MIA> Biblioteca> Francisco Martins Rodrigues > Novidades
O problema dos “comunistas combatentes” não é serem demasiado extremistas. É serem moderados.
Todos ouvimos falar, há alguns anos, dos audaciosos atentados dos GRAPO, força armada ao serviço de um “Partido Comunista de Espanha (reconstruído)”, acerca do qual nada se conhecia a não ser a classificação terrífica de “stalinista extremista” dada pela imprensa.
Que esta “guerrilha urbana” era inteiramente desajustada das condições e tarefas do movimento operário em Espanha parecia claro. Isso, contudo, não bastava para uma condenação linear: no momento em que todas as forças políticas só pensavam em facilitar uma saída ao franquismo caquéctico, a revolta sem futuro dos GRAPO tinha pelo menos o mérito de não pór em saldo a longa resistência popular à ditadura. Além do mais, a sua atitude de ruptura violenta com o franquismo sugeria uma dinâmica de ruptura revolucionária com o capitalismo; a luta armada podia ser a afirmação juvenil irreflectida de um novo partido capaz de evoluir para a linha do comunismo.
Foi pois com surpresa que recentemente tomámos conhecimento, através de dois livros que nos foram facultados por um seu militante (Historia del PCE(r) y de los GRAPO, de 1984, e Problemas de la construcción del comunismo, de 1986), da linha extremamente moderada e pró-soviética em que naufragou o PCE(r).
Como se pode evoluir do maoísmo para o revisionismo, passando pelos comandos de “guerrilha urbana”? Vale a pena procurar a lógica desta trajectória pouco vulgar porque isso pode fazer luz sobre a explosão e desintegração do movimento “marxista-leninista” dos anos 60/70 a que nós próprios pertencemos. E ajudará a evitar à corrente comunista, hoje em vias de radical reorganização em todo o mundo, a repetição das armadilhas desse período.
Surgido na esteira do maoísmo, o PCE(r) não podia escapar à crise geral desta corrente depois de 1975. Mas o abalo tomou aqui as dimensões de um verdadeiro cataclismo ideológico.
Quando se tornou evidente que o próprio Mao liquidava a sublevação popular que desencadeara contra a direita e que esta aparecia mais forte depois de cada campanha de “rectificação”, numa marcha imparável para o poder, os camaradas do PCE(r), em vez de reconhecerem como marxistas a derrota da revolução chinesa e lhe investigarem as causas, empenharam-se em encontrar uma interpretação positiva para todos os desastres.
Num plano inclinado de capitulações, aprovaram a repressão sobre os “esquerdistas” na revolução cultural; depois aceitaram como bom o sinistro romance de espionagem em torno da “camarilha Lin Piao”; a seguir desculparam o regresso de Deng Xiao Ping ao poder como um descuido da direcção do partido; mais tarde concluíram que havia apenas um “retrocesso momentâneo” da linha revolucionária na China… Por fim — e este foi o desastre final — decidiram-se a reabilitar o revisionismo soviético para não terem de reconhecer o triunfo do revisionismo na China.
É verdadeiramente confrangedora a argumentação do seu órgão Bandera Roja, transcrita no segundo dos livros referidos:
A denúncia pela China do revisionismo de Kruchov nos anos 60 foi justa mas… há que reconhecer que “a força do socialismo e da luta dos povos impediu a aplicação do seu programa”. “Hoje, nenhuma pessoa minimamente séria e honrada pode já duvidar de que, em questões internacionais, os dirigentes da URSS estão actuando de uma forma geral justa e conforme com os interesses da causa do socialismo e da liberdade dos povos de todo o mundo”. “Dá-se por estabelecido (!?) que a URSS é um país socialista e por esse motivo deixamos de fazer campanha contra os seus dirigentes”. “Toda a opinião que negue a existência do socialismo nos nossos dias é reaccionária por excelência’ E ainda este argumento que diz tudo: “Não podemos aceitar que se tenha produzido um retrocesso do socialismo ao capitalismo porque isso está contra a verdade histórica e contra os nossos próprios sentimentos e aspirações” (!?).
Ou seja: recusamo-nos a tomar conhecimento da realidade porque ela é demasiado terrível para “os nossos sentimentos e aspirações”. Não se podia encontrar expressão mais reveladora da derrota de toda uma geração que se lançou a “reconstruir o Partido” sem saber bem no que se metia.
Em vez de superar o maoísmo pela esquerda, apoiados em tudo o que dele aprendemos sobre a luta de classes no socialismo e a restauração burguesa na URSS, segue-se o caminho inverso: decreta-se que Mao não fez uma crítica ainda limitada e centrista ao revisionismo, que na China não houve nenhuma contra-revolução, que os “desvios” de Kruchov foram corrigidos por Brejnev, os de Brejnev por Gorbatchov… e até se pode concluir que a insolente ascensão da burguesia sobre os escombros da ditadura do proletariado é afinal a plena realização do poder dos sovietes!
É fácil imaginar a crise em que se devem debater os militantes do PCE(r) (muitos deles hoje na cadeia) ao lerem nos jornais as mais recentes evoluções desse “socialismo” da URSS e da China. Porque já não há malabarismo ideológico que disfarce o absurdo de se fazerem proclamações contra a burguesia ao mesmo tempo que se alimenta a aura “socialista” em torno de uma outra burguesia perfeitamente semelhante.
Hoje, a moderna via “soviética”, tal como a chinesa, a cubana ou a dos “socialismos do terceiro mundo”, todas desaguam inexoravelmente no capitalismo. Os que insistem em agarrar-se desesperadamente a esses modelos encontram-se nus e desarmados.
É uma situação trágica mas que anuncia uma nova etapa do movimento. Por difícil que se apresente a luta actual dos comunistas, ela desenvolve-se num terreno incomparavelmente mais limpo de ficções do que há 25 anos. Entramos numa época em que perante o movimento operário voltam a defrontar-se, dum lado, a social-democracia, burguesa, imperialista, defensora da colaboração de classes, e do outro lado, o partido comunista, a luta pela revolução e pela ditadura do proletariado.
A cegueira do PCE(r) para entender o rumo contra-revolucionário da URSS e da China não se explica só por uma fraca formação marxista-leninista ou pelo desejo voluntarista de ter ainda um “campo socialista” em que acreditar; ela era um reflexo da sua cegueira para entender a luta de classes em que estava envolvido no seu próprio país.
Na realidade, qual era o enquadramento político em que o PCE(r) desenvolvia a sua luta armada antifranquista nos anos 70? Embora admitindo que em Espanha já não há lugar para “qualquer revolução de tipo burguês, superada pelo desenvolvimento histórico”, o PCE(r) não rompera de facto com essa perspectiva. Defendia que “a principal contradição social que existe em Espanha é a que opõe o monopolismo e o fascismo à classe operária, aos pequenos camponeses, às nações oprimidas, à intelectualidade progressista, etc.”; traçava como objectivo “a destruição do fascismo e a instauração de uma profunda democracia” que seria a etapa prévia necessária antes de se poder passar a uma luta da classe operária para si mesma; e condenava como “esquerdista e fazendo o jogo do fascismo” todo o apelo à revolução socialista.
Ou seja: em teoria proclamamos que a revolução burguesa está superada, mas na prática descobrimos uma luta de todo o povo contra a oligarquia, que envolve e neutraliza até certo ponto o antagonismo proletariado/burguesia. Sem ousar dizê-lo, pensamos que a situação criada pelo fascismo não permite por agora ir além da luta pela democratização do regime burguês; e como é preciso compensar de alguma forma a moderação desta análise e ilibar-nos de qualquer suspeita de oportunismo, tomamos para nós a bandeira da luta pela liberalização, pegando em armas para estar bem à frente de todos os outros partidos.
Não há dúvida de que a luta armada, se demonstra um elevado grau de heroísmo e ódio ao poder burguês, não é por si só garantia de lucidez revolucionária. Às vezes é o contrário: o guerrilheirismo obscurece os conflitos de classe que pretende atalhar a direito. E pode acontecer que o radicalismo dos métodos de luta apareça aos combatentes como uma espécie de talismã capaz de revolucionarizar objectivos políticos limitados.
A convicção do PCE(r) de que empunhando as armas teria assegurado um posto de vanguarda no pós-franquismo revelou-se falsa. A tentativa de estimular com o seu exemplo guerrilheiro os operários a ocupar as primeiras filas do derrubamento da ditadura fracassou, apesar do sacrifício de dezenas de militantes abnegados. Primeiro, porque à medida que a oligarquia se mostrava disposta a operar uma gradual transferência de poderes para os partidos democrático-burgueses, a luta armada aparecia à massa como uma loucura desestabilizadora. Segundo, porque mesmo a vanguarda dos trabalhadores não podia dispor-se aos sacrifícios tremendos da luta armada, nem sequer ver-lhe utilidade, se todos lhe diziam que o que estava em jogo ainda não era a revolução contra a burguesia.
O projecto guerrilheiro do PCE(r) ficou pois à margem do processo que ambicionava comandar e o partido destruiu-se nessa aventura. Julgava-se possível fazer reviver à força de heroísmo a política da Frente Popular republicana e antifascista dos anos 30, sem ter em conta que, se ela já na sua época fracassara, menos aplicável ainda teria que ser nos dias de hoje, depois de quatro decénios de ditadura terem modificado por completo o quadro da luta de classes.
Neste caso, como em Portugal e em tantos outros países, a necessidade de encabeçar a luta para o derrubamento do fascismo arrastou os comunistas para a armadilha da renovação da democracia burguesa, quando a tarefa que lhes estava posta era já parte integrante do processo da revolução proletária. O mais trágico é que neste caso o oportunismo aparecesse disfarçado sob as cores “revolucionárias” da luta armada.
A ideia de que a chave infalível da táctica comunista estava em chamar pelas acções exemplares o povo a tirar a desforra dos horrores do franquismo e da guerra civil (ideia que a certa altura também dominou o PCE (m-l) de Raul Marco), acabou por projectar o PCE(r) para fora da corrente internacional maoísta/albanesa, de que se pretendia um destacamento, e integrou-o de facto na onda dos grupos comunistas combatentes que na década de 70 emergiram em diversos países europeus.
Eram grupos alimentados por uma geração estudantil cheia de entusiasmo revolucionário, com poucos ou nenhuns laços com o passado do movimento comunista, muitas vezes de origem católica, galvanizada pelo Maio de 68 e pelo heroísmo do Vietname e das lutas de libertação, desejosa de reagir com uma afirmação de força aos crimes do imperialismo e ao naufrágio da revolução cultural chinesa. Eram a primeira reacção espontânea, o inevitável eco anarcocomunista ao espraiar do reformismo.
A sua adesão ao marxismo-leninismo, mais romântica do que racional, traduziu-se na teoria de que estavam maduras as condições para passar à luta armada no coração do imperialismo europeu e de que esse era o critério aferidor dos verdadeiros comunistas.
Os degraus para chegar, em nome do marxismo-leninismo, a este delírio ultra-esquerdista são conhecidos. Primeiro, tira-se como balanço da luta ideológica dos anos 60, não que ela foi estreita, tímida, incoerente, abafada em compromissos, mas que fez perder tempo em “estéreis debates ideológicos” (a expressão é do livro que comentamos) e que há que passar a confrontar o reformismo no fogo da luta.
Depois, observa-se que a criação de um partido comunista é sem dúvida a tarefa central mas… que os vícios entranhados do reformismo e a falta de quadros combativos exigem que se comece pelas acções armadas, para “separar o trigo do joio”. É a guerra revolucionária como meio de construção do partido, ideia bebida em Mao e que, se na China já teve consequências destruidoras a longo prazo, transferida para a Europa torna-se numa caricatura infantil.
O passo seguinte é constatar que as massas operárias europeias se encontram manietadas na rede de malha apertada do sindicalismo reformista, do aparelho de dissuasão policial-militar e das doses maciças de ópio ideológico — logo, a guerra revolucionária terá forçosamente que começar pelo tratamento de choque das acções dos pequenos grupos de combate.
Lançando atentados e acções propagandísticas espectaculares, os grupos “comunistas combatentes” estariam simplesmente a aplicar o leninismo às condições dos nossos dias: ao mostrar como o Estado burguês de aparência invencível é afinal vulnerável, ao incendiar a indignação recalcada das massas oprimidas desmascarando do mesmo passo a cobardia dos reformistas, criar-se-ia o ambiente social propício para a formação do partido e para o avanço da revolução.
Que contestar a estes raciocínios? Lenine mostrou no Esquerdismo que não é difícil chegar a qualquer aberração sem perder uma aparência de lógica marxista, se se confundem as relações entre vanguarda e massa, se se troca a educação política das massas pelo efeito de estímulos galvanizantes.
Mas se o forte dos “comunistas combatentes” não é a coerência ideológica, o certo é que eles podem apresentar em apoio das suas teses o testemunho prático, real, das lutas de guerrilha que continuam a desafiar o imperialismo um pouco por todo o mundo, mantendo levantada a bandeira maoísta da guerra revolucionária prolongada.
Não pretendem naturalmente implantar na Europa o modelo das guerrilhas comunistas das Filipinas, Peru, Colômbia, Salvador, Guatemala. Sabem que seria absurdo pretender transportar para a Europa guerrilhas de base camponesa. Mas apontam o exemplo de um outro tipo de guerrilha: a guerrilha urbana do IRA, da ETA e da OLP, que se tem mostrado capaz de sobreviver a todos os golpes e de se tornar o foco de grandes movimentos de massas. Não estaria aí a demonstração prática de que os comunistas podem e devem enveredar pelo mesmo caminho?
A ideia merece ser discutida, porque também entre nós se tem manifestado na acção de grupos como as FP-25 que, não se considerando comunistas, pretendem contudo situar-se no terreno do marxismo.
A luta de guerrilha e os atentados da OLP (agora em capitulação reformista pela mão de Arafat), do IRA e da ETA são, por assim dizer, a forma de expressão natural dos movimentos de emancipação nacional na Europa, tal como a guerrilha camponesa é a sua expressão na Ásia ou na América Latina. Para além dos erros políticos que lhe possam ser apontados (por vezes com consequências bem pesadas para a sua causa, amaldiçoada pela opinião pública pequeno-burguesa como terrorista), esses movimentos de guerrilha têm uma base popular genuína, os guerrilheiros movem-se verdadeiramente “como o peixe na água”, o seu heroísmo alimenta-se na revolta de toda uma nação contra as humilhações e sofrimentos impostos pelo imperialismo.
Mas isto deixa de ser verdade quando passamos de uma luta de libertação nacional, burguesa na sua essência, para uma luta de proporções incomparavelmente mais vastas, como é a luta operária pelo derrubamento da burguesia. E isto é o que parecem não ter entendido os nossos “comunistas combatentes”.
De facto, na Palestina, na Irlanda, em Euskadi, as condições sociais para a autonomia e a independência estão perfeitamente amadurecidas há muitas dezenas de anos. Só a repressão implacável dos Estados tutores impede a sua concretização. A luta armada surge aí como uma necessidade indiscutível, como a forma mais elevada da luta pela emancipação nacional, e os comunistas dessas nacionalidades não poderão deixar de tê-lo cm conta.
Mas na Alemanha, na França ou na Itália (como em Espanha ou Portugal), a luta social que se trava faz parte do processo da revolução socialista, e esta atravessa ainda uma fase de germinação, de acumulação de forças. A definição do proletariado como classe para si própria, com o seu próprio projecto de poder e de organização social, vive ainda etapas atrasadas. E não é pelo facto de este proletariado ser o mais antigo do mundo, de haver aqui uma larga difusão do marxismo e uma já longa tradição de partidos comunistas e de lutas de tendências que isto deixa de ser verdade.
De outra forma, seria inexplicável o comportamento da classe operária europeia, dilacerada pelo nacionalismo quando as suas burguesias se lançam já num processo de associação, paralisada no nível do regateio económico, cingida, na melhor das hipóteses, a força de apoio do democratismo pequeno-burguês. Quando se tem encontrado diante duma crise imprevista, de um rasgão no aparelho de Estado, de um daqueles momentos raros e preciosos de confusão e pânico no campo da burguesia em que tudo é possível — o proletariado europeu vacila perante o mundo que se lhe oferece, porque não está preparado para a imensidade da tarefa. Veja-se a guerra de Espanha, o fim da segunda guerra mundial, a França em 68, Portugal em 75.
Costuma dizer-se que isto é devido à acção desagregadora e corruptora dos revisionistas e social-democratas ao serviço do imperialismo europeu, e não é certamente uma calúnia. Mas porque é que as explosões periódicas de radicalismo operário não conseguiram até agora aglutinar-se numa corrente política estável? Porque seguem as massas maioritariamente, mesmo durante as grandes crises, os reformistas e não os revolucionários? Porque tem sido tão acanhada a perspectiva dos comunistas nesses momentos, tão desarticuladas as suas organizações, tão vincada a sua fuga às exigências do momento, que os leva a remoer velhos catecismos por não saberem dar respostas revolucionárias às situações reais?
É forçoso dizer que a massa proletária europeia não se constituiu ainda no seu próprio partido de classe, não se lança em conflitos políticos generalizados com o poder burguês, não tenta derrubá-lo, porque a fase embrionária da sua luta não gerou ainda sequer uma vanguarda consistente, capaz de esboçar um programa revolucionário. Será bom que os comunistas, em vez de se animarem mutuamente com a reafirmação da justeza da sua causa, concentrem esforços em superar este atraso.
Criticámos o PCE(r) por se ter queimado numa tentativa de liberalização a tiro do regime burguês em Espanha, não compreendendo que a sua tarefa era lutar pela revolução socialista. Mas dizemos, por outro lado, que o processo da revolução socialista na Europa atravessa uma etapa ainda embrionária. Isto não é contraditório? E não corremos o risco de cair numa atitude de expectativa inerte perante a luta de classes, aguardando que amadureçam as condições para a revolução?
A melhor resposta a esta dúvida está no balanço ao que o chamado movimento marxista-leninista europeu (para já não falar nos outros continentes) produziu nos últimos 25 anos, no terreno da teoria, da organização, da propaganda e agitação — isto é, nada. Passadas as grandes esperanças iniciais da revolução cultural chinesa, a corrente M-L descobriu que não tinha estratégia nem táctica mas apenas o desejo de se inspirar num passado que verdadeiramente não conhecia e que lhe guardava as mais estranhas surpresas. Não admira que acabasse por se desintegrar sem quase deixar rasto, e que o revisionismo, em vez de ser expulso do movimento operário, como fora anunciado, tenha conservado as suas trincheiras e nelas vá apodrecendo e caindo aos bocados, arrastando a classe na sua agonia.
Hoje, as várias correntes que ainda vegetam sob a bandeira do marxismo-leninismo — a stalinista/albanesa, a maoísta de esquerda, a maoísta de direita, a guevarista — são meras sobrevivências de um período encerrado porque são incapazes de reconhecer a falta de solidez ideológica do seu nascimento.
O PCE(r) foi exemplar neste aspecto: achou que a via mais fácil para arrancar o movimento operário à influência revisionista era confrontar o podre reformismo de Santiago Carrillo com o renascimento das tradições combativas do PCE da Frente Popular e da guerra civil. Bastava divulgar a boa nova da “reconstrução” do velho partido de José Diaz, de que “não nos separa nenhuma diferença essencial” e as massas acorreriam.
Esta imagem da usurpação do partido pelos traidores e da sua regeneração pelos reconstrutores, que também vigorou entre nós com o PCP(R) e em muitos outros países, parecia a mais intuitiva para despertar a consciência dos militantes revisionistas, isolar os seus chefes, acelerar o reagrupamento em partidos renovados. Mas sofria de um erro de base: ignorava que os velhos partidos degeneraram, não por um “golpe” mas ao longo de uma infiltração oportunista de dezenas de anos e que, portanto, “reconstruir” o velho partido era quase certamente reconstruir velhas práticas e concepções reformistas, ainda que fossem douradas com novo “vigor bolchevique” ou mesmo com acções guerrilheiras.
A verdade é que pretendemos lançar-nos a uma luta decisiva sem sermos capazes de dar sequer um esboço de resposta marxista às questões: que revolução temos para fazer? de que partido precisamos? Se o chamado movimento marxista-leninista europeu tivesse emergido duma luta genuína pela independência política do proletariado, pela sua hegemonia, no quadro da revolução socialista na Europa, todos teríamos compreendido que não bastava proclamar veneração pela revolução russa e pelo leninismo, e que era obrigatório um exame minucioso à história da União Soviética e da Internacional Comunista, ao período de Staline, à politica das Frentes Populares, ao lento e doloroso apodrecimento dos velhos partidos comunistas, à teoria maoísta da “democracia nova”, aos novos desenvolvimentos do imperialismo, etc., para começar por compreender as causas e a profundidade da degeneração.
Isso, porém, estava excluído à partida porque os novos comunistas se propunham como tarefa central “reconstruir” o velho partido (anterior a 1956 — data do 20.° Congresso) e não podiam pôr o seu modelo e a sua política em questão. Quer dizer: queriam tomar os destinos da revolução nas mãos mas começavam por se amputar da crítica marxista ao passado!
Esta era, como se sabe, uma imposição dos partidos chinês e albanês para o reconhecimento de qualquer novo grupo ou partido: alegavam que o revisionismo tinha começado no dia tantos do tal porque não queriam ver posto em causa o seu próprio passado, nem discutidos os fundamentos do seu poder. Mas esta imposição vinha ao encontro da tendência espontânea dos grupos marxistas-leninistas para se encostarem ao prestígio de uma luta passada, porque não acreditavam em si próprios. E não acreditavam em si próprios por que não acreditavam no proletariado que diziam representar nem na revolução socialista que se propunham chefiar.
Tirar esta lição hoje não significa afastar-se da acção política diária junto do proletariado para se dedicar a explorações teóricas puras que conduziriam à degeneração certa; mas significa sem dúvida subordinar todos os esforços a uma luta central: a busca da independência política e da hegemonia do proletariado no quadro da revolução socialista na Europa e da revolução mundial. Foi isso que faltou no passado.
Inclusão | 16/07/2016 |