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Aqui enfeixamos três documentos escritos por Hermínio Sacchetta em três épocas diferentes e de caráteres diversos que revelam, de qualquer modo, sua trajetória política, embora não destinados a esse fim. Nosso intuito é colocá-los em suas épocas, expor suas finalidades e autenticar ou não suas veracidades.
1. O primeiro, pela data, é uma “Carta aberta a todos os membros do Partido”, pequeno trabalho mimeografado, de cinco páginas, de janeiro de 1938, quando o PCB atravessa uma das mais graves lutas internas de sua história. Escrito em tom panfletário, contundente, reflete toda a indignação apaixonada de que o Autor estava possuído. Seu objetivo era o de atacar Bangu (Lauro Reginaldo da Rocha), militante de Mossoró, Rio Grande do Norte, nessa ocasião residente em São Paulo. Único remanescente do antigo Comitê Central, depois de fugido para o Nordeste após o malogro da luta armada de 1935, veio a São Paulo promovendo uma reunião ampliada do Comitê Central, intitulando-se Secretário Geral. Dessa reunião resultou a luta interna, encabeçada pelo Comitê Regional de São Paulo, que estava ligado a toda região Sul do país, de Minas Gerais e São Paulo ao Rio Grande do Sul, a única parte viva e atuante do PCB, pois o Rio de Janeiro e todo o Nordeste se encontravam esfacelados pela brutal perseguição do governo de Getúlio dirigida por Felinto Müller. O Comitê Regional de São Paulo congregou toda a parte Sul, organizando um Comitê Central Provisório com o intuito de preparar uma Conferência Nacional a fim de unificar todo o PCB. A todos os membros responsáveis foi solicitada a publicação de uma carta aberta, a fim de que cada um explicasse a todo o Partido sua posição e a causa tomada nesse embate político.
Esta é a origem dessa “Carta aberta” de Sacchetta. Ela faz parte de uma série de outras semelhantes dos demais responsáveis pela Direção, expressando, assim, de um modo geral, toda a posição do Comitê Central. A caracterização de Bangu, com suas insuficiências pessoais, intelectuais e morais são expostas vivamente e com justiça. Bangu era, de fato, uma figura medíocre, sem cultura geral, muito menos marxista e, ainda, ambicioso. Daí as sinuosidades que realizava em sua atuação partidária oportunista, não tendo firmeza nem orientação definida. Ele foi, efetivamente, o responsável pelos acontecimentos então ocorridos que, creio, nunca tê-los compreendido. Isolado completamente aqui, transferiu-se para o Rio, lá tentando aplicar seu oportunismo, acabando por ser preso pela polícia no início de 1940, servindo como alarde público escandaloso para aumentar a repressão contra o PCB, os sindicatos e os elementos ativos do movimento operário que foi, com isso, reforçando a ditadura recém-instalada de Getúlio e Felinto Müller.
2. O segundo documento é uma crítica violentíssima ao livro Os Subterrâneos da Liberdade de Jorge Amado datado de 1954, mostrando uma total mudança ideológico-política de Hermínio Sacchetta. É que ele abandonara as fileiras do PCB para engajar-se nas idéias e pensamento de Leon Trotski, o grande líder da Revolução Russa de novembro de 1917 e criador da IV Internacional, em oposição à III Internacional Comunista de Moscou, procurando fundar no Brasil uma seção desse organismo mundial.
O livro de Jorge Amado é propositadamente mal-intencionado porque ataca diretamente um dos grupos envolvidos na luta interna dentro do PCB de 1938, assunto que não conhecia por ter estado ausente do Brasil quando aqueles acontecimentos se desenrolaram, tratando de questões absolutamente ignoradas por ele, informado certamente por pessoas talvez do grupo oposto. Tratando-se, por conseguinte, de imperdoável leviandade, inadmissível num escritor já então conhecido, dono de obras bem aceitas sobre a lavoura de cacau e a Bahia, sua terra natal.
Sacchetta, como vimos antes, defendera aquela posição e, julgando-se atingido agora num personagem denominado Saquila, respondeu com a maior veemência, em linguagem violenta, acusando, também, líderes e intelectuais da União Soviética por considerar, talvez, que os diretores do PCB concordassem ou o tivessem encarregado dessa triste tarefa.
Ora, Jorge Amado já havia escrito uma biografia de Luiz Carlos Prestes e um pequeno folheto fazendo o penegírico dos dirigentes comunistas de São Paulo, onde viera depois de 1945, tendo conseguido eleger-se deputado federal por São Paulo, apesar da pouca vivência e de nada conhecer das atividades e ações do PCB. Os Subterrâneos da Liberdade seriam, naturalmente, uma seqüência disso, para demonstrar trabalho ao PCB. O livro de Jorge Amado é falho e completamente destorcido, conforme mostra Sacchetta, por basear-se em informações que devem ter sido colhidas e manipuladas tendenciosamente, o que depõe muito contra a seriedade de sua obra e mesmo do seu caráter, dominado por uma paixão que lhe ofuscou o nome e diminuiu o conceito de credibilidade que deve caracterizar todo profissional que se preza, servindo ainda à reação, que sempre existiu entre nós contra o PCB. Seu completo desconhecimento do marxismo e das atividades no PCB possivelmente foram os responsáveis por esse trabalho infeliz, que diminuiu muito seu conceito em todo o mundo. Mostra, ainda, a meu ver, que um simples literato, sem experiência política, não tem capacidade para avaliar problemas e confrontos ideológicos partidários. É o que falta a Jorge Amado. Não basta ser simpatizante e aspirar um mundo melhor para a humanidade. É necessário conhecer a teoria, como recomendava Lênin.
3. O terceiro documento é um trabalho datilografado de cem páginas, constituindo parte do que seriam suas memórias romanceadas e que estaria no Capítulo 9. Não nos cabe aqui julgá-lo do ponto de vista literário, pois nosso exame se restringe ao assunto, situando-o na época e verificando a veracidade do seu conteúdo.
Ele narra a fuga do principal personagem, com o nome de Paulo, que foi um dos pseudônimos usados por Sacchetta em sua militância no PCB, de uma perseguição policial, do quarto em que morava na casa da mãe e de um rapaz que nada sabiam de sua atividade. A polícia não consegue seu intento, prendendo a velha e o rapaz, operário de uma fábrica de tecidos, juntamente com outros operários, alguns dos quais pertenciam à célula comunista da fábrica, praticando suas brutalidades costumeiras sobre todos indistintamente, embora sem nada saber sobre eles. Também descreve uma reunião de comerciantes, intelectuais e industriais ricos, que em suas conversas banais atacavam os comunistas de todas as formas. Finalmente apresenta uma reunião que parece ser uma reunião do Comitê Central do Partido, onde surgem divergências ideológicas graves, havendo a acusação de trotskistas a alguns deles, mas terminando aí o capítulo, sem sabermos o que se teria realizado posteriormente.
O escrito é feito em linguagem clara e colorida, dando mais a impressão de romance do que de memórias. Não se pode, no entanto, ajuizar de nada, por ser uma obra inacabada e apenas em início. Mesmo a posição do personagem principal não aparece com maior atividade de modo a se poder aquilatar do que seria de fato. O conhecimento que temos da vida de Sacchetta não é suficiente para sabermos se a narração, embora devesse ter o caráter de romance, é verdadeira. As descrições que faz da ação da polícia, frustrada em sua intenção de prender Paulo, é autêntica, de modo geral, pela experiência vivida por nós em momentos semelhantes.
O escrito, portanto, pouco acrescenta à vida verdadeira de Sacchetta dada sua limitação, e às suas atividades e ações partidárias, quer interna ou externa, de acordo com a nossa experiência. É, por isso, o documento que menos contribui para a finalidade do estudo dos documentos submetidos ao nosso exame, embora seja o mais extenso, não possuindo também, por razões compreensíveis, a linguagem panfletária e virulenta dos demais.
Talvez sirva, entretanto, para mostrar outra face do talento de Hermínio Sacchetta, a de romancista, que não pudemos conhecer, pela exigüidade da amostra e para a qual talvez tivesse capacidade intelectual demonstrada em seus demais trabalhos. É pena que não tivesse tido tempo para acabar esse escrito.
É claro que o talento e a cultura de Sacchetta eram apreciáveis. Essas qualidades iriam brilhar para apreciação nos pósteros, interessados na vida e na obra de um dos lutadores pelas classes sociais do Brasil, em sua época.
Heitor Ferreira Lima
| Inclusão | 21/04/2014 |