O Incendiário do Reichtag

Francisco Martins Rodrigues

Março/Abril de 2003


Primeira Edição: Política Operária nº 89. Mar-Abr 2003

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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capa

Carnets de route de l’incendiaire du Reichstag, Marinus van der Lubbe. Com apresentação de Yves Pagès e Chales Reeve. Éditions Verticales, Paris, 2003.

O incêndio do Reichstag em Fevereiro de 1933 foi o pretexto que os nazis procuravam para decretar o estado de emergência, ilegalizar o Partido Comunista e obter uma vitória esmagadora nas eleições, iniciando a sua ditadura. O instrumento (consciente ou involuntário), disse-se durante muitos anos, teria sido o incendiário preso no local, o jovem holandês Marinus van der Lubbe, acusado pela polícia de ser membro de uma “conspiração bolchevista”.

Defensores da memória de van der Lubbe (decapitado alguns meses após a sua prisão), os organizadores da obra editam os seus escritos políticos e traçam a sua biografia, permitindo-nos descobrir um militante sincero e abnegado. Todavia, se a reconstrução minuciosa das movimentações de Marinus nas semanas que antecederam o acto afasta a suspeita, inicialmente lançada pela Internacional Comunista, de que fosse um agente dos hitlerianos (aliás, ele afirmou desde o início que o seu acto fora individual e, durante o julgamento, recusou-se a reconhecer Dimitrov e os restantes réus como seus cúmplices); se a alegação também feita pela IC posteriormente de que se trataria de um “débil mental” manipulado pelos nazis não se enquadra com a sua militância comunista, largamente documentada o que parece certo dos próprios elementos recolhidos é que Marinus tinha uma personalidade desequilibrada; a sua insatisfação (aliás justificada) com a forma como os partidos da IC defrontavam o ascenso de Hitler conduziu-o à ideia fixa de que os nazis só poderiam ser detidos por um acto “exemplar”. Nos dias que antecederam o atentado o seu comportamento é de autêntico desespero.

Assim, ao chegarmos ao fim do livro, fica-nos a ideia de que os autores desta apaixonada reabilitação do “incendiário do Reichstag” pouco alteraram a imagem global que temos do episódio. Van der Lubbe foi decerto uma vítima, mas nem por isso deixou de servir a provocação pretendida pelos criminosos nazis. Discutível nos parece também a conclusão que os autores procuram induzir: através da figura de van der Lubbe, chamar a primeiro plano a influência da corrente conselhista que se destacara da Internacional Comunista. De qualquer modo, o livro faz uma reconstituição documentada e muito viva das lutas em torno do ascenso do nazismo e, se a má vontade para com a IC é óbvia e por vezes excessiva, é certo que também não poupa a capitulação e autêntica cumplicidade da social-democracia face ao avanço dos nazis.


Inclusão 21/08/2019