Força de Trabalho Feminina no Brasil: no Interior das Cifras

Heleieth Iara Bongiovani Saffioti

12/14 de Dezembro de 1984


Primeira Edição: Trabalho apresentado, sob o título Dynamics and cause of women‘s unequal incorporation in the labour force during the industrialization process-Brazil-1872-1982, no INTERNATIONAL MEETING OF EXPERTS ON FACTORS INFLUENCING WOMEN’S ACCESS TO DECISION-MAKING ROLES IN POLITICAL, ECONOMIC AND SCIENTIFIC FIELDS AN ON MEASURES THAT MAY BE TAKEN TO INCREASE THEIR RESPONSABILITIES, realizado em Dubrovnik, Iugoslávia no período de 10 a 14-12-84, e patrocinado pela UNESCO. Força de trabalho feminina no Brasil: no interior das cifras. Perspectivas, São Paulo, 8:95-141, 1985.

Fonte: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/108258/ISSN1984-0241-1985-8-95-141.pdf?sequence=1&isAllowed=y

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


RESUMO: Teoricamente, este artigo foi elaborado do ponto de vista do FEMINISMO, compreendido este enquanto uma nova perspectiva científico-politica. Por conseguinte, rejeita-se a posição do denominado feminismo radical, segundo a qual as relações de gênero constituem o principio fundamental estruturador das sociedades capitalistas, assim como se refuta a posição daqueles que reduzem a textura complexa das sociedades de classes a lutas de classe. O feminismo como perspectiva científico-politica não apenas leva em consideração estes dois antagonismos, como também suas inter-relações. Dai deriva a concepção deste tipo de sociedade em termos de capitalismo-patriarcado e não como capitalismo patriarcal. À luz deste esquema teórico de referência é examinada, ao longo da história, a desigual incorporação da mulher na força de trabalho brasileira. Se durante o período 1872-1982 os dados a respeito deste fenômeno sofreram mudanças, houve, por outro lado, muita conservação de fenômenos discriminatórios contra a mulher, no interior das estatísticas. Ou seja, o grosso das trabalhadoras continua ocupando posições subalternas, recebendo salários mais baixos pelo desempenho da mesma função, exercendo duas jornadas de trabalho. Estes fenômenos como também os que deles decorrem, só poderão ser eliminados peta luta contra o patriarcado-capitalismo, pela destruição desta simbiose, que propicia a dominação-exploração de quase todos por muitos e de mulheres por homens.

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Qualquer modo de produção, como fenômeno histórico que é, não surge inteiramente acabado, nem se realiza de forma pura. Em cada uma de suas concreções singulares, o tempo requerido para sua plena realização varia em função de numerosos fatores socioculturais específicos de cada sociedade. Observam-se, entretanto, certas invariâncias no que respeita à absorção retardada e jamais plenamente realizada de determinados contingentes demográficos por parte das atividades organizadas em moldes tipicamente capitalistas, nas formações sociais estruturadas segundo as determinações de modo de produção capitalista (MPC).

A condição de homem livre do trabalhador nas sociedades competitivas, requisito essencial para a realização histórica do modo de produção capitalista(1*), não se efetiva, imediatamente, para todos os membros da sociedade. Não somente durante o período de constituição da sociedade de classes, mas também no seu próprio funcionamento, enquanto sociedade competitiva plenamente constituída, interferem fatores aparentemente desvinculados da ordem social capitalista (aparentemente meras sobrevivências de formações sociais já superadas) e em contradição com ela (também aparentemente). Fatores de ordem natural, como sexo e etnia, operam largamente no próprio seio das formações sociais capitalistas, colocando a nu a violenta contradição entre o princípio nuclear do capitalismo — A ACUMULAÇÃO — e a proposta ideológica deste, mesmo sistema — A EQUIDADE (44, 54).(44)

Dado que a estrutura de classes é altamente limitativa das potencialidades humanas, há que se renovarem, permanentemente, as crenças nas limitações impostas pelos caracteres naturais de certo contingente populacional (contingente este que pode variar e efetivamente varia segundo as condições socioculturais de cada concreção singular da sociedade de classes) como se a ordem social competitiva não se expandisse suficientemente, isto é, como se a liberdade formal não se tornasse concreta e palpável em virtude das desvantagens maiores ou menores com que cada um joga no processo de luta pela existência. Do ponto de vista da aparência, portanto, não é a estrutura de classes que limita o desenvolvimento das potencialidades humanas, mas, ao contrário, a ausência de potencialidades de determinadas categorias sociais que dificulta e mesmo impede a realização plena da ordem social competitiva. Na verdade, quer quando os mencionados fatores naturais justificam uma discriminação social de fato, quer quando justificam uma discriminação social de jure, não cabe pensá-los como mecanismos autônomos operando contra a ordem social capitalista. Ao contrário, uma visão globalizadora da sociedade de classes não poderá deixar de percebê-los como mecanismos coadjutores da realização histórica do sistema de produção capitalista (47).(47)

Rigorosamente, o modo de produção capitalista resulta simultaneamente da incorporação-superação dos modos de produção que historicamente o antecederam. Como afirma o próprio Marx, “grosso modo, os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno podem ser qualificados de épocas progressivas de formação social econômica” (28:5)(28). Esta formação social econômica refere-se ao advento do capitalismo que, de certa forma, traz em seu bojo as determinações e contradições das sociedades anteriores, embora estas sejam de difícil reconhecimento na medida em que se apresentam sob novas formas e interagem de maneira inédita com as determinações específicas do MPC. Ainda que de forma estiolada ou mesmo travestida, relações sociais típicas de sociedades anteriores podem ser reencontradas nas sociedades burguesas, constituindo estas últimas a chave para a compreensão das formações sociais que a precederam historicamente (29:169-70)(29).

Embora muitos adeptos do materialismo histórico tenham compreendido o conceito de modo de produção de forma economicista, as obras de Marx e Engels não autorizam este tipo de entendimento. Na tentativa de não alongar muito esta discussão, optou-se pela transcrição de um texto coletivo, de autoria dos pensadores referidos, cuja riqueza pode ser aferida.

“Produzir a vida, tanto a sua própria, através do trabalho, quanto a vida do outro, através da procriação, nos aparece pois, desde agora, como uma dupla relação: de uma parte, como uma relação natural, de outra parte, como uma relação social — social no sentido da ação conjugada de muitos indivíduos, pouco importando em que condições, de que maneira e com que objetivo. Disto decorre que um modo de produção determinado (...) está permanentemente vinculado a um modo de cooperação determinado (...), e que este modo de cooperação é, ele próprio, uma ‘força produtiva’...” (30:21)(30).

Este excerto permite verificar o caráter não-economicista do conceito de modo de produção, na medida em que:

1. A produção da vida envolve:

  1. A produção da vida material propriamente dita, ou sejam, os meios de subsistência necessários à satisfação das necessidades humanas;
  2. a reprodução dos seres humanos;
  3. relações sociais ou um modo de cooperação entre os indivíduos, capazes de permitir a produção e a reprodução da vida;
  4. o conceito de força produtiva ultrapassa os limites do mundo meramente material, englobando as próprias relações sociais que se desenvolvem entre os seres humanos.

2. O determinismo econômico em última instância implica a compreensão ampla de força produtiva derivada do duplo caráter de produzir a vida: a relação dos homens com a natureza e a relação dos homens entre si. Logo, as representações que os homens fazem do seu modo de produzir a vida funcionam também como forças propulsoras da produção da vida em sentido lato.

3. Os autores não hierarquizam produção e reprodução da vida. Quer a produção, quer a reprodução da vida apresentam uma dupla dimensão: natural e social. O fenômeno da reprodução da vida é aqui encarado pelos autores em sentido muito mais amplo do que a reprodução que tem lugar no interior da família. Esta sim, na p. 20 da mesma obra, é considerada como uma relação subalterna face às novas relações sociais engendradas pelo aumento das necessidades e face às novas necessidades geradas pelo aumento da população. O fenômeno da reprodução não se confunde, portanto, com a instituição FAMÍLIA.

Especificamente sobre a família, pode-se transcrever um excerto de uma obra de Engels:

“O casamento conjugal não entra, pois, na história, como a reconciliação entre o homem e a mulher e muito menos ainda como a forma suprema do casamento. Ao contrário: ele aparece como a sujeição de um sexo pelo outro, como a proclamação de um conflito dos dois sexos, desconhecido até então em toda a pré-história. Em um velho manuscrito inédito (L'IDÊOLOGIE ALLEMANDE), redigido por Marx e eu próprio em 1846, eu encontro estas linhas: ‘A primeira divisão do trabalho é a que se estabelece entre o homem e a mulher para a procriação.’ E agora eu posso agregar: A primeira oposição de classe que se manifesta na história coincide com i o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher no casamento conjugal e a primeira opressão de classe, com a opressão do sexo feminino pelo sexo masculino. O casamento conjugal foi um grande progresso histórico, mas ao mesmo tempo ele inaugura, ao lado da escravidão e da propriedade privada, esta época que se prolonga até nossos dias e na qual cada progresso é simultaneamente um passo atrás relativo, uma vez que o bem-estar e o desenvolvimento de uns são obtidos através do sofrimento e do recalque dos outros. O casamento conjugal é a forma celular da sociedade civilizada, forma na qual nós podemos já estudar a natureza dos antagonismos e das contradições que nela se desenvolvem plenamente.” (12:64-5).(12)

Este texto reveste-se da maior importância, na medida em que, não apenas reconhece a opressão da mulher pelo homem, como atribui ao conflito entre os sexos o estatuto de ANTAGONISMO. Por outro lado, sua pobreza reside no raciocínio analógico, que induz Engels a identificar as relações entre homens e mulheres com as relações entre as classes sociais. Se em ambos os casos está presente a natureza antagônica das relações — entre as classes e entre os sexos — pode-se admitir a identidade dos dois fenômenos no plano estrutural. Este nível, contudo, é insuficiente, Sobretudo para pensadores que se propuseram, não apenas compreender e explicar a sociedade capitalista, como também atuar energicamente no sentido de sua transformação (31:61-4).(31)

No que tange aos estudos sobre as discriminações sofridas pelas mulheres, interessa utilizar conceitos subversivos, capazes de desvendar as relações de poder político e econômico nas relações sociais de produção e nas relações sociais de reprodução. Como esta última tem lugar no seio da família nuclear nas formações sociais capitalistas da atualidade, cabe lidar com estes dois sistemas: o aparato da produção, geograficamente distanciado do domicílio, e o da reprodução, situado no domínio do privado. Não basta, contudo, utilizar da dialética materialista os conceitos que se revelarem adequados. Há que se ir além, formulando novos conceitos, também subversivos, capazes de apreender, na prática cotidiana dos atores sociais, se de fato se deseja transformar o mundo, muitos fenômenos, dentre os quais podem ser ressaltados:

1. patriarcado e capitalismo são duas faces de um mesmo modo de produzir e reproduzir a vida;

2. sendo o patriarcado, embora historicamente anterior ao advento do capitalismo, uma vez que esteve presente e atuante em todas “as épocas progressivas da formação social econômica” burguesa, consubstanciai ao MPC, a formação social capitalista agudiza, sobremaneira, as contradições atuantes em qualquer sociedade centrada na propriedade dos meios de produção;

3. as imbricações das relações entre os sexos com as relações entre as classes sociais têm consequências dramáticas para a classe trabalhadora, podendo qualquer desatenção quanto á divisão sexual do trabalho conduzir as lutas a fragorosas derrotas, em virtude de práticas políticas e mesmo objetivos conflitantes;

4. a divisão sexual do trabalho está na base da subordinação da mulher ao homem, relação de dominação esta que coloca o fenômeno da reprodução como subordinado da produção;

5. as classes sociais não são homogêneas- em termos de sexo, fenômeno que as Ciências Sociais têm ignorado sistematicamente;

6. da constatação anterior derivam práticas políticas distintas e mesmo metas diferentes para homens e mulheres;

7. se a dominação patriarcal e o despotismo do capital são faces de uma mesma moeda:

  1. as relações sociais de produção não se restringem ao domínio do trabalho “público”, invadindo o terreno “privado” das relações sociais de reprodução;
  2. as relações sociais de reprodução extrapolam o domínio “privado” do lar para penetrar vigorosamente no âmbito da produção “pública”;

8. o antagonismo entre as categorias de sexo não pode ser pensado exclusivamente enquanto fenômeno situado no interior de cada classe social. As contradições entre as classes sociais e entre os sexos não são paralelas, mas cruzadas (47:21-2). Disto pode-se inferir:

  1. que as alianças entre as mulheres esbarram no antagonismo entre as classes sociais;
  2. que as lutas políticas da classe trabalhadora trazem em seu bojo o antagonismo entre as categorias de sexo;

9. as contradições entre as classes sociais e entre as categorias de sexo merecem o mesmo estatuto teórico, quando se deseja ultrapassar o nível estrutural e apreender a dinâmica das práticas sociais. Uma relação de subordinação entre estes dois antagonismos, qualquer que seja a direção desta sujeição, impede a apreensão da riqueza de determinações que definem um concreto histórico(2*), provocando o fracasso das estratégias cujo alvo seja a superação destas contradições (42).(42)

O que tem sido tratado aqui como um sistema de dominação social, cultural, político e econômico apresenta duas dimensões: o patriarcado e o capitalismo. Na medida mesma em que são inseparáveis suas faces, é preciso sublinhar:

1. que não se trata de dois sistemas justapostos e ou interdependentes, auxiliando-se mutuamente, mas mantendo cada um deles sua autonomia relativa;

2. que é impossível separar os tipos de dominação próprios do patriarcado, como, por exemplo, o social, o cultural e o político, caracterizando como específica do capitalismo a dominação econômica;

3. todos estes tipos de dominação são exercidos a partir da combinação singular entre capitalismo e patriarcado, estando7 todos presentes quer no domínio da produção, quer no da reprodução.

Zillah Eisenstein (10)(10) realiza uma tentativa de analisar a divisão sexual do trabalho e a sociedade no que denomina patriarcado capitalista, concebendo dois sistemas — patriarcado e capitalismo — em permanente interação é dependência mútua. Para esta autora, do mesmo modo que o patriarcado é suficientemente maleável para ajustar-se às necessidades do capital, este também é suficientemente flexível para adaptar-se às necessidades do patriarcado. Esta concepção dual fica bastante clara através da transcrição que se segue.

“O capitalismo usa o patriarcado e o patriarcado está determinado pelas necessidades do capital. Esta afirmação não solapa o dito anteriormente, ou seja, que ao mesmo tempo em que um sistema utiliza o outro, deve organizar-se em função .das necessidades deste outro precisamente para proteger as qualidades específicas do outro. De outra forma, o outro sistema perderia seu caráter específico e com ele seu valor único. Para dizê-Io da maneira mais simples possível: o patriarcado (supremacia masculina) proporciona a ordenação sexual hierárquica da sociedade para o controle político e como um sistema político não pode ser reduzido à sua estrutura econômica; enquanto o capitalismo como sistema econômico de classes, impulsionado pela busca de lucros, alimenta a ordem patriarcal. Juntos eles formam a economia política da sociedade, não unicamente um ou o outro, mas uma combinação particular dos dois.” (10:28)

Embora a análise de Eisenstein dê um passo adiante, na medida em que revela a imbricação do patriarcado com o capitalismo, subsiste uma concepção dualista, impondo a percepção das necessidades específicas de cada um dos dois sistemas em presença e da contribuição de cada um para a formação da economia política da sociedade. O patriarcado é concebido como sistema político, enquanto o capitalismo é captado apenas em sua dimensão econômica. O sistema de classes sociais não pode ser pensado simplesmente no plano econômico, pois se trata de uma realidade multifacética, onde também têm lugar os outros tipos de dominação: social, cultural e política, além da econômica. De outra parte, o patriarcado não se resume em um sistema de dominação política, porquanto no seu seio também fluem os outros tipos de dominação, inclusive a econômica. A necessidade de buscar característicos específicos de cada sistema em jogo nasce da própria natureza dualista de conceber a formação social capitalista.

Se o patriarcado sempre integrou as configurações históricas anteriores ao capitalismo, não há razão, pelo mero fato de o processo econômico ter aflorado à superfície da sociedade e o dinheiro ter passado a permear todas as relações sociais para deixar de concebê-lo como consubstanciai ao capitalismo.(3*)

O próprio título do artigo de Eisenstein, assim como o título do livro em que está inserido, contêm a expressão patriarcado capitalista. Esta expressão induz a pensar que houve um patriarcado escravista e um patriarcado feudal. Desta sorte, nas etapas progressivas da formação da sociedade burguesa, o elemento constante foi o patriarcado, ao qual foram se agregando sucessivamente diferentes modalidades de organização da produção: escravista, feudal e capitalista. A partir da análise de Eisenstein sobre o patriarcado capitalista pode-se pensar também na interdependência entre, de um lado, o patriarcado e, de outro, o escravismo e o feudalismo, em distintos momentos da história. Ainda partindo de sua análise, poder-se-ia dizer que o patriarcado sempre manteve sua autonomia relativa enquanto sistema político, ainda que em diferentes épocas serviu e beneficiou-se de seu acoplamento com os distintos modos de produção: escravista, feudal, capitalista. Não está em questão a anterioridade histórica do patriarcado em relação ao capitalismo, fenômeno já amplamente conhecido, discutido e aceito.

Trata-se de situar a emergência da supremacia masculina simultaneamente com o surgimento da propriedade privada. (11:125-6(11); 22:7-67(27)), a fim de eliminar as dicotomias: patriarcado x escravismo, patriarcado x feudalismo, patriarcado x capitalismo. Havendo a supremacia masculina e a propriedade privada sido resultado do mesmo parto histórico, cabe pensar o patriarcado como componente intrínseca, como consubstanciai ao escravismo, ao feudalismo e ao capitalismo. Cada um dos três tipos macroestruturais mencionados organiza a seu modo a produção e reprodução. Como afirma Marx, cada modo de produção tem suas próprias leis de reprodução.(4*)

O exame destes dois fenômenos — produção material e reprodução de seres humanos — ao longo da história, revela que ambos caminharam na mesma direção. Seria inconcebível nos países de capitalismo avançado hoje que os casais decidissem ter tantos filhos quantos viessem na expectativa de que sobrevivessem alguns para lhes dar amparo na velhice. Mas isto foi uma realidade no passado e ainda persiste em regiões subdesenvolvidas, onde há enormes carências alimentares, sanitárias, médicas etc. Neste tipo de circunstância, a mulher tem sido, por excelência, uma “máquina de parir”, além de contribuir para a produção de bens e serviços.

Nesta questão não se pode esquecer a mediação do Estado, enquanto organismo aparentemente neutro, mas, na verdade, implementando políticas favorecedoras dos objetivos da classe dominante. Em outros termos, o Estado filtra as pressões da classe dominada, cedendo, às vezes, nas minudências, mas levando a cabo políticas conducentes às metas econômicas dos donos do poder no patriarcado- capitalismo. O Estado, além de auxiliar a classe dominante a disciplinar a força do trabalho, também direciona o processo de reprodução humana. A implementação de uma mesma política pode dar conta das duas tarefas mencionadas. Grosso modo, o capitalismo concorrencial tem um pronunciado interesse pela reprodução da força de trabalho, enquanto o capitalismo monopolista, face à abundância de mão-de-obra, interessa-se por limitar o número de nascimentos, prevendo as pressões que os futuros excedentes demográficos desencadearão no mercado de trabalho. Rigorosamente, trata-se do profundo medo das massas famintas ou, em outros termos, da ameaça política que estas constituem. Os países de capitalismo central difundem métodos contraceptivos para a periferia do sistema capitalista internacional, ainda que se possam presumir seus efeitos deletérios e mesmo que estes já tenham sido comprovados. Basta lembrar que as porto-riquenhas serviram de cobaias para o desenvolvimento do anticoncepcional oral e que mais de cinco milhões de mulheres já foram atingidas, nestes últimos 15 anos, em 70 países das regiões subdesenvolvidas, pelo acetato de medroxiprogesterona, comercializado sob o nome da Depo-Provera, droga esta não aprovada pelo Food and Drog Administration enquanto contraceptivo, em virtude da alta incidência de câncer de endométrio de mama, diabetes, anemia, redução imunológica etc. que provoca em animais (33)(33). Embora as pesquisas sobre o assunto no Brasil recaiam sobre universos empíricos restritos, sabe-se ser amplo o uso dos anticoncepcionais orais e de Depo-Provera, tendo sido liberada no corrente ano a utilização do dispositivo intrauterino (DIU). Um método muito utilizado no Brasil consiste na laqueadura de trompas, operação até o presente irreversível. Sabe-se, oficiosamente, que mais de 40% das mulheres do Estado do Piauí foram esterilizadas definitivamente através da laqueadura de trompas. O crescimento assustador de operações cesarianas pode estar vinculado, dentre outros fatores, à laqueadura de trompas, momento ideal para a esterilização, porquanto a proporção de cesáreas em relação ao número total de partos passou de 15% em 1971, para 30% em 1980, e para 43,4% em 1981 (55)(55).

Recentemente, o Ministério da Saúde surpreendeu-se com o gigantesco número de agências estrangeiras (92) praticando controle demográfico no Brasil. Sabe-se que apenas uma destas agências — a BEMFAM — conta com mais de três mil postos em operação no país. A previdência social no Brasil pratica, há tempo, o planejamento familiar, embora as posições dos diferentes governos posteriores ao golpe de Estado de 1964 tenham sido suficientemente ambíguas para dar à população a ilusão de liberdade, no terreno da reprodução, e, ao mesmo tempo, fechar os olhos para as agências estrangeiras de controle de natalidade que aqui operam.

No corrente ano, teve início a implantação, por parte do Ministério da Saúde, do programa Assistência Integral à Saúde da Mulher, contemplando a questão do planejamento familiar e, desta forma, assumindo publicamente uma política definida em matéria de população. Não há, entretanto, consenso no seio dos vários braços do Estado brasileiro quanto às metas da política demográfica, quanto aos métodos a serem utilizados e quanto ao sub- aparelho de Estado mais capaz de levar a bom termo objetivos previamente fixados. Enquanto o Ministério da Saúde começa a implementar seu plano — e o planejamento familiar deve estar afeto ao braço do Estado destinado a cuidar da saúde — o Ministro do Estado Maior das Forças Armadas, Waldir Vasconcelos, promete que o atual Presidente da República, antes de terminar seu mandato a 15/3/85, decretará a criação do Conselho Nacional de Política Demográfica, que terá como função a implementação do Programa de Planejamento Familiar e que ficará subordinado ao Conselho de Segurança Nacional. Trata-se, pois, da militarização da função disciplinadora da reprodução humana, desde sempre desempenhada por um braço civil do Estado.(5*)

No que tange ao fenômeno reprodução da força de trabalho no Brasil, as políticas implementadas por empresários e pelo Estado variaram amplamente, indo desde a importação de mão-de-obra, passando pelo custeio da qualificação, da moradia, do vestuário e da alimentação do trabalhador, e chegando até a posição acima referida do controle militar da reprodução da força de trabalho (4:36(4); 58;60(58)) Já em 1966, Juliet Mitchell(34)(34) indicava os domínios nos quais as mulheres desempenhavam suas funções, ou seja, produção, reprodução, sexualidade e socialização das gerações imaturas, esferas estas que a autora denomina de estruturas. Embora haja apreendido corretamente as esferas em que atuam as mulheres, deixou de marcar as diferenças que separam, de um lado, a produção, e, de outro, a reprodução, englobando o exercício da sexualidade, a reprodução biológica e a reprodução social ou socialização dos imaturos. Desta sorte, ao invés de investir seus esforços no desvendamento das inter-relações e interdependências entre a produção e a reprodução, preferiu enveredar pela utilização dos conceitos althusserianos(6*), como o de sobredeterminação e o de unidade de ruptura.

“E somente nas sociedades altamente desenvolvidas do Ocidente que uma autêntica liberação das mulheres pode ser enfrentada hoje. Mas, para que isso ocorra, deverá haver uma transformação de todas as estruturas nas quais elas estão integradas, e uma unidade de ruptura. Um movimento revolucionário deve basear sua análise no desenvolvimento desigual de cada estrutura, e atacar o elo mais fraco na combinação. Isto pode então tornar-se o ponto de partida para uma transformação geral.” (34:30)

Para Mitchell o elo mais fraco situa-se no domínio da sexualidade, na medida em que a liberalização dos costumes sexuais já havia minado, na época (1966), a instituição do casamento. Quase duas décadas decorreram desde então e a reprodução de seres humanos continuou a se fazer, seja através do casamento, seja através de múltiplos arranjos que, se contrariam as regras clássicas do exercício da sexualidade, já estão quase inteiramente absorvidos por todas as camadas sociais. A bem da verdade, diga-se que Mitchell não postulava a liberação da mulher a partir exclusivamente da ruptura de um elo mais fraco da referida cadeia. Segundo ela, era necessário que se criassem as condições que Althusser denominou de unidade de ruptura. Parece que o rompimento do elo da cadeia revela-se insuficiente para tanto.

Embora Mitchell, há quase duas décadas, tenha detectado pontos fundamentais nas funções desempenhadas pelas mulheres, dado o universo conceituai em que se situou, ateve-se ao plano estrutural, deixando de examinar as relações sociais entre as categorias de sexo e entre as classes sociais. Recentemente, duas pesquisadoras francesas enfocaram a questão da produção e reprodução, ultrapassando o nível estrutural e tentando captar as inter- relações entre as práticas das categorias de sexo e das classes sociais (8:156-73)(8). Por se tratar de uma das mais bem sucedidas tentativas de analisar o problema e ser extremamente estimulante no que tange à formulação de novos conceitos destinados a captar realidades obscurecidas pelas categorias conceituais convencionais, dar-se-á amplo espaço a este artigo no presente trabalho.

De sua primeira proposta — análise materialista das relações sociais — resulta o resgate da onipresença do político em todas as relações humanas. O patriarca- do, enquanto sistema sociopolítico, interfere quer na produção material, quer na produção de seres humanos. O capitalismo, assim penetrado pelo sistema sociopolítico da supremacia masculina, ao invés de produzir para satisfazer às necessidades humanas, submetendo, desta sorte, a produção à reprodução, opera exatamente em sentido oposto, subjugando a reprodução à produção. As autoras levantam a hipótese de que esta subordinação da reprodução à produção apoia-se em outra submissão, ou seja, a das mulheres aos homens, tendo como respaldo a divisão sexual do trabalho. Em consequência desta hipótese, as mulheres são destinadas prioritariamente à reprodução, fenômeno sempre acompanhado de perda no campo sociopolítico. Evidentemente, não se podem separar as mulheres na esfera da reprodução e os homens na esfera da produção, porquanto ambos são agentes sociais nos dois domínios, reproduzindo-se em ambas as esferas a divisão sexual do trabalho que subordina as mulheres aos homens.

Em virtude da separação entre local de trabalho e local de domicílio e de novas formas de produzir bens materiais, introduzidas pelo MPC, este reorganiza a reprodução, que passa a ser cenário simultaneamente da luta de classes e da luta entre os sexos. De outra parte, a reprodução passa, desde logo, ao domínio público, sendo gerida pelo Estado. Como ficou anteriormente mencionado para o Brasil, as autoras registram a penetração do Estado, por delegação dos capitalistas, no conjunto dos aparelhos atuais de reprodução, nos quais se verifica a onipresença do poder político, reforçando a aguda despossessão das mulheres e provocando a interiorização de regras de conduta de sexo e de classe. Suspeitam as autoras que seja exatamente neste nível “que se manifesta mais fortemente a osmose capitalismo-patriarcado, que se cria e recria mutuamente” (8:160).

Dada a coincidência de certas ideias, vale a pena transcrever mais um excerto das referidas autoras:

“A relação antagônica entre os sexos exprime-se aqui e lá, na produção e na reprodução. Ela não está, de maneira alguma, circunscrita á família; tampouco, aliás, a relação social entre o capital e o trabalho é circunscrita à produção. É preciso, pois, banir toda visão idílica de uma aliança dos sexos na luta de classes... É preciso também abandonar a alternativa: luta de. sexos ou luta de classes. As mulheres, em sua prática, jamais se confrontam com tal dilema, pelo menos nestes termos. Elas não podem, embora quisessem, conduzir eficazmente uma sem a outra e, neste sentido, são duplamente exploradas onde se encontram.” (8:160-1)

A questão do cruzamento, por oposição a paralelismo, das relações entre os sexos e entre as classes sociais, assim como as desvantagens da priorização de uma das lutas — de sexo e de classes — estão abordadas em outros textos (48:11(48); 49(49); 51(51); 112).

As autoras refutam a tese da autonomia relativa da família, uma vez que as relações de classes operam também no seio dos aparelhos de reprodução. A tentativa de abordar, enquanto unidade, a produção de bens e a produção de seres humanos, apoiando a análise das formas sociais da reprodução sobre as relações sociais de produção para delas apreender a evolução de acordo com as formas de desenvolvimento do capitalismo, as autoras denominam enfoque “anthroponomique” (3)(3).

Vale a pena, ainda, transcrever mais um pequeno excerto do artigo em pauta:

“Do ponto de vista de uma análise estrutural, com efeito, pode-se dizer que as relações entre os sexos na produção e na reprodução, não são de natureza diferente; relação de dominação ideológico-política e de apropriação — que situam as mulheres em situação de inferioridade, de serviço e de submissão. Mas, percebe-se claramente que a análise estrutural não permite dar conta nem das lutas levadas a cabo aqui e lá no interior destas relações, nem daquilo que realmente se passa entre a produção e a reprodução.” (8:165)

A observação pertinente aqui incide sobre a própria concepção de patriarcado e a distinção entre uma análise estrutural da produção e da reprodução e uma análise das relações sociais de sexos e de classes. Ao tentar mostrar a simbiose entre patriarcado e capitalismo, sobretudo no seio dos aparelhos de reprodução, as autoras definem patriarcado como um sistema sociopolítico, profundamente atuante tanto na produção de bens quanto na produção de seres humanos. A nível estrutural, imputam a responsabilidade pela inferiorização da mulher, quer na produção, quer na reprodução, a uma relação de dominação ideológico-política e de APROPRIAÇÃO. Ora, se as relações de apropriação e, por conseguinte, de desposses- são da mulher, estão presentes e atuantes na produção e na reprodução, só restam duas alternativas:

  1. o patriarcado não se resume a um sistema sociopolítico-ideológico, mas apresenta também uma forte dimensão econômica;
  2. as relações de produção, na medida em que operam também no domínio da reprodução, respondem pelas relações de apropriação que subordinam a mulher ao homem.

Na segunda alternativa está presente a adesão à determinação, ainda que em última instância, do econômico, tese à qual as autoras não aderem, como se pode verificar pelo excerto que se segue.

“Para nós a especificidade do MPC reside algures, nas formas de subordinação da reprodução à produção, na extensão das práticas de dominação de uma classe ao conjunto do campo social, na coerência e na imbricação das relações sociais de classes e de sexos, na extensão das lutas que animam o processo de despossessão.

Dizer que este movimento se origina na produção não significa para nós uma adesão, ainda que em última instância, ao primado da economia. Não se trata mais de se interrogar sobre os efeitos das relações sociais de produção na reprodução, mas de tentar mostrar como o desenvolvimento das modalidades capitalistas de produção de bens reforça em todos os domínios a despossessão e a luta contra a despossessão.” (8:168) Se não mais se trata de se indagar sobre os efeitos das relações sociais de produção na reprodução, mas de revelar o caráter expropriatório do capitalismo, em todas as suas realizações históricas, em relação às mulheres, a partir da produção de bens materiais, fica patente o primado da economia, ainda que ele seja quase negado.

Como justificar a não adesão ao determinismo econômico, em última instância, se o patriarcado é concebido como sistema sociopolítico (8:162) ou como sistema ideológico-político (8:165) e se “a produção e a reprodução são indissociáveis; uma é impensável sem a outra, cada uma é condição da outra”? (8:156)

Ora, ou se situa a origem das relações de apropriação no campo da produção material, admitindo-se uma autonomia relativa entre a produção e a reprodução, ou se concebe a unidade produção- reprodução, simultaneamente com a simbiose entre o patriarcado e o capitalismo. Esta última hipótese parece ser a mais plausível e heurista, desde que o patriarcado seja concebido como um sistema de dominação social, cultural, política, ideológica e econômica. Concebido com todas estas dimensões, que também estão presentes no capitalismo, elimina-se a necessidade da busca das origens da sujeição da mulher pelo homem, exclui-se a hipótese da autonomia relativa, de um lado, da produção de bens, e, de outro, da produção de seres humanos, e, sobretudo, deixa-se de pensar em eventuais tensões entre o patriarcado e o capitalismo, já que o raciocínio encaminha-se para a compreensão da simbiose entre estes dois sistemas. Desta maneira, facilita-se a apreensão das relações de produção no interior dos aparelhos de reprodução, da mesma forma como se torna mais fácil a apreensão das relações de reprodução no seio dos aparatos da produção material. Em outros termos, parece ser este o caminho mais adequado para analisar o CRUZAMENTO das relações sociais entre as categorias de sexo e das relações sociais entre as classes sociais.

Embora se saiba há tempo (48; 49; 51) ser impossível um feminismo de todas as mulheres, uma vez que esta categoria de sexo — como também a outra — é atravessada pela divisão da sociedade em classes sociais, Combes e Haicault, dentre as numerosas contribuições que apresentam no artigo examinado, trazem uma de inestimável valor para a formulação de estratégias, visando à instauração de uma sociedade em que homens e mulheres sejam, efetivamente, iguais do ponto de vista social. Realmente, na tentativa de apreender simultaneamente as relações de sexo e de classes e a atuação de ambas nos aparelhos de produção e de reprodução, o problema deixa de ser a priorização de uma luta em detrimento da outra ou de colocar uma na dependência da outra, para transformar-se na natureza das alianças entre homens e mulheres de uma mesma classe social. Ou seja, estas alianças trazem em seu bojo a oposição.

“Homens e mulheres estão sempre e em todos os lugares em uma relação antagônica, na medida em que eles pertencem a uma ou a outra categoria de sexo (opressora e oprimida), e ao mesmo tempo em uma relação de aliança construída sobre uma base desigual, visto que eles pertencem à mesma classe social, isto é, a uma ou a outra das duas únicas classes aqui em questão, definidas pela relação de exploração.” (8:170)

Isto mostra quão eficaz é a simbiose do patriarcado-capitalismo. Visto que a dominação de classe, caracteristicamente uma relação vertical, é atravessada pela subordinação de um sexo ao outro, relação também vertical, mas permeando horizontalmente a estrutura de classes, ambas as relações de dominação- subordinação potenciam-se pela simbiose acima mencionada, só permitindo, no interior da mesma classe social, relações sociais ao mesmo tempo de aliança e de oposição.

Disto decorre que o capitalismo não pode ser pensado exclusivamente através da lógica do capital, ignorando-se sua outra face, ou seja, o patriarcado. O capitalismo, enquanto modo de produção, não pode, pois, ser entendido como objeto abstrato-formal, mas como o resultado de uma progressiva explicitação histórica, através dos modos de produção que lhe precederam, da mais desenvolvida forma de organização da unidade produção- reprodução, sob o signo da separação entre o produtor imediato e os meios de produção.

Uma vez bem explicitada a simbiose entre patriarcado-capitalismo, utilizar-se- á doravante a expressão mais simples CAPITALISMO, tendo-se sempre no espírito que o sistema patriarcal é consubstanciai ao MPC.

Este referencial teórico explica a desigual incorporação das mulheres na força de trabalho de qualquer nação capitalista. Convém insistir que a referida incorporação das mulheres na força de trabalho é desigual em dois sentidos: quantitativo e qualitativo. Quanto à primeira desigualdade, cabe lembrar que:

“A dona-de-casa emergiu, simultaneamente, com o proletário — os dois trabalhadores característicos da sociedade capitalista desenvolvida.”' (67(67); 50(50); 52(52)).

Embora o MPC não seja o único modo de produção centrado na propriedade privada dos meios de produção,distingue- se dos que o antecederam não só pelo fato de haver completado o processo de separação entre o trabalhador imediato e os meios de produção, como também por haver generalizado a categoria mercadoria, transformando a própria força de trabalho em mercadoria a ser comercializada entre seus possuidores e os detentores do capital. Mais do que isto, o MPC foi o primeiro modo de produção a criar tecnologia capaz de multiplicar a capacidade produtiva dos seres humanos. À medida que se processava a sofisticação tecnológica — processo ainda em curso — certos contingentes humanos deixavam de ser necessários para a produção de bens materiais. Embora muito se tenha dito e escrito sobre a capacidade da tecnologia de gerar empregos, o contrário ficou provado no setor industrial, com máquinas poupadoras de mão-de-obra e com robôs, em seguida nas atividades agropecuárias, com a introdução de diversas tecnologias capazes de substituir centenas de trabalhadores, e, finalmente, no setor terciário das atividades econômicas, com o enorme avanço da tecnologia da informática.

Para deixar de lado o fato de que a economia capitalista opera por ciclos de prosperidade e ciclos de recessão, o desemprego tecnológico constitui fato de fácil constatação. Enquanto nos modos de produção anteriores ao MPC, não se podia prescindir de muitos braços para produzir os meios de subsistência necessários à produção e à reprodução da força de trabalho do. trabalhador e das camadas parasitárias, as tecnologias desenvolvidas pelo MPC substituem, com vantagens econômicas e políticas para o capitalista, enormes contingentes humanos aptos a trabalhar. Estes contingentes são integrados por homens e mulheres e podem ser mobilizados nos momentos de expansão das atividades econômicas. Neste sentido, constituem força de trabalho reserva para uso oportuno do capitalismo.

Como bem mostra o excerto extraído de Zaretsky, o processo de proletarização não se deu de forma igual para homens e mulheres. Os trabalhadores proletarizam- se. Quanto às mulheres, parte sofre o mesmo processo de proletarização, conjugando a jornada fora do lar com a jornada doméstica; a outra parte transforma-se em dona-de-casa, ou seja, é confinada aos afazeres domésticos, prestando serviços no domínio da reprodução e alijada da esfera da produção.

A separação geográfica entre local de trabalho e local de residência teve um peso notável neste processo, mas não foi o único fator a contribuir para o alijamento de parcela das mulheres do campo da produção. O papel desempenhado pela tecnologia na inovação dos métodos de produção foi certamente decisivo. Talvez possa- se afirmar que ainda o é.

Em comparação com os modos de produção historicamente anteriores, o MPC absorve menor quantum relativo de força de trabalho. Nem se faz necessária a consulta às estatísticas para demonstrar tal discrepância, na medida em que apenas instrumentos de trabalho rudimentares eram utilizados antes da revolução industrial. Estes instrumentos, no máximo, prolongavam os membros do trabalhador e ou aumentavam sua força física. Não há, pois, paralelismo entre estes instrumentos de trabalho e as máquinas, que crescentemente multiplicam a capacidade produtiva do trabalhador, reduzindo o número de seres humanos necessários á produção, e os robôs, que substituem trabalhadores.

Por mais imperialista que seja um país capitalista — e isto lhe permite exportar um certo quantum de desemprego — jamais conseguiu oferecer trabalho a todos os seus cidadãos adultos e aptos a trabalhar. As taxas desemprego flutuam, obviamente, segundo a conjuntura vivida pela nação, não se conhecendo situação de pleno emprego da força de trabalho.

No caso específico das mulheres, esta questão torna-se mais complexa, já que as alocadas exclusivamente ao campo da reprodução não são consideradas desempregadas. Trabalham sem remuneração e este trabalho é considerado não-trabalho, já que se situa no âmbito da reprodução e não no terreno da produção. É a partir desta última esfera que se constrói a noção de trabalho; por conseguinte, as categorias censitárias a obedecem, dificultando sobremodo a análise das atividades femininas. Do uso destas categorias e da correlata desconsideração por formas de trabalho que, embora situadas no campo da produção, não se enquadram nos moldes da produção tipicamente capitalista, por parte das agências encarregadas de coletar dados estatísticos e divulgá-los, decorrem falácias, que é preciso combater. Tomando-se qualquer YEAR BOOK OF LABOUR STATISTICS, constata-se que a taxa de atividade feminina é muito inferior nas regiões subdesenvolvidas que nas regiões desenvolvidas. Podem-se fazer dois comentários a respeito do diferencial verificado:

1. Dada. a utilização de categorias de trabalho formuladas a partir da produção organizada em moldes capitalistas típicos, uma grande parcela das mulheres que trabalham na produção nas regiões subdesenvolvidas deixa de ser enumerada nas estatísticas. Em virtude, portanto, do uso de um método inadequado à captação de formas de trabalho amplamente difundidas em regiões subdesenvolvidas, as mulheres trabalhadoras são subenumeradas, não se tendo ideia precisa desta subestimação.

2. Embora o segundo comentário não possa ser desvinculado do conteúdo do primeiro, só se pode trabalhar a partir dos dados com os quais se conta. O fulcro desta segunda observação constitui o próprio critério de agrupar nações em função de seu desenvolvimento ou de seu subdesenvolvimento. Este critério oculta diferenças gigantescas no que tange à participação das mulheres na força de trabalho, quer se tomem as regiões desenvolvidas, quer se examinem as subdesenvolvidas. A título de ilustração, tomar-se-ão os dados internacionais mais recentes, a fim de expor as diferenças ocultadas pelo uso do critério ideológico de reunir em dois blocos separados os países que compõem as regiões desenvolvidas e as nações que integram as regiões subdesenvolvidas, com a finalidade de medir a taxa de atividade feminina. Deixando de lado os países socialistas, cujas taxas de incorporação da mulher na força de trabalho são muito altas, tomar-se-ão os extremos encontrados dentro de cada um dos dois blocos referidos. No conjunto de países considerados desenvolvidos, pode-se destacar a Irlanda, com uma taxa de atividade feminina de 19,7% (1977) e a Dinamarca, com 45,7% (1981). No seio do bloco subdesenvolvido, as discrepâncias são ainda mais significativas, apresentando o Alto Volta uma taxa de atividade feminina de 1,7% (1975) e Ruanda, 55,3% (1978) (66)(66) (7*). Embora as diferenças sejam maiores no bloco subdesenvolvido, não deixam de surpreender por seu gigantismo aquelas detectadas no seio do bloco desenvolvido. As diferenças encontradas no que respeita à taxa de atividade feminina não podem ser imputadas exclusivamente ao grau de desenvolvimento da nação. Outros fatores, tais como tradições nacionais, religião dominante, regime político, grau de estabilidade do grupo familiar, poder aquisitivo dos ganhos masculinos suficiente ou não para manter a família, mercado formal e informal de trabalho etc, interferem fortemente na taxa de atividade das mulheres.

Não apenas neste caso, as médias ocultam imensas variações. Um problema relevante, por exemplo, consiste em desvendar o número de horas semanais que as mulheres trabalham. Embora o YEAR BOOK aqui utilizado não traga este dado desagregado por sexos para os Estados Unidos, sabe-se que se trata do país por excelência do trabalho em tempo parcial para a mulher. Ademais, como são em pequeno número as mulheres que lá fazem carreira, muitas das que apenas têm um emprego, trabalham apenas durante alguns meses por ano. Desta sorte, não é suficiente verificar que em 1981 (66) 39,8% dos trabalhadores norte-americanos eram do sexo feminino. É preciso verificar em que setores da economia situam-se estas trabalhadoras, os cargos que ocupam na hierarquia ocupacional, o número de horas semanais que trabalham, o número de meses por ano em que detêm o emprego, que salários recebem etc. Não obstante as falhas no que tange à mensuração do desemprego, nos Estados Unidos, pode-se recorrer a outra fonte da OIT (6)(6), a fim de dar uma ideia, ainda que grosseira, do comportamento deste fenômeno naquele país com relação a homens e mulheres. O documento utilizado reúne dados para o período 1978-1981. Os dados são apresentados ano a ano, mês a mês e desagregados por sexo. Exceção feita dos meses de janeiro, fevereiro, março e abril para o ano de 1981, em todos os demais meses e anos o desemprego feminino ultrapassou, muitas vezes de forma significativa, o desemprego masculino. Em percentuais relativamente pequenos, que variam de 4,5 a 8,3, as mulheres chegaram a apresentar quase dois pontos acima dos homens, em matéria de desemprego. Certamente estes percentuais de desemprego feminino subiriam astronomicamente, se as cifras fossem construídas com a inclusão das donas-de-casa desejosas de desempenhar uma atividade econômica extra-lar. Isto mostra que a atribuição de papéis domésticos às mulheres não é inocente. Enquanto uma boa parcela da população feminina em idade de trabalhar continuar alocada ao campo da reprodução, as taxas de desemprego feminino também continuarão baixas, ainda que superiores às masculinas. E esta estratégia é amplamente utilizada nos países capitalistas, independentemente do fato de se tratar de país desenvolvido ou subdesenvolvido. A diferença que vale a pena registrar entre estes dois tipos de nações, para os propósitos deste trabalho, consiste na magnitude do espaço econômico recoberto pelo MPC. Ainda que o capitalismo jamais tenha ocupado todo o espaço econômico(8*) nem mesmo nos países muito industrializados, o volume das atividades econômicas organizadas em moldes não-capitalistas e, portanto, dos trabalhadores que a elas se dedicam é muito mais significativo nos países de baixa industrialização que nas nações hegemônicas. Em outros termos, o peso relativo do mercado informal de trabalho nas áreas periféricas do sistema capitalista internacional é incomparavelmente maior que nas áreas de alta industrialização. Convém lembrar, ainda, que há uma intensa dinâmica entre os mercados formal e informal de trabalho, não apenas em termos do intercâmbio de produtos e de agentes do trabalho, mas também em termos de formalização do informal e de informalização do formal. Em outras palavras, as atividades organizadas em moldes capitalistas típicos desorganizam formas não-capitalistas de produzir, mas também as recriam (45(45), 46(46)). Sobretudo nos momentos de recessão, trabalhadoras e trabalhadores recorrem ao mercado informal de trabalho que, assim, permite ampliar a renda das famílias pobres, servindo, ao mesmo tempo, como reserva de mão-de-obra para as atividades que vierem a se organizar segundo o modelo capitalista.

Tendo sido explicitado o esquema de referência teórico que permite compreender o patriarcado-capitalismo, não será difícil entender porque as mulheres brasileiras têm sido incorporadas desigualmente, em relação aos trabalhadores masculinos, na produção industrial do país. Por outro lado, como este trabalho lidará com dados que abrangem o período 1872-1982, ter-se-á a oportunidade de comparar o tipo de participação feminina na força de trabalho brasileira antes e depois de desencadeado o processo de industrialização. Embora se planeje dispensar especial atenção ás trabalhadoras da indústria há também que mostrar a contribuição feminina no setor primário das atividades econômicas, assim como, no setor terciário.

Rigorosamente, o que resta a fazer é revelar a dinâmica da incorporação das mulheres na força de trabalho do Brasil, já que a ampla discussão anterior explica porque as mulheres são, em larga escala, alocadas à esfera da reprodução à medida que o país, não apenas deixa de explorar a mão-de-obra escrava, mas vai se libertando dos resquícios do escravismo. Ter-se-á, pois, a oportunidade de comparar a participação das mulheres brasileiras na produção de bens e serviços em duas fases bem distintas da economia do país, ou seja, de 1872, quando ainda vigorava o regime escravocrata (abolido em 1888) a 1930, quando tem início a industrialização enquanto processo, e daí até o momento contemporâneo.

FORÇA DE TRABALHO FEMININA NO BRASIL

1. Período 1872-1930

Como muito bem mostraram Celso Furtado e outros (15(15); 38(38); 39(39); 40(40)), a economia escravocrata brasileira, quer em sua fase colonial, quer na imperial, caracterizou-se por ser uma economia essencialmente exportadora de produtos primários, agrícolas e minerais, de cujo comércio auferia grandes lucros o capitalismo mercantil estrangeiro e de que não deixaria também de tirar numerosas vantagens o capitalismo industrial posteriormente surgido na Europa. À economia colonial do Brasil, surgida, assim, sob a égide do capitalismo comercial, caberia, como cabe ainda hoje, feitas algumas ressalvas, um papel bastante preciso na constelação capitalista internacional, que então começava a constituir-se, ou seja, de exportadora de matérias-primas e sempre dependente (não importa aqui o estatuto colonial) do país ou países dominantes do referido sistema internacional. A economia brasileira foi sempre determinada de fora, atendendo, assim, aos interesses de uma burguesia que, historicamente, foi primeiro portuguesa e holandesa, depois portuguesa e inglesa, em seguida apenas inglesa e finalmente norte-americana, francesa, inglesa, alemã, canadense, japonesa, sueca, suíça etc. e sempre (a partir do momento em que há gerações brasileiras adultas) simultaneamente brasileira, mas que, em essência, constitui apenas uma burguesia internacional para cujas atividades econômicas inexistem fronteiras geopolíticas.

Como a independência política (1822) não foi acompanhada de independência econômica, a história da economia brasileira é a história de uma permanente e renovada rearticulação no sistema capitalista internacional no qual sempre coube ao Brasil, por força da divisão do trabalho entre as nações, a posição de uma peça auxiliar da engrenagem de um sistema autopropulsor.

A utilização de mão-de-obra escrava, que representou uma solução rentável durante o domínio do capitalismo comercial, transformou-se em obstáculo à necessidade de ampliação de mercado para a comercialização dos produtos industriais europeus. Não participando do mercado de consumo, o escravo iria, progressivamente surgindo como um empecilho ao desenvolvimento das forças produtivas nacionais e, sobretudo, como um obstáculo à nova rearticulação dos subsistemas capitalistas imposta pelo avanço do industrialismo inglês. A rentabilidade da empresa agrícola baseada na mão-de-obra escrava decresce, pois, à proporção que se vão atualizando, historicamente, novas determinações do modo de produção capitalista do centro de dominância do conjunto de países tendencialmente semelhantes do ponto de vista de estrutura econômica e, consequentemente, nos próprios países periféricos.

Os três séculos e tanto de escravidão negra no Brasil constituíram, assim, o marco inicial da formação de uma estrutura econômica que, em estágios posteriores, ganharia novas determinações capitalistas. A longo prazo, o escravismo seria um ponderável fator de obstrução do desenvolvimento industrial, quer se analise a questão do ângulo da formação do mercado interno, quer se examine a incompatibilidade entre a utilização de força de trabalho escrava e o uso de tecnologia avançada. Por outro lado, a abolição da escravatura no Brasil há que ser vista no quadro histórico internacional no qual nasceu e evoluiu o escravismo moderno e, portanto, nas relações contraditórias que, durante três séculos e meio de utilização de força de trabalho escrava na economia dependente aqui estabelecida, se verificaram, quer no plano externo, quer no plano interno.

A burguesia mercantil inglesa, na medida em que derivava grandes lucros da comercialização de negros africanos para trabalharem como escravos no Brasil, lutava pela preservação do regime escravista brasileiro. De outra parte, á burguesia industrial inglesa, interessada em ampliar o mercado para seus produtos, pressionava sua ‘'colônia” brasileira a abolir o regime escravocrata.

No plano interno, não obstante tivesse o emprego da mão-de-obra escrava representado, efetivamente, a solução para o estabelecimento da grande empresa agrária exportadora e vitalizadora do capitalismo mercantil internacional, o escravo assumia, progressivamente, a função de negador das relações de produção típicas do sistema capitalista, afetando, assim, negativamente, o pólo já constituído destas relações de produção: o grande proprietário rural. Não só a “miscigenação e o fundamento pecuniário da escravidão constituíam dois fatores de perturbação e de instabilidade nos Iiames que determinavam a relação senhor-escravo” (14:115)(14), como também a produção baseada na mão-de-obra escrava se tornava cada vez mais cara relativamente à força de trabalho assalariada a qual, capaz de incorporar os avanços tecnológicos e não imobilizando capital, tornaria mais rentável a exploração econômica. A práxis abolicionista era bastante diversificada, compreendendo uma gama de comportamentos, que iam desde a adesão ás ideias emancipacionistas, por motivos que revelavam uma compreensão da irreversibilidade do processo desencadeado, até às posições denotadoras de uma visão mais rica da formação socioeconômica brasileira e do tipo de sua inserção no cenário internacional. Na verdade, “lutando pela abolição do trabalho escravizado, os brancos lutavam em benefício de seus próprios interesses”, não se importando, pois, em “transformar, como se afirmava, o escravo em cidadão, mas (em) transfigurar o trabalho escravo em trabalho livre” (19:235,7)(19).

Na verdade, a Abolição, momento final de um longo processo de desintegração da ordem social escravocrata-senhorial(9*), seria apenas o momento inicial, a condição sine qua non, do difícil e moroso processo de constituição de uma etapa superior da economia brasileira, cujos primeiros efeitos marcantes só viriam a surgir nos anos que se seguem à crise mundial de 1929, quando, finalmente, o mercado interno se constituiria no principal fator dinâmico do sistema econômico nacional.

A realização histórica de mais uma determinação do modo de produção capitalista — o salariato — constitui, pois, um enriquecimento não somente da concreção singular deste sistema que tinha lugar no Brasil, mas também, obviamente, da engrenagem internacional integrada por países tendencialmente do mesmo tipo.

Contrariamente ao que frequentemente se supõe, não há porque buscar correlações positivas entre a instituição do salariato e um maior aproveitamento de mão-de-obra. A economia baseada em força de trabalho assalariada expulsa mão-de-obra, permanentemente ou periodicamente, ao contrário da economia escravocrata a qual paga, durante certos períodos, força de trabalho ociosa ou improdutiva. Esta assertiva é válida do ponto de vista lógico. Concretamente, as alterações no montante de força de trabalho utilizada, quando se passa de uma economia escravocrata para uma economia assalariada, dependem de uma série de fatores, dentre os quais o grau de avanço da tecnologia e as possibilidades de comercialização dos artigos produzidos. No caso das economias dependentes localizadas na periferia do sistema capitalista internacional importa, de imediato, a posição, no mercado externo, dos artigos por elas produzidos. Na indústria açucareira, onde os capitais ingleses protegidos pela lei de 1875 haviam introduzido inovações técnicas e cujo produto encontrava dificuldades de exportação (com a independência de Cuba), houve redução na procura de mão-de-obra. No setor cafeeiro em expansão, a importação de mão-de-obra europeia determinaria uma sub-ocupação da força de trabalho dos recém-libertos. Embora estes fossem incapazes de promover transformações econômicas por estarem ainda presos a um nível muito baixo de aspirações e, em grande parte, por se terem internado na economia de subsistência, a instituição do salariato vai, progressivamente, criando um mercado interno capaz de dinamizar a economia nacional.

Embora seja difícil estabelecer comparações da distribuição da população brasileira em idades produtivas pelos grandes ramos da economia nacional entre os vários períodos da história do país(10*), os dados existentes revelam que a concentração de mulheres, em certas áreas dos empreendimentos econômicos, variou segundo a gradativa diferenciação da estrutura econômica da nação e que a plena constituição do MPC no Brasil expeliu força de trabalho feminina. Segundo os dados oferecidos pelo primeiro recenseamento efetuado no Brasil, em 1872, e excluindo-se as pessoas categorizadas como sem profissão, as mulheres representavam 45,5% da força de trabalho efetiva da nação, sendo que 33,0% deste total de mulheres estavam ocupados no setor de serviços domésticos. Da totalidade das pessoas empregadas neste setor, as mulheres representavam nada menos que 81,2%. É preciso considerar que a estrutura da economia brasileira de então, por ser muito pouco diferenciada, concentrava os maiores contingentes, quer masculinos, quer femininos, na agricultura, vindo, em seguida, os serviços domésticos para as mulheres. Dentre os homens, 68,0% eram lavradores que, somados aos criadores de gado perfaziam 81,2% da população masculina trabalhadora. A população economicamente ativa (PEA) feminina estava assim constituída: 35,0% de empregadas na agricultura, 33,0% de ocupadas em serviço doméstico em lar alheio, 20,0% de costureiras por conta própria, 5,3% de empregadas nas indústrias de tecidos e 6,7% de mulheres ocupadas em outras atividades. Há que registrar que, como o país possuía praticamente, no setor de indústrias de transformação, só indústrias têxteis, pois era insignificante o pessoal empregado nas indústrias de chapéus e de calçados, o contingente ocupado nas atividades secundárias era constituído, em sua maior parte de mulheres. Os empregados nas fábricas de tecidos alcançavam quase 80% do total dos trabalhadores do setor industrial. Dos 137.033 trabalhadores de indústrias têxteis, nada menos que 131.886, ou sejam, 96,2%, eram mulheres. Há que se considerar, contudo, que as fábricas de tecidos de então aproximavam-se muito mais do artesanato do que das modernas fábricas de hoje. No setor de confecções, considerado pelo senso de 1872 como setor de vestuário, a mulher não comparece, estando presentes 8.953 trabalhadores masculinos. Entretanto, a confecção se fazia fundamentalmente em moldes artesanais, somando 498.775 as costureiras computadas pelo censo. Levando-se em conta o número de costureiras, as mulheres representavam nada menos que 84,9% dos trabalhadores chamados manuais pelo censo de 1872, ou seja, os trabalhadores que o censo classificou de costureiras e operários. Como se mostrou mais acima, era bastante alta a participação das mulheres no total de trabalhadores brasileiros (45,5%). Este nível de incorporação da mulher na força de trabalho jamais foi alcançado posteriormente. Ainda que se excluam da PEA feminina de 1872 os 33,0% ocupados em serviços domésticos, chega-se a uma participação feminina na força de trabalho do país de 37,4%, nível este que ainda permanece inatingido nos dias atuais.

O recenseamento de 1900 revela que a presença da mulher na PEA permaneceu quase a mesma. Excluindo-se as pessoas classificadas como indivíduos de profissões ignoradas, de cuja totalidade 31,6% eram mulheres, e as pessoas ocupadas em profissões improdutivas, nas quais a força de trabalho feminina representava 56,6%, era de 45,3% a participação da mulher nas atividades econômicas. Todavia, 52,6% da totalidade das trabalhadoras brasileiras de então dedicavam-se aos serviços domésticos e 24,6% à agricultura, 14,2% localizando-se nas artes e ofícios, apenas 4,2% nas indústrias manufatureiras e os restantes 4,4% ao comércio e outras atividades. Nas atividades primárias 21,1% da força de trabalho efetiva eram constituídos de mulheres, representando elas 91,3% da mão-de-obra empregada nas atividades secundárias e 75,2% em outras atividades que não as mal especificadas, ignoradas e improdutivas. A existência quase que exclusiva de manufaturas de tecidos constituía o fator responsável pelo predomínio das mulheres nas atividades secundárias, conseguindo os setores de serviços domésticos e de artes e ofícios desviar ponderável parcela de mão-de-obra feminina da agricultura. Esta situação da quase paridade da mão-de-obra feminina com a masculina, entretanto, não perduraria.

No presente século, a indústria só se transformaria em pólo dinâmico da economia brasileira a partir de 1930. Este fato, contudo, não deve conduzir ao esquecimento de que a sociedade agrária exportadora anterior abrigava em seu seio atividades industriais que, dada sua natureza, absorviam notáveis contingentes de força de trabalho feminina. Não se pode esquecer, tampouco, que um pequeno surto industrial teve lugar no Brasil durante a 1.ª Guerra Mundial. Enquanto em 1907 o número de estabelecimentos industriais totalizava 3.258, absorvendo 151.841 operários, em 1920, estas cifras haviam aumentado para, respectivamente, 13,336 e 275.512. Se em 1900 as trabalhadoras compareciam com 91,3% dos efetivos empregados no setor secundário das atividades econômicas, esta proporção cai para 33,7% em 1920, quando a indústria já havia experimentado certa diferenciação, a fim de atender às necessidades antes satisfeitas por importações, prejudicadas pela I Guerra Mundial. O Quadro 1 mostra a distribuição da força de trabalho feminina nos ramos industriais.

QUADRO 1
Participação de Emprego Feminino em Ramos Industriais — 1920
Ramos Total de operários N.° de Mulheres %
Têxtil 112.195 57.706 51
Alimentação 51.871 15.027 28
Vestuário e toucador 28.248 11.412 40
Cerâmica 18.883 1.769 9
Produtos químicos 15.350 4.866 31
Metalurgia 12.161 107 8
Mobiliário 7.944 692 8
Construção Material Transporte 5.118 150 2
Couros e Peles 4.605 143 3
Edificação 3.600 31 8
Fonte: Recenseamento do Brasil, realizado a 1.° de setembro de 1920,
Diretoria Geral de Estatística do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio,
Tipografia de Estatística, Rio de Janeiro, 1927.

Como resultado do primeiro surto industrial no Brasil têm-se uma assustadora queda da participação da mulher nas atividades industriais, que caem de 91,3%, em 1872, para 33,7%, em 1920, e uma redução também altamente significativa da presença feminina na indústria têxtil, embora até a atualidade o ramo industrial que mais absorve mão-de-obra feminina, passando de 96,2% em 1872, para 51,0%, em 1920. Esta queda da participação das mulheres na PEA industrial repercute seriamente na magnitude de sua presença no conjunto dos trabalhadores brasileiros. Efetivamente, excluindo-se as pessoas que viviam de suas rendas, as de profissões não declaradas e as sem profissão do censo de 1920, apura-se uma taxa de participação feminina na PEA total brasileira de tão-somente 15,3%. Do total da mão-de-obra empregada nas atividades primárias as mulheres passaram a representar apenas 9,4%; nas atividades secundárias a força de trabalho feminina perdeu a hegemonia ostentada por cerca de meio século, caindo para 33,7% do total de trabalhadores do setor; e nas atividades terciárias as mulheres representavam 22,2% dos trabalhadores. O desenvolvimento da indústria, intensificado pela guerra de 1914-1918, que permitiu um aumento de 83,3% da população operária no curto espaço de 13 anos, fez-se através de ampla utilização da força de trabalho masculina, baixando, em termos percentuais, o aproveitamento da mão-de-obra feminina nas atividades secundárias.

A subordinação da mulher ao homem, não apenas na esfera da reprodução, mas também na da produção, fica patente no Quadro 2.

QUADRO 2
Pessoal empregado segundo Categoria Ocupacional e Sexo — Setor Industrial — Brasil — 1920
Categorias N.° Total de pessoas ocupadas Participação feminina
(%)
Administração, Engenheiros, Empregados, Técnicos 6.304 0,2
Escriturârios, Vendedores, Pessoal de Escritório em geral 13.334 0,3
Operários 275.512 33,7
Fonte: Censo de 1920, op. cit.

Como o Brasil continua desenvolvendo o patriarcado-capitalismo, o peso de interferência da variável sexo na hierarquia ocupacional da indústria não sofreu redução correspondente ao enorme avanço das mulheres em termos de anos de escolaridade. Em 1970, Pastore e Lopes (35)(35) constataram que na base da pirâmide ocupacional do ramo industrial, ou seja, no seio da mão-de-obra não especializada, as mulheres compareciam com 25% dos efetivos, caindo esta proporção para 14,3% no interior da mão-de-obra de nível médio, e ficando reduzida a 5,0% quando se passava ao exame da composição por sexo da categoria de profissionais de nível superior. Estes dados referem-se ao Estado de São Paulo, unidade da Federação em que mais desenvolvido se encontra o parque industrial. A fim de dar uma ideia da importância dos dados retirados de Pastore e Lopes, lembre-se que em 1969 o Estado de São Paulo concentrava 35,6% da Renda Interna do Brasil. Considerando-se que o Estado de São Paulo reúne cerca de 19% da população do País, o rendimento por habitante é no Estado quase duas vezes maior que na nação. A renda industrial do Estado de São Paulo é 5,4 vezes maior que a das demais regiões do País. Apenas 12,4% da Renda Interna provinha, em 1969, de sua agricultura, enquanto 40% eram gerados em suas indústrias. No resto do Brasil os valores eram de 26,6% para a agricultura e 17,5% para a indústria. Sendo isto suficiente para dar uma ideia da importância econômica do Estado de São Paulo, a questão que se coloca é a seguinte: que percentual representam as mulheres empregadas nos postos mais elevados das indústrias situadas nos Estados do Norte e do Nordeste? Um exame deste fenômeno da divisão sexual do trabalho no interior das indústrias, Estado por Estado, revelaria, certamente, gigantescas discrepâncias(11*).

Talvez valha a pena deter-se um pouco mais na década de 20, já que o Brasil não fez recenseamento em 1930 e que, portanto, será necessário saltar para o exame dos dados do censo de 1940.

Na zona urbana sempre houve um mercado informal de trabalho, que deve ter sido na década de 20 maior que o atual em termos relativos. Desta sorte, as mulheres das camadas subprivilegiadas encontravam trabalho como empregadas domésticas em residências, como lavadeiras, passadeiras, doceiras, costureiras etc. Embora se ignore o número de brasileiras que se empregavam como domésticas em 1920, a cifra deveria ser muito alta, já que este tipo de trabalho é a grande componente do item Prestação de Serviços Pessoais e que no total desta categoria a presença da mulher era de 64,9%. A sociedade de então colocava a jovem originária de estrato médio diante de restritas opções: ser professora primária, enfermeira ou parteira. A concessão que a sociedade fazia resumia-se, portanto, em permitir que a mulher praticasse fora do lar funções que já desempenhava no interior da própria família, de maneira empírica. Um pouco de qualificação profissional permitia prestar a outros seres humanos serviços que a mulher, em certa medida, devia oferecer aos membros de sua família. Embora a criação das primeiras escolas de medicina no século passado tenha dado início a um processo de expropriação do saber feminino, já completado nas áreas mais industrializadas e ainda em curso nas zonas menos desenvolvidas, na década de 20, podendo-se esticar esta data até os anos 50, as mulheres dominavam conhecimentos de anatomia, ervas medicinais, higiene, nutrição etc, que lhes garantiam o exercício, ainda que não diário e em tempo integral, de atividades gradativamente institucionalizadas e simultaneamente, algumas, masculinizadas. Esta expropriação de uma série de saberes femininos, realizada em nome do avanço técnico-científico, pauperízou as mulheres, colocando todas elas, até mesmo as muito pobres, na dependência da medicina oficial, dentre cujos característicos se podem ressaltar as excessivas institucionalização e medicalização. Tanto assim é que já são grossavas fileiras daqueles que, recusando a medicina agressiva, buscam na natureza os remédios para seus males.

Ainda que as primeiras professoras primárias fossem consideradas prostitutas, a penetração das mulheres nas escolas normais vai operando-se gradativamente, passando elas a se profissionalizar. O Quadro 3 revela a progressiva penetração feminina nos ensinos secundários e superior, no início do presente século.

QUADRO 3
Participação da Mulher no Ensino Secundário e Superior (Número de Inscritos)
Anos Nível Secundário Nível Superior
Homens Mulheres Homens Mulheres
1907 3.721 1.221 2.455 32
1908 4.329 973 3.045 29
1909 4.596 1.460 3.323 39
1912 7.165 2.145 3.630 53
Fonte: Anuário Estatística do Brasil (1900-1912). Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, Rio de Janeiro, 1916

Embora fosse ainda muito tímida a presença da mulher na escola, sobretudo de nível superior, vale a pena cotejar esta situação com dados de cerca de duas a três décadas atrás, a fim de se poderem avaliar as conquistas femininas èm matéria de escolarização.

QUADRO 4
Ensino Pós-Primàrio — 1880
Designação dos estabelecimentos N.° de
estabelecimentos
N.° de alunos
H M Total H M Total
Liceus ou colégios do Estado 1 1 154 154
Liceus ou ateneus provinciais 16 1 17 1.933 180 2.113
Aulas públicas avulsas do ensino secundário ou clássico 46 46 690 690
Pensionistas ou colégios particulares 67 40 107 2.804 1.289 4.093
Aulas particulares do ensino secundário ou clássico 16 16 125 125
Seminários menores 10 10 797 797
Institutos de Ensino Profissional 9 9 658 658
SOMA 165 41 206 7.161 1.469 8.630
Fonte: CASTRO, T.L. A mulher e a sociedade. Rio de Janeiro, Francisco Alves Ed., s.d. (Provavelmente escrito em 1880).
Sobre a educação da mulher ver também SAFFIOTI, H.I.B. Education for women in Brazil from the colonial period to the present.
In: — Women in class society. cap. 7. p. 140-78.
2. Período 1930-1960

O colapso da divisão internacional do trabalho ocasionado pela crise de 1929, que internamente se vinha gestando há três décadas sob a forma de crise no setor cafeeiro exportador, apresenta-se ao Brasil como propício ao desencadeamento do processo de industrialização. Já que a importação estava prejudicada, impunha-se fabricar no país os produtos de que necessitava a população.

O movimento revolucionário de 1930, encarnando as aspirações populares e as ideias nacionalistas que se vinham manifestando já desde o fim do império, representa, pois, num momento em que a vigilância do centro hegemônico do sistema capitalista internacional se enfraquece em razão da crise mundial, uma séria tentativa, parcialmente concretizada, posteriormente, de desenvolvimento de uma economia autônoma. Não logrando, entretanto, estabelecer um parque industrial, que pudesse prescindir da importação de bens de capital, a política implementada pelo governo saído da revolução de 1930, a par de conseguir criar impulsos internos e, assim, permitir ao país superar, com vantagens imediatas, a crise do setor exportador, deixaria profundas sequelas no organismo da economia nacional. A política cambial dos anos 30, que visava a subsidiar as exportações de café, provoca, simultaneamente, um encarecimento muito grande das importações. Todavia, dada a existência de capacidade ociosa em algumas das indústrias, cujos produtos se destinavam ao mercado interno, e dada a presença no país de um pequeno núcleo de indústrias de bens de capital, a produção industrial pôde ascender rapidamente, passando a ser o fator dinâmico principal no processo de criação de renda. (15:233) Quanto à renda gerada, só em 1956 a indústria sobrepujou a agricultura. Todavia, desde 1934 o comércio externo havia cedido lugar ao investimento interno como centro dinâmico da economia. Embora nos primeiros anos da crise a produção industrial do Brasil tenha decrescido e só se tenha restabelecido o nível da produção de 1928 em 1934, a indústria passa, a partir daí, a apresentar bons índices de crescimento. Não obstante estar, no período de 1927 a 1939, embutido o período em que as indústrias operavam com capacidade ociosa, sua produção apresentou um incremento de cerca de 70%, passando a crescer à taxa média anual de 7,9% no período 1939-1949.(12*)

Qualquer esforço de industrialização num país de economia dependente e essencialmente agrícola encontrará barreiras impostas de fora e mais ou menos insuperáveis, segundo a modalidade da divisão internacional vigente. A estagnação a que foi submetida a economia brasileira no período 1937-1942 (uma parcela deste período está embutida no período 19391949, em que a produção industrial apresentou elevada taxa de crescimento) revela como os países perifericamente integrados no sistema capitalista internacional estão sujeitos, em virtude de sua própria dependência, a verem diminuídos, se não praticamente anulados, seus esforços de autonomização, nos momentos de recomposição do referido sistema mundial. Assim, todos os avanços do Brasil em direção à superação do subdesenvolvimento refletem o aproveitamento de conjunturas internacionais menos desfavoráveis ao atendimento das pressões internas exercidas pelas massas urbanas que veem, na expansão estrutural do sistema capitalista brasileiro, possibilidades cada vez maiores de elevar seu consumo.

O efeito-demonstração exercido pelo alto padrão de vida das populações dos países altamente desenvolvidos, criando elevadas aspirações de consumo em largos contingentes humanos dos países periféricos, sobretudo dos grupos localizados nas zonas urbanas e suburbanas, tem impedido que a acumulação de capital antecedesse, na história, a aspiração ao consumo de massa no Brasil. Como as duas impulsões sociais estivessem presentes conjuntamente, mormente a partir da década de 20, o equilíbrio entre a importação e a exportação, de um lado, e produção e consumo, de outro, tem tornado difícil a estabilização quer da estrutura de poder interna, quer das relações internacionais. Há, deste ângulo, dois conjuntos de fenômenos a serem considerados. A política de atendimento simultâneo dos interesses das burguesias agrária e industrial, reduzindo-se a taxa cambial e as tarifas aduaneiras desde os primeiros anos da República, não somente permitiu, mas também incentivou a conservação, no Brasil, de disparidades chocantes entre o nível de vida da população urbana e o da população rural.

A pluridimensionalidade dos empreendimentos econômicos no Brasil(13*) possibilitou aos grupos econômicos fazer certas concessões aos assalariados urbanos, uma vez que a acumulação capitalista é favorecida pela exploração, no setor agrário, de uma mão-de-obra que, ou vive à margem do regime legal de trabalho ou se constitui na maior vítima do desemprego disfarçado(14*). Assim, o setor agrário da economia brasileira, sobretudo o cafeeiro, financiou, pelo menos parcialmente, a expansão da indústria nacional, confundindo-se, pois, novamente de modo parcial burguesias agrária e industrial. Às expensas do trabalhador rural, a burguesia brasileira, em seu papel de burguesia industrial, pôde ser relativamente pródiga na distribuição do produto do trabalho sempre que as pressões da população urbana se fizeram sentir de modo mais agudo. Não obstante, não logrou a indústria nacional promover o equilíbrio entre a produção de bens de consumo e o consumo desejado por um número sempre crescente de habitantes. A intensificação do processo de migração rural-urbana, mormente a partir de 1930, revela que a industrialização brasileira, embora tivesse promovido uma articulação da economia nacional, não chegou a realizar, propriamente, sua integração.

As áreas econômicas em decadência forneceram vastos contingentes humanos ás áreas vitalizadas, sobretudo aos centros urbano-industriais. Como o setor secundário não foi capaz de absorver a força de trabalho disponível, a mão-de-obra ociosa exerceu (e exerce ainda), na sua função de exército industrial de reserva, pressão sobre o nível dos salários, não permitindo que a remuneração corresponda à produtividade do trabalho. Sendo o ritmo da urbanização mais rápido do que o da industrialização, acentua-se a disnomia do sistema nacional de produção- distribuição-consumo (37:126), uma vez que nem os centros urbano-industriais têm sido capazes de oferecer pleno emprego à sua crescente população, nem os setores menos avançados da economia nacional conseguem produzir o suficiente montante de bens de consumo para suprir as necessidades da população urbana. Mesmo no período de 1949 a 1959, quando a indústria brasileira cresceu intensamente, a absorção de mão-de-obra pelo setor secundário não chega a atingir 50% do crescimento da população urbana.(15*)

A absorção de tecnologia estrangeira avançada através das facilidades cambiais para a importação de equipamentos explica a não alteração da estrutura ocupacional da população (incluindo-se os dois sexos) do decênio 1949-1959, apesar dos enormes investimentos aqui realizados nesse período (16)(16). O modelo de substituição de importações gerou uma estrutura econômico-social com características específicas.

“A despeito da relativamente elevada taxa de crescimento alcançada nos últimos anos (1950-1960) pela economia brasileira e do grau de diversificação atingido pelo seu setor industrial, o processo de desenvolvimento econômico foi essencialmente desequilibrado em três níveis convergentes: setorial, regional e social.

Em termos setoriais, toda a ênfase foi concentrada no secundário, sobretudo nas indústrias de transformação, e o próprio terciário, que se beneficiou de uma série de investimentos de infraestrutura, em transportes e energia, teve uma taxa de crescimento moderada no pós- guerra, sobretudo em alguns setores de serviços e da Administração Pública, que se apresentam em muitos aspectos obsoletos.

O setor agrícola, apesar de ter apresentado uma taxa de expansão razoável, sobretudo no período recente, permaneceu, ao menos em termos globais, com a sua estrutura inalterada.

Com efeito, o crescimento da agricultura entre 1950 e 1960 deveu- se menos ao aumento dos rendimentos médios dos cultivos do que à incorporação de novas áreas. Essa ampliação da margem extensiva de cultivo, realizado sob o impulso da expansão do mercado urbano, foi levada a cabo basicamente com as mesmas funções de produção, isto é, sem uma absorção de progresso tecnológico similar á do setor secundário. "(61:103-4).(61)

Com efeito, pelo Quadro 5 pode-se verificar que a produtividade da agricultura praticamente não se alterou, enquanto a da indústria quase duplicou.

QUADRO 5
Brasil: produtividade real do pessoal ocupado na agricultura e na indústria
(cruzeiros constantes de 1949)
Anos Produto real
(bilhões Cr$)
Pessoal ocupado Produto gerado por
habitante ocupado
    Agricultura  
1950 51,3 10.996.834 4,7
1960 77,29 15.521.701 5,0
    Indústria  
1950 44,3 1.177.644 37,6
1960 105,9 1.519.711 69,7
Fonte: “Contas Nacionais” da Fundação Getúlio Vargas e censos demográficos.
Apu
d TAVARES, M. da C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro, Zahar, 1972.

O desequilíbrio setorial fica patente nos dados acima apresentados. Quanto aos desequilíbrios regionais, insinuava-se uma tendência á redução das disparidades entre, de um lado, o Centro-Sul e, de outro, o Norte e o Nordeste, em 1955. Isto, entretanto, não se devia a uma diminuição da concentração industrial da região Centro-Sul, sobretudo o Estado de São Paulo, mas a um aumento da participação da agricultura dos Estados mais pobres na Renda Nacional.

Os enormes desequilíbrios sociais agravaram-se no período de 1950 a 1960. As migrações campo-cidade geraram as chamadas “populações urbanas marginais”, que não encontraram emprego nós setores dinâmicos da economia. Já se mencionou a pequena capacidade da indústria de gerar empregos em número correspondente à demanda. Este fato impediu a redução das desigualdades sociais. A explicação do agravamento das desigualdades sociais enriquece-se quando se tomam dados da indústria de transformação. Efetivamente, a indústria de transformação cresceu, no período 1954-1958, a uma taxa anual de 9,7%, enquanto o emprego aumentou apenas 0,2*% ao ano.

O Quadro 6 mostrará que, embora a economia estivesse crescendo, a pauperização da população brasileira, especialmente das camadas mais pobres, se processava. Este fenômeno, como se poderá verificar, continua a ocorrer até hoje, sendo que na atualidade 40% da força de trabalho brasileira ganham até um salário mínimo.

QUADRO 6
Índices de Salário Mínimo, Médio e Produtividade
(1957 = 100)
Ano Salário Mínimo Real Salário Médio Real PIB “Per Capita”
1957 100,0 100,0 100,0
1960 81,8 102,0 114,2
1965 72,4 100,0 123,4
1970 56,2 96,9 154,9
1975 46,4 117,8 232,3
1980 52,5 144,8 312.4
Obs.: O índice do salário mínimo inclui o 13.° salário a partir de 1962.
O índice de salário médio real corresponde à média de 18 sindicatos em São Paulo entre 1957 e 1974.
Fonte: BACHA & TAYLOR Models of growlh and distribulion for Brazil. Washington, World Bank, 1980.
A partir de 1975 a fonte é a FIBGE, salários da indústria de transformação.
Todos os índices foram deflacionados pelo índice de Custo de Vida do DIEESE.
Apud: PEREIRA, L.C.B. Economia brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1982. p. 82.

Para os propósitos deste trabalho, está suficientemente clara a situação econômica do Brasil no período considerado, a fim de que se possam fornecer dados sobre a incorporação das mulheres na força de trabalho nacional.

QUADRO 7
Setor de atividade, por sexo, segundo os recenseamentos gerais do Brasil de 1940, 1950, 1960
— Pessoas de 10 anos e mais.
Setor de atividade 1940 1950 1960
H M H M H M
PEA total 11.958.968 2.799.630 14.609.798 2.507.564 18.597.163 4.054.100
% 81,0 19,0 85,4 14,6 82,1 17,9
Setor Primário 8.415.068 1.310.625 9.495.865 758.380 10.941.580 1.221.477
% 87,0 13,0 93,0 7,0 90,0 10,0
Setor Secundário 1.220.818 297.617 1.955.301 391.565 2.456.289 506.871
% 80,0 20,0 83,0 17,0 83,0 17,0
Setor Terciário 2.323.082 1.191.388 3.158.632 1.357.619 5.199.294 2.325.752
% 66,0 34,0 70,0 30,0 70,0 30,0
Não econ. ativas 2.475.643 11.803.608 3.478.477 15.962.151 5.542.295 20.567.909
% 27,3 82,7 17,9 82,1 21,2 78,8
Taxa de Atividade 82,8 19,2 80,7 13,5 77,0 16,4
Fonte: Recenseamentos Gerais do Brasil, 1940, 1950, 1960. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE), Rio de Janeiro.

Não houve, no período considerado, alterações fundamentais no montante relativo de mulheres integradas na PEA. De 1940 para 1950 houve uma queda apreciável da presença feminina no conjunto de trabalhadores brasileiros, ou seja, 4,4 pontos percentuais. Esta cifra é grande para o pequeno percentual de mulheres na PEA. Todavia, na década seguinte, 19501960, as mulheres recuperam boa parcela do espaço que haviam perdido anteriormente. Em 1960, contudo, a presença da mulher na PEA continuava a ser inferior à correspondente ao ano de 1940. Isto não tem nada de surpreendente no quadro da evolução de uma economia dependente e penetrada de fora pelo MPC. Mais interessante será organizar os dados de outra forma, de modo a poder-se perceber a dinâmica da PEA feminina pelos diferentes setores de atividades.

QUADRO 8
Pessoas de 10 anos e mais economicamente ativas,
por setor de atividade e segundo o sexo — Brasil — %
Setor de atividades 1940 1950 1960
H M H M H M
Primário 70,4 46,8 65,0 30,2 58,8 30,1
Secundário 10,2 10,6 13,4 15,6 13,2 12,5
Terciário 19,4 42,6 21,6 54,2 28,0 57,4
TOTAL 100,0 100,0 100,0 100.0 100.0 100.0
Fonte: A mesma do quadro anterior.

Embora o quantum relativo de homens haja caído expressivamente no período em exame (mais de 10 pontos percentuais), no setor primário, ainda era ponderável a força de trabalho masculina dedicada às atividades primárias. A saída das mulheres deste setor foi bem maior. No limite superior do período, elas estavam reduzidas a menos de dois terços do percentual que as representava no limite inferior destas duas décadas. Quanto às atividades industriais, os ganhos masculinos foram maiores, ou sejam, três pontos percentuais, no período. Isto significa um aumento da ordem de 22% em duas décadas. Quanto ao comportamento da força de trabalho feminina neste ramo de atividades, o ganho representou quase 50% na primeira década, perdendo as mulheres uma boa parte do espaço já conquistado, no decorrer do segundo decênio em questão. Pelo menos parcialmente, a explicação desta perda deve residir no comportamento da indústria têxtil, o ramo industrial que mais absorve mão-de-obra feminina. Do mesmo modo como a indústria têxtil (e também a do vestuário) absorveu muita mão-de-obra feminina na década de 40, pode responder, pelo menos em parte, pela queda do percentual de mulheres empregadas no setor industrial. Efetivamente, embora o produto da indústria têxtil tenha sofrido um aumento de 73% no período 1949-1959, o número de operários que este ramo empregava sofreu uma redução de 2,5% (64;43)(64). Isto significa uma enorme perda em termos de empregos industriais para mulheres, pois no período 1949-1959 a indústria têxtil, não apenas deixou de absorver novos operários, como demitiu 2,5% dos que mantinha no inicio do decênio. Embora não se conte com dados desagregados por sexo para poder afirmar que a expulsão de força de trabalho incidiu majoritariamente sobre as mulheres, é muito provável que isto seja verdadeiro, porquanto naquele momento a predominância quantitativa dos trabalhadores femininos era expressiva no ramo têxtil.

O ritmo de crescimento da mão-de-obra feminina no setor terciário, no período, é praticamente o dobro do ritmo apresentado pelo crescimento da força de trabalho masculina no setor. A maioria das trabalhadoras deste ramo desempenha funções subalternas, localizando-se no chamado “baixo terciário”, especialmente na Prestação de Serviços Pessoais. Num país subdesenvolvido há um fantástico número de funções que podem ser englobadas neste item. Um importante contingente de mulheres dedica-se aos serviços domésticos remunerados. Do total da força de trabalho feminina empregada no terciário, 44% em 1940, e 41% em 1970, realizavam trabalhos domésticos em lar alheio. De acordo com o que já se afirmou atrás, em 1872, 33% das trabalhadoras brasileiras estavam nesta situação. Um 'século mais tarde, em 1970, a situação não era muito diferente, pois as empregadas domésticas totalizam 27% da PE A feminina. Na década de 70, em virtude certamente do “milagre brasileiro”, este percentual foi-se reduzindo até chegar a 20% em 1980. Com a crise econômica, que já dura quatro anos, contudo, é possível que muitas mulheres tenham buscado emprego nas residências dos 10% mais ricos da população brasileira, que se apropriam de mais de 50% da renda nacional (50,8%, em 1980).

Como não se pretende esgotar o assunto neste trabalho, remete-se o leitor para outras obras (5:24;59)(5), ao mesmo tempo em que se passa a examinar o último período.

3. Período 1960-1982

Rigorosamente, a internacionalização moderna (juntou-se o adjetivo moderno, uma vez que as portas do Brasil sempre estiveram abertas, seja para a pilhagem tout court, seja como campo de investimento produtivo para capitais estrangeiros) da economia brasileira teve início com a Instrução 113 da SUMOC que, datada de janeiro de 1955, tornava mais baratas as importações realizadas por empresas estrangeiras aqui instaladas e mais caras as feitas pelas firmas nacionais. É, pois, sob a égide de tamanha magnanimidade que capitais das mais distintas procedências criam aqui a indústria automobilística, a partir de 1956, quando o Brasil já possuía uma grande indústria de autopeças e fabricava duas marcas de automóveis. O golpe de Estado de 1964 encontrou, portanto, o caminho aberto, transformando-o numa espetacular via expressa para facilitar a entrada das empresas transnacionais.

À empresa multinacional são inerentes a inovação tecnológica e a estrutura oligo- pólica. Apresentam pronunciada preferência pelos seguintes ramos industriais: alimentos e fumo, produtos químicos, metais e equipamentos, elétrico, eletrônica e material de transporte, para deixar de lado o petróleo que, no Brasil, constitui monopólio estatal. Vernon (63:56)(63) oferece dados a este respeito: em 1970, 78% das filiais das multinacionais americanas, 75% das alemãs e 65% das inglesas exploravam os setores mencionados. A presença de filiais de empresas multinacionais em países subdesenvolvidos (e não só neles) acarreta uma série de transformações em suas economias. Estas filiais criam solidariedade de interesses em relação ao fornecimento de insumos básicos, dada sua capacidade de homogeneizar os perfis industriais. Além de forçar a modernização das empresas nacionais, acabam por se constituir em um supra-Estado, na medida em que precisam de coordenação política no plano supranacional. Têm influência decisiva na comercialização de produtos industrializados entre países, sobretudo no caso do intercâmbio entre matrizes e filiais. Como elas têm o controle sobre os fluxos financeiros de curto prazo, facilitam a internacionalização da atividade bancária. Esta situação causa problemas de toda ordem ao Brasil, sem que este tenha poder para, pelo menos, encaminhar soluções favoráveis à sua população (56)(56).

O período 1956-1960 experimentou uma grande expansão, mas desaguou numa crise que reunia superacumulação e fortes pressões inflacionárias, localizando-se o início do período critico em 1962 e atingindo seu clímax nos princípios de 1964. O primeiro governo depois do golpe militar, em 1964, toma medidas visando à recuperação e os resultados que se obtêm nos últimos quatro anos da década de 60 são os seguintes:

  1. “A reforma fiscal e financeira de 1966 melhora as condições de financiamento do gasto público corrente e de investimentos tradicionais ligados à construção civil.
  2. A verdade tarifária, isto é, a elevação e reestruturação dos preços dos serviços de utilidade pública e a negociação externa deslancham o programa de .energia elétrica, reanimando o setor de material elétrico, os grandes construtores e as firmas de engenharia.
  3. A operação do sistema institucional de crédito ao consumidor, acoplado ao instrumento da correção monetária com desconto antecipado dos títulos, reanima a demanda da indústria automobilística e de outros bens duráveis de consumo mais difundido.
  4. O sistema financeiro da habitação reanima e ativa a construção civil residencial.
  5. Os incentivos à exportação permitem subsídios à produção têxtil e de maquinaria, auxiliando a recuperação.
  6. A política de salários e a política de financiamento favorecem a concentração da renda pessoal, que realimenta o consumo diferenciado da classe média alta, bem como a proliferação dos serviços pessoais.” (62:127)(62)

Como esses programas provocam o crescimento do emprego e da renda urbana, realimentando, assim, a demanda corrente, a economia retoma um rápido crescimento, antes mesmo de se esgotar a capacidade ociosa criada pelo investimento realizado em período anterior. A partir de 1970-71 a indústria passa a operar a plena capacidade. No período 1971-73, a taxa média de crescimento do conjunto dos setores produtores de bens de capital foi elevadíssima, ou seja, cerca de 39% ao ano. Esta taxa foi excessivamente alta e sua consequência natural foi a reversão do ciclo. Uma vez mantida alta a capacidade, produtiva no período 1974-77, surge a tendência à sobreacumulação, gerando um hiato entre a capacidade produtiva e a demanda efetiva da indústria.

Já em 197S têm início as quedas sucessivas nas taxas de investimento dos setores de material elétrico e de comunicações, têxtil, de alimentos, material de transporte e química. Como quase todos estes ramos empregam mão-de-obra feminina, as quedas nas taxas de investimentos tiveram repercussões negativas para o emprego de mulheres, especialmente no período 197880, como se mostrará mais tarde. Na verdade’, o “milagre” brasileiro estava terminado em meados de 1974, quando a economia começa a ingressar numa fase crítica.

“A recessão só não vem (veio posteriormente) porque, em primeiro lugar, o investimento das grandes empresas não é paralisado, mas apenas diminui seu ritmo, e, em segundo lugar, porque o gasto público se manteve em nível elevado, tudo isso sufragado por uma política monetária permissiva. Em 1975, a crise já é por demais patente, uma vez que o investimento privado sofre corte substancial.” (32:155).(32)

As políticas econômicas implementadas a partir de 1977, momento em que a crise já era grave, não fizeram senão aprofundar a enfermidade da economia brasileira, cujos anos mais fortes de recessão, provocada inclusive com o auxílio do Fundo Monetário Internacional, foram os últimos quatro. Há alguns indícios de pequena recuperação no setor industrial. São ainda menores as taxas de recuperação em matéria de emprego (9)(9).

Já que para a temática fundamental analisada neste trabalho interessa conhecer, prioritariamente, a dinâmica dos ramos da economia que mais empregam força de trabalho feminina, impôs-se uma exposição, ainda que breve, sobre a internacionalização da economia brasileira no que tange à presença do capital estrangeiro nas indústrias de ponta que, na década de 70, absorveram grandes efetivos de mão-de-obra feminina.

É pronunciada a correlação entre os períodos de intenso crescimento econômico no Brasil e o aumento de filiais de empresas transnacionais aqui. Constatou-se, em 1975, que de uma amostra de 242 filiais de multinacionais americanas aqui instaladas, 52 começaram a operar durante o surto industrial no período pós- guerra e no decênio subsequente, aproveitando-se a Instrução 113 da SUMOC, e 129 foram implantadas durante a fase do “milagre”, 1968-1973. A localização destas filiais de transnacionais pelos setores da indústria no Brasil não é distinta daquela que ocorre a nível mundial. Os capitais estrangeiros revelam uma especial preferência pelos setores dinâmicos da indústria de transformação.

“Do total de investimentos diretos estrangeiros registrados no Brasil em 1978 (13,7 bilhões de U.S. dólares), 77% estão concentrados na indústria de transformação e em particular nos seguintes setores: Metalurgia (8,4%), Mecânica (8,6%), Material Elétrico e de Comunicações (8,7%), Material de Transportes (13,9%) e Química (14,0%). Estes capitais advêm fundamentalmente dos países industrializados e a distribuição do total geral é a seguinte: Estados Unidos (28%), Alemanha (15%), Suíça (11,7%), Japão (10,2%) e Comunidade Econômica Europeia (exclusive Alemanha) (17%).” (56:40)

Convém assinalar que o capital estrangeiro não despreza outros ramos da economia, localizando-se também na agropecuária, na esfera da comercialização e em outras indústrias não mencionadas acima, como: tratores e máquinas agrícolas, alimentos, bebidas e fumo, madeira, polpa e papel (53:18)(53). São notáveis também as grandes extensões de terras detidas por pessoas jurídicas estrangeiras em certas regiões do Brasil. Estavam neste caso, em 1976, 39,9% da área da região Norte e 43,1% da região Centro-oeste. É impressionante a magnitude das áreas de propriedade de pessoas jurídicas estrangeiras no interior de um Estado. Estão neste caso 26,5% da área do Estado do Pará, situado na região Norte, e 37,8% da área do Estado de Mato Grosso (atualmente dividido em dois Estados), situado na região Centro-oeste (53-54).

A terra é, muitas vezes, comprada por estrangeiros como reserva de mercado, impedindo que nela se plantem alimentos ou se desenvolva pecuária. Outras vezes, ela é explorada em termos de empresa capitalista. Em ambos os casos, o fenômeno repercute sobre o emprego feminino, ora- impedindo que famílias camponesas se instalem em terras improdutivas, ora destruindo a economia familiar e implantando o salariato.

Presumindo ter ficado claro o quadro econômico do período em apreço, passa-se ao Quadro 9 que mostra a inserção da mulher na PEA brasileira.

QUADRO 9
Setor de atividade, por sexo, segundo os recenseamentos gerais do Brasil de 1970 e 1980 e a PNAD 1982,
que exclui população rural da região Norte — Pessoas de 10 anos e mais
Setor de atividade 1970 1980 1982
  H M H M H M
PEA total 23.390.487 6.154.806 31.757.833 12.038.930 32.488.768 15.437.083
% 79,2 20,8 72,5 27,5 67,8 32,2
Setor Primário 11.792.294 1.279.091 11.376.454 1.732.961 11.163.186 2.976.272
% 91,0 9,0 86,8 13,2 79,0 21,0
Setor Secundário 4.619.676 644.129 8.885.952 1.789.025 9.225.984 1.986.730
% 88,0 12,0 83,2 16,8 82,3 17,7
Setor Terciário 6.978.517 4.231.586 10.904.568 8.224.865 12.099.598 10.474.081
% 62,0 38,0 57,0 43,0 53,6 46,4
Não econ. ativas 9.190.359 27.268.678 11.696.757 32.656.428 12.239.364 30.740.584
% 25,2 74,8 26,4 73,6 28,5 71,5
Taxa de Atividade 71,8 18,4 73,1 26,9 72,6 33,4
Fonte: Recenseamentos Gerais do Brasil de 1970 e 1980 e PNAD 1982 (a PNAD exclui a população rural da região Norte).
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Rio de Janeiro.

No período em pauta houve transformações substanciais na composição da PEA brasileira, tanto no que diz respeito ao sexo dos trabalhadores, quanto à sua distribuição pelos diferentes ramos das atividades econômicas. Na década de 70, dado o ritmo acelerado do crescimento da economia brasileira durante o período do “milagre”, houve um significativo progresso no grau de absorção da força de trabalho feminina em toda a economia. Efetivamente, entre 1970 e 1980 a presença da mulher na PEA praticamente dobra, apresentando um aumento de 95,6%. Obviamente, a demanda de empregos por parte das mulheres foi fruto do processo de pauperização a que foi submetida a população brasileira em virtude da política de compressão dos salários. Mas é certo, também, que o mercado de trabalho, dadas as taxas de acumulação verificadas no período, ofereceu condições de absorver o montante de mulheres representado por 95,6% das empregadas em 1970. Ainda que os dados da PNAD não sejam diretamente comparáveis aos dos censos, pois apresentam o viés da superestimação da mão-de-obra feminina exatamente em razão de não serem computadas as populações rurais da região Norte, pode-se ter uma ideia, mesmo grosseira, do crescimento da presença feminina na PEA. Com efeito, em apenas dois anos, a PEA feminina cresceu 28,2%.

No setor primário, no seio do qual a agricultura é a maior absorvedora de mão-de-obra feminina, o contingente de trabalhadoras sofreu um incremento de 35,5% entre 1970 e 1980. No período 1980-1982, o crescimento das trabalhadoras rurais foi de nada menos que 71,7%. Isto pode dever-se ao fato de que antes da penetração maciça do capitalismo no campo, as mulheres, trabalhando em economia familiar, eram muito subestimadas. Com a expansão do capitalismo nas zonas rurais, a tendência caminha no sentido do assalariamento, o que facilita maior fidedignidade no cômputo.

No setor secundário, as trabalhadoras apresentaram um crescimento extraordinário, ou seja, de 177,7%, entre 1970 e 1980. Um estudo feito por um grupo de mulheres cientistas sociais (17:91)(17) mostra que, no período 1970-1978, enquanto a força de trabalho masculina apresentou um aumento de 97,2% na indústria de transformação, a presença da mulher cresceu 195,6% no mesmo período e sub-setor. Parece, pois, que o grande crescimento da força de trabalho feminina no setor secundário deve-se, sobretudo, a esta penetração maciça de mulheres na indústria de transformação, já que o setor compõe-se também de Outras Atividades Industriais e Indústria da Construção Civil, onde o número de elementos femininos é irrisório. Segundo o estudo em pauta, a grande penetração das mulheres na indústria de transformação dirigiu-se particularmente para subsetores da indústria metalúrgica, tais como o de equipamentos elétricos e eletrônicos e o de autopeças.

“No total do número de empregados ocupados na indústria em 1976, 19,5% são do sexo feminino. Em 1976, as trabalhadoras constituíam 10,5% do total da mão-de-obra no ramo metalúrgico, 9,2% no ramo mecânico, 31,1% no ramo de material elétrico e comunicações, 8,6% no ramo de material de transporte, isto é, um total de 188.452 empregos (13,3%) nas indústrias metalúrgicas, mecânicas, de material elétrico e comunicações e material de transporte. Também constituíam 15,3% do total de empregados ocupados no ramo químico, 36,2% no ramo farmacêutico, 31,5% no ramo plástico. Nas indústrias ditas “tradicionais” a porcentagem de mão-de-obra feminina é ainda elevada: 64,3% no ramo do vestuário, calçados, tecidos, 46,7% no ramo têxtil e 53,9% na indústria do fumo.” (17:92)

Tomando-se os dados retirados da PNAD 1978, utilizados no referido trabalho coletivo, os dados do censo de 1980 e os dados da PNAD 1982, chega-se ao Quadro 10.

QUADRO 10
Pessoas ocupadas na indústria de transformação em 1978, 1980 e 1982
Brasil
1978 1980 1982
H M H M H M
5.192.239 1.799.586 5.276.417 1.663.004 4.580.803 1.562.928
Crescimento
  1978-1980 1980-1982 1978-1982
Homens 1,6% -13,2% -11,8%
Mulheres -7,6% - 6,1% -13,2%
Fonte: PNAD 1978. Censo Demográfico de 1980 — Mão-de-Obra. FIBGE, 1983. PNAD 1982.

Enquanto os homens empregados na indústria de transformação conseguiram atravessar o período de 1978-1980 com um inexpressivo ganho em matéria de número de empregos, as mulheres já sofreram uma significativa expulsão do setor, antes mesmo que a crise se agravasse. À medida que a crise econômica se aprofunda, os homens são duramente atingidos, caindo o emprego masculino no setor em apreço em 13,2%. Para as mulheres a expulsão continua, ainda que em ritmo menos acelerado. No cômputo geral, entretanto, considerando-se o período 19781982, as perdas foram maiores para as mulheres. Ainda que se trate de períodos muito curtos, tornando as conclusões precárias, os dados confirmam a tese de que as mulheres são as primeiras a experimentarem o desemprego, quando se declara uma crise econômica séria.

Certamente, as mulheres expulsas das indústrias de transformação foram alocadas em outros subsetores do ramo industrial, já que a participação da mulher nas atividades secundárias não apenas não baixou, como também sofreu um ligeiro acréscimo, isto é, praticamente um ponto percentual entre 1980 e 1982.

No setor terciário, as mulheres vêm, gradativamente, ao longo do tempo, ganhando espaço, embora ainda não tenham alcançado paridade com os homens. Neste setor, elas estão concentradas maciçamente na Prestação de Serviços e nas Atividades Sociais. Mudanças profundas tiveram lugar a partir de 1970, na medida em que o número de empregadas domésticas baixou de 27,0% da PEA feminina, em 1970, para 20,0%, em 1980.

No período 1940-1970, a força de trabalho masculina sofreu um incremento de 104,9% no setor terciário, enquanto a feminina cresceu 138,3%. No período 19701982 a taxa de crescimento dos homens foi bem inferior à do período anterior, enquanto o ritmo de crescimento das mulheres acelerou-se. Com efeito, os trabalhadores do terciário apresentaram um crescimento de 73,4% contra um aumento de 147,5% das mulheres, no espaço de 12 anos. Este fenômeno poderá ser visto mais facilmente se se apresentarem os dados organizados de forma diversa.

QUADRO 11
Pessoas de 10 anos e mais economicamente ativas,
por setor de atividade e segundo sexo — Brasil — %
Setor de atividades 1970 1980 1982
H M H M H M
Primário 50,4 20,8 36,5 14,8 34,4 19,3
Secundário 19,8 10,4 28,5 15,2 28,4 12,8
Terciário 29,8 68,8 35,0 70,0 37,2 67,9
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Idem Quadro 10

No período 1970-1982, foi o seguinte o movimento no interior da PEA masculina: - 5,4% no setor primário + 99,7% no setor secundário e + 73,4% no setor terciário. Os valores correspondentes para as mulheres foram: primário: + 132,7%; secundário: + 208,4%; terciário: + 147,5%. Fica, portanto, claro que a força de trabalho feminina vem ampliando seu espaço no mercado de trabalho nos doze anos considerados.

A própria taxa de atividade masculina e feminina, na sua evolução, está refletindo a dinâmica do conjunto dos trabalhadores brasileiros. No período de 1940 a 1982, houve uma sensível queda da taxa de atividade masculina, caindo de 82,8%, no limite inferior do período, para 72,6% no limite superior da mesma fase. O fenômeno da queda, entretanto, não se deu de maneira uniforme. A taxa de atividade masculina caiu sensivelmente, ou seja, mais de dez pontos percentuais, entre 1940 e 1970, subindo ligeiramente daí para o ano de 1980 para, em seguida, voltar a descender. No seio da PEA feminina, este fenômeno é ainda mais instável. A taxa de atividade feminina, que já era bastante baixa em 1940 (19,2%), cai abruptamente para 13,5% em 1950, tomando um sentido ascensional, ainda que tímido, nas duas décadas compreendidas entre 1950 e 1970, para tomar, não se sabe por quanto tempo, um ritmo acelerado de crescimento entre 1970 e 1982. A taxa de atividade feminina era de 33,4% em 1982.

O trabalho de Hirata & Humphrey (18)(18), ainda que recaindo sobre um universo empírico restrito, traz hipóteses interessantes sobre a divisão sexual do trabalho na indústria. Com a penetração das mulheres em campos anteriormente ocupados só por homens, a divisão sexual do trabalho sofreu alterações que sugerem uma redução da instabilidade do emprego industrial feminino.

Há que se considerar, por outro lado, o engajamento de homens é mulheres que não encontram emprego no setor formal do mercado de trabalho e que desenvolvem atividades não formalizadas, mas que completam o orçamento familiar, permitindo a um grande número de famílias pobres atravessar períodos de crise econômica e, portanto, de nível mais elevado de desemprego, com um grau de consumo superior ao que teria sido possível sem o recurso ao mercado informal de trabalho.

Alguns estudos pontuais foram realizados no Brasil sobre este mercado informal de trabalho. Embora no momento não se tenha acesso a todos, explorar-se-ão as descobertas feitas pelos estudos com que se conta. Ainda que o Quadro 12 não traga os dados desagregados por sexo, serve para dar uma ideia do peso relativo do mercado informal de trabalho na cidade de Salvador, capital do Estado da Bahia.

QUADRO 12
Formas de organização produtiva em Salvador
Forma de organização Porcentagem de população
ocupada com remuneração
Porcentagem da população
de 18 anos ou mais
Economia doméstica remunerada 8,6% 5,0%
Produção simples de mercadorias(a) 24,7% 14,2%
Economia capitalista privada(b) 39,9% 22,9%
Emprego público 26,7 % 15,3%
Econ.domést.não remunerada(c) 29,5%
Desocupados 13,1%
TOTAL 100,0%
(N = 572)
100,0%
(N = 1.107)
Fonte: JELIN, E. Formas de organização da atividade econômica e estrutura ocupacional: o caso de Salvador, Estado da Bahia - Brasil Estudos CEBRAP(9): 76, ju./set. 1974
  1. As porcentagens e posições intermediárias entre economia doméstica e produção simples, incluídas nesta última categoria, são 6,0% e 3,4% para as duas colunas. Estas posições intermediárias incluem as pessoas que trabalham até quatro horas diárias em ocupações em que as tarefas que se realizam são tipicamente domésticas.
  2. As porcentagens de posições intermediárias entre produção simples e economia capitalista, incluídas nesta última categoria, são 6,4% e 3,7% para as duas colunas. Estas posições intermediárias incluem as pessoas que trabalham em pequenas empresas, em setores econômicos onde se encontra tipicamente a organização para a produção simples.
  3. Para estimar-se esta porcentagem dividiram-se as mulheres que não trabalham em forma remunerada, segundo vivam ou não com seus cônjuges. Tomou-se o total das que vivem com seus cônjuges, como indicação do número daquelas que realizam tarefas domésticas.

O recurso de alocar um ou mais membros da família no mercado informal de trabalho nem sempre constitui uma estratégia de sobrevivência do grupo familiar. Daí não poder-se estabelecer um vínculo necessário entre, de um lado, o mercado informal de trabalho, e, de outro, a marginalidade, o subemprego ou a miséria. Com frequência, o emprego de alguns membros da família em atividades organizadas em moldes capitalistas e o emprego de outro ou outros no mercado de trabalho não formalizado constituem mecanismos propiciadores de ascensão social, como bem demonstrou Woortmann (65) em seu estudo sobre a capital nacional, Brasília.

“Idealmente, caberia ao pai de família assegurar a reprodução dos membros da família através de seu trabalho, enquanto à dona-de-casa caberia a gerência do consumo doméstico, não menos necessária para tal reprodução. No entanto, salários insuficientes e instabilidade empregatícia fazem com que a renda do pai não cubra .o “gasto”, pondo em risco a reprodução da própria família. Reorganiza-se, então, o grupo doméstico, enquanto unidade econômica, para reproduzir a família enquanto categoria ideológica. A estratégia básica é a articulação entre o “emprego” (trabalho assalariado) e o “serviço” (trabalho autônomo), para usarmos as expressões do grupo estudado por Melo Marin, e entre ambos e os “afazeres domésticos”, todos igualmente importantes para a reprodução da família. Tal articulação se faz, ao longo do tempo, pelo grupo doméstico e é este, e não o indivíduo, que deve constituir a unidade de análise. O grupo doméstico, por outro lado, age segundo os princípios da família, que constitui a referência ideológica de sua atuação.

A família trabalhadora como um workteam surge como resposta desenvolvida pela classe trabalhadora para movimentar-se no espaço social condicionado pelo capital, ao mesmo tempo que cria espaços. A lógica do capital age sobre o parentesco e sobre os papéis sexuais, e estes por sua vez informam estratégias desenvolvidas por aquela classe para minimizar sua subordinação. A família existe no interior de uma situação de classe que sobredetermina o conteúdo específico dos princípios gerais do parentesco e dos papéis familiares, notadamente os de pai de família e de dona-de-casa, assim como a especificidade da articulação entre a produção de valores-de-uso e de valores-de-troca através desses papéis. A família trabalhadora supõe então um grupo doméstico como unidade de consumo planejado e como organização voltada para a otimização do emprego de seus recursos de força de trabalho. Distribuir essa força de trabalho através tanto do mercado de trabalho assalariado como de mercado de “serviços”, ou alocá-la à produção doméstica de mercadorias, é um dos aspectos centrais dessas estratégias. (...)

A oposição complementar entre os papéis de pai de família e de dona-de-casa não é apenas uma questão de ideologia. É também o resultado da contradição entre o' preço da força de trabalho — o salário — e o custo de reprodução da família. (...) Na classe trabalhadora, os papéis no grupo doméstico são econômicos — inclusive o trabalho não pago da dona-de-casa enquanto tal —, ainda que expressos por uma linguagem de parentesco e por um código de gênero, isto é, por uma dimensão ideológica.”(65:72 3)(65)

Obviamente, nas camadas mais pobres — e aqui vale a pena lembrar que 40% dos trabalhadores brasileiros ganham apenas até um salário mínimo (Cri 166.560,00 a partir de 1/11/84, correspondente a cerca de US$ 58,00 ao mês) — a mulher trabalha, visando à complementação do orçamento doméstico. Muitas vezes, o trabalho feminino integra, no mesmo nível que o masculino, um projeto de ascensão social.

Estudando um bairro operário próximo à Cidade Industrial de Contagem, Estado de Minas Gerais, Fausto Neto (13:66)(13) detectou, em sua amostra, 44% de mulheres que, sem abrir mão de seus afazeres domésticos, conjugavam estas tarefas com uma outra ocupação que lhes permitisse auferir algum quantum de renda.

Embora Fausto Neto veja consequências nefastas para a família operária em virtude do trabalho extra-lar da mulher (13: 67), pode-se a isto contrapor o argumento de que a dupla jornada de trabalho das mulheres mina o fundamento econômico da autoridade paterna. Desta sorte, na medida em que as necessidades econômicas vão impelindo as mulheres para o trabalho remunerado, o homem se sente pressionado a ganhar mais, a fim de manter seu poder no seio da família. Trata-se, pois, de somar ao seu salário outras formas de rendimento. O setor informal do mercado de trabalho oferece a “solução”, quer no caso da mulher, quer no do chefe da família.

Não obstante não se disponha de dados globais para poder-se afirmar que o mercado informal de trabalho absorve mais mão-de-obra feminina que masculina, há a favor desta tese o maior grau de compatibilidade entre os “serviços” prestados no mercado não formalizado e a jornada doméstica de trabalho. De outra parte, Jelin mostra de que forma as mulheres baianas inserem-se no mercado não formalizado de trabalho e em que proporções o fazem.

“Quase 40% das mulheres ocupadas na produção simples de mercadorias trabalham menos de quatro horas por dia, o que indica haver uma dedicação apenas parcial às tarefas remuneradas, frequentemente em atividades semelhantes às realizadas no âmbito doméstico (...). As mulheres casadas com filhos dispõem de menos tempo para trabalhar para terceiros e preferem o trabalho em suas próprias casas ou acertos informais que podem ser desfeitos quando a situação familiar o exige.

Isto é, para uma grande proporção das produtoras independentes, a atividade central é a de dona-de-casa e o trabalho remunerado a ela se subordina, dependendo das pressões e obrigações familiares.”(20)(20)

À falta de dados globais para o país e à luz da observação, pode-se presumir que as atividades econômicas não formalizadas absorvem relativamente mais mulheres que homens. Além do argumento da maior compatibilidade entre as atividades do mercado informal de trabalho e a jornada doméstica de trabalho, acima indicado, há outros fatores que reforçam esta tese. O ciclo de vida conta em grande medida. Mulheres que, em virtude de terem filhos pequenos ou de serem consideradas demasiadamente velhas para desempenhar um trabalho regular, são rejeitadas pelo mercado formal de trabalho, podem, perfeitamente, engajar-se em atividades não formalizadas que, de um lado, poderão estar subordinadas às obrigações familiares, e, de outro, representarão sua exclusiva fonte de renda monetarizada. Com o homem a dinâmica é outra. Ou ele se estabelece por conta própria, podendo não contar com auxílio de força de trabalho familiar, ou ele suplementa, com atividades não formalizadas, um salário ganho regularmente no mercado formal de trabalho. Quando se somam às trabalhadoras que, nos campos e nas cidades, desempenham atividades inseridas no mercado informal de trabalho, as trabalhadoras a domicílio reengendradas pelo capitalismo (1)(1), tem-se a impressão de que cerca de metade das mulheres que trabalham no Brasil o fazem em atividades de precária ou nenhuma regulamentação. Isto é, um enorme contingente de trabalhadoras desempenha suas funções em atividades que vão desde aquelas de total caráter clandestino até as que apresentam uma formalização precária, como é o caso do emprego doméstico remunerado.

Em pleno Estado de São Paulo, unidade mais industrializada da Federação, há cidades onde praticamente todas as mulheres (e muitas crianças) estão engajadas na indústria do bordado. A maioria destas indústrias oferece empregos inteiramente clandestinos, já que as trabalhadoras não têm registro em carteira de trabalho. O artesanato das regiões Norte e Nordeste, que engaja enormes efetivos de mulheres, opera também em termos de economia invisível ou, para usar um termo mais forte, clandestina. Como não há registros sistemáticos destas atividades, mas apenas estudos de casos, é impossível conhecer, com precisão, o percentual de trabalhadoras que, embora auferindo alguma renda no desempenho destas atividades não formalizadas, não gozam dos benefícios oferecidos pelo emprego formal.

O mercado informal de trabalho é muito heterogêneo, não apenas em termos dos tipos de atividades que engloba, como também em termos de salários. Do mesmo modo como uma excelente cozinheira em casa de família rica pode ganhar cerca de dois salários mínimos e mais a moradia e a alimentação, a bordadeira especializada do Nordeste, que gasta dias de trabalho na produção de uma peça, aufere renda mínima, ficando o grosso da rentabilidade do negócio com quem faz a comercialização do produto. Em suma, para o Brasil como totalidade, é o que se pode afirmar, baseando-se em observações e nos estudos de casos.

Não se dispondo de outra alternativa senão deixar de lado a força de trabalho desempenhando funções no mercado informal de trabalho, é chegado o momento de sistematizar a participação feminina na PEA brasileira desde o primeiro censo aqui realizado até os últimos dados com que se contam.

QUADRO 13
Evolução da participação feminina na PEA brasileira,
em percentagem da PEA total,
destacando-se a proporção de mulheres empregadas na indústria
Anos
PEA feminina em
relação á PEA total
Participação %
feminina na indústria
1872 45,5 78,3*
1900 45,3 36,1*
1920 15,3 26,4
1940 15,9 18,8
1950 14,7 16,2
1960 17,9 16,7
1970 20,8 11,8
1976 29,2 16,6
1977 31,6 16,9
1978 32,6 17,7
1980 27,5 16,8
1982 32,2 17,7
*Inclui atividades artesanais
Fonte: Além de todos os censos e PNADs indicados, acrescentem-se as PNADs 1976, 1977, 1978, 1982

O Quadro 13 permite uma excelente visualização da evolução da PEA feminina brasileira, assim como do engajamento das mulheres nas atividades industriais. A partir do primeiro surto industrial vivenciado pelo Brasil durante a I Guerra Mundial, a participação das mulheres na PEA declinou abruptamente, mantendo-se bem baixá durante cinco decênios — de 1920 a 1970. Foi só a partir do “milagre econômico brasileiro” — 1968-1973/4 — que a presença da mulher na força de trabalho brasileira começou a sofrer incrementos significativos.

Quanto à participação feminina nas atividades industriais, convém deixar de lado os dados referentes a 1872 e a 1900, por razões já expostas, acrescidas do baixo graus de fidedignidade das informações. Com o primeiro surto industrial (a industrialização provocada pelas dificuldades de importação em função da guerra de 1914-1918 era meramente intersticial, não podendo, de maneira alguma, ser caracterizada como um processo), a força de trabalho feminina ocupa um espaço bastante razoável nas atividades industriais. A partir de 1930, quando começa efetivamente o processo de industrialização no Brasil, caiu substancialmente a força de trabalho feminina empregada na indústria. Esta tendência descendente é progressiva até 1970, quando, em virtude do grande dinamismo apresentado pela economia brasileira, começa a aumentar a presença da mulher na indústria. Entre 1970, quando a força de trabalho feminina na indústria atingiu seu percentual mais baixo, e 1982, já em plena crise econômica, a participação da mulher nos diferentes ramos industriais ganhou praticamente seis pontos percentuais. À falta de dados mais recentes, não se sabe como o fenômeno vem se comportando nos últimos dois anos. Nestas circunstâncias, fica difícil fazer prognósticos.

Como em todos os países de economia de livre empresa, as trabalhadoras brasileiras recebem, em média, salários inferiores aos masculinos. Mesmo desempenhando a mesma função na empresa, a mulher percebe salários menores que os dos homens. Como esta prática está proibida pela legislação brasileira, que garante salário igual para trabalho igual, as firmas usam a estratégia de denominar diferentemente funções iguais quando executadas por trabalhadores dos dois sexos. A mesma função, então, recebe um nome quando executada por um homem e outro nome quando exercida por uma mulher.

Serão aqui apresentados os Quadros 14, 15, 16, 17 e 18 mostrando a discriminação salarial contra a mulher, embora não se pretenda sobrecarregar o texto com Quadros. Ademais, não há dados disponíveis, no momento, que permitam ilustrar o fenômeno em cada período aqui abordado. Por outro lado, nem todos os dados são comparáveis, não só em função de sua organização, como também em razão de mudanças da moeda brasileira.

QUADRO 14
— Salários industriais em 1920, segundo o sexo
Salários mensais em mil réis % de Mulheres % de Homens
Até 2.900 40,7 10,9
De 3.000 a 3.900 21,3 12,0
De 4.000 a 5.900 25,4 33,4
De 6.000 a 7.900 9,6 34,2
De 8.000 a mais 3,0 19,5
Total 100,0 100,0
Fonte: Salários, recenseamento do Brasil, 01 de setembro de 1920,
Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, Diretoria Geral de Estatística,
Rio de Janeiro, 1928

Em 1920, quando as mulheres representavam cerca de dois terços dos trabalhadores do ramo têxtil, eram brutalmente discriminadas em termos salariais, como revela o Quadro 15.

QUADRO 15
Distribuição percentual dos operários têxteis, segundo faixas salariais e sexo
Brasil — 1920
Salários mensais
em mil réis
% de
Mulheres
% de
Homens
Total
Até 2.900 73,8 26,2 100,0
De 3.000 a 3.900 63,2 36,8 100,0
De4.000 a 5.900 49,9 50,1 100,0
De 6.000 a 7.900 42,1 47,9 100,0
De 8.000 a mais 21,8 78.2 100.0
Fonte: A mesma do Quadro 14

 

QUADRO 16
Características da Distribuição de Rendimento da PEA com Rendimento — Brasil
Ano Sexo R. M.
(Cr$ 1970)
CORTES PERCENTUAIS
      20—
R. M.
(Cr$ 1970)
50—
R. M.
(Cr$ 1970)
10+
R. M.
(Cr$ 1970)
5+
R. M.
(Cr$ 1970)
1+
R. M.
(Cr$ 1970)
1970 HOMEM 307 (100,0%) 54 (100,0%) 93 (100,0%) 1446 (100,0%) 2129 (100,0%) 4556 (100,0%)
MULHER 188 ( 61,2%) 28 ( 51,8%) 55 ( 59,1%) 766 ( 53,0%) 1041 ( 48,9%) 1955 (42,9%)
1976 HOMEM 603 (100,0%) 102 (100,0%) 167 (100,0%) 3109 (100,0%) 4620 (100,0%) 10579 (100,0%)
MULHER 303 ( 48,6%) 44 ( 43,1%) 90 ( 53,9%) 1381 ( 44,4%) 2026 ( 43,8%) 4572 ( 43,2%)
Fonte: Tabulações Especiais do Censo Demográfico de 1970 — DEISO — IBGE — Apud Indicadores Sociais tabelas selecionadas 1979.
Superintendência de Estudos Gegráficos e Sócio-Econômicos, Secretaria de Planejamento da Presidência da República, FIBGE, 1979.

Em 1970, as trabalhadoras brasileiras ganhavam, em média, 61,2% dos salários percebidos pelos homens. No Estado de São Paulo tem-se acentuado a discriminação salarial contra a mulher, sobretudo no setor secundário das atividades econômicas. (43: 50)(43)

Como se pode facilmente verificar, as diferenças salariais entre homens e mulhe5 res tornaram-se muito mais pronunciadas em 1976 do que eram em 1970. De um rendimento médio de 61,2% do masculino, em 1970, as mulheres passaram a auferir, em média, apenas 48,6% do que percebiam os homens em 1976. O fosso foi, portanto, ampliado de quase freze pontos percentuais, o que redundou em rendimentos médios femininos inferiores á metade dos rendimentos médios masculinos. A ampliação da discriminação salarial contra a mulher verifica-se em todos os grupos de rendas, exceção feita do 1,0% mais alto, onde houve um ganho de 0,3% por parte das mulheres. Como se observa, este ganho é absolutamente negligenciável. As discriminações salariais são mais agudas nos 5,0% mais ricos do que no seio dos 50,0% mais pobres. Este fenômeno talvez se explique em função da maior complexidade da estrutura ocupacional nos altos escalões e, correlatamente, em razão da maior homogeneidade de funções desempenhadas pelos mais pobres e menos qualificados. Esta hipótese parece plausível na medida em que o fenômeno se apresenta agudizado quando se cruzam dados como grau de escolarização e discriminações salariais contra as mulheres, segundo se poderá observar no Quadro 17.

QUADRO 17
Salários das mulheres em relação aos salários dos homens, por nível de instrução, segundo as regiões
Brasil 1970 (salário dos homens = 1)
Regiões/estados Total Analfabetos Elementar Médio
1.° ciclo
Médio 2.° ciclo Superior
Rio de Janeiro 0,80 0,79 0,72 0,79 0,69 0,79
São Paulo 0,82 0,86 0,77 0,70 0,78 0,77
Sul 0,79 0,84 0,77 0,67 0,67 0,77
MG e ES 0,85 0,93 0,77 0,79 0,58 0,58
Nordeste 0,86 0,96 0,88 0,48 0,51 0,36
Fonte: IPEA/CNRH. Apud MTb, SENA1, SENAC. A Formação profissional da mulher trabalhadora no Brasil. 1976

A hipótese aventada para explicar a localização dos maiores diferenciais nas faixas mais altas de rendas ou no seio de trabalhadores apresentando maior grau de escolaridade, parece fortalecer-se quando se chama a atenção para o fato de que estas violentas discriminações contra as mulheres estavam ocorrendo em pleno boom das atividades industriais brasileiras. Como foi implementada uma política de compressão dos salários, na base da pirâmidade ocupacional era restrita a margem de manobra para a concretização de uma brutal discriminação salarial contra a mulher. Nos níveis mais altos da hierarquia ocupacional, onde se situam os trabalhadores portadores de mais elevado índice de escolaridade e onde o governo sempre permitiu a livre negociação do salário, era possível aprofundar o hiato entre os salários masculinos e femininos. Se assim se processam os movimentos, a nível dos salários de homens e mulheres, em um período de acelerada acumulação na economia brasileira, presume-se haver uma tendência à acentuação da discriminação salarial em prejuízo da mulher em período de crise. O Quadro 18 mostrará a validade desta inferência.

QUADRO 18
Distribuição percentual das pessoas de 10 anos e mais que trabalham,
por faixa de renda e segundo o sexo — Brasil
ANO Até um salário mínimo
Até dois salários mínimos

Homem Mulher Homem Mulher
1976 27,5 46,4 54,9 67,5
1978 33,2 60,1 61,8 82,5
1982 33,2 56,7 62,8 80,7
Fonte: PNADs 1976, 1978 e Anuário Estatístico do Brasil. FIBGE, 1983.

Tomando-se os dois extremos do período para os que ganham até um salário mínimo, a situação piorou sensivelmente para os homens, mas fê-lo em grau mais profundo ainda para as mulheres. Isto é, os muito pobres, os 40% de assalariados que ganham até um mínimo legal, tornaram-se mais miseráveis. Como este contingente está embutido no segundo conjunto de trabalhadores, ou seja, os que ganham até dois salários mínimos, o número de beneficiados fica bastante reduzido. Em 1976, são apenas 11,1% das trabalhadoras com salários entre um e dois mínimos, estando neste caso 20,7% das trabalhadoras em 1978 e 24,0%, em 1982. De qualquer forma, cresceu substancialmente a proporção de trabalhadoras ganhando salários entre um e dois mínimos legais. Todavia, parece que a vantagem reside neste pequeno contingente, pois á medida que se avança em direção às faixas mais altas de renda, a distância entre os percentuais masculinos e os femininos vão crescendo. Apenas para ilustrar a questão, aqui estão alguns dados: em 1982, havia 7,8% de homens e apenas 4,0% de mulheres na faixa de cinco a dez salários mínimos; na faixa seguinte, ou seja, dez salários e mais, havia 4,8% de homens e somente 1,2% de mulheres.

Há que se considerar também que, embora os salários agrícolas para mulheres sejam baixos, podem elevar-se graças a um esforço brutal das trabalhadoras, uma vez que o pagamento é fixado, em geral, por produção. Com a penetração do capitalismo no campo, números crescentes de mulheres (e também de homens) estão deixando a economia familiar para se assalariarem, seja no corte da cana, na colheita da laranja ou em qualquer outra atividade agrícola. Este fenômeno está aumentando o grau de monetarização da economia e pode estar pesando na explicação do Quadro 18, que engloba trabalhadores urbanos e rurais. Em não havendo tempo para bem analisar este fenômeno, que se apresentem, pelo menos, alguns dados sobre o PEA agrícola.

QUADRO 19
PEA Agrícola do Brasil em 1980, por sexo e posição na ocupação
Mulheres Brasil
Rio de Janeiro São Paulo
PEA 1.601.661 (100,0%) 12.897 (100,0%) 184.547 (100,0%)
Empregadas 526.209 (32,8%) 8.514 ( 66,0%) 141.369 ( 76,6%)
F.T.Familiar 1.075.452 ( 67,2%) 4.383 ( 34,0%) 43.178 ( 23,4%)
Homens





PEA 10.995.483 (100,0%) 18Ó.970 (100,0%) 987.100 (100,0%)
Empregados 4.283.383 ( 39,0%) 119.392 ( 66,0%) 662.514 ( 67,1%)
F.T.Familiar 6.712.100 ( 61,0) 61.578 ( 34,0%) 324.586 ( 32,9%)
Fonte: Censo Demográfico de 1980 — Mão-de-Obra. FIBGE, 1983.

Como se nota, já é grande o número de assalariados homens e mulheres no conjunto do País, além de a diferença entre os sexos não ser tão significativa. No Estado do Rio de Janeiro, homens e mulheres estão equiparados em termos de penetração no regime de salariato, sendo' que no Estado de São Paulo as mulheres já ultrapassaram os homens neste processo de abandono da economia familiar em direção ao salariato em quase dez pontos percentuais. É fácil ver que nos Estados de agricultura mais moderna, o salariato predomina em relação à economia familiar. Dá-se o fenômeno inverso em regiões como o Norte e o Nordeste, onde estão presentes em larga escala, de um lado, o minifúndio, onde se pratica a agricultura de subsistência, com seu correlato natural, o latifúndio improdutivo, e, de outro lado, a empresa agrícola capitalista, altamente mecanizada, ou a pecuária capitalista, pouco absorvedora de mão-de-obra.

O Brasil é extremamente grande e diferenciado em cada uma de suas regiões para permitir uma análise rápida de sua força de trabalho. Muitas questões que mereceriam ser discutidas foram deixadas de lado, ora por falta de tempo, ora por falta de dados sistemáticos. Agora, é preciso, pois, que se conclua.

CONCLUSÕES

O referencial teórico exposto no início deste trabalho explica, em grande parte, o tipo de incorporação da força de trabalho feminina brasileira e sua dinâmica.

Sendo o patriarcado e o capitalismo, rigorosamente, um só sistema de exploração de homens por outros homens, de mulheres por homens, de mulheres por outras mulheres e de homens por mulheres, predominando, porém, a dominação masculina sobre a mulher, a participação feminina na força de trabalho total será sempre desigual, se comparada à masculina.

Se a este cruzamento das contradições de sexo e de classes se somar o fato de o Brasil ter sido penetrado de fora pelo capitalismo, só podendo desenvolver o “capitalismo associado”, dependente do centro hegemônico do sistema capitalista internacional, a situação da mulher ainda se agrava mais.

O empobrecimento profundo da maioria esmagadora da população brasileira, fruto da pilhagem imperialista e das alianças que sempre existiram entre a burguesia nacional e a burguesia internacional, pode ser verificado pelo aceleramento do ritmo de concentração da renda nacional.

QUADRO 20
Distribuição da Renda no Brasil
Camadas da Participação na Renda de Salários
população 1960 1970 1980
20% mais pobres 3,9 3,4 2,8
50% mais pobres 17,4 14,9 12,6
10% mais ricos 39,6 46,7 50,9
5% mais ricos 28,3 34,1 37,9
1 % mais rico 11,9 14,7 16,9
Fonte: IBGE, Censo de 1960, 1970 e 1980.

Neste contexto, cresce o grau de exploração de todos os trabalhadores, especialmente das mulheres mais pobres, que enfrentam duas jornadas de trabalho, por serem obrigadas a complementar o orçamento doméstico. As menos pobres também se sentem nesta obrigação na medida em que são bombardeadas pela publicidade que torna permanente o apelo ao consumo. É tão pesado o fardo das trabalhadoras manuais, que sua grande aspiração é amealhar economia para poder deixar de acumular duas jornadas de trabalho. Para estas o trabalho, não sendo gratificante, não pode se constituir numa via de realização pessoal. Nem sequer as trabalhadoras manuais em geral adquirem o domínio da tecnologia, pois é muito baixo seu acesso aos equipamentos mais complexos. Mais do que isto, têm seus saberes expropriados em matéria de medicina popular, assim como no campo da socialização dos filhos, tornando-se crescentemente dependentes do hospital, do médico, da farmácia que lhes vende os produtos das multinacionais, da escola, da televisão, enfim, de todos os aparelhos dotados de poder para assegurar a subordinação milenar da mulher ao homem e, sobretudo, à lógica do patriarcado-capitalismo.

Um grau intenso de pauperização impele grandes contingentes de mulheres para o mercado de trabalho, mesmo que não tenha recebido qualificação para tal. Outras são especialmente preparadas para o desempenho de uma profissão. Em ambos os casos, contudo, não reside na necessidade de ampliar o orçamento doméstico, nem no desejo criado pela socialização de desempenhar um papel profissional, a decisão final da solução buscada. Tudo depende, em última estância, das condições do mercado. Em havendo expansão das atividades econômicas, crescem as probabilidades de as mulheres virem a ocupar postos no mundo do trabalho.

Se o MPC pudesse realizar-se de modo puro e meramente convivesse com a ideologia patriarcal, sob a forma de ranço de etapas históricas já vencidas, as oportunidades de emprego para mulheres poderiam ser maiores, na medida em que elas se sujeitariam a precárias condições de trabalho e a baixos salários. Se assim fosse, existiria e operaria a lógica do capital, visando exclusivamente ao lucro.

Dada a simbiose patriarcado- capitalismo, entretanto, a meta da maximização do lucro é mediada pela supremacia masculina. E é desta forma que, pela via da subordinação da mulher ao homem e pela alocação prioritária da mulher aos aparelhos de reprodução, o patriarcado-capitalismo garante, simultaneamente, a reprodução da família trabalhadora e explora em grau mais intenso a força de trabalho feminina, quando dela necessita e nas proporções em que dela precisa.

Enquanto perdurar o sistema patriarcado-capitalismo, homens e mulheres jamais serão socialmente iguais. Disto resulta que a incorporação da força de trabalho feminina apresentará sempre característicos específicos, nos quais poderá ser reconhecida toda sorte de discriminações. Nem tudo, porém, está perdido. Com muita luta, poder-se-á chegar a uma sociedade em que as desigualdades sociais entre homens e mulheres atinjam o nível do tolerável.


Notas de rodapé:

(1*) “A única coisa que distingue uns dos outros os tipos econômicos da sociedade, por exemplo, a sociedade da escravidão da sociedade do trabalho assalariados, é a forma pela qual este trabalho excedente é arrancado ao produtor imediato, ao trabalhador”. (26:164) (retornar ao texto)

(2*) O concreto é concreto porque ele é a síntese de múltiplas determinações, portanto, unidade da diversidade”.(29:165) (retornar ao texto)

(3*) A expressão consubstanciai é de Danièle Kergoat e foi expressa no VIII ENCONTRO DA ANPOCS 1984 Esta autora apresenta proposta interessante para analisar as relações sociais fora dos quadros das categorias dominantes.(21)(21) (retornar ao texto)

(4*) Portanto, ao produzir a acumulação do capital, a população trabalhadora produz também, em proporções cada vez maiores, os meios para seu próprio excesso relativo. Esta é uma lei de população peculiar do regime de produção capitalista, pois em realidade todo regime histórico concreto de produção tem suas leis de população próprias, leis que regem de um modo historicamente concreto” (27:534). (retornar ao texto)

(5*) Felizmente, para o Brasil, o Ministro do EMFA fracassou integralmente em suas numerosas tentativas de militarizar o planejamento familiar. A "Nova" República está completando seis meses e o programa de planejamento familiar em execução, ainda que deixe a desejar, não pode ser adjetivado de autoritário. (retornar ao texto)

(6*) Althusser lança a noção de uma totalidade complexa na qual cada setor independente tem sua própria realidade autônoma, mas cada um dos quais é, em última instância, mas só em última instância, determinado pelo econômico. Esta totalidade complexa significa que nenhuma contradição social é simples. (...) Para descrever esta complexidade, Althusser usa o termo freudiano 'sobredeterminação'. A expressão "unitè de rupture" refere-se ao momento em que as contradições tanto se reforçam umas às outras que se condensam em condições para a mudança revolucionária". (2:87-116)(2) (retornar ao texto)

(7*) Os dados utilizados foram coletados nas datas que se lhes seguem entre parêntesis. Como se não bastassem as dificuldades criadas pelo uso de um critério inadequado, há ainda a diferença de datas de coleta dos dados para prejudicar a comparação. (retornar ao texto)

(8*) "... a acumulação capitalista tem necessidade para se mover de formações sociais não-capitalistas em torno de si, uma vez que ela se desenvolve através de trocas constantes com estas formações e não pode subsistir sem contactos com semelhante meio". (23:41)(23) (retornar ao texto)

(9*) Deixando-se de lado as contradições inerentes ao sistema escravocrata e mesmo ao sistema “capitalista-escravocrata”, contradições essas que vinham solapando as bases do sistema de produção brasileiro, o processo legal de libertação do negro teve início quase 60 anos antes da Abolição. As leis de 1831, de 1871 e de 1885 declaravam livres, respectivamente, os africanos importados a partir daquela data, os que nascessem, daí em diante, de mãe escrava, e os escravos que contassem mais de 60 anos. (retornar ao texto)

(10*) As dificuldades de um estudo deste gênero advêm de dois fatos. Primeiro, a inexistência de dados sistemáticos sobre a mão-de-obra efetiva do Brasil escravocrata. O censo de 1872 obedeceu a critérios de difícil aplicação na atualidade. Segundo, as dificuldades de comparação surgem em virtude de serem diversos os critérios utilizados em cada censo brasileiro no que diz respeito à categorização das funções econômicas desempenhadas pela população, reunindo-se, muitas vezes, categorias que deveriam ser apresentadas separadamente. Há ainda a assinalar as dificuldades criadas pela agregação dos dados referentes aos dois sexos, vício que perdura até hoje, embora em menor escala. (retornar ao texto)

(11*) Hoje já é possível fazer um acurado estudo da distribuição das mulheres nas hierarquias ocupacionais do Brasil e de cada um de seus 23 Estados, uma vez que a partir dos dados coletados para o censo de 1980 a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE) passou a publicar dados detalhados sobre força de trabalho. A publicação chama-se CENSO DEMOGRÁFICO MÃO-DE-OBRA. (retornar ao texto)

(12*) Dados da Fundação Getúlio Vargas permitiram o cálculo da taxa de crescimento entre 1927 e 1939. Os outros dados retirados de Malan et alli (25:269)(25). (retornar ao texto)

(13*) Embora parcial por abranger somente o Estado de São Paulo, o levantamento efetuado pelo Instituto de Ciências Sociais do Brasil, em 1962, apurou que “35,0% dos grupos econômicos nacionais possuem empresas agrárias (agrícolas, agropecuárias, agromercantis ou agroindustriais) muitas vezes sem conexão alguma com as principais atividades do grupo. E é sabido que no nordeste os grandes usineiros que dominam a agroindústria do açúcar se acham em regra ligados aos principais empreendimentos industriais, comerciais e financeiros da região, e se projetam mesmo, frequentemente, para outros centros do pais”. (41:107-8)(41)
“A coexistência latifúndio-minifúndio como formas dominantes da propriedade da terra é a característica fundamental dessa distribuição da posse da terra altamente concentrada. Como implicações que daí decorrem tem-se a má exploração da terra (principalmente nas grandes propriedades) e a sobrevivência (e mesmo proliferação) de formas de tendência em que a terra não é diretamente explorada pelo proprietário, tais como a parceria e o arrendamento, além de facilitar o aparecimento de “ocupantes” e posseiros”. (57; 138)(57) (retornar ao texto)

(14*) "...nas zonas açucareiras do nordeste, o trabalhador rural vive hoje em piores condições que no passado. E o fato diretamente responsável por isso foi precisamente o desenvolvimento e a apuração das relações capitalistas de produção e trabalho. Coisa semelhante vem ocorrendo em São Paulo, com a substituição do antigo “colono” das fazendas de café, pelo diarista, isto é, o assalariado puro”. (41:153) (retornar ao texto)

(15*) Entre 1949 e 19S9, o emprego industrial cresceu a uma taxa anual de 2,5%, enquanto a população brasileira cresceu a um ritmo anual de 3,05%, e a população urbana aumentou a uma taxa anual de 5,4% (37:125)(37). (retornar ao texto)

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(46) SAFFIOTI, H.I.B. — O fardo das brasileiras (de mal a pior). Escrita/Ensaio, 3 (5): 1040, 1979. (retornar ao texto)

(47) SAFFIOTI, H.I.B. — A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. São Paulo, E. Quatro Artes, 1969. (retornar ao texto)

(48) SAFFIOTI, H.I.B. — Prefácio. In: LAN- GLEY, R. & LEVY, R.C. — Mulheres espancadas. São Paulo, HUCITEC, 1980. (retornar ao texto)

(49) SAFFIOTI, H.I.B. — Women in class society. New York, Monthly Review Press, 1978. (retornar ao texto)

(50) SAFFIOTI, H.I.B. — Women and capitalism. In: SAFFIOTI, H.I.B. — Women in class society. New York, Monthly Review Press, 1978. p. 13-91. (retornar ao texto)

(51) SAFFIOTI, H.I.B. & FERRANTE, V.L.S.B. Famílias rurais no Estdo de São Paulo: algumas dimensões da vida feminina. In: Trabalhadoras do Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1982. p. 111-133. (retornar ao texto)

(52) SAFFIOTI, H.I.B. & FERRANTE, V.L.S.B. O fardo das trabalhadoras rurais. 1983. (mimeo.). (retornar ao texto)

(53) SAMPAIO, P. — CapitaI estrangeiro e agricultura no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1980. (retornar ao texto)

(54) SANTOS, W.G. dos. — Cidadania e justiça. Rio de Janeiro, Ed. Campus, 1979.

(55) SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Saúde — Contribuição para o planejamento de um programa de saúde da mulher no Estado de São Paulo. Sâo Paulo, 1983. (mimeo.) (retornar ao texto)

(56) SILVA, A.M. & SCHOR, S.M. — A internacionalização da economia brasileira. In: RATTNER, H. org. — Brasil 1990. São Paulo, Brasiliense, 1979. p.32-47. (retornar ao texto)

(57) SILVA, J.F.G. da & QUEDA, O. — Distribuição da renda e posse da terra na produção e consumo de alimentos. In: CAPITAL e trabalho no campo. São Paulo, HUCITEC, 1977. p. 127-146. (retornar ao texto)

(58) SILVA, M.A.M. da — Estado e reprodução da força de trabalho no Brasil. Presença (4): 77-84, 1984. (retornar ao texto)

(59) SINGER, P.I. — Força de trabalho e emprego no Brasil: 1920-1969. Caderno CEBRAP (3), 1971.

(60) STEIN, S.J. — The Brazilian cotton manufacture: textile enterprise in an underveloped area, 1850-1950. Cambridge, Harvard Univ. Press, 1957.

(61) TAVARES, M. da C. — Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro, Zahar, 1972. (retornar ao texto)

(62) TAVARES, M. da C. & BELLUZO, L.G.M. — Notas sobre o processo de industrialização recente no Brasil. In: DESENVOL VIMEN- TO capitalista no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1982. p. 122-140. (retornar ao texto)

(63) VERNON, R. — The economic and political consequences of multinational enterprises: an anthology. Cambridge, Harvard Univ. Press, 1972. (retornar ao texto)

(64) VERSIANI, F. — Technical change, equipament replacement and labor absorption: the case of the Brazilian textille industry. Nashville, Vanderbilt Univ., 1971. (mimeo.) (retornar ao texto)

(65) WOORTMANN K.A.A.W. — A família trabalhadora. In: CIÊNCIAS Sociais hoje. São Paulo, Cortez Ed., 1984. p. 69-87. (retornar ao texto)

(66) YEAR book of labour statistics. Geneva, International Labour Office, 1982. (retornar ao texto)

(67) ZARETSKY, E. — Capitalism, the family and personal life. London, Pluto Press, 1980. Perspectivas, São Paulo 8:95-141, 1985. (retornar ao texto)

Inclusão 09/08/2019