O ridículo do liberalismo wilsoniano se torna insignificante quando comparado com o zelo beato dos Social-democratas e Trabalhistas internacionais sobre a doutrina da “autodeterminação.”
Quando os Liberais, que não escondem sua piedosa ansiedade para salvar a sociedade burguesa, falam de coisas como “a autodeterminação dos povos,” e etc., eles ao menos merecem crédito pela lealdade a sua classe; mas para os Social-democratas e Trabalhistas, não é nada mais do que uma doutrina; uma doutrina utilizada não para servir aos interesses dos trabalhadores que eles dizem representar, mas para enganá-los, cegá-los, traí-los.
Não fosse isso, como poderíamos explicar o jeito vergonhoso em que a tentativa de construir uma frente unida do proletariado mundial para resistir ao ataque determinado da burguesia tem sido e está sendo sabotada pelos ilustres Social-democratas da Europa e pelos Trabalhistas liberais da Inglaterra.
Segunda Internacional – Primeira Enganação
Qual poderia ser o motivo para Vandervelde ou Ramsay MacDonald adotarem a política obstrucionista que quase destruiu a Conferência de Berlim? Alguém pode evitar ver através das lágrimas de crocodilo derramadas por esses dois honrados senhores pela prisão dos terroristas Social-Revolucionários e pelo bem merecido destino dos Mencheviques georgianos, ao lembrar como um silenciosamente fingiu ignorância da carnificina do Congo e como o outro convenientemente esquece dos prisioneiros políticos irlandeses até recentemente presos em masmorras subterrâneas – ou dos massacres indiscriminados na Índia, no Egito e no Rand?
Antes de acusar o governo soviético de uma suposta violação da soberania dos georgianos, a Segunda Internacional faria bem em olhar para a ética dos seus próprios membros. O que falar sobre a política colonial do Partido Trabalhista Britânico, um dos principais partidos da Segunda Internacional?
Os líderes do Partido Trabalhista Britânico nunca cometeram o crime de se proclamarem Socialistas (o Socialismo da marca do I.L.P. pode ser calmamente descartado), mas a Segunda Internacional tem em seu meio diversas celebridades do Marxismo renegado, e, como uma organização, ainda pretende liderar a classe trabalhadora na luta pela regeneração social (a palavra revolução é um tabu). A Segunda Internacional não pode ver que se a vitória do proletariado europeu depende de alguma forma da autodeterminação dos povos subjugados pelas várias potências imperialistas, então ela deveria deixar a Geórgia em paz, e dar atenção a nações como os irlandeses, os egípcios, os indianos, que são coagidos à escravidão com a conivência, se não o apoio, do Partido Trabalhista Britânico! Nós sabemos que o fantasma georgiano não tem qualquer conexão terrena com a tão necessária unidade do proletariado europeu. Ele é conjurado puramente para servir aos interesses da burguesia.
Índia? Egito? Irlanda?
Mas vamos considerar verdadeira a sinceridade do liberalismo democrático do Partido Trabalhista Britânico. Vamos acreditar por enquanto que Ramsay MacDonald, junto com seus parceiros no Continente, acredita na doutrina da autodeterminação. Vamos reconhecer que os Mencheviques georgianos não são ferramentas da Entente, mas “representantes legítimos” do povo georgiano. Agora, se o Partido Trabalhista Britânico está tão ardorosamente apaixonado pelo princípio abstrato da autodeterminação, que não trabalhará pela consolidação de uma frente proletária unida contra a concentrada ofensiva capitalista, até que e a não ser que a Internacional Comunista induza o governo soviético a parar a “agressão Bolchevique” na Geórgia – não devemos lembrá-los que os egípcios e indianos necessitam da autodeterminação não menos do que os georgianos? Não deveria o conhecimento jurídico dos líderes da Segunda Internacional ser igualmente, se não mais utilmente empregado, se fosse dedicado à defesa do inofensivo pacifista Gandhi, preso há mais de seis anos, do que para garantir um julgamento justo para aqueles terroristas que tem sistematicamente tentado matar os líderes da Revolução Russa? Se o direito de Tseretelli de entregar os trabalhadores e camponeses georgianos para a exploração dos capitalistas ingleses deve ser respeitada como sagrada, por que o Partido Trabalhista Britânico vê com desprezo os movimentos liderados por um De Valera, ou um Zaglul Pasha, ou um Gandhi? É porque a “república mais democrática” de Tseretelli é aceita pela ditadura do capital britânico, enquanto o direito da autodeterminação par os movimentos liderados pelos três últimos significa a destruição do Império Britânico?
É esperado que acreditemos que os Social-democratas e os Trabalhistas defendem a liberdade para todos, contra o princípio da ditadura do proletariado proferido pelos Comunistas. Bem, a sinceridade do Partido Trabalhista Britânico nesta questão não resiste ao teste quando sua atitude para com os movimentos nacionais nas colônias é examinado. Vejamos seu histórico. Nunca o Partido Trabalhista Britânico definiu sua atitude sobre a Questão Colonial. De todos os líderes, Ramsay MacDonald foi o que mais escreveu sobre a administração imperial dos países dominados. Procuramos em vão em seus escritos por uma sentença que incondicionalmente reconheça o direito dos povos coloniais de determinar livremente que tipo de governo eles gostariam de ter. O posicionamento mais liberal que ele faz é o seguinte: o velho imperialismo jingoísta é indefensável nas atuais circunstâncias; métodos mais liberais devem ser adotados se a segurança e permanência do Império deve ser garantida; a palavra Império se tornou muito odiosa, um termo mais democrático – Commonwealth – deve ser introduzido. Ele tem certeza que a “Federação democrática do Império Britânico” estará segura e garantida sob os cuidados dos políticos trabalhistas; um Col. Wedgewood encarregado da Índia e um Ramsay MacDonald em Déli será uma grande melhoria para os nobres lordes agora ocupando essas posições confortáveis. A política irlandesa do Partido Trabalhista nunca cometeu o pecado de exceder os limites do liberalismo gladstoniano. Tanto para falar em generalizações; agora alguns fatos particulares.
Quando no começo da guerra os nacionalistas Boer da África do Sul se revoltaram com o objetivo de declarar uma república independente, o liberalismo dos líderes do trabalhismo britânico se alinhou com aqueles grupos que viram uma intriga alemã por trás daquela revolta e acusaram ela de traição. Nenhum sussurro poderia ser escutado do Partido Trabalhista Britânico quando De Wet foi sentenciado a trabalhos forçados.
Mesmo um evento como a Revolução da Páscoa de 1916 na Irlanda não pode fazer o Partido Trabalhista Britânico definir sua atitude frente a esta questão espinhosa. Como membro do Gabinete de Guerra, Henderson não levantou um dedo para salvar James Connoly, para não falar de outros que o genuíno fervor por independência nacional não pode ser manchado pela insinuação de intrigas alemãs subterrâneas. O Partido Trabalhista Britânico não achou necessário, por lealdade à classe trabalhadora, nem ao menos sair da Coalização que assassinou o campeão do proletariado irlandês.
No atual imbróglio irlandês, o Partido Trabalhista Britânico logrou apenas fazer papel de ridículo. O liberalismo (nem mesmo o gladstoniano) de Lloyd Georgian roubou sua cena. O mecânico Acordo Irlandês que resultou na traição do povo irlandês por Collins e Griffith, satisfez todas as demandas que o Partido Trabalhista Britânico já colocou sobre a questão. Consequentemente não há nada a fazer sem ser encarar estúpida e impotentemente a confusão desesperado na Irlanda.
O Partido Trabalhista Britânico manteve uma indiferença sublime a brutal repressão na Índia desde os primeiros anos deste século. Quando os chamados “serviços de guerra” do povo indiano – serviços para os quais mesmo o pacifista Ramsay MacDonald parabeniza os indianos e recomenda um destino melhor a eles – foram pagos pela infame Lei Rowlatt, que praticamente colocou o país inteiro sob lei marcial, nem mesmo uma palavra de protesto foi proclamada pelo Partido Trabalhista Britânico. Mas o massacre de Amritsar que seguiu os passos da Lei Rowlatt perturbou a calma filosófica dos Trabalhistas britânicos e levou a um protesto protocolar deles. Este documento, assinado entre outros por Henderson, J.H. Thomas, Robert Williams e Lansbury, lamentou a estupidez de tal política de repressão, e apontou que então “as vidas de milhares de mulheres e crianças inglesas na Índia estavam sob risco.” Os apóstolos da humanidade, que estavam tão indignados com o terrorismo imaginário na Geórgia, só estavam preocupados com as vidas precisas de membros indefesos da classe dominante, enquanto os trabalhadores desarmados da Índia estavam sendo bombardeados e explodidos às centenas.
Terror na Índia
Quando o Col. Wedgewood e Ben Spoor compareceram ao Congresso Nacional Indiano e ao Congresso Sindical como delegados fraternos nos dias tempestuosos de 1920, tudo que eles fizeram foi para prevenir uma virada perigosa do movimento de Não-cooperação ao destacar vigorosamente as possibilidades das Reformas Montague, assim como a Divina Providência por trás dos laços anglo-indianos que, eles clamaram, deveriam ser preservados para o bem-estar da civilização. No seu retorno à Inglaterra, Wedgewood alertou a classe dominante britânica da seriedade da situação indiana e os aconselhou a ser cuidados em manejá-la.
O reino de terror iniciado na Índia pelo Lorde Reading no último inverno foi ignorado pelo Partido Trabalhista Britânico. A situação se tornou tamanha que até a imprensa capitalista estava cheia de notícias sobre as prisões e detenções diárias de centenas de líderes nacionalistas e de voluntários em tarefas meramente técnicas. O debate na Casa dos Comuns sobre a situação indiana colocou o Partido Trabalhista Britânico em um dilema muito delicado. Para evitar o papel francamente imperialista de apoiar a política indiana do Governo e ser contra a resolução sanguinária dos “Die-hards”, o Col. Wedgewood levou dramaticamente seu bando para fora da Casa. Mas ninguém pode ser mais enganado por manobras políticas tão ingênuas.
A resolução subsequentemente adotada pela sessão conjunta da Executiva do Partido Trabalhista, do Congresso Sindical e dos Parlamentares do Partido Trabalhista sobre o reino de terror na Índia foi uma posição vergonhosa de pseudo-liberalismo. Ela sugeriu que o Congresso Nacional Indiano deveria parar com todas as atividades de Não-cooperação antes de sentar com o Governo para montar negociações. Tais posturas, que são apenas o imperialismo disfarçado, não podem ser levadas adiante indefinidamente. Mas são o suficiente para expor a hipocrisia da doutrina da autodeterminação, tão cara para os Trabalhistas britânicos.
Algumas palavras mais sobre o Egito. O Partido Trabalhista não teve nada a dizer contra a proclamação do Protetorado Britânico sobre o Egito no começo da guerra. A perseguição repetida e a final deportação de Zaglul não conseguiu inspirar esses campeões da liberdade com a indignação sagrada. Eles tacitamente apoiam a atual política de coagir o povo egípcio com a ajuda de alguns poucos donos de terra aristocratas, comprados com concessões enganosas.
É hora de acordá-los
Esse é, resumidamente, o glorioso histórico daqueles que estão sabotando a luta proletária. Como no recentemente concluído encontro da Comissão dos Nove, os representantes da Segunda Internacional tentaram desviar o assunto da unidade proletária ao levantar a questão georgiana e aquela dos Social-Revolucionários presos, nossos representantes os pediram para colocar sua própria casa em ordem primeiro. Eles demandaram que o Partido Trabalhista Britânico reconheça a República da Irlanda e a liberdade do Egito e da Índia, sob a ameaça de uma ação direta da classe trabalhadora britânica. Pelo menos que o Partido Trabalhista Britânico advogue abertamente pelo direito de autodeterminação dos povos subjugados pelo Imperialismo britânico tão ardentemente quanto eles defendem o caso dos Mencheviques georgianos. Nós sabemos o que a Segunda Internacional e o Partido Trabalhista Britânico responderão. Eles estão defendendo os interesses da burguesia dos seus respectivos países. Está será outra maneira de arrancar a sua máscara para que os trabalhadores, que ainda os seguem, os vejam pelo que são de verdade.