico linguístico, como foi habilmente praticado por Malinowski e sobretudo por Bruno Snell e outros, como B.L.Whorf e E.Sapir. Pois eu não posso ver como por este caminho se possa dar o salto das formas linguísticas de uma consciência baseada na empiria até o nível da pura abstração. Concordo totalmente com Bruno Snell, quando diz: "Só na Grécia a consciência teorética surgiu autonomamente, só aqui ocorre uma formação autóctone de conceitos." (Die Entstehung des Geistes, Göttingen, 1975, p.205). Mas a essa precede outra frase: "Esta relação da língua com a formação do conceito científico pode ser observada, a rigor, só nos Gregos, pois só aqui os conceitos surgem organicamente da língua." (Ibid.) Os filósofos fazem de palavras e expressões da linguagem comum uma terminologia de sua escolha, na qual a significação de entendimento comum desses vocábulos é essencialmente mudada e alienada. Eu não posso concordar que, como por exemplo B.Snell parece indicar, tenha sido percorrido ou tenha podido ser percorrido o caminho na direcção contrária, em vez que do pensamento à língua, ou seja a sua alienação terminológica. Na segunda frase citada Snell exagera além disso sua opinião com uma expressão incorrecta na segunda parte. Ele diz: "... pois só aqui os conceitos surgem organicamente da língua." Mas deveria dizer só: as formas, em vez dos próprios conceitos. A língua pode por certo oferecer aos pensadores só meios possíveis de expressão para seus pensamentos, os quais assumem as formas conceituais, ou seja devem tornar-se conceitos. Mais do que isso não pode ser defendido razoavelmente pelos adeptos do método analítico linguístico. Eu considero errado procurar no desenvolvimento do grego o fundamento para o surgimento dos universais na Grécia. É notório que os primeiros filósofos procederam ainda bem imperfeitamente na denominação de seus novos conceitos, sem que nisso os conceitos se perdessem; os conceitos forçaram a uma formulação mais adequada e com o tempo também a mantiveram. Mas porque esses universais atemporais se tornam fundamento da filosofia, o que é que empresta a eles o sentido filosófico?
A transposição da abstração real na abstração do pensamento está com um grave defeito: os conceitos resultantes são e permanecem impenetráveis aos pensadores, porque sua origem está fechada para eles. Disso, na Grécia, os poetas estavam ainda mais conscientes que os filósofos: pensemos só a Sófocles e à tragicidade de seu tirano Édipo. Martin Heidegger, por seu modo pessoal de ler a palavra verdade, contribuiu ao recto entendimento da mesma como o irresoluto, ou como ele diz: o desabrigado ("das Entborgene"). Ele lê a estirpe da expressão, com Aristóteles, como o divino, o que no caso de Parménides está especificamente justificado pelo fato que ele quer ter recebido sua verdade da deusa Dike. Ele testemunha com isso, que nem ele nem algum outro dos filósofos formou seus conceitos universais fundamentais por atividade própria de abstração. A abstração ocorreu alhures e é dada aos pensadores em forma aproximadamente pronta. Trata-se de uma outra classe de conceito como os conceitos de gênero introduzidos por Aristóteles em sua lógica como exemplos didácticos da abstração. Por isso mesmo a indecifrabilidade da origem daqueles conceitos e de sua absoluta abstração tem significação tão radical. Pois no caso de conceitos, que nenhures no mundo perceptível têm um apoio, que portanto não podem possuir sua verdade fora de si, mas somente dentro de si, o desconhecimento de sua origem torna seu entendimento um problema. A impenetrabilidade de sua origem torna a interpretação tarefa de exegese especulativa, com outras palavras tarefa da filosofia.
"O que a filosofia faz à filosofia", diz Adorno,(37) "não é que as categorias abstratas estejam à disposição, mas que elas são problema, e assim elas estão à disposição - por isso também a forma de movimento da contraditoriedade. A abstração da troca em si não é problemática, enquanto ela ocorre puramente como sua condição e estrutura. As categorias são problemáticas por sua contradição à consciência tradicional e comum. Não são conceitos genéricos, mas possuem perante esses uma abstração especial, são puramente ideais; elas contradizem não somente ao específico mitológico, mas também e diretamente à consciência empírica normal.
"As categorias tornam-se individualmente conscientes; cada uma possui extensão absoluta, exclui toda outra, mas tem com cada uma das outras raízes comuns, portanto não pode liquidar nenhuma em absoluto, mas deve mediar-se com elas. Este mediar é um conteúdo essencial da filosofia."
"Parménides é impressionado pela qualidade do objeto de troca, substância; Heráclito pelo equilíbrio no movimento contínuo, que ocorre na troca, a unidade do caótico e do regulamentar; Pitágoras pelas relações de medida."
"A troca contem as categorias contraditórias, mas é sua unidade; só enquanto elas se tornam conscientes, elas se tornam abstratas e explicitamente contraditórias reciprocamente."
"O valor é a unidade do plural, das coisas sensivelmente distintas, dos valores de uso. A categoria valor é um pretexto para as contradições nela contidas. A insistência na verdade é a unidade das categorias reciprocamente contraditórias, e esse postulado da verdade força a mediação das categorias uma com a outra, pois primeiramente ela é a verdade. A categoria da verdade é a diferencia do ser da troca e do conceito de suas categorias."
"A filosofia desenvolve-se por consequências internas sistemáticas, tem condições sociais causadoras, como a mais importante, a classe - que usa a filosofia para sua luta de classes - deve reivindicar de ter direito."
"Da possibilidade de representar a abstração da troca como verdade, dependem: 1. a justificação da nova classe contra a antiga; 2. a possibilidade de autoconfiança do intelecto perante a pura empiria do artesanato, condição da possibilidade da ciência. Ambas as relações coincidem nos antigos: domínio teorético-orgânico da produção e autofundamentação ideológica da dominação da classe comercial."(38)
"Mas a discussão recíproca das categorias entre si não se realiza em sua pureza, e sim no objeto [na ciência, S.-R.]. A constituição das categorias, a reflexão da abstração da troca como filosofia, exige o abstrair (o esquecer) de sua gênese social, da gênese tout court. O materialismo histórico é anamnese da gênese."
Com essa definição aguda e pertinente de Adorno quereria fechar esta citação, embora nessas anotações de diálogo não faltem conteúdos ulteriores bem merecedores. Eles indicam sobretudo também em que medida Adorno tinha feito então (1956) própria minha teoria materialista do conhecimento e da ciência. - Entrar no conteúdo da filosofia grega, não é tarefa minha, pois não gozei de nenhuma formação humanística e não sei grego.
Na Idade Média tardia e no começo da renascença, ou seja a partir do século 13, floresceram na Itália as primeiras culturas urbanas. Elas resultaram da dissolução revolucionária da dominação hereditária existente nas cidades pela dominação corporativa do "popolo". Na Idade Média cada sede feudal era uma fortificação - com vinculação para dentro, inimizade para fora.
Florência era uma acumulação de mais de 250 de tais fortificações, as quais eram costuradas em torres, porque seus senhores feudais em seus conflitos recíprocos queriam assegurar para si a vantagem da maior altura - pois a piche fervendo se jogava só de cima para baixo. Em San Geminiano tais torres se podem ainda ver.
Em 1250 porém o povo em Florença sublevou-se, com suas corporações conspirando conjuntamente: foi "a primeira associação consciente ilegítima e revolucionária", conforme Max Weber. Foi vitorioso contra a nobreza, impôs a rectificação de sua fortificações até uma altura permitida de 25 braços, proibiu ao nobre o porte público de armas e proclamou o regime corporativo do "Primo Popolo", ou seja da república dos populares. Quem dirigia o governo eram as corporações comerciais, e Max Weber sublinha que a vitória do "popolo" nas cidades italianas em geral estava condicionada pelo fato de que o capital comercial tivesse alcançado a liderança sobre o "popolo", ou seja sobre as corporações dos artesãos.
A revolução teve sucesso juntamente com a vitória dos Guelfos papais, que trouxe consigo o banimento dos Ghibellini pró-imperador. Após 10 anos, portanto em 1260, seguiu-se uma reviravolta com o retorno dos Ghibellini, que por sua vez baniram os Guelfos. Contudo, naqueles primeiros dez anos de sua liderança, o Primo Popolo chegou a impor o florim de ouro como moeda internacional e a construir o palácio do Bargello para seu capitão. Deve-se acrescentar que em 1250, ano da revolução, morreu em Palermo o imperador Frederico II, o último dos grandes senhores feudais.
Em 1282 os Guelfos voltaram à liderança do Popolo, desta vez para ficar; e em 1293 ele se deu uma constituição com os "Ordinamenti della Giustizia". A instância superior era o Conselho dos Priores das Corporações, sete artes maiores das corporações comerciais e sete artes menores dos artesãos. Praticamente o poder estava nas mãos das artes maiores; pois só seus membros podiam exercer os ofícios de Podestá, Capitão da Milícia, Confalonieri (portadores da bandeira).
Como estímulo e animação para a causa de sua cidade, a libertação do feudalismo bem operava uma explosão. Uma medida disso é oferecida pelo programa do construção do Popolo estabelecido, a saber:
De imediato muitos projectos desse enorme programa não vingaram além da pedra fundamental ou dos muros mestres; pois Florença participou do grave revés que a crise do feudalismo trouxe a vastas partes da Europa e também à Itália no "Trecento" (o século 14). Para Florença ela começou em 1334 com o grave cancelamento da dívida do rei inglês Eduardo III, o qual levou à beira da bancarrota as casas bancárias dos Bardi e dos Peruzzi e custou à cidade a riqueza, com a qual ela pensava levar adiante seu programa de construção.
Em 1348 estourou a peste, a terrível morte negra, pela qual a cidade perdeu cerca de um terço de sua população. Em 1378 ocorreu o levantamento dos Ciompi, dos ofícios explorados e empobrecidos dos trabalhadores caseiros da indústria téxtil, ou seja da indústria da lã e tinturarias, que produziam a mercadoria para o capital comercial. Só em 1382 pode ser restabelecida a estrutura social interna na qual o "Popolo" tinha alcançado seu primitivo sucesso, portanto o domínio do capital comercial. E dentro desse domínio oligárquico, Cósimo de Medici, a começos do século seguinte, portanto o 15, soube ganhar-se a superioridade comercial e política, que permaneceu com ele - mesmo sem qualquer ofício público ou sinal, em força do qual poderia ser disputada sua experta vantagem. Mais de cem anos mais tarde os Medici ganharam finalmente o título de Duques de Florência - em 1531.
O comércio internacional, no qual os atacadistas florentinos se enriqueceram, era realizado sobretudo com o tecido de lã, que era em parte produzido pela Arte della Lana em produção caseira, mas em parte era adquirido dos Flandres através dos mercados da Champagne e colorido e refinado pela Arte di Calimala, para ser embarcado para o Oriente dos árabes, para Bagdá e para o reino romano de Bizâncio. Maior significação teve portanto para os florentinos, o fato deles vencerem em 1406 os pisanos, tomando o porto deles longamente cobiçado para assumir o transporte próprio de suas mercadorias.
A partir de 1386 a atividade florentina de construção começou a animar-se de novo, mas chegou a seu pleno impulso somente a começos Quattrocento, e isso com uma inspiração e um domínio da arte tal, como se tivesse querido conectar-se ao tempo heróico dos anos 1290. Apareceram artistas de categoria incomum:
Nesses nomes resume-se a primazia artística original pela qual Florência se tornou cidade cultural representativa da renascença na Europa. Meu interesse particular é para o status estrutural desses homens como produtores manuais, artesãos e artistas.
De acordo com a ordem corporativa os artistas eram artesãos manuais e pertenciam às "Arti minori" (artes menores) tanto quanto os tecelões e tintureiros nos ofícios. Eram instruídos em seu treinamento em uma oficina, para alcançar sua formação elementar. Um escultor da categoria de Donatello, de acordo com a corporação dele um simples "taglia pietra" [à letra: cortador de pedra, C.G.G.], um pedreiro como qualquer trabalhador de construção. Decerto ele tinha passado por um treinamento em ourivesaria, como Brunelleschi, Ghiberti, Uccello e outros. Contudo sobre a realização desses artesãos corporativos repousava a construção de sua gloriosa cidade, que a eles pertencia, e a construção da uma igreja, de uma rua, ponte, muro da cidade ou outra parte do enorme programa de construção era um assunto comunal de toda a comunidade urbana - não mais como antes no caso da grande cidade reservada de uma família nobre ou de um bispo como no tempo feudal. Correspondentemente as construções eram agora mais bonitas, arquitectonicamente mais artísticas. Isso dizia respeito sobretudo aos artesãos que se tornaram arquitectos. Foi o caso de Brunelleschi que foi a Roma em 1402, provavelmente com Donatello, para inventariar em seus esboços os restos das construções romanas. Com isso fixaram-se nele os fenômenos da perspectiva e da óptica; para compreendê-los e poder pesquisa-los, porém, faltava-lhe a matemática, cuja utilidade para sua prática em geral ele entendeu.
De volta a Florença, colocou-se ele em contacto com Paolo Toscanelli, o mais renomado matemático e astrónomo florentino, amigo de Cusano e Regiomontano. Toscanelli mostrou-se aberto, mas ele cultivava a matemática conforme a escolástica tradicional, longe de qualquer relação com problemas de uma prática da construção como aquela que levou Brunelleschi a ele, da maneira que este colocou o grande cientista em séria confusão. A conjunção da realização manual e da cultura da arquitectura em progresso com o florescimento intelectual da Idade Média, que aconteceu pela primeira vez entre Brunelleschi e Toscanelli, era algo representativo da base da renascença em geral, mas exemplar em Florença. Toscanelli porém descobriu neste discípulo uma vocação marcante para o pensamento matemático e ficou seu amigo e mestre por mais de quarenta anos até a morte dele em 1446. Ele lhe sobreviveu e lhe dedicou uma importante apreciação, na qual expressou sua profunda admiração por esse discípulo, de quem ele julgava de ter recebido mais do que aquilo que ele lhe poderia dar. Brunelleschi compreendeu a colocação de sua própria finalidade no sentido da ciência, mas não como a ciência da antiguidade ou da escolástica medieval; ele a denominou Scienza nuova, ciência nova, e assim a percebeu Galileu ainda duzentos anos depois.
O feito mais famoso de Brunelleschi é a construção da cúpula da catedral Santa Maria del Fiore - com razão. Não só porque essa cúpula é a maior e mais pesada até então construída, maior que o Pantheon romano e a Hagia Sophia de Bisâncio (mas também, mais tarde, em comparação com a cúpula de São Pedro em Roma e aquela de São Paulo em Londres), mas porque ele por iniciativa própria e calorosamente discutida a executou sem andaimes internos. Ele começou-a em 1421, e no mesmo ano ele levou à execução o hospital dos Innocenti, o hospício dos florentinos, onde ele fundou o estilo renascentista pelo equilíbrio das linhas verticais com as horizontais. Depois de 1436, com a conclusão da construção da cúpula (embora sem a Lanterna), Brunelleschi esteve ocupado ainda com construção de fortificações em Pisa, em Castel Pisano bem como no vale do Elsa e com a regulação do fluxo do Arno e do Po - o Arno em 1333 tinha transbordado de maneira catastrófica, tal como aconteceu em 1966.
Mas como é que se coloca a obra e o exemplo de Brunelleschi na continuação dos artistas em Florença? Como é que eles ultrapassaram a estreiteza dos regulamentos corporativos? O movimento seguinte foi uma virada de direcção, na qual a formação espiritual captou os artistas, desta vez pela iniciativa do sábio em vez da do artista. A apropriação da matemática por parte do mestre, que não deixa de ser produtor manual, fomenta a unidade do trabalho espiritual e corporal, realizada pelo progresso único da renascença. Ela se desenvolveu, em geral, como fruto da emancipação do jugo do feudalismo, empreendimento pelo qual a renascença lutou sobretudo com seu impulso revolucionário. Ela começa portanto como uma ponte sobre o abismo medieval entre os sábios falando latim e o analfabetismo do povo trabalhador. A unidade de trabalho corporal e espiritual desenvolve-se através de toda a renascença e completa-se no momento da passagem da renascença à idade moderna: nesta passagem a unidade transforma-se no novo abismo entre ciência e trabalho industrial assalariado. No desenvolvimento renascentista da unidade de mão e cabeça pode-se perseguir em Florença uma escada levando ao progresso no pensamento matemático de mestre a mestre através do Quattrocento e do Cinquecento.
Em 1434, portanto ainda na vida de Brunelleschi, chegou a Florença outra personalidade extraordinária, Leon Battista Alberti, que percorreu o caminho no sentido inverso, trazendo a formação aos artistas. Alberti vinha de uma família nobre de origem florentina, que tinha sido exilada e tinha alcançado bem estar na França. Mas em 1428 Florença levantou o banimento, abrindo assim o caminho para Leon Battista. Esse tinha completado em Pádua o ginásio medieval com o Trívio e o Quadrívio e em Bologna concluiu seu estudo universitário. Era tudo menos um prático do artesanato, muito mais um típico intelectual. Mas com isso juntava-se nele uma forte vocação artística. Alberti dirigiu seus interesses espirituais à arte como objeto especial. Com seus 12 ou 14 livros, que ele escreveu em Florença, tornou-se ele o primeiro celebre teórico da arte e da técnica artesanal em toda Itália. Aliás Leon Battista era também um grande espadachim, brilhante cavaleiro e lutador atlético. Não espanta que Jacob Burckhard o venerasse como figura ideal dos homens da Renascença.
Para começar, Alberti foi ao atelier dos artistas, a Brunelleschi, Donatello, Michelozzo, Ghiberti, Luca della Robbia, tornou-os seus amigos e empreendeu a transmitir-lhes em repetições pacientes os elementos da perspectiva e os conceitos iniciais da matemática, as leis da ciência das cores, da fundição de metais e da anatomia humana. Não era pouca coisa, pois devia ser feita em língua vulgar, na qual tais coisas nunca tinham sido expressadas: ela portanto não possuía as palavras necessárias, nem estava ainda clara em sua gramática. Como se pode ensinar a um produtor manual o que é um ponto matemático, que não é nem mancha nem nódoa, e sim um conceito puramente abstrato, absolutamente invisível? Algo como 100 anos mais tarde Albrecht Dürer experimentou as mesmas dificuldades em Nürnberg.
Alberti, por sua vez, com sua atividade com os artistas ganhou a experiência e os conhecimentos, que ele expressou bem em seus escritos. Esses ele redigiu em geral em latim e em uma língua toscana escrita, que ele mesmo tinha que criar.
Dos escritos de Alberti - então ainda manuscritos - alguns andaram perdidos. Os que restam são:
Esse escrito mencionado no fim era a primeira elaboração filológica da língua vulgar e prestou serviços muito preciosos em seu desenvolvimento como língua escrita e cultural. Ao mesmo tempo Alberti perdeu a batalha para a língua vulgar e seu reconhecimento ao par do latim em Florença.
A permanência do latim era expressão da permanência da maneira de pensar escolástica e da pedanteria, portanto um empecilho para a tendência emancipativa, da qual se nutria a renascença. Não há dúvida de que a tendência de longo prazo dessa época ia no sentido da valorização da língua vulgar, e o próprio Alberti conjurava com entusiástica esperança neste sentido, animado pelas experiências de sua comunidade cultural com os artistas.
Diretamente contrário a isso era no Quattrocento o movimento do humanismo, que acompanhava a revitalização - literalmente renascença - dos antigos e de seus escritos. Uma onda de animação, pura e menos pura, mas assim mesmo afectada, animação para o grego e o latim, cresceu disso nos círculos dos formados, sobretudo dos poetas, acoplada com uma fuga depreciativa da língua vulgar e de sua apreciação.
Mas Alberti estava tão convencido da alta chance da língua vulgar, que no ano de 1441 ousou fazer uma experiência para sua igualação com a língua nobre latina. Cosimo I partilhou sua avaliação e planejou tornar o toscano língua culta.
Através de Piero de Medici, filho de Cosimo, ele fez anunciar um concurso, que consistia no seguinte: em um dado dia - 22 de outubro de 1441 - seria lida publicamente na catedral uma série de poesias em língua vulgar sobre o tema "de amicitia". O vencedor devia ganhar uma coroa de prata, o que atribuiu ao concurso o nome de "certamen coronarium".
A coisa tornou-se logo assunto de estado, e os humanistas e literatos, que cuidavam de apresentar suas poesias na catedral, acrescentando-se muitos populares, mas também a Signoria - o Governo -, o arcebispo e a alta espiritualidade, bem como 10 poetas (dentre os quais Poggio, Flavio Biondo e Aurista contavam entre os humanistas mais produtivos) encheram o auditório. Mas a tendência do público contra a língua vulgar e para o privilégio do latim revelou-se tão preponderante, que nem se chegou à apresentação do concurso. A coroa foi parar no tesouro da catedral, e a tentativa resultou em um novo fortalecimento do monopólio do latim par escritos oficiais e culturais em Florença até bem adentro no século xvi.
Para abranger o que foi fundamental em uma época, devemos aborda-la em suas relações de produção. Já mencionei meu interesse dominante pelo status vigente do "producente", ou, digamos, o status daquele, que em sua época está acreditado como producente. Na renascença era o trabalhador quem, por sua libertação da servidão do feudalismo, se tinha tornado proprietário de sua casa e do lugar de trabalho e se juntou em uma corporação com os outros de sua arte para garantia de seu status de producente.
Ele passou por seu período de treinamento, a fim de aprender a ler, escrever e calcular e levantar-se de seu analfabetismo, no qual antes de sua emancipação ele estava preso perante o monopólio latinofalante do trabalhador espiritual medieval. Olschki dirige-se ao producente da Renascença como "mestre experimentador", porque ele se desenvolveu na unidade de trabalho corporal e intelectual, o que o deixava desimpedido para a iniciativa artística em sua praxe manual e dava-lhe uma abertura perante a pressão corporativa.
Em todo caso, em Florença este era o caso da maneira mais expressiva. E sempre de novo mostra-se a grande utilidade da matemática para a formação espiritual e para a arte desses Mestres. Um exemplo destacado disso é Piero della Francesca, o artista que deve ser sobretudo mencionado depois de Brunelleschi e Alberti. "Il monarca della pittura dei nostri tempi", assim o denomina Luca Pacioli. Ele é o pintor que se aproxima ao máximo a Leonardo da Vinci em profundidade e nível espiritual. Pela metade do Quattrocento ele apresentou um tratado sobre a perspectiva. Eu sei de meu pai, que ele ainda aprendeu perspectiva na Academia de arte de Düsseldorf no livro do grande Piero.
Em seu Tratado, Piero procedeu por um método de dedução matemática, com o qual ele, como salienta Olschki, prenuncia a geometria prospectiva e o "more geométrico" de Descartes. Poucos anos antes de sua morte, 1492, ele, quase cego, ainda redigiu um pequeno escrito de corporibus regularibus, sobre os poliedros regulares, que ele extraiu do Timeu. Pode-se portanto dizer que na lista doa artistas da Renascença Piero foi o primeiro, que dominou a matemática em si mesma, mas a entendeu mais como especulação platónica.
Um outro seguidor importante de Alberti, Francesco di Giorgio Martini (1438-1502), reparou isso. Em seu Trattato di Architettura civile e militare ele usa seu não pequeno entendimento da matemática para problemas da fortificação contra armas de fogo da artilharia, que se tinham desenvolvido e difundido a partir de meados do século anterior. Também a frota dos Turcos era uma ameaça perigosa com sua dotação de canhões. Daí a significação muito atual do Tratado de Giorgio Martini.
Ele entra em pesquisas detalhadas sobre as relações qualitativas entre comprido, largura, e espessura dos tubos de todo tipo de canhões, entre o peso das bombas e a quantidade da pólvora, entre a força explosiva e a linha de projecção sob vários ângulos, entre o afastamento e o impacto das bombas, entre a força de resistência dos muros das fortalezas e a força do impacto da bomba e como a arte de construção das fortificações devesse ser arranjada de acordo com isso, qual a altura e a espessura dos muros, se rectos ou poligonais, etc. Mas ele sublinha que sobre todas essas particularidades não se pode fazer nada de definitivo até que se determine a balística dos projécteis da artilharia, e isso ocorreu, como se sabe, só mais de cem anos mais tarde pela definição galileiana da curva dos projécteis como parábola.
Toda a Itália estava tomada pela ameaça dos turcos desde a queda de Bisâncio em 1453 e de Otranto em 1480, na entrada para Adria. E não somente a Itália. Em certos aspectos Giorgio Martini lembra Dürer e seus ensinamentos sobre fortificações para Nürnberg, de 1527. Ainda assim os turcos avançaram em 1528 até Viena.
Na Itália a corte de Urbino era um centro especial desses temores, mas também da preocupação com a resistência. Federigo da Montefeltro era o marechal da liga italiana e possuía uma biblioteca especial de matemática, que ele mesmo organizou: ela se tornou na segunda metade do Quattrocento um forte ponto de atração para os eminentes mestres, mesmo aqueles de Florença, quando lá o exagero do humanismo, após a fundação da Academia por Lorenzo de Medici (1460), estragava a não poucos a permanência em Florença.
Martini aliás foi chamado já antes por Federigo para a sua corte, mas depois encontraram-se lá sobretudo Leon Battista Alberti e sua escola, mais adiante Piero della Francesca, Luca Pacioli, Mantegna, Bramante, Michelozzo, Leonardo e outros.
Leonardo sobressaiu dentre os mestres que tinham adquirido o conhecimento do pensamento matemático. Mas seu caso é original e complexo. Ele não era um mestre, e sim um e meio ou dois mestres em uma pessoa. Por seu lado, ele era pintor, portanto animado em sua personalidade sensível a uma sensibilidade elevadíssima, pelo outro lado, ele era ocupado nos milhares de seus folhos manuscritos, como engenheiro civil e militar, em uma inspiração puramente intelectual na procura de leis da natureza, que pressupõem uma abstração perfeita do mundo sensível da percepção. Como pintor ele usa um instrumento manual como outros artistas da Renascença, com os quais ele disputa encomendas; em suas elaborações intelectuais ele está nos rastos de um aparato conceptual, que ele possa utilizar para experimentar com alavancas, com relações de equilíbrio de massas pesadas, com a superfície inclinada e as leis da queda livre. Mas ele fica na experimentação; nenhures visa ele o trasbordamento para fórmulas conceituais das próprias leis. Em vez de precisações textuais, ele se ajuda com desenhos, que deveriam ser desenhos técnicos mas não são. Ele concebe que só a matemática poderia ajudá-lo a chegar ao fim. Mas para o pensamento matemático lhe falta dom natural, em contraste com Brunelleschi e Piero, e sobretudo Dürer. Assim ele atolou-se em seus avanços nas ciências naturais no estágio rapsódico do quase alcançado. Em seus últimos anos de vida junto ao Rei Francisco I de França, ele mesmo lamentou tranquilamente ter perdido tanto tempo para a sua arte.
Em geral, podemos dizer que a visão da natureza dominante em uma época depende normativamente da estrutura do producente, ou, digamos, da figura determinada que vale como producente perante seus contemporâneos. Isso encontra confirmação no século 16, século da passagem da renascença à idade moderna.
A experiência fundamental do producente manual consiste em que, quando o trabalho cessa porque sua obra está completa, entra o estado de ócio. Não é o conceito estático inercial da natureza das coisas que constitui o problema para estes producentes, e sim o uso da força ou o ímpeto, que o trabalho exige delas para seu impulso durante sua duração: um impulso que eles, como propriedade inerente, transferem aos fenômenos de movimento da natureza.
Isso soa como uma ingênua expressão grosseira das discussões subtis que Michael Wolff dedicou à teoria do ímpeto em suas pesquisas de quase 4000 páginas. Mas é ele mesmo quem sublinha também que a teoria do ímpeto, como ele diz, está acoplada com uma "causalidade de transmissão" e sobretudo que esta teoria não se pode fundamentar a partir do âmbito do objeto da experiência, nem pelo caminho da percepção sensível, nem por aquele da argumentação conceptual.
Em outras palavras: a teoria do ímpeto é um antropomorfismo artesanal do movimento. A teoria do ímpeto pertence à religião do trabalhador da construção e do artesão manual, que na idade média europeia tomaram o lugar dos antigos escravos. Uma tal "teoria" só pode ser aceitável em uma época em que os problemas da mecânica, por assim dizer, são superados com as mãos em vez que com a cabeça, ou seja com os meios da praxe manual, não sendo resolvidos com os instrumentos do pensamento teorético. Então um argumento técnico apoia-se em um exemplo precedente de referência em vez que em uma regularidade comprovada. Leonardo foi o primeiro que rompeu com isso; mas o próprio Leonardo recorre ao conceito de ímpeto para a explicação do conceito mecânico de força. O conceito de ímpeto pode servir de marca para a prisão na qual estavam retidos os costumes renascentistas de pensar. Ele se estende ainda aos matemáticos mais avançados da Itália como Tartaglia e Benedetti, Cardano e Ferrari, enquanto na segunda metade do século 16, parcialmente em sobreposição com eles, o pensamento moderno se abre caminho com Copérnico e Kepler e sobretudo em Galileu. Mas o que aconteceu para explica-lo? Cito Ernst Cassirer: "Antes de todos os problemas que a história da ciência nos coloca, a questão da origem da ciência exacta é aquela que está em primeiro lugar de um ponto de vista puramente filosófico." (Philosophie und exakte Wissenschaft, Frankfurt a.M., 1969, p.39).
Contudo, por quanto o problema seja bicudo, o acesso à solução está claro: ocorreu uma mudança na relação de produção. O capitalismo mercantil transformou-se no capitalismo de produção. Mas como é que se explica a ciência natural matemática? Creio que é a partir disso que ela deve ser explicada. Nem é tão complicado: temos tão somente que considerar atentamente o novo producente, que entra em cena, gerado pela nova relação de produção. É uma potência muito contraditória, ou seja um producente, que no sentido literal e físico não produz mais nada. Muito mais ele desempenha seus controles do processo de produção somente por meio de seu dinheiro, que ele usa como capital enquanto compra fatores necessários para seu projecto, fatores pessoais e intelectuais, tais como as necessárias patentes etc. Da pertinente montagem e combinação desses fatores mais forças de trabalho resulta (supondo sua completude) um processo de produção corrente, que funciona sem que ele mesmo, o producente, ponha a mão em qualquer lugar que seja. Pois se ele fosse forçado a isso, ele não agiria mais como producente capitalista, e sim fracassaria em tal capacidade. Em outras palavras, a qualidade de producente capitalístico postula que o conjunto material interrelacionado da produção, da qual ele é responsável, forma um mecanismo funcionalmente autônomo. Se esse não for o caso, então será impossível para o producente controlar seu empreendimento produtivo com os meios do puro poder do dinheiro. Destarte (dito explicitamente) todo o capitalismo produtivo tornar-se-ia impossível.
Mesmo sendo este postulado a implicação de um automatismo do mecanismo da produção, em geral ele é contudo ignorado. Mesmo Marx subtraiu-se a ele. Mas eu creio de poder reconhecer neste postulado a origem do surgimento da ciência exacta quantitativa da natureza.
O conhecimento da particularidade característica da ciência exacta burguesa estende-se à resposta da questão: como é que uma sociedade totalmente organizada pelo princípio da apropriação faz com que ela seja, em todos os tempos, a que mais tem prazer na produção? De que maneira ela supera a contradição entre a lógica da apropriação de todas as relações sociais de troca e a lógica da produção de objetos de apropriação como mercadorias? A resposta a esta questão exige a combinação de dois passos: primeiro, a formulação de uma hipótese teorética matematicamente expressa e, segundo, a comprovação experimental da mesma. A hipótese é a tradução do fenômeno em questão nos termos da pura lógica de apropriação na forma de um sistema mecanístico. Ernst Cassirer mencionou o parentesco da natureza exacta com o mecanismo, mas não o explicou. A explicação está em que o mecanismo tem origem da fisicalidade do negócio da troca, da qual se podem deduzir as categorias do pensamento abstrato da razão. A hipótese como formulação do fenômeno em questão nos conceitos puros da lógica da apropriação efectua a homologização do fenômeno com a constituição geral da sociedade. Mas ela guarda distância dessa lógica social com respeito à realidade fatual do fenômeno. Esta distância exige uma passagem pelo experimento. O experimento é vinculado ao princípio do isolamento experimental, ou seja à eliminação de todos os fatores de estorvo não estritamente pertencentes à natureza do fenômeno, que poderiam afecta-lo só acidental e temporariamente, de modo que o fenômeno se sujeita à comprovação experimental só em sua natureza essencial e o resultado do experimento possui portanto a imutabilidade, repetibilidade e confiabilidade, que um empresário pode exigir de um estabelecimento no qual ele deve investir seu capital. O resultado experimental é agora o estado de coisas consolidado, com o qual engenheiros com sua preparação tecnológica podem contar, a fim de que se obtenham as máquinas úteis e aparelhos a ser colocados nas mãos dos trabalhadores, que deles precisam para os fins da produção.
Este é o ciclo no qual a questão inicialmente colocada encontra sua resposta, a qual aliás não poderia ser levada até sua solução com base em uma teoria idealista do conhecimento, como aquela a que também Cassirer aderiu. E é por isso que Cassirer pode ter razão, quando ele não promete uma explicação da ciência exacta.
A novidade marcante da realização de Galileu é que nela se abriu o campo para a aplicação da matemática aos fenômenos naturais. Ora, nossa análise das formas afirma duas coisas a respeito da matemática: primeiro, que ela é uma propriedade do pensamento em sua forma de socialização; segundo, que ela caracteriza o trabalho mental em sua separação do trabalho manual. A interconexão dessas duas propriedades essenciais é objeto de particular interesse.
Em que sentido pensamos aqui em "matemática"? Há distintas formas, distintos instumentários de matemática. Na forma que nos é familiar a matemática constitui uma disciplina sem contradições, rigorosamente dedutiva, a qual, com base em determinados axiomas e postulados, promete resultados inequívocos. Seu ofício é a diferenciação das grandezas, que se pode definir em números. Esta modalidade de matemática é criação dos gregos e remonta aos séculos sétimo e sexto antes de Cristo. Os primeiros nomes a ela associados são Tales e Pitágoras. O primeiro, é de cerca de duas gerações após a primeira cunhagem de moeda acontecida na Lídia e no Iônio ao redor do ano 630, pelos milesianos que actuavam no Iônio, fato com o qual tem seu começo geral o pensamento conceitualmente reflexo; o segundo, foi natural de Samos, mas por volta do ano 540 emigrou de lá para a Itália do Sul, onde ele mesmo foi provavelmente responsável pela criação de uma moeda. Ele pôs números diretamente iguais à natureza das coisas. Mileto e Samos tinham crescido até formar, no Egeu da época, os dois principais centros rivais de atividades comerciais. Como testemunha a cunhagem de moeda (evidentemente uma economia mercantil desenvolvida e avançada), a manifestação lógico-dedutiva da matemática pode-se considerar como coetânea da produção mercantil como um todo, independentemente de suas mutações. Hoje, conforme a atual transformação de sua instrumentação por sua mecanização eletrônica, esta matemática não se torna certamente a última forma de suas manifestações. Muito menos foi ela a primeira.
A criação grega foi precedida principalmente no Egito por uma forma distinta de "matemática". Em quase toda a atividade de construção, alguma arte de medir prestava uma ajuda indispensável: a essa arte Heródoto deu o nome de geometria, por seu uso em medir o terreno. Ela se servia porém da corda como instrumento principal e constituía a profissão pessoal de gente que o grego, traduzindo conforme sua denominação industrial egípcia, denomina de "harpedonaptes" (literalmente: "esticador de corda"). Nesse nome, conforme nota já Burnet, expressa-se mais semelhança com nossa jardinagem que com nossa matemática. Do livro de ensino ou de exercícios de Ahmes, encontrado no papiro Rhind, bem como de outras representações egípcias em relevo, torna-se claro que esses estendedores de corda, em geral trabalhando em pares, eram agregados dos mais altos oficiais faraónicos para a finalidade da construção de templos e pirâmides, do departamento da pavimentação de diques de irrigação, da construção e controle de armazéns, da redistribuição de terrenos reemersos das inundações do Nilo para estabelecer as tarefas de fornecimento do ano seguinte e outras funções semelhantes. Se o uso e manejo da corda eram exercidos com a correspondente virtuosidade e com os conhecimentos de longa experiência, pode-se pensar que não haja muitos problemas geométricos, que não se possam superar procedendo a medi-los com tais instrumentos. Entre esses encontravam-se também problemas como a tripartição dos ângulos, a ampliação e redução de volumes, inclusive a duplicação de cubos, enfim também a medida da grandeza p , que em Ahmes se encontra dada como 3,1604. É natural que com estas técnicas se tratasse só de aproximações, mesmo que às vezes algumas fossem assombrosamente consideráveis, mas os práticos dessa "geometria" considerariam talvez pura pedanteria uma exigência de "precisão matemática" (se tal conceito existisse). O manejo da arte da corda era uma prática do medir, nada mais, mas uma arte destinada a grandes feitos, até maiores que a dos gregos, mesmo que não de maior rendimento. Ela encontrou acolhida, com toda probabilidade, também na antiga Índia, onde o mais antigo tratado de geometria traz exatamente o título de Arte da Corda. Sobre este fundamento, por dois milênios ou mais desenvolveu-se ai, articulada com a técnica índia dos números, uma arte e conhecimento da geometria e da aritmética, que ao lado da grega causou espanto na Europa, quando os árabes desde o século 8 e 9 começaram a se refazer às tradições islâmicas de ambos. A esta herança da tradição deveria acrescentar-se o saber da China e do Extremo Oriente, pelo menos igualmente antigo e maduro, conforme as pesquisas de Joseph Needham.
Eu bem quereria, desde meu ponto de vista, colocar no mesmo plano com a matemática criada pelos Gregos tradições da idade do bronze ou até mais antigas. Perante os Egípcios, os Gregos trocaram o instrumentário da corda por aquele da linha e do círculo e assim mudaram tão fundamentalmente a essência da arte da medida até então vigente, que algo complemente novo surgiu dai: justamente a Matemática em nosso sentido. A arte da corda era uma habilidade manual, que só podia ser exercida por seus práticos no lugar mesmo do procedimento da medida. Isolada disso, ela perdia seu sentido. Sem uma cuidadosa e atenta organização, ela não deixava nenhuma representação autônoma de seu conteúdo geométrico. A corda era movimentada a cada procedimento de medir, a cada "medida", perseguindo a tarefa de um lugar para outro, de maneira que não surgia imediatamente nada assim como uma "representação geométrica". A geometria da tarefa resolvia-se em seu resultado prático, que por sua vez só dizia respeito ao caso em pauta. Certamente devia-se ensinar e indicar aos "harpedonaptes", para sua formação, o repetitivo de suas técnicas, e algo disso está representado em Ahmes como se fossem leis geométricas. Contudo, é bem um reflexo de nossas próprias representações, se historiadores como M.Cantor, Heath, D.E.Smith e outros presumem que ao livro de exercícios de Ahmes tenha precedido um verdadeiro tratado, pelo qual se deveria procurar.
Foram os gregos que inventaram os instrumentos da representação geométrica: estes não consistiram de cordas estendidas, mas de linhas, as quais, puxadas ao longo da régua ou com o círculo, permaneciam sobre a base, constituindo com outras linhas semelhantes uma conexão duradoura, na qual se podiam reconhecer regularidades geométricas de necessidade interna. As linhas e sua conexão não estão vinculadas a nenhum lugar, onde elas sirvam a uma medida, e sua grandeza absoluta pode-se escolher. A geometria da medida tornou-se portanto algo totalmente diverso da medida em si. A execução manual foi subordinada a um esforço puramente intelectual, que se dirige somente à invenção de leis formais quantitativas e espaciais. Seu conteúdo conceptual é independente não só de uma finalidade específica, e sim de qualquer finalidade prática. Mas para torna-lo assim separável de propósitos práticos, foi necessário realizar uma abstração formal pura: sua invenção no pensamento reflexo ocorreu primeiro pela generalização da troca e da forma mercadoria na circulação dentro da sociedade e em sua relação universal a um único padrão monetário.
Naturalmente, esta mudança revolucionária (da arte egípcia da medida dos harpedonaptes à geometria grega) não se desenvolveu de improviso, mas através de centenas de anos e mediada por desenvolvimentos radicais das forças produtivas e correspondentes transformações das relações de produção. Para tornar isso claro, não se precisa regredir mais longe que aos começos da geometria grega com Thales. A invenção, com a qual ele é tradicionalmente associado como matemático, serviu entre outras coisas para medir a distância dos navios da costa. Para isso evidentemente a arte da corda teria sido inútil, e com este exemplo se pode mostrar toda a diferença mundial entre a economia fundada na exploração agrícola da terra firme, ainda da idade de bronze, no Egito e na Mesopotâmia, e as cidades-estado gregas baseadas como formas de produção sobre a navegação, a pirataria e o comércio, bem como na "pequena economia camponesa e negócios artesanais independentes" (Marx, O Capital. MEW 23, p.354), possibilitados pela técnica do ferro. A formação econômico-monetária da riqueza dos Gregos não surgiu do solo nem das instalações de produtores manuais, pelo menos não antes de que estes pudessem ser substituídos por escravos e tornados fonte de mercadoria comercial. Ela surgiu somente da corrente de circulação e era, como diz Engels, realização do capital comercial e a juro.
Para a "matemática pura" dos Gregos é essencial o fato de que ela se desenvolveu como separação intransponível entre trabalho intelectual e manual. A significação intelectual da matemática é tematizada em Platão; Euclides colocou-a no limiar do helenismo em seu Elementos da Geometria como monumento imperecível. Esta obra surgiu evidentemente só para o fim de demonstrar que a geometria se corresponde só a si mesma, enquanto ela como conexão intelectual se contem em seu próprio bojo. Aqui se levam adiante ambos os aspectos do pensamento puro (a esterilidade e a sintética), a ponto que não se toma conhecimento do intercâmbio do homem com a natureza, nem pelo que diz respeito às fontes e meios, nem a respeito de finalidade e utilidade. Nesta casa de cristal do espírito grego não entrou (tal qual como na objectivização da mercadoria) "nenhum átomo de natureza material". É puro formalismo da segunda natureza e testemunha indiretamente por sua constituição que nos antigos a forma capital do dinheiro (portanto o funcionalismo da segunda natureza) permaneceu enfim estéril: ou seja, mesmo libertando o trabalho da escravidão, contudo não elevou em nenhuma maneira notável a utilização produtiva da força de trabalho libertada. Isso se pode adivinhar retrospectivamente já a partir do fato de que no desenvolvimento helenístico depois de Euclides - portanto em Arquimedes, Eratóstenes, no legendário Heron, entre outros, em cuja matemática já se tornam evidentes elementos da abstração do movimento - a aplicação tecnológica, que a eles se prendeu, permaneceu contudo ao serviço de usos somente militares ou lúdicos. A mecânica não abandona o espaço da estática, permanece portanto presa na imobililidade como estado de inércia único. A razão disso não se pode atribuir exclusivamente à escravização do trabalho, pois permanece através de toda a Idade Média. Ela permanece igualmente em um estado de desenvolvimento da segunda natureza naquelas formas de capital, que podem bem extrair utilidade do estado existente das coisas, mas não conseguem intervir nelas de maneira radicalmente diferente.
A atividade de pesquisa deve separar-se dos interesses industriais, em inviolável independência e segregação, para poder-lhes servir. Sendo que (conforme a divisão industrial de trabalho dominante do modo de produção capitalista) o postulado de qualquer empreendimento produtivo está estritamente sujeito a sua diferenciação como divisão do trabalho, sua pesquisa deve acontecer nas categorias fundamentais da abstração social primária. O postulado específico levantado em função de um processo concreto da natureza assume a forma de uma hipótese matemática de pesquisa: essa tem o teor de uma causalidade entre uma equação funcional e seu valor numérico, e deve ser comprovada por um teste experimental em sua realidade objectiva. Se ainda supomos que a forma intelectual de reflexão da abstração primária é igual aos conceitos da razão pura, então temos de consequência, com validade geral e realidade objectiva, as propriedades conjuntas de ambos, que segundo Kant dão o caráter rigorosamente científico a uma atividade de pesquisa.
Uma olhada a Galileu pode confirmar este ponto de vista. O que era fundamentalmente novo em sua maneira de pensar perante o ponto de vista do trabalho manual de seus predecessores, foi que ele escolhia seu ponto de vista de antemão no terreno do movimento. Isso separou-o do ponto de vista do artesão, fez que ele concebesse o movimento como condição do ser, lado a lado com o estado de imobilidade, portanto ambos igualmente inerciais. Ele fundou e firmou esta concepção através de suas pesquisas sobre o movimento da queda dos corpos graves, "de motu gravium", que ele empreendeu ainda em Pisa em 1590, portanto antes de toda sua carreira. Ali ele descobriu, que, prescindindo do atrito do ar, portanto no espaço vazio, todos os corpos caem com igual velocidade. Há somente uma gravitação, só uma lei da queda. As leis dinâmicas da natureza são as leis do movimento, as quais vão se somando como resultado de pesquisa científica avançada para responder ao postulado do automatismo no caso respectivo do empreendimento em questão. Em 1623 em seu Saggiatore (A balança do ouro) Galileu determinou os fundamentos do método da nova ciência como procedimento matemático e experimental. Isso revelou-se verdadeiro, embora no tempo de Galileu os experimentos fossem em boa parte experimentos no pensamento, mesmo porque faltavam os aparelhos necessários. Quem ofereceu primeiro o modelo de um experimento de medida foi Newton em sua Óptica de 1707. Galileu introduz a parte matemática de seu método no Saggiatore com as conhecidas proposições: "A filosofia está escrita no grande livro, que sempre está aberto diante de nossos olhos, o universo. Mas nós podemos lê-lo somente quando apreendemos a língua e nos familiarizamos com os sinais nos quais ele está escrito. É escrito na língua da matemática, cujas letras são triângulos, círculos e outras figuras geométricas; sem esses meios não é possível ao homem apreender nem mesmo uma só palavra."
Pela matematização a ciência do novo tempo comparte sua quantificação com o conceito de valor da economia das mercadorias, a cujos interesses ela serve direta e indiretamente. Como sua igualdade de origem com o capital e seu modo de produção está complemente obscurecida para os detentores da ciência, estes se regozijam pela independência imaginária da motivação de seu pesquisar em sua era clássica com base na universalidade de sua forma conceptual e em sua distância ideal do capital.
Isso me faz pensar a uma observação secular de Ernst Cassirer. Em sua pesquisa sobre a teoria do conhecimento publicada em 1910 e sempre frutífera, Substanzbegriff und Funktionsbegriff (Conceitos de substância e de função), ele faz a seguinte afirmação (p.155): "O conceito exato de natureza tem raiz na idéia do mecanismo e se pode alcançar primeiramente com base nessa idéia. A explicação da natureza pode tentar em seu desenvolvimento ulterior de libertar-se deste primeiro esquema e colocar um outro mais amplo e geral em seu lugar: contudo o movimento e suas leis permanecem o genuíno problema fundamental, no qual o saber alcança primeiro clareza sobre si mesmo e sua tarefa. A realidade é complemente reconhecida tão logo ela se resolve em um sistema de movimentos."
Cassirer não nos diz de que fonte jorra a própria idéia do mecanismo, mas ele descreve sua peça central, o movimento, não com seu conceito empírico usual, e sim como "puro movimento" no espaço puro e no tempo puro. E estas são feições inegáveis da fisicalidade do negócio da troca.39
Em outras palavras, ambas as partes, o conceito exato da natureza e a idéia do mecanismo, enraízam-se no mesmo lugar de origem: na abstração primária da troca. Sua coincidência portanto não propõe absolutamente nenhum enigma; ao contrário eu posso reclama-los como testemunhas adicionais de minha tese da conexão subliminar da ciência exacta da natureza com a economia do capital produtivo. Subliminar, ou, se se quiser, transcendental, é este parentesco racial de fato, pois na superfície ambos são tão difusos e reciprocamente intraduzíveis como, digamos, a definição econômica do ferro por seu preço e sua definição física por seu peso atômico, só para mencionar um exemplo banal.
É claro que não se pode ignorar que a ciência da natureza a partir de meados de nosso século sofreu uma modificação fundamental depois de um longo período de arranque. A teoria inercial do movimento, a partir de Einstein, foi desalojada pela teoria electromagnética. Origem da mudança é que a era do ferro e das máquinas se transformou na era atômica na medida em que se cumpria o postulado do automatismo, e nós perfazemos uma mudança correspondente das forças produtivas da mecânica e do trabalho assalariado àquelas da eletrônica e da automação.
A revolução do capitalismo comercial da renascença à época do capitalismo produtivo aconteceu nos séculos 16 e 17 e completou-se pela transição dos meios de produção: da propriedade do trabalhador, camponês autônomo e artesão, a propriedade do capital. "O processo que cria a relação capitalista [na produção, S.-R.], não pode ser outra coisa que o processo de separação do trabalhador da propriedade de suas condições de trabalho, um processo que, por um lado, transforma os meios sociais de vida e de produção em capital, por outro, os produtores imediatos em trabalhadores assalariados", assim diz Marx (MEW, 23, p.742). Ou, expresso em minhas categorias: o processo, pelo qual a produção social vem transformada de uma conexão segundo a lógica da produção em uma conexão segundo a lógica da apropriação. Mas como é que uma tal conexão é internamente possível, como pode ela funcionar em sua flagrante contraditoriedade? O processo descrito por Marx realiza uma sociedade que em sua totalidade e até em cada unidade específica não consta de nenhuma outra atividade senão da lógica da apropriação e igualmente constitui a época histórica mais "viciada" em produção e mais dotada de produção. Como é que isso se junta? Essa é uma pergunta sociológica, e é a pergunta condutora, cuja resposta deve conter a explicação da ciência exacta da natureza, que Ernst Cassirer tanto aprecia "de um ponto de vista puramente filosófico".
De fato, o próprio Cassirer dá um primeiro passo importante para esta explicação através de sua estreita associação da natureza exacta com a idéia do mecanismo, que citamos acima. Por certo, Cassirer não era nem por aproximação tão escolado no enfoque sociológico como nas ciências da natureza. Assim podia passar-lhe despercebido que o mecanismo apresenta o caráter lógico-apropriativo de um fenômeno, respectivamente de uma ação. Eu deduzi acima a forma mecanística de pensar da fisicalidade da troca, por causa da reciprocidade da apropriação exclusiva, à qual esta ação se reduz.
O conhecimento da ciência natural começa metodicamente sua atividade com a elaboração da versão mecânica, ou seja da versão apropriativo-lógica do fenômeno a explicar no valor numérico de uma equação funcional. Este valor numérico precisa de confirmação experimental sob as condições do assim chamado isolamento experimental, que consiste na eliminação de todos os "fatores de perturbação". Pelo isolamento experimental se compreende o rigor da hipótese matemática como regularidade da lei da "natureza" sem tempo, própria dos objetos científicos, e a ciência como a pesquisa das leis da natureza. Como condicionados pelas leis naturais compreendem-se também os meios técnicos, respectivamente as máquinas, que, como meios de produção, estão à disposição da empresa capitalista interessada. Esses meios de produção destinam-se às mãos dos trabalhadores ocupados e operam a reprodução da lógica de produção da empresa capitalista de acordo com o postulado da automação deste modo de produção.(41) Por outro lado, esses mesmos meios de produção são ao mesmo tempo objetos de investimentos promissores de lucro para o capital, pois às suas funções técnicas de uso (em suas leis garantidas cientificamente) podem ser atribuídas confiabilidade fiel e repetibilidade ilimitada. Com isso julgo respondida em seus aspectos essenciais a pergunta que constitui o fio condutor destas considerações.
Esta explicação da ciência exacta confirma a tese sustentada neste estudo, que as categorias básicas da ciência natural matemática, originadas da razão pura, não se podem explicar pelo caminho intelectual, como seria pelo fetichismo idealista da razão pura, mas se compreendem a partir do ser social, onde elas tornam possível nossa sociedade funcional segundo os princípios da propriedade privada.
Cassirer valorizou "em sentido filosófico" a explicação da ciência exacta. De fato, como significação filosófica de nossa explicação pode-se mencionar sobretudo o enérgico empuxo, que nossa explicação empresta ao materialismo histórico no sentido de sua definição adorniana como "anamnese da gênese".
Em sua carta(42) de 17 de novembro de 1936, de Oxford, Adorno escreve: "Eu creio de não exagerar, se lhe disser que sua carta significou a maior sacudida espiritual que eu experimentei em filosofia depois de meu primeiro encontro com o trabalho de Benjamin - e isso foi no ano de 1923! Essa sacudida registra a profundidade de uma concordância, que vai muito além do que o Senhor podia suspeitar e eu mesmo suspeitava. E somente a consciência dessa concordância (da qual pode ter percebido traços no conceito da falsa síntese no trabalho sobre jazz), mas que no essencial está na transposição crítico-imanente (= identificação dialética) do idealismo em materialismo dialético; no conhecimento de que não é a verdade que está contida na história, mas a história na verdade; e na tentativa de uma proto-história da lógica consiste - só esta concordância ingente e ratificadora me impede de designar seu trabalho de genial - a angústia, de que se quereria que fosse também o próprio!" Com nossa explicação social da razão pura desvanece a impossibilidade antinômica de unidade da ciência natural e da ciência do espírito, respectivamente da história. Com isso devia estar aberto o caminho para uma compreensão universal da história da humanidade ocidental.
Notas de rodapé:
(30) MARX, Karl. O Capital, L. I, cap.5 (MEW, 23, p.193). (retornar ao texto)
(31) Id., ibid., cap. (MEW, 23, p.531). [nota não referenciada no original]
(32) Frankfurt, Surkamp, 1969. (retornar ao texto)
(33) Ibid, p.13. [Traduzimos conforme a tradução alemã - N.d.T.] (retornar ao texto)
(34) Falo em pessoa só na medida em que também em sociedades arcaicas os indivíduos têm nomes próprios, com os quais sabem que são chamados pessoalmente. (retornar ao texto)
(35) R.J.Forbes, "Metals and early science", Essays on the social history of science, ed. S.Lilley, Copenhagen, Ejnar Munksgaard, Centaurus, 1953, v.3, p.25-26. [Tradução do original - N.d.T.] (retornar ao texto)
(36) Hoplita: "Soldado de infantaria com armadura pesada na Grécia antiga"(do Aurélio - n.d.t.). (retornar ao texto)
(37) Theodor W. Adorno e A. Sohn-Rethel, "Notizen zu einem Gespräch (von Adorno Verfasst)", Warenform und Denkform mit zwei Anhängen, Surkamp, Frankfurt a.M., 1978, p.135ss. (retornar ao texto)
(38) A suposição do domínio de uma classe comercial, que teria surgido depois das guerras persianas, suposição à qual nós (Adorno e eu) sucumbimos, é fundamentalmente errada. Ela foi difundida por seguidores do marxismo, mas sem notar que ela contrariava rigorosamente o melhor entendimento de Marx. Para tal sirvam só duas citações extraidas dos Grundrisse: aquela já lembrada: "Nos antigos o valor de troca não era o nexus rerum" (Grundrisse, p.134) e outra ainda mais enfática: "A igualdade e a liberdade neste desenvolvimento [da troca mercantil, S.-R.] são exatamente o oposto da liberdade e igualdade dos antigos, os quais não tinham como base nem mesmo o valor de troca desenvolvido, muito mais com seu devenvolvimento vão em ruina" (ibid., p.156). - Na questão chave - como so grandes possuidores de escravos por exemplo de Atenas se enriqueciam pela posse de seus escraavos, sem empregá-los conforme o modo de empresários comerciais - eu me decido para a conjectura de Max Weber, de que eles alugavam seus escravos (obtidos em guerra ou no mercado dos esccravos em Delos) a "metokos", que com eles exploravam suas instalações para a produção de armas, cosméticos, cerâmica, móveis, sapatos, etc., em parte empregando até trinta ou mais em um estabelecimento. Os proprietários gregos de escravos ficavam rendeiros e podiam gozar de seu ócio aristocrático como kaloikagaqoi. (retornar ao texto)
(39) Cf. Parte I, item 4, acima (p.7) [Nota do trad.].
(40) Adoto aqui a terminologia de Bodo von Greiff em seu estudo iluminador. [nota não referenciada no original]
(41) Cf. o tratamento penetrante de Thomas Kuby, "Der Wandel des Automationsbegriffs" ("A mudança do conceito de automação"), in: Thomas Kuby (ed.), Vom Handwerksinstrument zum Machinensystem (Do instrumento artesanal ao sistema de máquinas), Berlim, Technische Universität, 1980, p.87-103. (retornar ao texto)
(42) Esta carta é uma resposta ao Ëxposé zur Theorie der funktionalen Vergesellschaftung" ("Exposição sobre a teoria da socialização funcional"), que eu tinha enviado a Adorno o dia anterior. Essa Exposição está reproduzida em Anexo, p.131ss. (retornar ao texto)