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Primeira Edição: Política Operária nº 4, Mar-Abril 1986
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
“ENVER HOXHA — bandeira de luta pela liberdade e pelo socialismo” (Conferência Nacional, 15-16 de Outubro de 1985). Tirana, 1985, 191 páginas (edição em espanhol).
A FIGURA de Enver Hoxha é uma das mais ricas da geração de chefes revolucionários produzidos pela Internacional Comunista e pelos combates da II Guerra Mundial. Não como ideólogo mas como político, comandante militar e organizador da revolução albanesa.
Execrado pelos revisionistas, social-democratas e afins como “o último ditador stalinista”, Enver Hoxha conduziu, nos limites da pequena Albânia, transformações sociais profundas cujo valor não pode ser ignorado. O estudo da sua vida e da sua obra é essencial para a compreensão das revoluções populares dos anos 40 na Europa oriental e da trajectória seguida pelo movimento comunista internacional nas últimas décadas.
Não se procure contudo nesta obra, editada em Tirana em sua honra, uma apreciação histórica objectiva. O dirigente albanês recentemente desaparecido é endeusado, numa série de enfadonhas dissertações ao gosto académico, para além de toda a medida: “estadista eminente”, “grande diplomata”, “organizador perfeito”, “ideólogo inovador”, “colosso do pensamento revolucionário”, “figura titânica com uma obra monumental”, “um dos mais gloriosos generais da Segunda Guerra Mundial”, etc.
De tal maneira que, no meio desta avalancha de elogios, se apagam os grandes conflitos de classe que tiveram Enver como protagonista: a guerra de libertação, a instauração do poder popular, a edificação da nova economia albanesa, a luta contra o revisionismo moderno e o imperialismo. À força de se engrandecer a estatura de Enver às dimensões de um herói lendário, como autor da revolução, acaba por se esvaziar o quadro das lutas sociais que o projectaram como intérprete das aspirações populares. A revolução desaparece sob a epopeia.
Os discípulos de Enver Hoxha herdaram os pontos fracos do seu declínio, não a audácia revolucionária dos seus melhores anos. Tal como os de Staline. E isto retrata a decadência patente em que se afundam as ideias marxistas-leninistas na Albânia. A exaltação das glórias revolucionárias passadas serve de pano de fundo a um presente morno e incerto, cada vez mais conservador, mais tacanho e receoso da crítica mais burguês, numa palavra. Porque é disso que se trata, como já se assinalou em artigo anterior nesta revista.
Entre as posições políticas mais significativas desta Conferência Nacional, anote-se a insistência na defesa do 7.° congresso da Internacional (pág. 71), a justificação da dissolução da IC (pág. 158), a reafirmação da ideia do “Estado de democracia popular como nova forma da ditadura do proletariado” (pág. 78), o apagamento de Mehmet Shehu de todo o curso da revolução albanesa, onde tem direito a figurar apenas como “chefe de um bando de espiões”, a promoção caricata de O Imperialismo e a Revolução, talvez uma das obras mais medíocres de Enver Hoxha, a “obra capital, sem par na literatura marxista-leninista do nosso tempo” (pág. 162).
E ainda a tese de que o partido comunista pode dirigir a revolução socialista mesmo num país sem proletariado industrial, “basta que se guie pela ideologia da classe, o marxismo-leninismo” (pág. 46). Talvez nesta ilusão da revolução proletária sem proletariado se encontre a explicação para o ascenso e a decadência do comunismo albanês, tão bem condensados na figura de Enver Hoxha.
Inclusão | 06/09/2018 |