Um Almoço a Porta Fechada

Francisco Martins Rodrigues

30 de Abril de 1986


Primeira Edição: Diário Popular, 30 Abril 1986

Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando A. S. Araújo.

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capa

Francisco Martins Rodrigues, director de «Política Operária», tinha 22 anos em 1949. A década chegava ao fim e ele ia viver um paradigmático 1.° de Maio dos anos quarenta no Portugal salazarista

Para trás, na década, ficara-lhe a frequência da Escola Adventista na Rua Joaquim Bonifácio, a Escola Luís de Camões, aos Anjos, onde concluíra o 6.° ano do Liceu (então 20 ciclo). Ficara-lhe também um emprego, quatro anos, na Livraria Portugal, que trocara por um lugar de assalariado (hoje diríamos tarefeiro) na TAP, criada em 1945.

Esse 1º de Maio de 1949 ia o jovem ajudante de mecânico Chico Martins comemorá-lo às escondidas Mas o melhor é deixá-lo contar como foi:

— Eu já andava à procura do PC, claro. Dava-me com uma malta operária, gajos que eram do partido, embora não dissessem que o eram. e que me andavam a catequizar: o Candeias, barbeiro ali aos Anjos, um gajo muito porreiro; um Freitas, que era metalúrgico na Fábrica Portugal, e um Forja, carpin­teiro. Nesse dia fomos fazer um almoço numa oficina de marcenaria para os lados de S Bento. À porta fechada, náo é...

— Mas. foi um almoço especial, não?

— Bom, comemos, bebemos uns copos (é preciso que se diga que alguns beberam demais: eu não, que não aguentava) e. depois, falámos de política: a União Soviética. Estáline e tal e coisa: durou a tarde inteira.

— Bom, feriado não era: terá sido domingo?

— Não me lembro. Mas. nessa altura, deve ter sido, porque para um tipo faltar no 1º de Maio. nessa altura, tinha de arranjar uma explicação muito boa, senão estava lixado.

— Mas o Estado Novo. na década de quarenta, chegou a «comemorar» o 1.º de Maio.

— Sim, uma coisa asquerosa, lá para o Norte, com ranchos folclóricos, umas discursatas. Mas, depois, acabaram com essas merdas.

— Como é que era o ambiente nessa altura, nesse fim de década?

— Era a agonia das grandes esperanças do fim da guerra. O Nórton de Matos tinha desistido das eleições, o MUD (eu era do MUD juvenil) estava a partir-se, os democratas já não queriam nada com o PC, o Cunhal e o Militão Ribeiro tinham sido presos, o partido estava a levar porrada e Portugal tinha acabado de entrar na NATO, justamente em Abril. A malta sentia-se sem forças. Enquanto as pessoas se convenceram de que os ingleses e os americanos iam acabar com o fascismo aqui, tudo bem; mas, em 1949, os ingleses e os americanos apoiavam era o Salazar e os democratas começaram a pirar-se dos contactos com o PC — olha, o Soares pirou-se, o Zenha também — e o partido estava sozinho.

— Comemorar o 1º de Maio nessas circunstâncias...

— Era uma coisa de loucos. A esperança era a URSS e as democracias populares. O Mao estava quase a vencer, na China, mas a malta não ligava muito à China, nessa altura. A URSS é que era. De resto, havia uma memória um bocado apagada do 1.° de Maio. De modo que, olha, a perspectiva era aguentar. O Candeias, da barbearia, ia-me passando uns «Avantes». Era aguentar para ai vinte ou trinta anos, e foi quase o que aconteceu, não se andou muito longe disso.

No ano seguinte, já eu estava preso... e corrido da TAP. Tinha começado a minha carreira de prisões.


Inclusão