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Primeira Edição: O original encontra-se em http://www.correiocidadania.com.br/ , ed. 378, 04-11/Jan/2004. - http://www.correiocidadania.com.br/
Fonte: http://resistir.info
Transcriçãoe HTML: Fernando Araújo.
O ano 2004 encontra a humanidade colocada perante a alternativa sintetizada, noutro contexto histórico, por Rosa Luxemburgo: Socialismo ou Barbárie.
Não temos a menor idéia dos contornos que poderia assumir o socialismo do futuro. Mas a evolução da crise de civilização – a maior da história - fecha as saídas. Ou caminhamos para o abismo ou criamos condições para aprofundar a crise do capitalismo, inviabilizando a sua continuidade.
Sou otimista. Precisamente porque a humanidade, embora lentamente, começa a perceber que a sua sobrevivência é posta em causa por um sistema de poder monstruoso, acredito que o grande desafio da nossa época terá um desfecho positivo. A irracionalidade do sistema na sua forma última de capitalismo imperial de dominação planetária tende a acionar mecanismos cuja ação interna e externa, complementares, contribuirá para apressar a sua implosão.
Tomar consciência de que o projeto de sociedade robotizada que nos querem impor é tão medonho como o do III Reich é premissa da dinamização da luta em escala universal. Nesse sentido, os povos do Iraque e do Afeganistão, recusando a ocupação, abalam os alicerces da doutrina das guerras preventivas, emperram o funcionamento da engrenagem militar e iluminam o ventre da crise do sistema. Ao demonstrarem que é possível resistir nas circunstâncias mais adversas, apontam um rumo à humanidade.
Sendo hoje estrutural a crise do capitalismo nos EUA - como demonstra István Mészaros -, ela vai agravar-se, o que reforçará a agressividade do sistema de poder imperial. Cabe às forças progressistas contribuir para que, dialeticamente, a resistência se amplie também, diversificando-se. A grande maré de condenação das guerras e de solidariedade com as suas vítimas não deve ter refluxo. Mantê-la num nível sempre alto é exigência numa luta cuja globalização aparece como réplica à imposta pelo inimigo.
A solidariedade aos povos que resistem – e os da Palestina aparecem na linha de frente ao lado dos do Iraque e do Afeganistão – manifesta-se de maneira muito diferente nos países industrializados, cujos governos são cúmplices do sistema de poder imperial (em alguns casos, como os da Inglaterra, Espanha e Itália, sócios na agressão), e nos países do Terceiro Mundo.
é minha convicção que na América Latina o choque entre os povos e o pólo imperial vai se intensificar. A vulnerabilidade do sistema será mais transparente. Contribuirão para isso o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo nos EUA (gigantescos déficits fiscais, da conta corrente, da balança comercial, desvalorização do dólar, refluxo de capitais estrangeiros etc.), a condenação crescente das guerras na ásia e o avolumar de tensões com a União Européia.
O inevitável esforço de Washington para impor a ALCA em 2005 provocará a correspondente reação dos povos contra o projeto de recolonização imperial. Seria pura especulação prever que políticas, num ano eleitoral, desenvolverá a atual administração estadunidense relativamente à Venezuela e à Colômbia. A perigosa tentação da intervenção direta no último desses países será contrariada pelo temor de um fracasso militar cujas conseqüências seriam devastadoras para Washington.
Mas tudo indica que as dificuldades crescentes enfrentadas pelo sistema de dominação imperial em todo o mundo funcionarão como um estímulo ao projeto bolivariano que Chávez, acossado por uma oposição feroz e golpista, procura, numa conjuntura muito difícil, levar adiante.
Simultaneamente, na vizinha Colômbia, o sonho de Uribe Vélez – um representante das oligarquias mais anacrônicas do Hemisfério - desfez-se no confronto com a realidade. As FARC – hoje um exército de 18.000 homens que combate em 60 frentes - resistiram a todas as ofensivas que visavam aniquilá-las. O discurso que apresentava a destruição da insurgência guerrilheira pelas armas, repetindo o dos generais do Pentágono no Vietnã, foi desmoralizado no terreno.
À demonstração de que a resistência pelas armas é ainda possível em circunstâncias históricas e geográficas muito específicas, soma-se a certeza de que a intervenção das massas no processo político poderá pesar decisivamente no choque entre a América Latina e o sistema de poder imperial dos EUA.
Não cabe neste breve texto esboçar, mesmo sumariamente, as formas que a resistência tende a assumir nos países a Sul do rio Bravo. Mas os acontecimentos da Bolívia chamaram a atenção para uma evidência. A teimosa insistência imperial estadunidense em impor políticas neoliberais conduzirá a fracassos em cadeia. A capitulação de governos eleitos com o apoio de grandes maiorias poderá, como aconteceu no Equador, com Lúcio Gutierrez, gerar ilusões. Mas a derrota final espera essas manobras num Continente onde os povos têm uma sede insaciável de participar na construção do seu futuro.
é neste caldeirão efervescente que o povo brasileiro será confrontado em 2004 com a necessidade de opções inadiáveis. O discurso oficial do governo não consegue já ocultar o malogro de uma estratégia que, invocando a necessidade de pôr a casa em ordem e evitar o descalabro econômico e financeiro, foi gradualmente cimentada em concessões inaceitáveis ao imperialismo. Um banqueiro estadunidense mascarado de brasileiro à frente do Banco Central e políticos como Palocci, Furlan e outros assessorados por uma corte de oportunistas trataram de garantir a continuidade de uma estratégia neoliberal, enquanto prometiam para o imediato a política social que era o cerne do compromisso de Lula. O PT apodrece visivelmente.
0 Brasil, cujo leme é controlado por políticos que rumam contra o sentido da história, terá, assim o espero, que assumir no Continente o papel insubstituível para o qual está vocacionado. Não há discurso tático que possa justificar, na crise de civilização contemporânea, políticas de transição que servem aos objetivos de uma estratégia que encaminha a humanidade para o abismo.
Resistir, com a cabeça fria, com prudência, mas com firmeza e lucidez, é um dever para os povos da América Latina, tão diretamente ameaçados. Cada qual de acordo com a sua situação específica. Cuba, por exemplo, resiste heroicamente há 45 anos. A coragem demonstrada, num contexto de tragédia, pelos povos do Iraque, do Afeganistão e da Palestina lembra-nos de que o inimigo é mais vulnerável do que parece e que, cedo ou tarde, todos os povos terão de intervir na batalha, em defesa da sua própria sobrevivência.