MIA> Biblioteca> Francisco Martins Rodrigues > Novidades
Primeira Edição: Política Operária nº 77, Nov-Dez 2000
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Os leitores não esperam decerto que comentemos aqui a candidatura de Sampaio. Já passou tempo suficiente para aqueles que da última vez se mobilizaram pelo “carácter” e pelo “passado” de Sampaio concluírem o que já há seis anos devia ser óbvio: o homem é um boneco de palha da social-democracia e a sua função é dar um rosto humano e “solidário” à escalada capitalista-europeísta. Vai continuar a fazê-lo no segundo mandato como o fez no primeiro.
Falemos então das candidaturas da esquerda, que se pressupõe tenham por missão congregar forças para a contestação popular ao sistema: António Abreu, pelo PCP, Fernando Rosas, pelo BE, e Garcia Pereira, pelo MRPP.
Apesar da falta de convicção de que os três parecem sofrer, é certo que têm criticado aspectos da governação. Mas, em vez de enunciarem os problemas sentidos pelos trabalhadores, atêm-se aos “casos do dia” (quando não se perdem em puras chicanas eleiçoeiras, como a de saber se Sampaio deve estar presente na inauguração do Porto 2001). Ora, enumerar tudo o que está mal com este governo para pescar votos aos incautos não é difícil; também a direita o faz.
Para ser realmente de esquerda, a crítica dos candidatos deveria centrar-se nas questões de fundo – a corrupção galopante, o abismo entre os dois milhões de pobres e os magnatas financeiros, o descalabro do serviço de saúde, o trabalho precário e o clima de medo nas empresas, o regime de servidão imposto aos imigrantes, o alastramento das drogas e da sida, a subjugação das mulheres, o caos do ensino, a degradação do sistema político – para mostrar que são resultado do capitalismo; para explicar que este é, cada vez mais, um sistema impróprio para seres humanos, a que é urgente pôr termo; para dizer que se os trabalhadores não lutarem, tudo irá a pior.
Mas os candidatos não o fazem por saberem que uma intervenção dessas seria certamente muito mal recebida pela comunicação social e por boa parte da opinião pública democrática – não seria eleitoralmente rentável.
Pelo mesmo motivo, não irão usar as sessões de propaganda e as conferências de imprensa para, por exemplo, apelar a uma campanha de solidariedade ao povo palestiniano mártir e condenar a política fascista de Israel; ou alertar a opinião pública para a escalada da guerra civil na Colômbia promovida por Clinton; ou lançar um movimento pela saída de Portugal da NATO; ou explicar às pessoas que a União Europeia é uma associação de malfeitores sob vestes “democráticas”. E isto porque existe hoje na esquerda um largo consenso de que as questões internacionais não são as mais propícias à agitação eleitoral. Não dão votos.
★ ★ ★
A esquerda realmente existente no nosso país libertou-se dos velhos conceitos “ideologizantes” a que estava amarrada. Hoje, o objectivo da participação eleitoral não é despertar as consciências, revelar a verdade, desautorizar a ordem estabelecida, mas muito simplesmente investir nos temas que rendam mais votos. Como em qualquer campanha publicitária, determina-se o público-alvo (os reformados, as donas de casa, os jovens, os desempregados, os funcionários públicos…) e escolhem-se os argumentos que possam motivar esse público a ir meter o papelinho no dia do voto. Cada candidato concorre para melhorar a posição do seu partido no ranking oficial, e é tudo. Porque daí sairá tudo o que interessa: deputados, fundos, lugares em comissões, influência, subsídios, lugares num futuro governo, quem sabe…
E assim, no domingo das eleições, muitos ficarão em casa, os outros irão votar no partido da sua preferência e tudo ficará na mesma. A política para a esquerda ficará mais uma vez adiada.
O problema com a candidatura de Rosas não é só a ausência de referências de classe explícitas, a incapacidade para captar o sentimento dos trabalhadores, os tiques de “intelectual de esquerda”; são as formulações ambíguas que o colocam na meia-esquerda. Como foi a sua embaraçada referência ao 25 de Novembro como um “acidente” (Rosas esteve do lado de Eanes na época e tinha o dever de se explicar perante os eleitores). Ou conto a farpa que lançou ao PC de que “nós estamos claramente para cá do Muro”. Existe algum outro espaço “para cá do Muro” que não seja o da democracia imperialista? Ao usar esta expressão, Rosas não está a arrumar-se entre os partidários da ordem estabelecida?
“A especialidade do PCTP é inscrever frases incendiárias acerca da luta popular em propostas reformistas”, escrevemos há anos nesta revista. É o que mais uma vez confirmam as “Razões de uma candidatura” de Garcia Pereira. Ao mesmo tempo que reclama “a livre expressão em pé de igualdade de todas as correntes de opinião existentes na sociedade” e a exigência da “prestação de contas a todos os dirigentes políticos, bem como a possibilidade da sua demissão quando não cumpram com o seu mandato”, o candidato mostra-se extremamente moderado em matéria social, com propostas do género da “defesa da cidadania na empresa” (o que será? significa que os patrões serão obrigados a falar educadamente aos seus operários? Para isso, o PS acaba de fazer uma lei), ou um plano de desenvolvimento económico “que apoie os pequenos e médios empresários democratas”.
O MRPP joga, como sempre fez, com a mistura demagógica do “revolucionarismo” extremo e do reformismo mais rasteiro, para satisfazer todos os gostos.
Inclusão | 06/09/2018 |