MIA > Biblioteca > Sacchetta > Novidades
A Constituição neofascista de Castelo, inspirada pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, de que se fizeram porta-vozes os homens da Escola Superior de Guerra e da Escola de Comando e Estado-maior do Exército brasileiro, já foi aprovada “em bloco” pelo Congresso. A enxurrada de emendas apresentadas pelos “representantes do povo”, mesmo se em parte for acolhida, não lhe alterará a estrutura de natureza totalitária. Ainda uma vez, fica patente que a burguesia brasileira, nascida senil na época do colonialismo clássico e nutrida pelo imperialismo em que se entrosou como parente pobre, não tem nenhuma missão “progressista’’ a cumprir na evolução histórica do Brasil.
Em seu aspecto aparentemente contraditório, a Constituição neofascista de 67, marcada pelo mais torvo reacionarismo na esfera política e pelo “liberalismo” no domínio econômico, na verdade foi talhada nos moldes que a estratégia global do imperialismo norte-americano reclama.
A preocupação básica da nova “Carta Magna” é a “segurança nacional”, entendida esta, sobretudo, como segurança interna, quer dizer, como instrumento da “contra-insurreição”. Todos os penduricalhos econômicos, sociais e políticos que a ornam, mal disfarçam o seu objetivo essencial: conter numa carapaça férrea os anseios de libertação do proletariado dos grilhões capitalistas. Não é outra a razão por que a burguesia “nacional”, pela quase totalidade de seus agentes no Congresso, aprovou “em bloco” a “Carta” que Washington, por via de McNamara, esquematizou para a Escola Superior de Guerra. A docilidade da burguesia aos ditames de Castelo e seus sequazes revela mais do que a consciência de sua impotência; as classes dominantes brasileiras aceitam de bom grado seu enquadramento nas diretrizes do Pentágono, mesmo à custa de alguns anéis para conservar os dedos.
A Constituição neofascista do 67 formará um tripé com a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança, constituindo a camisa-de-força para asfixiar a classe operária e as massas populares em geral. Observe-se que ela se segue a uma tempestade de leis, decretos, decretos-leis, atos institucionais, complementares, resoluções, circulares, portarias etc., para dar “racionalidade” ao Estado brasileiro embora contrariando interesses, de segunda ordem, de alguns grupos oligárquicos. No conjunto, contudo, essas medidas visam a assegurar a permanência da burguesia como classe dominante, conforme seus próprios interesses e os interesses gerais do imperialismo, capitaneado pelos Estados Unidos.
Há na Carta um harmônico equilíbrio entre reacionarismo político e “liberalismo” econômico. O primeiro dos dados dessa equação se destina a “disciplinar” policialmente os trabalhadores; o segundo, a entrosar a economia brasileira nas necessidades do imperialismo que, não apenas prosseguirá devorando a parcela maior do bolo, como disporá mais à vontade das matérias-primas bélicas do subsolo e do solo do Brasil. É essa a intenção real do “liberalismo econômico” da Carta. Porque, de outro lado, Castelo e sua gente, atendendo ainda aos interesses da burguesia nacional, prepararam, antecipadamente, uma série de meios legais estatizantes para garantir ao Estado ação “supletiva” na economia, isto é, presentear a burguesia com indústrias de base muito exigentes em capital constante e de rentabilidade remota.
Só ingênuos ou mistificadores conscientes contam com a “transitoriedade” da Constituição de 67, que seria, segundo pensam, desde logo substancialmente alterada pelo marechal Costa e Silva. Se alguma modificação vier a ser produzida na Carta, por via do novo “presidente”, em nada se lhe reduzirá a estrutura reacionária e pró-imperialismo. O silêncio de Costa e Silva é, sobretudo, expressão de solidariedade com a obra da “Sorbonné’, que se arrogou papel de consciência das conveniências históricas da burguesia nacional. O pouco que se conhece da “doutrina” econômica do sargentão-presidente é pior ainda que os rumos fixados nesse campo pelos tecnocratas de Castelo. Costa e Silva — empírico e sem as “teorizações” da ESG — é francamente agrarista; trocando em miúdos, dá ênfase aos problemas agropastoris. É fácil perceber o sentido disso, conjugado com as tarefas atribuídas ao Brasil pelo imperialismo. No tocante à parte política, as concessões do novo “presidente”, se as fizer, em nada beneficiarão o proletariado, estejamos certos. A esse respeito, como Castelo, se insere na perspectiva da “contra-insurreição” que imprime a nota dominante à Constituição de 67. Há, entretanto, pelo exposto, um elemento de contradição entre o presente e o que virá a partir de março. O agrarismo de Costa e Silva, determinando, necessariamente, ligeiro desvio na política econômico-financeira estabelecida por Castelo, pode alargar as brechas existentes entre os vários grupos econômicos da burguesia , o que, por reflexo, enfraquecerá a aparente homogeneidade das Forças Armadas, garantidoras da carapaça neofascista imposta aos trabalhadores. Mas será ilusório admitir que, baseados apenas nessas fendas abertas pelas contradições burguesas, o proletariado, suas vanguardas políticas revolucionárias e as massas populares em geral lograrão romper as barreiras neofascistas, para uma arrancada à frente.
Deve-se, uma vez ainda, repetir: os delírios nacionais-reformistas, a safadeza oportunista e o aventureirismo pequeno-burgueses, mascarados ou não de marxismo e expressos por pretensas “vanguardas” revolucionárias, foram os principais responsáveis pela capitulação dos trabalhadores diante do golpe de abril.
Tudo indica que esses “líderes” não extraíram ensinamentos de suas táticas e estratégias erradas, e, conseqüentemente, das lições oferecidas pelo golpe de Castelo. Vejam-se, por exemplo, as “Teses” formuladas, após 1964, pela direção do PCB. A mítica “burguesia progressista” figura na tática e na estratégia do comando prestista como uma das forças motrizes de importância na luta pela libertação nacional. A cantilena “desenvolvimentista”, na moldura burguesa e por vias pacíficas, sob o impulso daquela, ocupa, em decorrência, igual posição de destaque. É, pois, o retomo puro e simples, ao nacional-reformismo, mais à direita do que na época de Goulart.
O proletariado ainda se encontra debaixo dos escombros de suas antigas organizações. Os sindicatos estão, de modo geral, sob a tutela dos serviçais do neofascismo. A imprensa operária aniquilada. Os mais elementares direitos democráticos do proletariado esmagados. A Lei de Segurança, a caminho, institucionalizará o terror antioperário, pois não foi feita contra a “oposição” burguesa e sim como outra arma na tática da “contra-insurreição”. Só não percebe isso quem se deixa cegar pelo oportunismo; seja de direita ou de “esquerda”. Os oportunistas de direita, enredados em suas próprias manobras, contam com a colaboração da “burguesia progressista” numa imaginária primeira etapa — o “governo democrático-nacionalista”. Os de “esquerda”, jogando no tudo ou nada, se embebedam com a própria fraseologia “radical”, elocubrando “focos guerrilheiro?, a serem criados por obra-e-graça-do-espírito-santo.
O golpe de abril pulverizou o oportunismo de direita e as molecagens pequeno-burguesas dos “marxistas”.
Urge aos marxistas retomar com redobrado vigor a estrada do Socialismo. E o primeiro passo deve traduzir-se na formação de uma frente-única proletária abarcando todos os agrupamentos operários revolucionários e capaz de tomar-se inquebrantável espinha dorsal de um poderoso movimento de massas que vitalize e abranja também o democratismo pequeno-burguês. E daqui que se deve partir para a reconquista e o robustecimento das liberdades operárias (partidos, sindicatos, imprensa etc.) e populares, estranguladas pelo neofascismo. Que os oportunistas envergonhados, do tudo ou nada, fiquem lá pelos seus cantos de boate ou barzinho a sussurrar, com ar misterioso, sobre insurreição armada e a desdenhar da luta pelos direitos elementares arrebatados aos trabalhadores pelos gorilas neofascistas com o apoio tácito da burguesia. Aos líderes operários sérios essa gente nada significa. O que importa é constituir, já e já, comitês de frente-única, com um programa mínimo de ação, em cada base de concentração proletária para enfrentar, por todos os meios, o neofascismo de Castelo e Costa e Silva. O revigoramento da classe operária, em torno de reivindicações políticas e econômicas , arrastará ao campo da luta seus aliados potenciais da pequena-burguesia. Nas atuais condições explosivas do Brasil, iniciado o processo de luta de classes contra o neofascismo esfomeador e sua “Carta Magna”, abrir-se-ão extensas perspectivas para a derrubada do Capitalismo rumo ao Socialismo. As vias que a este nos levarão são múltiplas, mas sempre em termos de luta de classes e instauração violenta do poder operário. Na situação presente, não se deve excluir a possibilidade, ditada pela relação de forças no campo social, da liqüidação do neofascismo e convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte em que a classe operária e suas vanguardas revolucionárias tenham poderosa representação, ao lado dos Conselhos extra-parlamento, surgidos no curso da batalha contra o neofascismo, sua Constituição, por melhores condições de vida e pelos direitos democráticos operários e populares (plena legalidade dos partidos proletários revolucionários, dos sindicatos, da imprensa operária etc.).
Notas de rodapé:
(1) “Editorial” do Bandeira Vermelha, Órgão Central do Movimento Comunista Intemacionalista, n.º 1, 10 de janeiro de 1967. (retornar ao texto)
Inclusão | 21/04/2014 |