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A degeneração revisionista do antigo PCP, como em tantos outros países, foi impulsionada pelo XX Congresso do PC da União Soviética. Mas poderia ter sido evitada. A principal responsabilidade pela transformação do PCP num partido de reformas, num partido burguês para operários, cabe aos seus dirigentes da época. Eles renegaram conscientemente o marxismo-leninismo, escolheram de livre vontade o caminho do revisionismo. E fizeram-no através dum verdadeiro golpe, à traição. Esse golpe, que a camarilha de Cunhal procura manter oculto dos seus militantes e da classe operária, deve ser constantemente denunciado. Lembremos os factos.
A ofensiva dos direitistas da direcção do PCP começou ainda antes do XX Congresso. Desde a morte de Staline, vinham da União Soviética sintomas duma viragem política. Em Maio de 1955, a viagem de surpresa de Kruchov a Belgrado, onde se reconciliou com Tito, pôs os oportunistas portugueses em grande agitação. Não os chocava a reabilitação do maior renegado até então surgido no movimento comunista internacional. Pelo contrário, sentiam-se livres dum grande peso. Começaram a reclamar a mudança da política do PCP, para acompanhar as “rectificações” de Kruchov. Surgiram è cabeça deste movimento, Vilarigues, Pires Jorge, Fogaça, Pato, Pedro Soares.
Invocando a “saúde preciosa” do camarada José Gregório (que sofria de grave doença cardíaca), afastaram-no não só da actividade prática de direcção, como da orientação política, em que a sua contribuição era insubstituível. Assim foi posto à margem o dirigente que como nenhum outro dera provas de firmeza e vigilância proletário-revolucionária.
A VI Reunião Ampliada do CC, realizada em fins de 1955, foi orientada contra o sectarismo e o dogmatismo. Os informes de Vilarigues e Pires Jorge fizeram uma crítica cerrada à actividade do Partido desde 1949 (data em que o camarada Gregório tomara a cabeça do secretariado, após a prisão de Cunhal e Militão). Anunciaram uma rectificação e uma viragem na actividade do Partido. Mas que espécie de rectificação e de viragem?
O Partido cometera efectivamente, no período anterior, certos erros de rigidez: tinha-se subestimado o aproveitamento de possibilidades legais; tinham-se aplicado algumas sanções disciplinares demasiado severas; tinha-se permitido o isolamento sectário de muitas células em relação às massas; tinha-se criado um clima de insuficiente debate nos comités do Partido; tinham-se feito alguns ataques precipitados a aliados vacilantes, em vez de procurar atraí-los.
Mas o que os críticos não disseram é que esses erros tinham surgido nas difíceis condições dum ataque policial contra o Partido como nunca houvera memória; nem disseram que o secretariado sob a direcção do camarada José Gregório defendera o Partido do perigo de desarticulação, cortando com todas as manifestações de pânico e capitulação; que o Partido reagira corajosamente a uma histérica campanha anticomunista fomentada pela NATO, campanha a que tinham aderido muitos políticos liberais; que o Partido encabeçara audaciosamente a criação do MND, Movimento Nacional Democrático, quando os políticos liberais dissolveram o MUD; que os erros, cometidos sobretudo no período mais duro de 1949-52, já tinham começado a ser corrigidos a partir de 1953.
Em resumo, não se disse que a orientação do Partido desde 1949 fora no essencial positiva e devia ser prosseguida. As críticas na VI Reunião Ampliada do CC ao sectarismo e ao dogmatismo tiveram como objectivo usar alguns erros na aplicação da linha do Partido como cobertura para atacar essa mesma linha. O que os direitistas do Comité Central pretendiam, como depois se verificou, era acabar com o MND e estender a mão aos políticos liberais mais direitistas; era suspender a luta contra o oportunismo de Fogaça e Cª, considerando-a uma atitude “sectária”; era retirar da circulação o Projecto de Programa, que apontava o caminho da Revolução Democrático-Popular e criticava a burguesia liberal; era finalmente desconsiderar a figura de revolucionário de José Gregório e promover os oportunistas como “marxistas-leninistas criadores”.
O XX Congresso veio dar um enorme impulso a estes projectos direitistas. Em Fevereiro de 1956, na tribuna do XX Congresso do PCUS, o traidor Kruchov, sem prévia consulta ou informação ao movimento comunista internacional, fez aprovar as suas teses “inovadoras”: nas novas condições históricas, teria surgido a possibilidade de passagem pacífica ao socialismo, pela conquista da maioria no parlamento burguês; Staline agira como um tirano e falseara o poder soviético pelo “culto da personalidade”; a linha geral da política externa da URSS passaria a centrar-se na coexistência pacífica, na edificação dum mundo sem guerras, mesmo com a existência do imperialismo; os social-democratas deviam ser recuperados como parte do movimento revolucionário através duma política de unidade.
Isto era a mais monstruosa revisão do marxismo-leninismo em todas as suas bases essenciais: a conquista do poder, a ditadura do proletariado, o internacionalismo proletário, o papel dirigente do Partido Comunista, a luta contra o oportunismo. O desencadeamento desta grande traição colocava a cada partido comunista a obrigação de defender o marxismo-leninismo e levantar-se contra o revisionismo. Mas a direcção do PCP fracassou miseravelmente neste seu dever.
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Para a situação concreta dos dois países da Península Ibérica, a clique de Kruchov traçara uma linha de orientação de acordo com os seus projectos de reconciliação com o imperialismo: o PCP e o PCE deveriam não só adoptar a linha da passagem pacífica ao socialismo (linha que foi imposta aos partidos de todo o mundo), mas, mais do que isso, deveriam admitir a possibilidade de afastar pacificamente as respectivas ditaduras fascistas. Assim Kruchov queria demonstrar a sua boa vontade para com a burguesia imperialista dos Estados Unidos e Europa, garantindo-lhe que se oporia a qualquer insurreição popular antifascista na Península.
Ali mesmo em Moscovo, após a conclusão do XX Congresso, a delegação do PCP foi “aconselhada” a reunir-se de imediato com a delegação do PCE para aprovarem em conjunto um documento nesse sentido. Kruchov queria prevenir-se contra qualquer resistência à traição e colocar os dois partidos perante o facto consumado. Além disso, para ter garantias de que o golpe não falharia, criou um sistema de “responsáveis regionais” que colocava a direcção do PCP sob o controle da clique de Carrillo—lbarruri, dirigente do PCE. Assim se espezinhava a independência dos partidos, enquanto, para desviar as atenções, se lançavam campanhas contra “as práticas nefastas do culto da personalidade” e o “dogmatismo stalinista”…
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Tudo foi feito como Kruchov e Suslov ordenaram. As delegações do PCP e PCE, reunidas em Moscovo, em Março, assinaram uma declaração conjunta, na qual apoiavam incondicionalmente as novas teses do XX Congresso e previam a possibilidade duma solução pacífica para afastar as ditaduras sangrentas de Franco e Salazar, para o que se declaravam dispostos a “acabar com o espírito de guerra civil” e trabalhar pela “reconciliação nacional”.
Assim, a delegação do PCP assinou uma declaração que envolvia:
E tudo isto sem sequer ouvir o Comité Central do Partido! Estava consumado o golpe revisionista contra o Partido Comunista Português. Esse golpe seria completado um mês depois pela traição do próprio Comité Central.
Em Abril-Maio de 1956, o Comité Central do PCP reuniu-se para debater as teses do XX Congresso do PCUS. Como vimos, o golpe de Kruchov colocava o CC sob a chantagem duma declaração comum já assinada em Moscovo pela sua delegação e pela delegação do PCE, aprovando incondicionalmente a via revisionista traçada no XX Congresso. A situação era difícil para os dirigentes do PCP. Isto contudo não os impedia de repudiar a chantagem, denunciar a traição, apelar ao Partido e à classe operária para a defesa do marxismo-leninismo e da revolução. Foi esse o caminho escolhido, por exemplo, pelos dirigentes do PTA, em condições bem mais difíceis. Mas os dirigentes do PCP revelaram que não tinham amor aos princípios, nem coragem de comunistas, nem o sentido das obrigações para com a classe operária e para com o movimento comunista internacional. Escolheram o caminho mais fácil, o caminho da submissão ao golpe revisionista soviético.
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O CC do PCP adoptou uma Declaração (Maio de 1956) aprovando o XX Congresso e anunciando que se tornava doravante possível o afastamento da ditadura de Salazar por meios pacíficos. Como tarefa política central do Partido colocava-se a concorrência às eleições-burla para deputados, marcadas para Outubro do ano seguinte. Com esta declaração do CC, abriu-se na vida do PCP um período que ficou conhecido sob o nome de “período do desvio de direita” (1956-1959), mas que foi na realidade o da destruição revisionista do velho PCP.
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Júlio Fogaça e Pedro Soares, dois direitistas de velha data, apresentaram-se na reunião do CC com uma plataforma organizada. Numa proposta em 12 pontos subscrita por ambos, onde não havia uma única palavra sobre luta de massas, defendiam: em vez do derrubamento da ditadura fascista “reclamar a saída de Salazar” (1º); “lançar o peso principal contra os fascistas destacados e não insistir em certos nomes para não dificultar a unidade” (4º); “fazer um trabalho de desligação de certas camadas militares e aprofundar a desagregação nas forças repressivas” (7º); “desligar do salazarismo os fascistas descontentes” (8º); “estabelecer acordos com os legionários” (10º). Assim, os oportunistas, obrigados durante anos a esconder as suas ideias políticas, revelavam agora, animados pelo XX Congresso, aquilo que verdadeiramente queriam: um acordo com a burguesia para liberalizar o regime.
Os dirigentes revisionistas do PCP alegaram mais tarde que a plataforma ultra-oportunista de Fogaça e Soares não fora aprovada pelo CC. Com isto tentaram esconder duas coisas: primeiro, que a política defendida pelos dois renegados foi efectivamente praticada pelo CC a partir de 1956. E sobretudo, que a reunião do CC de Abril-Maio de 1956, ao aprovar o XX Congresso e o afastamento pacífico de Salazar, constitui por si só a traição ao marxismo-leninismo, ao movimento comunista internacional e à classe operária portuguesa. O CC não tinha poderes para aprovar tais posições. Perante o acto sem precedentes da direcção soviética, o CC do PCP tinha por estrita obrigação convocar um Congresso do Partido, precedido de amplo debate, para desmascarar as teses revisionistas e decidir soberanamente a linha do Partido.
Lançando pela borda fora a meta da insurreição popular antifascista, pela qual tantos comunistas portugueses se tinham batido e sacrificado a vida; admitindo que se manchasse o nome de Staline, o dirigente do proletariado mundial depois de Lenine; adoptando as teses da “coexistência pacífica”, de capitulação perante o imperialismo norte-americano — os dirigentes do PCP trocaram nesse momento o campo do proletariado e da revolução pelo campo da burguesia. É útil recordá-lo àqueles que ainda hoje, mais de vinte anos passados, se mantêm no PCP à espera da “recuperação” de tais dirigentes.
A submissão do Comité Central do PCP ao golpe revisionista forjado em Moscovo foi possível porque nesta época já a maioria dos seus membros estavam em posições francamente direitistas. Defensores da política oportunista de Cunhal no período de 1945-49, tinham disfarçado as suas verdadeiras convicções nos anos seguintes, quando o Partido, sob a orientação do camarada José Gregório, lutara contra o oportunismo de direita, integrado na campanha internacional conduzida por Staline contra o revisionismo titista. Agora que Staline desaparecera e que o XX Congresso o renegava, esses elementos direitistas pronunciavam-se com energia pelo fim do “dogmatismo” e do “sectarismo”. Não queriam nunca mais sentir-se sob a canga duma política de princípios marxista-leninista. Reclamavam plena liberdade para as suas tendências de conciliação com a burguesia, que baptizavam de “marxismo criador”.
Nesta forte corrente oportunista de direita que dominava o Comité Central, destacavam-se Júlio Fogaça, Sérgio Vilarigues, Pires Jorge, Octávio Pato, Cândida Ventura, Pedro Soares, Blanqui Teixeira, Alexandre Castanheira, Guilherme Carvalho. A este conjunto haveria que somar as “reservas” direitistas que se encontravam nas cadeias nesse ano de 1956, tendo à cabeça, naturalmente, o renegado Álvaro Cunhal. Embora temporariamente afastados da actividade, estavam prontos a desempenhar um papel activo na “viragem” que se preparava para o Partido.
É verdade que nem todo o Comité Central partilhava destes pontos de vista. Um certo número de elementos, sobretudo alguns antigos operários, como Dias Lourenço, Jaime Serra, Manuel da Silva (e, entre os presos, Francisco Miguel e Américo de Sousa), não manifestavam satisfação pelo XX Congresso e punham reservas à nova linha pacífica; conservavam a admiração por Staline, um certo reflexo de resistência contra a burguesia e o oportunismo de direita. Mas estes elementos demonstraram não ter nenhuma firmeza de princípios. Eram praticistas incorrigíveis sem uma base ideológica séria. Levantavam algumas dúvidas mas não se atreviam a bater-se em torno de posições claras. O movimento contra a direita conduzido pelo camarada José Gregório em 1949-1954, não tendo chegado a assumir a envergadura de uma autêntica luta pelos princípios dentro do PCP, não desencadeara plenamente as forças revolucionárias do Partido, não acabara com as tradições de conciliação e de fuga praticista às questões fundamentais da linha do Partido.
Perante a autoridade do XX Congresso e da União Soviética, perante a ofensiva dos direitistas, que condenavam toda a actividade do Partido nos anos de 1949-54 como “sectária” e “dogmática”, esses elementos vacilantes foram recuando de concessão em concessão. Receosos de ser atacados como “esquerdistas”, acabaram por seguir a corrente, habituar-se ao oportunismo e tornar-se eles próprios elementos dos mais activos no desmantelamento ideológico do velho PCP, na traição revisionista.
Assim, o Comité Central do PCP, depois de aprovar a Declaração pacífica de 1956, enveredou sem conflitos de maior pela via revisionista. Com poucas alterações, os dirigentes de então foram promotores e cúmplices nessa grande traição ao proletariado e aos comunistas portugueses, ao movimento comunista internacional, ao marxismo-leninismo, são hoje ainda os componentes da camarilha revisionista de Cunhal. Tentando apagar os vestígios do crime cometido, falar o menos possível dos acontecimentos de 1956 e procuram fazer crer que o falso PCP actual é idêntico ao velho PCP comunista e revolucionário que desapareceu em 1956. Cabe-nos a nós pormos a nu a realidade desse golpe revisionista.
Depois da reunião de Maio de 1956, o Comité Central não convocou um congresso, uma reunião ampliada, ou sequer conferências regionais para debater e justificar a nova linha. Questões vitais que punham em causa a fidelidade ao marxismo-leninismo, como a “passagem pacífica ao socialismo”, a cooperação URSS-EUA, a liquidação política de Staline, a reabilitação de Tito, o “afastamento pacífico de Salazar”, foram apresentadas como ajustamentos tácticos sem gravidade de maior. Evitou-se um ataque demasiado brutal a Staline e garantiu-se aos militantes que o relatório secreto de Kruchov, divulgado pelas agências burguesas, era uma “invenção imperialista”. Disse-se que Tito fora vítima das “maquinações de Béria” e que eram falsas as acusações contra ele.
O argumento central dos dirigentes revisionistas para fazer aceitar a nova linha era:
“A correlação de forças entre o campo socialista e o imperialista inverteu-se. A superioridade do campo revolucionário cresce aceleradamente, o imperialismo desagrega-se, todas as tendências se dirigem para o socialismo. Se soubermos ser hábeis, atrairemos o resto das forças hesitantes para o nosso lado e obteremos grandes vitórias a curto prazo”.
Isto paralisou muitas dúvidas e objecções enquanto não se verificou que era uma burla. O prestígio da União Soviética, graças à política de Staline, tornara-se indiscutível. Toda a gente se habituara à ideia de que os soviéticos não falavam no ar. Até o fascista Salazar se iludiu e, nesse mesmo mês de Maio, num dos seus discursos ultra-reaccionários, veio alertar o Ocidente para o perigo de se deixar submergir pela política da coexistência pacífica.
Naturalmente, não deixou de haver resistência e protestos em amplos sectores do Partido. A questão Staline, sobretudo, era a mais dura de engolir. Qualquer militante operário admitia que Staline pudesse ter cometido erros na repressão dos contra-revolucionários. Mas não lhe entrava na cabeça o ataque em toda a linha àquele que fora durante trinta anos o dirigente supremo da URSS e do movimento comunista, o chefe do povo soviético no esmagamento do nazismo, o continuador de Lenine. Sentiam com razão que isto era renegar a revolução, era fazer coro com o inimigo de classe.
E depois, o que se vinha oferecer em substituição do tal “culto da personalidade de Staline”? As novas perspectivas de resolver tudo por meios pacíficos eram recebidas com chacota por muitos militantes: “Como é que nos querem convencer que os fascistas alguma vez sairão a bem? Agora passamos a ser cristãos?” A contra-revolução na Hungria, em Novembro desse ano, despertou uma onda de alarme e levou muitos trabalhadores a dizer: “Aí está o resultado da linha pacífica”. E a conivência descarada de Tito com os contra-revolucíonários húngaros levou a dizer que “afinal era Staline quem tinha razão quando declarou o Tito como traidor”.
Na base operária do Partido havia descontentamento com o desarmamento ideológico do Partido que se acentuava. Os dirigentes já não apareciam a estimular a intransigência, a vigilância de classe, o ardor. Apaziguavam o entusiasmo revolucionário, semeavam o liberalismo, lançavam ilusões num futuro fácil, apagavam a autoridade do Partido, faziam elogios “imparciais” a políticos burgueses, à cultura burguesa, etc. Muitos militantes sentiam que a natureza revolucionária de classe do Partido era posta em causa com essas “aberturas”.
Ao mesmo tempo, noutros sectores do Partido, sobretudo intelectuais, as “revelações” do XX Congresso e a linha pacífica causaram um abalo de natureza diferente. Esses aplaudiram a condenação dos “crimes”, do “dogmatismo”, do “burocratismo”, porque tudo isso contribuía para tirar ao Partido o rigor revolucionário que os incomodava e criava um clima em que se sentiam mais à vontade: um clima em que se esbatia o confronto com a burguesia e o imperialismo, se exigia menos e havia mais promessas de êxitos fáceis. Esses formaram a base de apoio do revisionismo.
Na reunião de Maio de 1956, os dirigentes do PCP, ao mesmo tempo que adoptaram a linha revisionista do XX Congresso e se voltaram para o caminho do “afastamento pacífico de Salazar”, lançaram uma grande campanha a que chamaram “correcção do dogmatismo” na vida interna do Partido. Os dirigentes apelavam a todo o momento “que se abram todas as bocas”, “que ninguém guarde as suas críticas”, “precisamos da ajuda de todo o Partido para corrigir os erros”, “acabemos com as práticas do culto da personalidade”, etc. No “Militante” começaram a publicar-se colaborações de membros do Partido expondo diversos pontos de vista.
Como se explica que a traição dos dirigentes revisionistas tenha sido acompanhada desta paixão “democrática”, que de resto não foi caso isolado no nosso país?
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A campanha “democrática” nas fileiras do Partido foi, nas mãos dos dirigentes revisionistas, uma manobra de diversão destinada a amolecer, confundir e paralisar a possível resistência dos militantes ao abandono da linha revolucionária.
Os estribilhos da “democracia” e da “descentralização” serviram nessa altura em todos os partidos comunistas para assegurar aos revisionistas a conquista integral do aparelho do Partido e a liquidação das resistências de esquerda. Classificando de “culto da personalidade” as tradições de centralismo e disciplina, desacreditava-se o passado revolucionário dos partidos, criava-se um clima de tolerância e de falta de vigilância propício a todas as “inovações” revisionistas, conquistava-se a popularidade junto dos militantes mais atrasados, das camadas intelectuais e estudantis do Partido, embriagando-as com o sentimento da sua “autonomia” e “liberdade”.
Naturalmente, esta “democracia” funcionava só para um lado. Todas as vozes que se levantavam em defesa das posições revolucionárias eram atacadas e silenciadas sob a acusação de “defensores do culto da personalidade”, de “dogmáticos empedernidos”, “stalinistas”, etc. Sob a aparência de uma maior liberdade de opinião e iniciativa nas fileiras do Partido, dava-se toda a liberdade à direita e negava-se toda a liberdade à esquerda. A campanha pela “democracia interna” foi parte integrante na guerra de classe conduzida pelos revisionistas para desmantelar o Partido Comunista.
Como não podia deixar de ser, esta campanha conduziu à destruição do centralismo democrático no PCP e deu liberdade plena ao liberalismo, à anarquia, à confusão política e ideológica, à difusão da mentalidade e dos hábitos da burguesia nas fileiras do Partido. O PCP ficou sem defesas perante a repressão policial que lhe aplicou severos golpes nos anos seguintes e chegou em fins de 1959 à beira da desagregação. Cunhal fez depois dele o partido revisionista que hoje conhecemos.
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Fica de pé a questão: porque não houve qualquer resposta organizada da base e das estruturas do Partido à traição dos dirigentes? Isso foi possível porque a qualidade proletária revolucionária do PCP fora pouco a pouco destruída pela rotina oportunista, pelo praticismo, pela perda de todos os hábitos de luta ideológica. As perspectivas revolucionárias, a meta final do Partido, os princípios do marxismo-leninismo, a vigilância e a intransigência de classe tinham-se diluído pouco a pouco numa prática diária ao sabor do espontâneo.
Só assim se compreende como, apesar das suas realizações e da luta e do sacrifício de milhares de comunistas, apesar dos esforços de rectificação empreendidos pelo camarada José Gregório, o PCP acabou por deslizar sem resistência para o pântano do revisionismo.
Essa lição trágica deve para sempre acompanhar o nosso Partido reconstruído, despertar constantemente a sua vigilância para que nunca mais em Portugal seja possível a traição revisionista.
Inclusão | 30/09/2016 |