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Já dissemos que Marx e Engels foram influenciados pelo Saint-Simonismo, no que se refere à emancipação das mulheres, sob a forma que se encontra expressa nos escritos da Jovem Alemanha. Acabamos de constatar que em 1844, esforçando-se em precisar os princípios fundamentais do comunismo, Marx critica as idéias do comunismo "grosseiro".
Quem, pois, representa essas idéias e em que meio elas foram propagadas? Encontramos uma resposta a essa questão na Santa Família de Marx e Engels, obra na qual eles ajustaram definitivamente as suas contas com a velha filosofia idealista. No capitulo referente ao materialismo francês, onde Marx mostra como as doutrinas desse materialismo conduziam diretamente ao socialismo e ao comunismo, ele cita os adeptos de Babeuf cuja doutrina, mais do que qualquer outra, estava em voga entre as organizações operárias revolucionarias: "materialistas grosseiros e incultos".
Na sua critica da família burguesa e do casamento burguês, esses materialistas caiam frequentemente no extremo oposto. Marx apreciava muito mais "a descrição magistral do casamento" exposta nas obras de Owen e, sobretudo nas de Fourier, em que ele opõe as doutrinas à vulgar filantropia de Eugene Sue. Segundo Marx, o príncipe Ruprecht, herói de Sue, não compreende que "toda situação da mulher na sociedade moderna a "desumaniza".
Nas passagens, extraídas das obras de Fourier e citadas por Marx, encontramos já idéias que aparecerão mais tarde no Manifesto:
"O adultério, a sedução honram os sedutores e são de bom tom... Mas, pobre moça! o infanticídio, que crime! Se quer conservar a honra, torna-se necessário que faça desaparecer os vestígios da desonra; e se ela sacrifica seu filho devido aos preconceitos do mundo, ela será mais desonrada ainda e se encontrará perante os preconceitos da lei... Tal é o circulo vicioso que descreve todo mecanismo civilizado...
Do mesmo modo que na gramática, duas negações constituem uma afirmação, num contrato de casamento duas prostituições formam uma virtude... A evolução de uma época histórica é determinada pela relação entre o progresso da mulher e a liberdade, pois das relações entre o homem e a mulher, entre o fraco e o forte, resulta nitidamente o triunfo da natureza humana sobre a bestialidade. O grau da emanciparão geral... A humilhação do sexo é um traço essencial e característico tanto da civilização como da barbárie, com a diferença que o vício é praticado pela barbárie sem ser enfeitado, enquanto que é elevado pela civilização ao grau de uma existência complexa, equivoca, inconveniente e hipócrita...
Ninguém é tão humilhado como o homem pelo crime de tratar a mulher como escrava".
No seu livro A situação da classe operária na Inglaterra, escrito durante o inverno de 1844-1845, Engels traçou o quadro da família operária. Ele assinalou o deboche sexual, como o maior dos vícios, lá onde o operário ainda não se tornou o membro consciente do exercito revolucionário dos trabalhadores e onde ainda permanece submetido à ordem social burguesa.
"Quando os homens são colocados numa situação que não satisfaz mais que a um animal, só lhe resta revoltar-se ou transformar-se em animal. Menos que todos os outros humanos, têm os burgueses o direito de repreender os operários dos excessos sexuais, pois eles próprios contribuem para o desenvolvimento da prostituição.
As condições em que a classe burguesa coloca os operários tornam impossível, segundo Engels, a vida normal da família".
Na primavera de 1845, Marx e Engels encontraram-se em Bruxelas.
Por aquela época, Marx dava um passo avante na concepção da sua doutrina social. Ele não se contenta mais com o materialismo "contemplativo" de Feuerbach:
"Os filosofes não fizeram senão explicar, o mundo de diferentes maneiras, trata-se agora de transformá-lo".
A existência determina a consciência, entretanto, essa existência não é só a existência natural, a natureza, mas também a existência social. O homem não é somente um produto da natureza, mas também, em um grau mais elevado, o do conjunto das relações sociais. A natureza influencia o homem, mas este também influencia a natureza e a modifica. A concepção materialista da transformação das circunstancias e da educação omite o fato de que as circunstancias são modificadas peles homens, e que o próprio educador deve ser educado. A coincidência entre a modificação das circunstancias e as da atividade humana não pode ser concebida e racionalmente explicada senão como pratica revolucionaria.
Marx e Engels afirmam definitivamente que para toda classe que aspira a dominação — mesmo que esta signifique, como é o caso para o proletariado, a abolição de todo o antigo regime — essa classe deve antes de mais nada conquistar o poder politico, afim de reformar a sociedade "segundo a sua própria imagem". A consciência comunista não pode evoluir senão quando os homens criam condições determinadas e que a pratica modifica-as num determinado sentido; isso só torna-se possível com o auxilio da revolução. Essa revolução torna-se
"necessária não só porque é impossível derrubar de qualquer outra maneira a classe dominante, mas ainda porque a classe que abole a antiga, não pode se purificar de toda podridão da velha sociedade e tornar-se capaz de criar uma sociedade nova senão pela revolução.
Em outras palavras, no curso da guerra civil e da revolução, o proletariado deve purificar-se de toda podridão da antiga sociedade burguesa, libertar-se de todos os vestígios das concepções nutridas pelo principio da propriedade privada, abandonar as velhas idéias sobre a religião, a moral, a família e o casamento; enfim, o próprio proletariado deve ser educado".
Marx e Engels expuseram as suas novas idéias numa grande obra, onde criticavam impiedosamente as doutrinas mais radicais dos intelectuais alemães, compreendendo as de Max Stirner. No seu livro O indivíduo e sua propriedade, Stirner dá a exposição a mais consequente do anarquismo filosófico, mas apesar de uma fraseologia muito radical que nada vem a perder das frases dos nossos poetas do "direito ao amor", Stirner, como o próprio titulo do seu livro demonstra, permanece um ideólogo do individualismo pequeno-burguês.
Na sua critica, Marx e Engels se referem também às concepções stirneanas do casamento e da família.
"Stirner — observam eles — quer novamente o poder da santidade lá onde dominam somente relações empíricas. O burguês considera as instituições da sociedade, como o judeu considera a lei: ele as transgride tanto quanto possível, em cada caso particular, mas ele desejaria que todos os outros se submetessem a elas. Se todos os burgueses transgredissem em massa, todas as leis da burguesia, eles deixariam de ser burgueses; mas essa idéia não lhes surge, bem entendido, e ela não depende frequentemente da sua vontade. Um burguês vicioso transgride o casamento e comete clandestinamente um adultério; um comerciante transgride a instituição da propriedade de outrem, com o auxilio da especulação, das bancarrotas, etc.; um jovem burguês reclama a independência com respeito à sua família, que ele desorganiza, em seu proveito, na pratica; mas o casamento, a propriedade privada e a família continuam, teoricamente, intatas, pois essas instituições apresentam um fundamento pratico, à base da qual a burguesia erigiu a sua dominação, pois na sua forma burguesa, essas instituições criam condições que fazem de um burguês um burguês, do mesmo modo que a lei sempre evitada, faz de um israelita praticante um israelita praticante. Essa relação dos burgueses com as condições da sua existência, encontra sua expressão geral na moral burguesa. A família não pode ser tratada como tal. Os burgueses dão à família o caráter de família burguesa onde os elementos que unem os seus membros são a repugnância e o dinheiro; à família burguesa corresponde a decomposição burguesa da família, e entretanto ela própria continua a existir. A sua enlameada existência corresponde também sua idéia sagrada, na fraseologia oficial e na hipocrisia geral. Lá onde a família está realmente decomposta, como vemos nos meios proletários, a idéia da família não existe totalmente, constatamos propensões para a vida familiar que dimanam das relações reais. No XVIII século, os filósofos destruíram a idéia da família, porque nos degraus superiores da civilização, a família real começava a desorganizar-se. A união interna da família estava destruída, como o estavam os elementos isolados que a formam, notadamente: a obediência, a devoção, a fidelidade conjugal, etc. Mas a corporação real da família, as relações econômicas, as particularidades, a coabitação forçada, as relações criadas pelo nascimento dos filhos, pela organização das cidades modernas e pela acumulação do capital, permanecem, porque a existência da família torna-se inevitável, por causa da sua ligação com o modo de produção, independente da boa vontade da sociedade burguesa. Essa necessidade se manifesta de uma maneira característica, na época da revolução francesa, em que a família, era, parece, abolida pela lei. A família continuou existir no século XIX, mas com a diferença que a sua decomposição tornou-se geral, graças à industria e à concorrência mais desenvolvida; ela continuou existindo, a despeito dos socialistas franceses e ingleses, que pregavam a sua destruição já muito antes da revolução francesa".
Inclusão | 07/09/2011 |