Aquele Abril

Francisco Martins Rodrigues

Maio/Junho de 2003


Primeira Edição: Política Operária nº 90, Maio-Junho 2003 - assinado Mário Fontes, pseudónimo de Francisco Martins Rodrigues

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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“Aquele Abril” (RTP1, 25 Abr.)

Acolitado por um grupo de jovens bem ensaiados para lhe dar as deixas (ou não fossem eles estudantes da Carlucci American International School of Lisbon), Mário Soares fez mais uma vez, sem qualquer pudor, o seu número preferido: chefe da resistência à ditadura, pai da democracia e da descolonização, audacioso iniciador da viragem de Portugal para a Europa. Modestamente, conta que foi ele que penou nas cadeias, foi ele que no exílio coordenou tudo, ganhou os apoios internacionais, preparou o regresso triunfal. Foram os seus amigos socialistas, quem tal diria, e não os comunistas, que mantiveram a luta pela libertação. Os comunistas apareceram, sim, mas só em 74-75, quando o país já estava libertado, a tentarem estabelecer uma nova ditadura e atacar a propriedade com “a chamada reforma agrária”, mas aí também tiveram que se haver com Soares. Simplesmente degradante.

Único ponto curioso, o desabafo que deixa escapar ao responder à pergunta papagueada por um menino: “A descolonização não podia ter sido melhor conduzida?”. “Não podia, porque as tropas não queriam combater, confraternizavam com os guerrilheiros, inclusive alguns entregavam-lhes as armas...” Assim, para se ilibar das acusações que lhe faz a extrema direita de “ter entregue as colónias”, Soares afirma hoje que, se pudesse, teria mantido a guerra para negociar a saída dos portugueses em condições mais vantajosas. Instrutivo.

Para fim do serão comemorativo, tivemos direito a mais uma exibição de “Capitães de Abril”, o filme de Maria de Medeiros que se pretende didáctico e popular mas que transforma a queda da ditadura numa história da carochinha com laivos de farsa. A marcha dos chaimites de Santarém para Lisboa, acompanhados por Joaquim Almeida ao volante do seu espada é de antologia. Nada inocente, em todo o caso, é a promoção de Salgueiro Maia a herói revolucionário como pretexto para fazer desaparecer a figura de Otelo, que só consegue intervir na “revolução” em voz off. Assim como a cena final da “populaça enlouquecida” que confunde os libertadores com pides, aterrorizando uma criança inocente, contém a condenação dos meses “quentes” que se vão iniciar e que, se pecaram por alguma coisa, não foi decerto por excessos.

Mário Fontes


Inclusão 21/08/2019